AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5011291-81.2023.4.03.0000
RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS DELGADO
AGRAVANTE: CONSELHO REGIONAL DOS DESPACHANTES DOCUMENTALISTAS DO ESTADO DE SAO PAULO
Advogado do(a) AGRAVANTE: RODOLFO CESAR BEVILACQUA - SP146812-A
AGRAVADO: AGUIDA APARECIDA MARCIANO DE PADUA BARBOSA
Advogados do(a) AGRAVADO: EDWARD DOS SANTOS JUNIOR - SP361609-N, MARINA DE FATIMA MORAIS MENDES - SP457732
OUTROS PARTICIPANTES:
AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5011291-81.2023.4.03.0000 RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS DELGADO AGRAVANTE: CONSELHO REGIONAL DOS DESPACHANTES DOCUMENTALISTAS DO ESTADO DE SAO PAULO Advogado do(a) AGRAVANTE: RODOLFO CESAR BEVILACQUA - SP146812-A AGRAVADO: AGUIDA APARECIDA MARCIANO DE PADUA BARBOSA Advogados do(a) AGRAVADO: EDWARD DOS SANTOS JUNIOR - SP361609-N, MARINA DE FATIMA MORAIS MENDES - SP457732 OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR): Trata-se de agravo de instrumento, com pedido de antecipação da pretensão recursal, interposto pelo CONSELHO REGIONAL DOS DESPACHANTES DOCUMENTALISTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO – CRDD/SP, contra decisão proferida pelo Juízo Federal da 10ª Vara Cível Federal de São Paulo que, em mandado de segurança impetrado por AGUIDA APARECIDA MARCIANO DE PADUA BARBOSA, deferiu a liminar “para que – sem ser exigível por agora tanto a inscrição no Conselho Regional de Despachantes Documentalistas (CRDD) como a graduação em nível tecnológico como despachante documentalista em curso reconhecido na forma da lei, e desde que óbice outro não haja a tanto, conforme exame que caberá ao DETRAN/SP realizar, e sem prejuízo de atender a parte impetrante o art. 4º, I a III, da Portaria DETRAN/SP n. 32/2010, e com evidente incidência de seu art. 5º, caput, e também sem que se vede ao DETRAN/SP limitar a quantidade e qualidade de dados acessíveis via Sistema E-CRV nos moldes da Lei Federal n. 13.709/18 (art. 2º, I e IV, 6º, VII, VIII e X, 7º, I, 8º, 11, I e § 1º, 15, 16, 37, 38 e 39) - seja a(s) parte(s) impetrante(s) cadastrada(s) e habilitada(s) junto ao sistema do DETRAN, e, se necessário também junto ao sistema da PRODESP, como despachante(s) documentalista(s) com a consequente disponibilização do Sistema e-CRV/SP, possibilitando-lhe(s) o livre exercício da profissão, devendo, ainda, orientar os diretores de Unidades de Trânsito no sentido de que é a parte impetrante despachante documentalista devidamente cadastrado no DETRAN/SP.” Em suas razões, alega que “a exigência de diploma para o exercício do ofício de despachante documentalista encontra-se veiculada em uma lei federal que é constitucional sob as óticas formal e material, pois aprovada em um processo legislativo hígido e que não feriu qualquer regra ou princípio previstos na Lei Maior do Estado, na medida em que exige formação profissional adequada apara o exercício do labor, atendendo ao interesse público primário da sociedade na regulamentação da matéria”. Foi indeferida a antecipação da tutela recursal (ID 277460766). Não houve apresentação de contraminuta. O Ministério Público Federal, não vislumbrando interesse público que justificasse sua intervenção, manifestou-se pelo regular processamento do feito (ID 280599566). É o relatório.
AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5011291-81.2023.4.03.0000 RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS DELGADO AGRAVANTE: CONSELHO REGIONAL DOS DESPACHANTES DOCUMENTALISTAS DO ESTADO DE SAO PAULO Advogado do(a) AGRAVANTE: RODOLFO CESAR BEVILACQUA - SP146812-A AGRAVADO: AGUIDA APARECIDA MARCIANO DE PADUA BARBOSA Advogados do(a) AGRAVADO: EDWARD DOS SANTOS JUNIOR - SP361609-N, MARINA DE FATIMA MORAIS MENDES - SP457732 OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR): Trata-se do exercício da profissão de despachante documentalista. A Constituição assegura o livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer (artigo 5º, XIII). Tratando-se de garantia relativa a direitos humanos, as exigências previstas em lei devem ser interpretadas de forma restritiva e adequada à sua finalidade, sob pena de violação à liberdade e à dignidade da pessoa humana. Não é demais relembrar que o e. Supremo Tribunal Federal expressou entendimento no sentido de que “as limitações ao livre exercício das profissões serão legítimas apenas quando o inadequado exercício de determinada atividade possa vir a causar danos a terceiros e desde que obedeçam a critérios de adequação e razoabilidade” (ADPF n.º 183). Na medida em que não há direito adquirido a regime jurídico, salvo o direito adquirido e desde que observados os parâmetros fixados pela Corte Suprema, não há óbice à disposição legal quanto a requisitos para o exercício legal da profissão. Nesse sentido, anoto os seguintes precedentes: “ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. REGISTRO PROFISSIONAL. CONSELHO REGIONAL DE CONTABILIDADE. CONCLUSÃO DO CURSO ANTES DA ALTERAÇÃO DO DECRETO-LEI Nº 9.295/1946 PELA LEI Nº 12.249/2010. REQUISITO PARA INSCRIÇÃO PREENCHIDO SOB A ÉGIDE DA LEI PRETÉRITA. DIREITO ADQUIRIDO. EXAME DE SUFICIÊNCIA. DISPENSA. RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO. 1. A implementação dos requisitos para a inscrição no respectivo conselho profissional no momento da conclusão do curso, gera direito adquirido à obtenção do registro profissional. O exame de suficiência criado pela Lei nº 12.249/2010 não pode retroagir para alcançar o direito dos que já haviam completado curso técnico ou superior em Contabilidade sob a égide da legislação pretérita. 2. Recurso especial improvido.” (STJ, 1ª Turma, REsp 1452996, relator Ministro Sérgio Kukina, d.j. 03.06.2014) “ADMINISTRATIVO. REEXAME NECESSÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. REGISTRO PROFISSIONAL. CONSELHO REGIONAL DE CONTABILIDADE. CONCLUSÃO DO CURSO ANTES DA ALTERAÇÃO DO DECRETO-LEI Nº 9.295/1946 PELA LEI Nº 12.249/2010. REQUISITO PARA INSCRIÇÃO PREENCHIDO SOB A ÉGIDE DA LEI PRETÉRITA. DIREITO ADQUIRIDO. EXAME DE SUFICIÊNCIA. DISPENSA. SEGURANÇA CONCEDIDA. SENTENÇA MANTIDA. O exame de suficiência criado pela Lei nº 12.249/2010 não pode retroagir para alcançar o direito dos que já haviam completado curso técnico ou superior em Contabilidade sob a égide da legislação pretérita, como é o caso dos autos. Precedentes do C. STJ. Sentença mantida. Remessa oficial desprovida.” (TRF3, 4ª Turma, REOMS 00004038920144036100, relatora Desembargadora Federal Marli Ferreira, d.j. 12.03.2015) A Lei n.º 10.602/2002 instituiu o Conselho Federal dos Despachantes Documentalistas do Brasil (CFDD) e os Conselhos Regionais dos Despachantes Documentalistas dos Estados e do Distrito Federal (CRDD), com personalidade jurídica de direito privado. Foi vetada, à razão de que “inexiste no ordenamento jurídico lei a disciplinar a profissão de ‘despachante documentalista’”, a disposição inicialmente prevista em seu artigo 4º, no sentido de que o exercício da profissão de despachante documentalista seria privativo das pessoas habilitadas pelo CRDD de sua jurisdição. Ressalta-se que o e. Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 1.717, julgou inconstitucionais o caput e os § 1º, 2º, 4º, 5º, 6º, 7º e 8º, do artigo 58, da Lei n.º 9.649/1998, dada a “indelegabilidade, a uma entidade privada, de atividade típica de Estado, que abrange até poder de polícia, de tributar e de punir, no que concerne ao exercício de atividades profissionais regulamentadas”. Ainda, por violação à competência legislativa da União, a Corte Suprema já havia julgado procedentes Ações de Direta de Inconstitucionalidade relativa a legislações estaduais que regulamentavam a profissão de despachante documentalista ou exigiam inscrição no CRDD (confira-se: ADI n.º 4.387, relativa à Lei n.º 8.107/1992 do Estado de São Paulo; ADI n.º 5.251, referente à Lei n.º 7.660/2014 do Estado de Alagoas). Posteriormente, foi editada a Lei n.º 14.282/2021, que, apesar de proposta de veto por possível inconstitucionalidade, restou promulgada, na forma do artigo 66, § 5º, da Constituição, com vigência a partir da data de sua publicação, em 29.12.2021. Em seu artigo 5º, II, foi estabelecida como condição ao exercício da profissão de despachante documentalista, dentre outras, a graduação em nível tecnológico como despachante documentalista, em curso reconhecido na forma da lei, verbis: “Art. 5º São condições para o exercício da profissão de despachante documentalista: I - ter idade igual ou superior a 18 (dezoito) anos ou ser emancipado na forma da lei; II - ser graduado em nível tecnológico como despachante documentalista em curso reconhecido na forma da lei; III - estar inscrito no respectivo conselho regional dos despachantes documentalistas. Parágrafo único. O conselho regional dos despachantes documentalistas, em cumprimento ao inciso II deste artigo, expedirá a habilitação, respeitada a competência adquirida no curso de graduação tecnológica.” Ainda, em seu artigo 12, restou assegurado o exercício da profissão àqueles que, na data da publicação da Lei, estivessem inscritos em sindicatos e associações de despachantes documentalistas, em pleno exercício da atividade, e aos que comprovassem, preenchidos os requisitos definidos pelo Conselho Federal ou pelos conselhos regionais, o exercício das funções inerentes de despachante documentalista: “Art. 12. É assegurado o título de despachante documentalista, com pleno direito à continuidade de suas funções, nos termos desta Lei, aos profissionais que estejam inscritos nos conselhos regionais dos despachantes documentalistas na data de publicação desta Lei. Parágrafo único. Aplica-se o caput deste artigo aos inscritos em sindicatos e associações de despachantes documentalistas, em pleno exercício da atividade, e aos que comprovarem, preenchidos os requisitos definidos pelo Conselho Federal ou pelos conselhos regionais, o exercício das funções inerentes de despachante documentalista, enquanto não regulamentado o curso previsto no inciso II do art. 5º desta Lei.” Quanto ao ponto, frisa-se que se encontra em fase recursal a Ação Civil Pública n.º 0004510-55.2009.4.03.6100, em que o Ministério Público Federal questionava diversas disposições da Lei n.º 10.602/2002, dentre as quais a obrigatoriedade de registro no Conselho. No acórdão proferido por esta 3ª Turma, de ofício, foi reconhecida “a aplicação da Lei nº 14.282/2021 somente aos pedidos de inscrição no Conselho Regional dos Despachantes Documentalistas posteriores a 27 de dezembro de 2021”: “CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONSELHO DOS DESPACHANTES DOCUMENTALISTAS. INSCRIÇÃO. IMPOSIÇÃO DE CONDIÇÕES NÃO PREVISTAS NA LEI 10.602/2002. EXIGÊNCIA A PARTIR DA SUPERVENIÊNCIA DA LEI 14.282/2021. FATO NOVO. APELAÇÕES PREJUDICADAS. REMESSA NECESSÁRIA NÃO CONHECIDA. 