AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5028371-58.2023.4.03.0000
RELATOR: Gab. 18 - DES. FED. GISELLE FRANÇA
AGRAVANTE: AGENCIA NACIONAL DE ENERGIA ELETRICA - ANEEL
AGRAVADO: LUIS OTAVIO BRITTO FERNANDES
Advogado do(a) AGRAVADO: FERNANDO NIMER TERRABUIO - SP350318-A
OUTROS PARTICIPANTES:
INTERESSADO: ENERGISA MATO GROSSO DO SUL - DISTRIBUIDORA DE ENERGIA S.A.
ADVOGADO do(a) INTERESSADO: GEORGE OTTAVIO BRASILINO OLEGARIO - PB15013-A
AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5028371-58.2023.4.03.0000 RELATOR: Gab. 18 - DES. FED. GISELLE FRANÇA AGRAVANTE: AGENCIA NACIONAL DE ENERGIA ELETRICA - ANEEL AGRAVADO: LUIS OTAVIO BRITTO FERNANDES Advogado do(a) AGRAVADO: FERNANDO NIMER TERRABUIO - SP350318-A OUTROS PARTICIPANTES: INTERESSADO: ENERGISA MATO GROSSO DO SUL - DISTRIBUIDORA DE ENERGIA S.A. R E L A T Ó R I O A Desembargadora Federal Giselle França: Trata-se de agravo de instrumento interposto contra r. decisão que deferiu a liminar em mandado de segurança destinado a afastar a incidência dos artigos 292, § 3º e 671-A da Resolução Normativa ANEEL nº 1.000/2021, acrescidos pela Resolução Normativa ANEEL nº 1.059/2023, com a manutenção da impetrante no enquadramento “B”, na qualidade de participante do Sistema de Compensação de Energia Elétrica – SCEE. A AGENCIA NACIONAL DE ENERGIA ELETRICA – ANEEL, impetrada e ora agravante (ID 281041551), assim sintetizou os fatos: “Cuida-se de mandado de segurança, com pedido liminar, ajuizado por LUIS OTAVIO BRITTO FERNANDES em face do Diretor Geral da ANEELL e do Diretor Presidente da ENERGISA Mato Grosso do Sul - Distribuidora de Energia S.A. O impetrante alega que adquiriu sistema de energia fotovoltaica em meados do ano de 2020. A usina de geração de energia fotovoltaica foi instalada na Unidade Geradora 10/1894751-5 e a energia produzida é enviada a outras nove unidades consumidoras de titularidade do impetrante. Afirma que as resoluções da ANEEL e Decretos vigentes quando da aquisição e instalação do sistema de geração de energia "permitiam que o impetrante realizasse a transferência de crédito de energia da unidade geradora para outras nove unidades consumidoras de sua titularidade, sem pagar nada mais por isso, participando assim do Sistema de Compensação de Energia Elétrica (SCEE)." Alega ainda que ao tempo da instalação do sistema, a legislação permitia que "consumidores do Grupo A optassem pelo faturamento no Grupo B, ou seja, que pagassem apenas pela energia consumida. Tais consumidores são denominados “B Optante”, ou “Optante BT”" e que não existia nenhuma restrição quanto a essa possibilidade. Afirma que "que tanto a opção de faturamento idêntica a do Grupo B, quanto à possibilidade de participação do Sistema de Compensação de Energia Elétrica (SCEE), com alocação de créditos excedentes entre unidade geradora e unidade consumidora, de mesma titularidade, são direitos assegurados pelas RN 414/2010 e RN 482/2012 da ANEEL, bem como Decreto n. 62.724/1968, vigentes à época em que o impetrante adquiriu sistema de geração de energia solar." Observa que "tanto unidade consumidora 10/9001393-9, quanto a unidade geradora 10/1894751-5 estavam devidamente regulamentadas e atendiam todos os critérios previamente estabelecidos, conforme as resoluções da ANEEL, até então vigentes.". No entanto, assevera que em fevereiro de 2023 a ANEEL publicou nova Resolução Normativa, RN 1.059/2023, alterando a RN 1.000/2021, alterando as regras então vigentes. Na sequência, disse que em 27/02/2023 recebeu mensagem da Energisa para que "contratasse demanda de geração e carga junto à Energisa, no prazo de 30 dias, se optasse por continuar realizando faturamento pelo grupo B, caso contrário o faturamento seria pelo grupo A." Afirma ainda que em 23/05/2023 recebeu nova notificação na qual foi informado que compulsoriamente o seu faturamento seria realizado com a tarifa aplicada ao grupo A. O impetrante afirma que as novas regas de faturamento implicará num aumento substancial do custo anual de energia na unidade consumidora 10/9001393-9, conforme laudo técnico, anexado à inicial. Assim, afirma que o custo anual da unidade consumidora "passaria de R$ 1.056,60 (mil e cinquenta e seis reais e sessenta centavos) para R$ 22.440,00 (vinte e dois mil quatrocentos e quarenta reais), o que representa aumento de 2.123,79% (dois mil cento e vinte e três vírgula setenta e nove por cento)." Nessa toada, alega que houve violação ao princípio da irretroatividade e da legalidade. Sustenta que a recente Resolução 1059/2023 da ANEEL alterou o artigo 292 da Resolução 1000/2021, acrescentou o § 3.