Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
3ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0016130-20.2016.4.03.6100

RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS DELGADO

APELANTE: PROTOGENES PINHEIRO DE QUEIROZ

Advogados do(a) APELANTE: ADIB ABDOUNI - SP262082-A, MARCOS VINICIUS DE MELO FREITAS - SP405504

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
3ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0016130-20.2016.4.03.6100

RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS DELGADO

APELANTE: PROTOGENES PINHEIRO DE QUEIROZ

Advogados do(a) APELANTE: ADIB ABDOUNI - SP262082-A, MARCOS VINICIUS DE MELO FREITAS - SP405504

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

R E L A T Ó R I O

 

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):

 

Trata-se de embargos de declaração opostos por MARIA AMÁLIA DELFIM DE MELO COUTRIM e por PROTÓGENES PINHEIRO DE QUEIROZ., contra acórdão proferido por esta 3ª Turma que, por unanimidade, deu parcial provimento à apelação deste último, “para excluir, da condenação, as sanções de perda da função pública e de suspensão dos direitos políticos”. 

 

Em suas razões recursais (ID 281336708), a Sra. MARIA AMÁLIA alega que o v. acórdão embargado padece de omissão, pois deixou de se manifestar “sobre a incidência do art. 119 do CPC/2015, que, ao regular a intervenção de terceiro na qualidade de assistente simples, dispõe que “pendendo causa entre 2 (duas) ou mais pessoas, o terceiro juridicamente interessado em que a sentença seja favorável a uma delas poderá intervir no processo para assisti-la””.

 

O Sr. PROTÓGENES, por sua vez, em seu recurso (ID 281217361), sustenta que a decisão colegiada embargada padece dos seguintes vícios:

 

- omissão, pois a fixação do dano moral coletivo, em R$ 100.000,00 (cem mil reais), desconsiderou o desfecho da Ação Penal n. 563, que concluiu pelo “afastamento da fixação de valor mínimo prevista no art. 387, IV, do Código de Processo Penal”;

 

- omissão, uma vez que a situação patrimonial descrita nas declarações de imposto de renda anexadas aos autos não retrata a realidade atual do demandado e, portanto, não poderiam ser adotadas como parâmetro para avaliar a razoabilidade do valor arbitrado a título de sanção pecuniária;

 

- erro material, pois não foi localizado o arquivo relativo ao ID 117795834 – p. 193-199;

 

- obscuridade, pois não há “elementos que indiquem situação financeira do réu que permita concluir pela observância da razoabilidade e da proporcionalidade na fixação da multa civil”;

 

- obscuridade, já que não especificou “os prejuízos advindos pela conduta atribuída ao réu de modo a apresentar balizas mais objetivas e assertivas relativa à quantificação do dano”.

 

 Intimado para os fins do artigo 1.023, § 2º, do Código de Processo Civil, o MPF apresentou contrarrazões (ID 281644257 e ID 281644259).

  

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
3ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0016130-20.2016.4.03.6100

RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS DELGADO

APELANTE: PROTOGENES PINHEIRO DE QUEIROZ

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APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

V O T O

 

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):

 

Inicialmente, saliento que a Sra, MARIA AMÁLIA DELFIM DE MELO COUTRIM não é parte nesta demanda.

 

A propósito, é importante consignar que essa ação visa apenas apurar a responsabilidade do réu pela prática de suposto ato de improbidade administrativa e não a reparação civil de terceiros atingidos reflexamente pela sua conduta. Assim, ausente o alegado interesse jurídico da referida embargante, inviável sua admissão como terceira interessada. A propósito, reitero o seguinte trecho ratificado no v. acórdão embargado:

 

Vistos os autos, verifico que a Sra. MARIA AMÁLIA DELFIM DE MELO COUTRIM apresentou petição em 15/01/2020, alegando ter sido vítima de exposição excessiva e vexatória na mídia, em razão da violação de sigilo funcional cometida pelo réu.

 

Na ocasião, contudo, ela não pediu seu ingresso no feito, mas tão somente "o acesso à integra dos autos da ação civil de improbidade administrativa epigrafada, para fins de acompanhamento das movimentações e dos atos processuais praticados, bem como para fins de extração de cópias" (ID 120072236 -p. 3).

 

Embora jamais tenha sido deferido, tal pleito se encontra agora prejudicado, uma vez que não mais remanesce o sigilo sobre todo o processo, mas tão somente em relação aos documentos fiscais do demandado, conforme se infere do despacho prolatado em 07/02/2020 (ID 123736229).

 

Ademais, nessa ação civil pública se objetiva a condenação do réu pela prática de improbidade administrativa e não a reparação civil de terceiros atingidos reflexamente pela sua conduta.

 

Assim sendo, a Sra. MARIA AMÁLIA DELFIM DE MELO COUTRIM não é parte neste processo, tampouco pode ser qualificada como terceira interessada, uma vez que ausente qualquer interesse jurídico que justifique sua inclusão no feito por qualquer das hipóteses de intervenção de terceiros, nos exatos termos da legislação processual civil, razão pela qual, público o processo, excluo-a do feito. Impende frisar também que as ações de improbidade são ações de natureza civil, razão pela qual à elas não se aplica a figura do "assistente de acusação" disciplinado no Código de Processo Penal.

Intimem-se.

 

Por conseguinte, os embargos de declaração por ela interpostos não merecem ser conhecidos.