1. Trata-se de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal em face do Conselho Federal dos Despachantes Documentalistas do Brasil – CFDD/BR e do Conselho Regional dos Despachantes Documentalistas de São Paulo – CRDD/SP. 2. Em 28 de dezembro de 2021, sobreveio a Lei nº 14.282/2021 que estabeleceu condições para o exercício da profissão de despachante documentalista, tais como a graduação em nível tecnológico em curso reconhecido na forma da lei e a inscrição no respectivo conselho regional. 3. Conquanto os réus sejam considerados autarquias corporativas, ainda não havia a regulamentação legal da profissão de despachante documentalista, prevista na Classificação Brasileira de Ocupações, até o dia 27 de dezembro de 2021, o que impossibilitava a exigência de inscrição, anuidades, taxas ou multas, como condição do exercício profissional em questão, porque a Lei nº 10.602/2002 não contém referência a nenhum requisito técnico necessário ao exercício da profissão. 4. As exigências antes consideradas ilegais, por estarem previstas somente em atos normativos, agora são válidas para os pedidos de inscrição formulados a partir de 28 de dezembro de 2021, perante o Conselho Regional dos Despachantes Documentalistas do Estado de São Paulo. Precedente. 5. O novo diploma legal assegurou o título de despachante documentalista aos profissionais já inscritos nos conselhos regionais, aos inscritos em sindicatos e associações de despachantes e que estejam em pleno exercício da atividade, e àqueles que comprovarem o exercício da função, de acordo com os requisitos definidos pelo Conselho Federal ou pelos conselhos regionais, enquanto não regulamentado o curso de graduação em nível tecnológico. 6. A lei, porém, nada dispôs em relação aos despachantes que obtiveram a sua inscrição no conselho de classe sem a apresentação do “Diploma SSP”, curso de qualificação profissional ou outra exigência símile, prevista em atos normativos emanados do Conselho Federal e/ou Conselhos Regionais. Nesses casos, os juízes e tribunais vinham concedendo a inscrição profissional, independentemente do cumprimento dessas exigências. 7. Registre-se que a regra adotada pelo ordenamento jurídico é de que a norma não poderá retroagir, isto é, a lei nova não será aplicada às situações constituídas sobre a vigência da lei revogada ou modificada; logo, na hipótese supramencionada, é de rigor assegurar a continuidade do exercício profissional e a manutenção de registro no respectivo conselho de classe. 8. Apelações prejudicadas e remessa necessária não conhecida.” (TRF3, 3ª Turma, ApelRemNec 0004510-55.2009.4.03.6100, relator Desembargador Federal Nelton dos Santos, j. 10.10.2022) Por seu turno, no que tange à graduação em nível tecnológico como despachante documentalista, há se observar que, conforme disposto no artigo 2º, parágrafo único, da Lei n.º 9.131/1995, no sistema federal de ensino, a autorização para o funcionamento, o credenciamento e o recredenciamento de universidade ou de instituição não-universitária, o reconhecimento de cursos e habilitações oferecidos por essas instituições, assim como a autorização prévia dos cursos oferecidos por instituições de ensino superior não-universitárias, serão tornados efetivos mediante ato do Poder Executivo, conforme regulamento. Somente os diplomas de cursos superiores reconhecidos, quando registrados, terão validade nacional como prova da formação recebida por seu titular, na forma do artigo 48 da Lei n.º 9.394/1996, que, em seu artigo 46, dispôs que a autorização e o reconhecimento de cursos, bem como o credenciamento de instituições de educação superior, terão prazos limitados, sendo renovados, periodicamente, após processo regular de avaliação. Conforme regulamentado no artigo 46 do Decreto n.