 

No mais, o arbitramento dos valores relativos ao dano moral coletivo e à multa civil foi fundamentado com esteio nos efeitos da conduta do réu, sua capacidade financeira retratada nos autos, de acordo com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, bem como em estrita observância aos limites estabelecidos pela Lei n. 8.429/92, com a redação dada pela Lei n. 14.230/21.

 

Conquanto ostente o relevante papel constitucional de órgão uniformizador da interpretação acerca da legislação federal, e não de instância revisora do arcabouço fático-probatório, o C. Superior Tribunal de Justiça tem conhecido de recursos especiais que objetivam especificamente a alteração da quantia fixada a título de danos morais, quando esta se mostrar irrisória ou exorbitante, conforme se infere do seguinte precedente recentíssimo que trago à colação:

 

RECURSOS ESPECIAIS. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. ART. 535 DO CPC/1973. VIOLAÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE DE TRÂNSITO. TOMBAMENTO DE ÔNIBUS DE TURISMO. TURISTAS ESTRANGEIROS. LESÃO CORPORAL DO AUTOR. INCAPACIDADE LABORATIVA PARCIAL E PERMANENTE. MORTE DE CÔNJUGE. DANOS MORAIS E MATERIAIS. PRESTADORAS DO SERVIÇO DE AGENCIAMENTO DE TURISMO. CONCESSIONÁRIA DA RODOVIA. CONCAUSAS. CORRESPONSABILIDADE. NEXO CAUSAL. CONFIGURAÇÃO. PENSIONAMENTO MENSAL. TERMO FINAL. DANOS MORAIS. INDENIZAÇÃO. EXORBITÂNCIA. REDUÇÃO. NECESSIDADE. CAPITAL GARANTIDOR. SÚMULAS NºS 7 E 313/STJ. JUROS DE MORA. CITAÇÃO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS. FIXAÇÃO. LIMITES LEGAIS. OBSERVÂNCIA.

(…)

9. Constatada a exorbitância da indenização por danos morais fixada pelas instâncias locais, impõe-se que seja afastada a incidência da Súmula nº 7/STJ, e reduzida a referida verba compensatória. Na hipótese, ainda que se considere a aflição experimentada pelo recorrido e a gravidade dos prejuízos imateriais por ele suportados, a indenização, originalmente arbitrada em R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) deve ser reduzida para o valor de R$ 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil reais).

10. O fato de a recorrente ser concessionária de serviço público isoladamente não a exime da constituição de capital garantidor, nos termos da Súmula nº 313/STJ.

11. A verificação da capacidade econômica para o fim de autorizar a inclusão da vítima na folha de pagamento da empresa esbarra na censura da Súmula nº 7/STJ.

(…)”

(REsp n. 1.766.638/RJ, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 18/10/2022, DJe de 24/10/2022.)

 

Assim, eventual inconformismo com o valor das sanções pecuniárias deverá ser impugnado na via própria, não se podendo confundir vício da decisão com contrariedade em relação à conclusão adotada.

 

Por fim, não se vislumbra o alegado erro material, pois os documentos relativos ao ID 117795834 – p. 193-199 se referem exatamente às declarações de imposto de renda do réu anexadas aos autos e que se encontram sob sigilo.

 

O julgado embargado, portanto, não apresenta qualquer obscuridade, contradição ou omissão, nos moldes disciplinados pelo art. 1.022, I e II, do Código de Processo Civil, tendo a Turma Julgadora enfrentado regularmente a matéria de acordo com o entendimento então adotado. 

 

Com efeito, o v. acórdão expressamente consignou (ID 278537764):

 

Compulsando os autos, tem-se por comprovada reunião em 19/06/2008, no restaurante "El Tranvia" em São Paulo, na qual o delegado da polícia federal, Sr. Victor Hugo Alves Rodrigues, simularia a aceitação de vantagem indevida de supostos representantes de Daniel Dantas, com o compromisso de encerrar eventuais investigações que estivessem em curso na PF contra o referido banqueiro.

 

Em que pese o caráter sigiloso da operação, jornalistas da REDE GLOBO DE TELEVISÃO compareceram ao local e gravaram o encontro, valendo-se de informação que lhes tinha sido prévia e ilicitamente fornecida.

 

Jornalistas da mesma emissora também foram beneficiados pelo vazamento de informações acerca do cumprimento de mandados de busca e prisões, efetuadas no bojo da operação 'Satiagraha', contra o ex-prefeito, Celso Pitta, e o empresário Naji Nahas, comparecendo ao local das diligências antes mesmo dos próprios policiais.

 

Ambas as operações eram coordenadas pelo réu, que atuava como delegado da Polícia Federal à época.

 

Além disso, foi apresentada cópia do relatório de interceptações telefônicas anexado aos autos do Processo Criminal n. 2008.61.81.010136-1 (posteriormente autuado no STF como AP n. 563/SP) (ID 117796352 - p. 185-215).

 

No referido documento consta que o ID 39433 - da polícia federal - e o ID 39607 - pertencente a jornalista da TV Globo - mantiveram contato por 22 (vinte e duas) vezes em 19/06/2008 - data da reunião no restaurante "El Tranvia" - e outras 22 (vinte e duas) vezes em 08/07/2008 - época da deflagração da operação 'Satiagraha'.

 

Em depoimento colhido no IPL-2-447/2008, a delegada da Polícia Federal, KARINA MURAKAMI SOUZA, que também atuava na operação Satiagraha, confirmou que o ID 39433 pertencia ao réu, conforme se infere do seguinte trecho (ID 117796342 - p. 175): "(…); QUE sempre que precisava falar com o DPF QUEIROZ tinha grande dificuldade, isso porque o celular, cujo o número a Depoente não se recorda, normalmente ele não atendia e nem a Depoente não tentava, seguindo a instrução dele próprio, que recomendava o uso do rádio; QUE desse modo, quando a Depoente queria falar com o DPF QUEIROZ o chamava pelo rádio 39*433 (…)" (g.n.).

 

Tal informação foi corroborada no depoimento do escrivão da Polícia Federal, AMADEU RANIERI BELLOMUSTO, prestado no IPL-2-447/2008 e ratificado no Processo Criminal n. 2008.61.81.010136-1, posteriormente autuado no STF como AP n. 563/SP, nos seguintes termos (ID 117795841 - p. 91): "(…) ao que sabe, o DPF QUEIROZ nessa operação, alternava sua presença em Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro; QUE normalmente ele mantinha contato com a equipe utilizando rádio Nextel; QUE o Depoente utilizava o rádio nº 39*474, o Dr. QUEIROZ utilizava os de nºs 39*607 e 39*433; (…) QUE todos os telefones de prefixo 39, antes citados, eram locados pela DIP e os demais são particulares; QUE normalmente não tinham dificuldades em falar com o DPF PROTÓGENES (…)" (g.n.).

 

Com relação às gravações realizadas no restaurante "El Tranvia", na audiência realizada em 23/02/2010, no bojo do Processo Criminal autuado sob o n. 2008.61.81.010136-1, o jornalista ROBINSON BRAOIOS CERÂNTULA, embora tenha invocado o sigilo da fonte em inúmeras oportunidades, esclareceu que apenas seu colega, CÉSAR TRALLI, e o editor da emissora tiveram acesso a essas imagens, conforme se infere do seu depoimento (ID 117796356 - p. 219-221):

 

"É funcionário da REDE GLOBO DE TELEVISÃO e é jornalista de profissão. (…) Não conhece HUMBERTO BRAS e HUGO CHICARONI. Esses dois viu por ocasião da reunião entre eles no restaurante "EL TRANVIA" no dia 19.06.2008. Este nesse restaurante com seu colega de trabalho WILLIAM SANTOS com a finalidade de filmar o encontro entre HUMBERTO, HUGO e o delegado VITOR HUGO. Segundo informações, esse encontro referia-se a alguma investigação em curso e que poderia terminar em alguma prisão. (…) Segundo informações da Folha de S. Paulo, quem investigava nessa operação era o delegado PROTÓGENES. Ao chegar ao restaurante "EL TRANVIA", os três personagens citados já estavam no local. O depoente passou a filmar o encontro com câmera escondida. (…) A câmera, além do vídeo, captava áudio. As conversas dos três personagens não eram captadas em razão da distância; apenas as conversas do depoente e WILLIAM foram captadas. (…) O depoente filmou durante cerca de quarenta minutos essa reunião. Em meio à filmagem, o depoente foi ao toalete para verificar se a câmera estava funcionando e gravando. Nessa ocasião, a imagem do depoente foi captada no espelho do toalete. (…) Depois disso, tentou levantar a identidade dos dois acompanhantes do delegado, mas não obteve êxito. Veio a saber quem eram somente depois de deflagrada a OPERAÇÃO SATIAGRAHA, em julho de 2008. O depoente não sabe explicar como a filmagem já fazia parte do processo na 6ª Vara Criminal relativo à referida operação. Não sabe explicar como a sua filmagem foi parar no "pen-drive" apreendido com o acusado PROTÓGENES. O depoente também participou das filmagens realizadas durante a deflagração da OPERAÇÃO SATIAGRAHA; esteve em frente à casa de CELSO PITTA, ao passo que WILLIAM dirigiu-se à casa de NAJI NAHAS. O depoente chegou à casa de CELSO PITTA um pouco antes da POLÍCIA FEDERAL, pois sabia da deflagração que ocorreria naquela manhã. (…) O depoente confirma que utilizava  o telefone celular NEXTEL 7815-8387 ID 369*167 na época dos fatos, como até hoje o faz. (…) O depoente mostrou as filmagens que fez no restaurante "EL TRANVIA" para colegas da REDE GLOBO, citando CÉSAR TRALLI. (…) Apenas CÉSAR TRALLI e o editor tiveram acesso a essas filmagens. Indagado se compartilhou as filmagens com pessoas de fora da REDE GLOBO, o depoente invocou o direito ao sigilo da fonte." (g.n.)

 

A proximidade com o jornalista CÉSAR TRALLI reforçou a tese de diversos integrantes da operação de que o réu foi o autor dos vazamentos, conforme foi destacado pelo diretor do setor da Polícia Federal dedicado ao Combate ao Crime Organizado, ROBERTO CECILIANI TRONCON FILHO, em depoimento prestado na audiência realizada em 16/04/2010, no bojo do Processo Criminal n. 2008.61.81.010136-1 (ID 117796357 - p. 64-66).