º 9.235/2017, a instituição protocolará pedido de reconhecimento de curso no período compreendido entre cinquenta por cento do prazo previsto para integralização de sua carga horária e setenta e cinco por cento desse prazo, observado o calendário definido pelo Ministério da Educação. Segundo informação constante do Cadastro e-MEC – Cadastro Nacional de Cursos e Instituições de Educação Superior, do Ministério da Educação, atualmente há um único curso ativo de tecnológico como despachante documentalista, prestado pelo Centro Universitário Leonardo Da Vinci – UNIASSELVI, na modalidade à distância, iniciado em 14.02.2022. Assim, sequer se tem até o momento curso devidamente reconhecimento pelo MEC para graduação em nível tecnológico como despachante documentalista, de sorte que tal exigência implica indevido óbice ao livre exercício de profissão. Neste sentido é o entendimento desta 3ª Turma: “AGRAVO DE INSTRUMENTO. ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONSELHO REGIONAL DOS DESPACHANTES DOCUMENTALISTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO/SP. INSCRIÇÃO. LEI Nº 14.282/2021. 1. O art. 5º, inc. XIII, da CF, dispõe que“é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer.” 2. A Lei nº 14.282/2021 exige como condição para o exercício da profissão de despachante documentalista a graduação em nível tecnológico em curso reconhecido na forma da lei. 3. No caso concreto, diante da inexistência do curso exigido, deve ser aplicado o disposto no parágrafo único, do art. 12, da Lei nº 14.282/2021, qual seja, permissão do título de despachante documentalista enquanto não regulamentado o curso previsto no inciso II do art. 5º da Lei 14.282/2021, até que referido curso ou outro, sejam reconhecidos como válidos pelo MEC, não podendo a autoridade impetrada, por ora, restringir o exercício profissional do impetrante. 4. Agravo de instrumento improvido.” (TRF3, 3ª Turma, AI 5011297-88.2023.4.03.0000, relatora Desembargadora Federal Consuelo Yoshida, j. 06.07.2023) Ante o exposto, nego provimento ao agravo de instrumento. É como voto.
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. LIVRE EXERCÍCIO DE PROFISSÃO. CONSELHO PROFISSIONAL. DESPACHANTE DOCUMENTALISTA. INSCRIÇÃO POSTERIOR À LEI 14.282/2021. GRADUAÇÃO EM NÍVEL TECNOLÓGICO. AUSÊNCIA DE CURSO RECONHECIDO PELO MEC. ÓBICE INDEVIDO. RECURSO DESPROVIDO.
1. Trata-se do exercício da profissão de despachante documentalista.
2. A Constituição assegura o livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer (artigo 5º, XIII). Tratando-se de garantia relativa a direitos humanos, as exigências previstas em lei devem ser interpretadas de forma restritiva e adequada à sua finalidade, sob pena de violação à liberdade e à dignidade da pessoa humana.
3. O e. Supremo Tribunal Federal expressou entendimento no sentido de que “as limitações ao livre exercício das profissões serão legítimas apenas quando o inadequado exercício de determinada atividade possa vir a causar danos a terceiros e desde que obedeçam a critérios de adequação e razoabilidade” (ADPF n.º 183).
4. Na medida em que não há direito adquirido a regime jurídico, salvo o direito adquirido e desde que observados os parâmetros fixados pela Corte Suprema, não há óbice à disposição legal quanto a requisitos para o exercício legal da profissão. Precedentes.
5. A Lei n.º 10.602/2002 instituiu o Conselho Federal dos Despachantes Documentalistas do Brasil (CFDD) e os Conselhos Regionais dos Despachantes Documentalistas dos Estados e do Distrito Federal (CRDD), com personalidade jurídica de direito privado. Foi vetada, à razão de que “inexiste no ordenamento jurídico lei a disciplinar a profissão de ‘despachante documentalista’”, a disposição inicialmente prevista em seu artigo 4º, no sentido de que o exercício da profissão de despachante documentalista seria privativo das pessoas habilitadas pelo CRDD de sua jurisdição.