 

"Na época dos fatos, (…) estava lotado na Diretoria de Combate ao Crime Organizado, sendo o diretor do órgão. O acusado Protógenes era lotado na Diretoria de Inteligência Policial, cujo diretor era o DPF Daniel Lorenz. (…) A operação Satiagraha teve início na gestão do diretor Paulo Lacerda. (…) O presidente do inquérito da referida "Operação Satiagraha" era o acusado Protógenes. Não havia subordinação do referido acusado ao depoente. (…) A operação Satiagraha deveria estar sendo realizada no âmbito da Diretoria de Combate ao Crime Organizado, na Divisão de Repressão aos Crimes Financeiros. Entretanto, como referida operação estaria em sua fase final, segundo informou ao delegado Lorenz, a mesma continuaria a cargo do Dr. Protógenes e no âmbito da Diretoria de Inteligência. (…) o Delegado Lorenz manifestara descontentamento com relação ao Delegado Protógenes em razão de um "vazamento" da operação para a Folha de São Paulo, que em fevereiro ou março divulgou matéria a respeito. (…) Na reunião do depoente, Delegado Lorenz e Protógenes soube que a operação envolvia Daniel Dantas e Banco Opportunity. Acertaram de realizar outras reuniões para tratar da operação, mas isso não ocorreu. Somente em junho é que voltou a se reunir com Protógenes e Paulo Teixeira que era o chefe de Divisão de Repressão a Crimes Financeiros, onde foi informado que a operação estaria para ser deflagrada, o que veio a ocorrer em julho.  Houve descontentamento em razão da presença da imprensa em local onde seriam cumpridos  mandados de busca e prisões. No caso de Celso Pitta, a imprensa havia chegado antes mesmo da equipe policial. Depois da deflagração, o depoente reuniu-se com outros policiais para tratar desse tema, estando presentes o Delegado Protógenes, Paulo de Tarso, o Superintendente Leadro, o Delegado Iegaz, a Delegada Juliana, dentre outros. Juliana foi quem cumpriu o mandado na casa de Celso Pitta. É usual que o coordenador de uma operação não faça parte das equipes de execução de mandados. No caso específico ainda houve um comando para que o Delegado Protógenes permanecesse na Superintendência à disposição de seus colegas que cumpririam os mandados. Entretanto, o Delegado Protógenes teria se deslocado ao local onde a delegada Juliana cumpriria mandados  na casa de Celso Pitta. Segundo ele informou, assim procedeu porque a delegada Juliana "estaria perdida". Juliana, porém, disse que isso não era verdade. Ela não pediu o auxílio de Protógenes. Este disse na reunião que tendo coordenado a operação achava que deveria participar das buscas. Especificamente sobre a presença de repórteres da Rede Globo no local das buscas, o Delegado Protógenes negou qualquer envolvimento com o fato.  Havia desconfianças de seus superiores de que ele estaria envolvido, em razão das ligações que ele teria com o repórter César Tralli, já que em outras operações comandadas por Protógenes a cobertura havia sido feita por esse repórter. Soube que o Delegado Protógenes, na reunião prévia antes da deflagração, chamada Briefing, disse na frente de todos os policiais e equipes o nome das pessoas contra as quais havia mandados de prisão. Isso não é usual, não é a praxe da Inteligência, pois cada equipe deve ter conhecimento apenas do seu próprio trabalho (…)". (g.n.)

 

A propósito, inúmeros depoimentos colhidos no referido Processo Criminal revelaram que o réu adotou comportamento absolutamente atípico na época da deflagração da operação. Neste sentido, por exemplo, quebrou o protocolo e revelou o nome dos alvos para todos os policiais que estavam no "briefing". Tal medida não era irrefletida, já que a publicidade de tais informações poderia dificultar a identificação do autor dos vazamentos. Para confirmar a extravagância desse comportamento do réu, cito o seguinte trecho do depoimento do Corregedor da PF, colhido no Processo Criminal n. 2008.61.81.010136-1:

 

"O depoente não atuou e não teve qualquer contato com a Operação Satiagraha. É Corregedor Geral da PF desde dezembro 2008. (…) Acredita que conste de manuais de operações a vedação de se revelar o nome dos alvos abertamente durante o "briefing" de uma operação. Afirma que a regra é manter em sigilo os alvos, entregando a cada equipe um envelope sobre algo específico, ou orientações e instruções de procedimento para cada equipe. A regra é o sigilo, mas o grau de sigilo varia de acordo com a natureza da operação (…)" (depoimento da testemunha VALDINHO JACINTO CAETANO, Corregedor da Polícia Federal, colhido em 26/04/2010 - ID 117796357 - p. 102 )

 

O réu ainda descumpriu ordem direta dos superiores de permanecer na sede da Polícia Federal e se dirigiu para o local do cumprimento dos mandados de busca e prisão e, quando interpelado por seu superior ao telefone, acerca do motivo da insubordinação, apresentou justificativa inverídica - de que estaria auxiliando a delegada da Polícia Federal, JULIANA FERRER TEIXEIRA, a encontrar o local da diligência. Aliás, isso é o que se extrai da leitura dos depoimentos da referida delegada e do superior imediato do réu à época, colhidos na esfera penal.

 

"(…) É lotada na DELEFIN, em São Paulo. Não participou das investigações relativas à OPERAÇÃO SATIAGRAGHA. Alguns dias antes de sua deflagração, a depoente soube através do DPF PELLEGRINI que cumpriria mandado de busca na casa do ex-prefeito CELSO PITTA. (…) No dia da deflagração, por volta de 04:00 da manhã, a depoente compareceu ao auditório da superintendência regional em São Paulo, onde foi realizado o "briefing" (…). Não era comum ou usual na exposição da operação fazer referências a nomes de investigados. No caso aqui tratado, o delegado PROTÓGENES revelou os nomes de CELSO PITTA e NAJI NAHAS como pessoas que seriam presas naquela operação. (…) Ao término da exposição, as equipes são chamadas e entregues os malotes contendo os respectivos mandados e ofícios. Não é comum a distribuição de celulares para as equipes, já que cada policial utiliza o seu próprio aparelho. (…) Na saída, o delegado PROTÓGENES disse à depoente que iria acompanhá-la para mostrar o caminho da casa do ex-prefeito CELSO PITTA. A depoente não pediu ajuda dele, esclarecendo que conhece as ruas de SÃO PAULO, bem como o local da diligência. PROTÓGENES já estava com a equipe dele preparada em outras duas viaturas. A depoente foi convidada por PROTÓGENES para ir na viatura dele, pois ele dizia que iria mostrar onde era o local da busca. No trajeto, a depoente percebeu que PROTÓGENES teve conversas acaloradas, por telefone, com o delegado PAULO DE TARSO. Este questionava o motivo do procedimento por ele adotado, ou seja, estar ele realizando a diligência. Normalmente, quem coordena uma operação não executa as diligências. Na conversa acalorada, PROTÓGENES disse ao seu interlocutor que fora a depoente quem pediu a ajuda dele, o que não é verdade, pois a depoente não fez esse tipo de pedido. A duas quadras do local, o delegado PROTÓGENES mandou parar a viatura, onde a depoente desceu para seguir em outra viatura. Naquele momento, PROTÓGENES designou o escrivão WALTER GUERRA, pelo que recorda, e um outro policial para ficar de apoio à equipe da depoente. Não sabe qual o destino que tomou o delegado PROTÓGENES. A depoente passou em frente à casa de CELSO PITTA, constatando que não havia ninguém na rua. Seguiu para dar uma volta no quarteirão, de forma lenta, para dar o horário das 06:00 da manhã e para ver se havia saída nos fundos. Na segunda passagem pelo local, constatou que havia um cinegrafista filmagens. Resolveu desembarcar rapidamente e realizar a diligência (…). Durante o "briefing", como é normal em qualquer outra operação, as equipes são chamadas uma a uma e a cada qual é entregue um malote com os mandados a serem cumpridos. Não é usual anunciar para todo o auditório o que cada equipe vai fazer." (depoimento da testemunha JULIANA FERRER TEIXEIRA, Delegada da Polícia Federal, colhido em 23/02/2010, ID 117796356 - p. 224-226). (g.n.)

 

"Na época dos fatos chefiava a DEFIN, Divisão de Combate aos Crimes Financeiros, afeta a Diretoria de Combate aos Crimes Organizados. (…) O depoente participou do "briefing" da operação, onde o delegado Protógenes citou o nome de dois alvos: Celso Pitta e Naji Nahas, o que contrariava a praxe desse tipo de operação. Apenas as equipes responsaveis por determinadas diligências é que recebem os dossiês específicos (…). Os manuais policiais determinam que o coordenador da operação, assim como o responsável pelo planejamento da operação, permanecessem na base. Tanto o depoente quanto o Superintendente disseram ao Delegado Protógenes para que permanecesse na base, conforme o planejamento da operação. Percebeu Protógenes saindo do auditório com a equipe da Delegada Juliana. O Superintendente foi atrás dele, tendo Protógenes esclarecido que apenas tiraria dúvidas da delegada. Depois de algum tempo, percebendo que Protógenes não retornou o depoente telefonou para o seu celular, indagando se ele havia deixado a Superintendência. Protógenes respondeu que estava no estacionamento, explicando para a delegada o trajeto para chegar no alvo. Depois de algum tempo, o depoente telefonou para Protógenes, tendo ele dito que estava passando pelo Largo do Paissandu. O depoente disse a Protógenes que ele havia descumprido uma ordem sua e do superintendente. Protógenes respondeu que o depoente havia autorizado a sua saída. O depoente determinou que Protógenes retornasse à sede da Superintendência, tendo ele retornado depois de algum tempo. (…) Em nenhum momento o Delegado Protógenes manifestou a vontade de acompanhar as diligências de busca. O depoente telefonou duas vezes para o Delegado Protógenes, pois suspeitava de que ele pudesse querer realizar as diligências (…). A segunda conversa por telefone foi tensa, pois Protógenes disse que o depoente havia autorizado a sua saída do local, o que era mentira. (…)" (depoimento da testemunha PAULO DE TARSO TEIXEIRA, Delegado da Polícia Federal, colhido em 26/04/2010,/ ID 117796357 - p. 107-109) (g.n.)

 

Apesar desses subterfúgios, seus companheiros de operação não tiveram dificuldades em apontar exclusivamente o réu como autor dos vazamentos, logo após a deflagração da operação, conforme confirmou um dos delegados da Polícia Federal em depoimento colhido no Processo Criminal n. 2008.61.81.010136-1.