6. O e. Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 1.717, julgou inconstitucionais o caput e os § 1º, 2º, 4º, 5º, 6º, 7º e 8º, do artigo 58, da Lei n.º 9.649/1998, dada a “indelegabilidade, a uma entidade privada, de atividade típica de Estado, que abrange até poder de polícia, de tributar e de punir, no que concerne ao exercício de atividades profissionais regulamentadas”. Ainda, por violação à competência legislativa da União, a Corte Suprema já havia julgado procedentes Ações de Direta de Inconstitucionalidade relativa a legislações estaduais que regulamentavam a profissão de despachante documentalista ou exigiam inscrição no CRDD (confira-se: ADI n.º 4.387, relativa à Lei n.º 8.107/1992 do Estado de São Paulo; ADI n.º 5.251, referente à Lei n.º 7.660/2014 do Estado de Alagoas).
7. Posteriormente, foi editada a Lei n.º 14.282/2021, que, apesar de proposta de veto por possível inconstitucionalidade, restou promulgada, na forma do artigo 66, § 5º, da Constituição, com vigência a partir da data de sua publicação, em 29.12.2021. Em seu artigo 5º, II, foi estabelecida como condição ao exercício da profissão de despachante documentalista, dentre outras, a graduação em nível tecnológico como despachante documentalista, em curso reconhecido na forma da lei. Ainda, em seu artigo 12, restou assegurado o exercício da profissão àqueles que, na data da publicação da Lei, estivessem inscritos em sindicatos e associações de despachantes documentalistas, em pleno exercício da atividade, e aos que comprovassem, preenchidos os requisitos definidos pelo Conselho Federal ou pelos conselhos regionais, o exercício das funções inerentes de despachante documentalista.
8. Frisa-se que se encontra em fase recursal a Ação Civil Pública n.º 0004510-55.2009.4.03.6100, em que o Ministério Público Federal questionava diversas disposições da Lei n.º 10.602/2002, dentre as quais a obrigatoriedade de registro no Conselho. No acórdão proferido por esta 3ª Turma, de ofício, foi reconhecida “a aplicação da Lei nº 14.282/2021 somente aos pedidos de inscrição no Conselho Regional dos Despachantes Documentalistas posteriores a 27 de dezembro de 2021”.
9. Há se observar que, conforme disposto no artigo 2º, parágrafo único, da Lei n.º 9.131/1995, no sistema federal de ensino, a autorização para o funcionamento, o credenciamento e o recredenciamento de universidade ou de instituição não-universitária, o reconhecimento de cursos e habilitações oferecidos por essas instituições, assim como a autorização prévia dos cursos oferecidos por instituições de ensino superior não-universitárias, serão tornados efetivos mediante ato do Poder Executivo, conforme regulamento. Somente os diplomas de cursos superiores reconhecidos, quando registrados, terão validade nacional como prova da formação recebida por seu titular, na forma do artigo 48 da Lei n.º 9.394/1996, que, em seu artigo 46, dispôs que a autorização e o reconhecimento de cursos, bem como o credenciamento de instituições de educação superior, terão prazos limitados, sendo renovados, periodicamente, após processo regular de avaliação. Conforme regulamentado no artigo 46 do Decreto n.º 9.235/2017, a instituição protocolará pedido de reconhecimento de curso no período compreendido entre cinquenta por cento do prazo previsto para integralização de sua carga horária e setenta e cinco por cento desse prazo, observado o calendário definido pelo Ministério da Educação.
10. No que tange à graduação em nível tecnológico como despachante documentalista, segundo informação constante do Cadastro e-MEC – Cadastro Nacional de Cursos e Instituições de Educação Superior, do Ministério da Educação, atualmente há um único curso ativo, prestado pelo Centro Universitário Leonardo Da Vinci – UNIASSELVI, na modalidade à distância, iniciado em 14.02.2022. Assim, sequer se tem até o momento curso devidamente reconhecido pelo MEC para graduação em nível tecnológico como despachante documentalista, de sorte que tal exigência implica indevido óbice ao livre exercício de profissão.
11. Assegurado que a graduado em nível tecnológico como despachante documentalista não constitua óbice à inscrição no respectivo Conselho Regional dos Despachantes Documentalistas.
12. Recurso desprovido.