 

"O depoente participou da deflagração da Operação Satiagraha. (…) Comandou a equipe que cumpriria mandados na casa de Naji Nahas. Ao chegar ao local, constatou a presença de um cinegrafista da Rede Globo de Televisão, cujo nome era William, segundo sua lembrança. Imediatamente telefonou para o seu chefe, o delegado Ricardo Saad (…). O depoente pediu para o cinegrafista ficar do outro lado da calçada para não atrapalhar a diligência. Indagado, o cinegrafista não quis dizer a mando de quem estava no local. Durante o "briefing" da operação, o Delegado Protógenes citou o nome de dois alvos: Naji Nahas e Celso Pitta, o que chamou a atenção porque eram pessoas públicas (…). O depoente chegou ao local da busca já próximo às 06h00 da manhã. O cinegrafista já estava no local, com a câmera na mão. (…) A presença do cinegrafista causou estresse e aumentou a adrenalina do depoente e equipe, fato que deve também à própria casa de Naji Nahas, que era uma fortaleza guardada por 5 cães enormes. (…) Não houve prejuízo para o cumprimento do mandado judicial decorrente da presença do cinegrafista; o prejuízo foi emocional, pois a equipe do depoente sentiu estresse desnecessário naquele momento (…) Participou de uma reunião realizada após a deflagração da operação, na qual foi tratado sobre a presença da imprensa no local das diligências, bem como o descumprimento de ordem hierárquica. Participaram desse reunião, dentre outros, o Superintendente da PF/SP, o Dr. Troncon, o Dr. Paulo de Tarso, a Dra. Juliana, o Dr. Protógenes. Houve muita discussão, acusações mútuas (…). A reunião foi gravada, sendo dado conhecimento da gravação (…). Lembra que houve um questionamento do Dr. Protógenes sobre a necessidade da gravação, tendo ele solicitado uma cópia da mesma. (…) As acusações eram feitas contra o Delegado Protógenes. (…)Na reunião levantava-se a suposição de que informação a imprensa teria sido dada pelo Delegado Protógenes, mas ele negava tal fato" (depoimento da testemunha LEOPOLDO ANDRADE DE SOUZA, Delegado da Polícia Federal, colhido em 26/04/2010, ID 117796357 - p. 104-106) (g.n.)

 

Como se não bastasse, na busca e apreensão realizada na casa do réu, foi encontrado um pendrive preto da marca Kingston (ID 117796347 - p. 91 - item 11). Ao periciar o referido equipamento, constatou-se que havia um arquivo de mídia justamente com a filmagem original realizada pela TV Globo da ação controlada, ocorrida no restaurante 'El Tranvia', com a imagem de um dos jornalistas refletida no espelho, embora tenha sido dito por um dos funcionários da referida emissora que apenas CÉSAR TRALLI e um dos editores tiveram acesso a tal conteúdo.

 

Consta ainda que o demandado, em razão dos mesmos fatos, foi condenado pela Suprema Corte, na AP n. 563/SP, pela prática do crime de violação de sigilo funcional qualificado, previsto no artigo 325, §2º, do Código Penal. Eis a ementa do referido julgado:

 

"Ementa: AÇÃO PENAL. CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA (VIOLAÇÃO DE SIGILO FUNCIONAL) E CONTRA A ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA (FRAUDE PROCESSUAL). ACUSADO, CONDENADO EM PRIMEIRA INSTÂNCIA, QUE ASSUME MANDATO DE DEPUTADO FEDERAL. RECURSO DE APELAÇÃO PENDENTE DE JULGAMENTO PELO RESPECTIVO TRIBUNAL. PRERROGATIVA DE FORO QUE IMPÕE DESLOCAMENTO DE COMPETÊNCIA PARA O SUPREMO TRIBUNAL. PRELIMINARES AFASTADAS. MANUTENÇÃO PARCIAL DA CONDENAÇÃO. NOTIFICAÇÃO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS PARA FINS DO ART. 55, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA.

1. Incumbe ao Supremo Tribunal Federal, nos termos do art. 102, I, b, da Constituição, processar e julgar originariamente, nas infrações penais comuns (como no caso), os membros do Congresso Nacional desde o momento em que passam a ter direito a assento na cadeira parlamentar, com a expedição do diploma (art. 53, § 1º, da Constituição).

2. Manifestando-se a prerrogativa de foro após a sentença proferida pelo juízo de primeiro grau e pendente de julgamento a apelação, passa a causa à jurisdição do STF, para aqui ter seu prosseguimento a partir do estado em que se encontra, legítimos os atos anteriormente nela praticados.

3. Nesses casos, o julgamento da apelação pelo Supremo Tribunal Federal deve observar, inclusive quanto às sustentações orais (ordem de apresentação e tempo de duração), o regime próprio dos recursos (e não o das ações penais originárias).

4. As circunstâncias do caso impedem o desmembramento em relação ao corréu despido da prerrogativa de foro. Demais preliminares afastadas.

5. Absolvição dos apelantes da imputação de fraude processual (art. 347, parágrafo único, do Código Penal), por força do art. 386, III, do Código de Processo Penal.

6. Condenação à reprimenda do art. 325, caput, do Código Penal, com declaração de extinção da punibilidade pela prescrição, nos termos dos arts. 109, VI, e 110, ambos do Código Penal; e à do art. 325, § 2º, do Código Penal, substituída por duas restritivas de direito, mantida a perda do cargo público.

7. Afasta-se a estipulação de valor mínimo prevista no art. 387, IV, do Código de Processo Penal, sem prejuízo da persecução correspondente em procedimento autônomo, quando fora de dúvida a ausência de contraditório a respeito.

8. Controvérsia no âmbito desta Suprema Corte a respeito da competência para decretar a perda do mandato no caso de condenação criminal transitada em julgado. Orientação original que deve prevalecer, no sentido de a atribuir à Casa Legislativa a que pertence o parlamentar condenado. Inteligência do art. 55, § 2º, da Constituição da República."

(AP 563, Relator(a): TEORI ZAVASCKI, Segunda Turma, julgado em 21/10/2014, DJe-234 DIVULG 27-11-2014 PUBLIC 28-11-2014 EMENT VOL-02760-01 PP-00001) (g.n.)

 

Embora reconheça a independência entre as responsabilidades nas esferas cível e criminal, o artigo 935 do Código Civil estabelece que não se pode "questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal " (g.n.).

 

As provas colhidas no curso da instrução, portanto, demonstraram satisfatoriamente que o réu, de forma livre e consciente, forneceu informações sigilosas a jornalistas da REDE GLOBO DE TELEVISÃO, a fim de beneficiar repórter que já havia feito inúmeras coberturas de suas operações anteriores, incorrendo, portanto, no ilícito tipificado no artigo 11, III, da LIA, com redação dada pela Lei n. 14.230/2021.

 

Em decorrência, verificada a prática dolosa do ato ímprobo, a condenação do réu é de rigor, devendo ser mantida a sentença de 1º grau neste aspecto.

 

Com relação à perda da função pública e à suspensão dos direitos políticos, verifica-se que a Lei n. 14.230/2021 revogou sua incidência nos casos de violação dos princípios da Administração Pública, taxativamente tipificados no artigo 11 da LIA.

 

Assim, em respeito ao princípio da não ultra-atividade das normas, excluo tais sanções da condenação.

 

No mais, nas palavras do próprio réu, dirigidas à delegada da Polícia Federal, KARINA MURAKAMI SOUZA, quando do ingresso dela na equipe, a operação 'Satiagraha' se tratava de uma "operação de Inteligência Policial, que aquela operação era muito sensível e poderia mudar os destinos do país". No entanto, com a sua conduta, o réu colocou seriamente em risco os resultados daquela persecução criminal, já que os vazamentos tiveram ampla divulgação nos meios de comunicação de massa.

 

Com efeito, de posse das informações fornecidas pelo réu, os jornalistas chegaram ao local das diligências antes mesmo da própria polícia, o que poderia servir de alerta e, consequentemente, provocar a frustração dos mandados de busca e de prisão, com a eventual eliminação ou ocultação de provas pelos investigados. Aliado a isso, houve o aumento do risco a que estariam submetidos os policiais, tendo em vista que não detinham mais o "fator surpresa", bem como a deterioração máxima da imagem dos investigados, com sua exposição em situação vexatória na imprensa nacional.

 

Por outro lado, em nenhum momento o réu colaborou para evitar o resultado ilícito de sua conduta, ao contrário, quebrou protocolos no dia da operação justamente para dificultar sua identificação como autor dos vazamentos.

 

À luz desse contexto e à míngua de recurso do Ministério Público Federal, não se constata violação aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade na fixação da multa civil em 10 (dez) vezes o último vencimento recebido pelo réu, sobretudo considerando a gravidade da conduta e as modificações do artigo 12 da LIA após a entrada em vigor da Lei n. 14.230/2021.

 

Por fim, passo a apreciar a condenação do demandado no pagamento de indenização por danos morais coletivos.

 

A autonomia da reparação por danos extrapatrimoniais foi contemplada como direito fundamental pelo artigo 5, incisos V e X, da Constituição Federal, in verbis:

 

"Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(…)

V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;

(…)

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;"

 

O artigo 52 do Código Civil, por sua vez, equiparou a proteção conferida aos direitos de personalidade das pessoas naturais e das pessoas jurídicas.

 

Como se não bastasse, a Lei n. 7.347/85, que disciplina a ação civil pública, em seu artigo 1º, com a redação dada pela Lei n. 12.529/2011, estabeleceu ser esse o instrumento adequado para postular a reparação por danos morais a interesses coletivos, in verbis:

 

"Art. 1º  Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados:

(…)

V - a qualquer outro interesse difuso ou coletivo."

 

A configuração do dano moral coletivo, por sua vez, pressupõe o cometimento de ato que danifique a esfera extrapatrimonial de um grupo e agrida, de modo ilegal e intolerável, os valores fundamentais da sociedade, causando repulsa e indignação na consciência coletiva (Precedente: STJ, AREsp n. 1.927.324/SP, relator Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 5/4/2022, DJe de 7/4/2022).

 

No caso vertente, a divulgação das informações sigilosas pelo réu trouxe inegável prejuízo à imagem da Polícia Federal, uma vez que promoveu a espetacularização das referidas operações policiais e, consequentemente, fragilizou a confiança que os cidadãos depositam em tal instituição.

 

É certo que ninguém está imune a responder por processos perante à Justiça. Entretanto, não pode o próprio agente público, com a sua conduta ilegal, provocar a exposição exagerada e vexatória, na imprensa nacional, de pessoas cuja culpa definitiva sequer havia sido formada pelo Poder Judiciário.

 

Ademais, ao se utilizar das informações que detinha, exclusivamente em razão do cargo, para beneficiar particular, o réu inegavelmente violou o princípio da moralidade administrativa, valor este tão caro à imagem do Estado perante a coletividade, bem como colocou em risco seus colegas servidores públicos e a própria efetividade do trabalho policial então desenvolvido.

 

Por conseguinte, considerando a lesão intolerável aos valores fundamentais da moralidade administrativa, da privacidade e da efetividade da atividade policial, bem como seu nexo de causalidade com o ato ímprobo praticado pelo réu, sua responsabilização por danos morais coletivos é de rigor.

 

No mais, tendo em vista o robusto patrimônio do demandado descrito em sua declaração de imposto de renda (ID 117795834 - p. 193-199), a gravidade da lesão à imagem da Polícia Federal e as funções pedagógica e reparatória da sanção, deve ser mantida a fixação dos danos morais coletivos em R$ 100.000,00 (cem mil reais), pois atende aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

 

Ante o exposto, proponho a ratificação da decisão ID 280130468, restando prejudicado o agravo interno interposto por Maria Amália Delfim de Melo Coutrim; rejeito a preliminar ao mérito de ausência de interesse processual, na modalidade necessidade, assim como a preliminar de mérito prescrição da pretensão condenatória, assim como a alegação de cerceamento de defesa e, no mérito, dou parcial provimento à apelação do réu, tão somente para excluir, da condenação, as sanções de perda da função pública e de suspensão dos direitos políticos, conforme revogação expressa da Lei n. 14.230/21 e, no mais, mantenho íntegra a r. sentença proferida em 1º grau de jurisdição.

 

Saliente-se que a decisão é obscura "quando ininteligível, quer porque mal-redigida, quer porque escrita à mão com letra ilegível. Um dos requisitos da decisão judicial é a clareza; quando esse requisito não é atendido, cabem embargos de declaração para buscar esse esclarecimento" (DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil: Meios de impugnação às decisões judiciais e processo nos tribunais. V. 3, 3ª ed., Salvador: Juspodivm, 2007, p. 159).

 

Neste sentido, decisão do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, in verbis (destaquei):

 

"EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. ART. 535 DO CPC. OBSCURIDADE. INEXISTÊNCIA DO VÍCIO. EMBARGOS REJEITADOS.

 

1. Nos termos do art. 535 do CPC, os embargos de declaração apenas são cabíveis, dada sua função integrativa, quando constar no julgamento obscuridade ou contradição ou quando o julgador for omisso na análise de questão-chave para a forma de como se dará o desfecho da lide, sendo de responsabilidade do embargante, em seu arrazoado, não só apontar o ponto em que estaria o decisório inquinado de vício, mas também tecer argumentação jurídica competente demonstrando a repercussão gerada em seu direito.

 

2. O vício da obscuridade passível de correção é o que se detecta no texto do decisum, referente à falta de clareza - dada a falta de legibilidade de seu texto ou a imprecisão quanto à motivação da decisão -, o que não se constata na espécie.

 

3. Embargos de declaração rejeitados.

 

(EDcl no AgRg no AREsp 666.851/SC, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 18/06/2015, DJe 03/08/2015)."

 

Dessa forma, verifica-se que se pretende, no recurso do réu, rediscutir matéria já decidida por este Tribunal, emprestando-lhe indevida natureza infringente, o que não é possível em sede de declaratórios.

 

Cumpre observar que os embargos de declaração têm a finalidade de esclarecer obscuridades, contradições e omissões da decisão, acaso existentes. Não é instrumento processual viável à manifestação de inconformismo, rediscussão do julgado ou, ainda, prequestionar matéria para interposição de recursos especial ou extraordinário, ausentes as hipóteses delineadas no art. 1.022, I e II, do Código de Processo Civil. Precedentes: STJ, EDcl no AgRg no RMS 45707, Rel. Min. Felix Fischer, j. 09/06/2015 e EDcl no Ag 1104774/RS, Rel. Min. Nefi Cordeiro, j. 07/08/2014, DJe 22/08/2014.

 

Ante o exposto, não conheço do recurso interposto por MARIA AMÁLIA DELFIM DE MELO COUTRIM, bem como nego provimento aos embargos de declaração opostos pelo réu.

 

É como voto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

 

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. PEDIDO DE INTERVENÇÃO DE TERCEIRO COMO ASSISTENTE. AUSÊNCIA DE INTERESSE JURÍDICO RATIFICADO. RECURSO DA REQUERENTE NÃO CONHECIDO. ERRO MATERIAL. OBSCURIDADE, CONTRADIÇÃO E OMISSÃO. INOCORRÊNCIA. EVIDENTE NATUREZA INFRINGENTE. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO DO RÉU DESPROVIDO.

1 - A Sra, MARIA AMÁLIA DELFIM DE MELO COUTRIM não é parte nesta demanda. A propósito, é importante consignar que essa ação visa apenas apurar a responsabilidade do réu pela prática de suposto ato de improbidade administrativa e não a reparação civil de terceiros atingidos reflexamente pela sua conduta. Assim, ausente o alegado interesse jurídico da referida embargante, inviável sua admissão como terceira interessada.

2 - Inexistência de erro material, obscuridade, contradição ou omissão na decisão embargada, nos moldes do art. 1.022, I e II, CPC.

3 - Inadmissibilidade de reexame da causa, por meio de embargos de declaração, para conformar o julgado ao entendimento da parte embargante. Natureza nitidamente infringente.

4 – Recurso da Sra. MARIA AMÁLIA não conhecido. Embargos de declaração do réu desprovidos.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, A Turma, por unanimidade, não conheceu do recurso interposto por MARIA AMÁLIA DELFIM DE MELO COUTRIM, bem como negou provimento aos embargos de declaração opostos pelo réu. Impedida a Des. Fed. Adriana Pileggi, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.