° e previu condições específicas a serem atendidas simultaneamente para que as unidades com micro e minigeração distribuída, participantes do SCEE, possam optar pelo faturamento do grupo B. Alega ainda que o prazo fixado no artigo 671-A, de 60 dias, não foi observado, já que a concessionária de energia concedeu prazo menor de 30 dias para regularização. Sustenta também que o §3° do art. 292 e art. 671-A da RN 1.000/2021, com redação da RN 1.059/2023, está em desacordo com a "previsão do art. §1º do art. 11 da Lei n. 14.300/2022, o qual estabelece que as unidades consumidoras tem a possibilidade de opção pelo faturamento no grupo B, desde que atendido um único critério, qual seja, o limite da potência nominal total dos transformadores." Diz ainda que na época da aquisição e instalação do sistema fotovoltaico, ou seja, em meados de 2020, o Decreto 62.724/1968 permitia a opção de faturamento pelo grupo B, sem as exigências referidos, e que isso viola seu direito adquirido e o ato jurídico perfeito”. Neste recurso, a agravante anota que o impetrante faz parte do Sistema de Compensação de Energia Elétrica - SCEE “o qual a energia ativa é injetada por unidade consumidora com microgeração ou minigeração distribuída na rede da distribuidora local, cedida a título de empréstimo gratuito e posteriormente utilizada para compensar o consumo de energia elétrica ativa ou contabilizada como crédito de energia de unidades consumidoras participantes do sistema”. Todavia, após verificações, identificou que os participantes do Sistema na modalidade de compensação deixavam de pagar componentes tarifários diversos do custo direto da energia. Em outros termos, uma vez compensado integralmente o custo energético, outros custos como o “custo de rede” (inerentes à uma fatura convencional e decorrente do uso da rede do sistema) simplesmente não constavam da fatura. Observou um movimento de consumidores do Grupo A que, visando à vantagem do faturamento no Grupo B (Optante B), buscavam maximizar ainda mais seus benefícios com o uso da Microgeração e Minigeração Distribuída, compensando seu consumo e deixando de pagar pela demanda, o que ocasionaria prejuízo aos demais consumidores, não participantes do SCEE. Tal constatação provocou uma revisão das normas legais e regulamentares, inicialmente com a Resolução Normativa nº 687/2015, que promoveu alterações na Resolução nº 482/2012, de modo a não permitir a participação no SCEE de consumidores Optantes B. Posteriormente, com a edição da Lei Federal nº 14.300/2022 e da Resolução Normativa ANEEL nº 1.059/2023, a fim de evitar o chamado “subsídio cruzado”, estabeleceu-se situação excepcional de permissão para que unidade consumidora do Grupo A seja, ao mesmo tempo, participante do SCEE e Optante B, sob determinadas condições. Conclui, assim, pela legitimidade da cobrança das demandas efetuadas pelos consumidores de baixa e alta tensão. Argumenta com orientação do Superior Tribunal de Justiça em caso análogo (Tema nº. 63), no sentido de ser legítima a cobrança para fins de tarifa tanto da demanda contratada quanto da utilizada, o que atenderia o equilíbrio contratual do serviço público de distribuição de energia elétrica. Afirma que o impetrante pretende a pura e simples isenção do pagamento de demanda, quando o propósito do “Optante B” é a simplificação do faturamento em razão da natureza de utilização de suas unidades, as quais possuem certa dificuldade de previsão ou controle quanto a demanda a ser contratada. Aduz inocorrência de violação aos princípios da irretroatividade e da segurança jurídica, considerada a previsão expressa de “regra de transição” na Lei Federal nº 14.300/2022. Anota que a autorização para enquadramento como “Optante B” e participação concomitante no SCEE não afasta a fiscalização e tampouco o cumprimento das normas regulamentares supervenientes. O pedido de antecipação da tutela foi deferido (ID 281733635). A parte agravada opôs embargos de declaração (ID 282273706), em que apontou suposta omissão e contradição na análise da opção pelo faturamento no Grupo B. Teria ocorrido supressão de instância na análise acerca da ilegalidade cometida pela ANEEL, por inovar, em sede de regulamentação, o princípio da legalidade. Aduz seu direito adquirido, porque os microgeradores já estavam conectados quando da edição da regulamentação impugnada. A decisão teria sido omissa por falta de fundamentação e, por fim, haveria contradição, pois, haveria vedação expressa a novo enquadramento. Contrarrazões (ID 282899259). É o relatório.
ADVOGADO do(a) INTERESSADO: GEORGE OTTAVIO BRASILINO OLEGARIO - PB15013-A
AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5028371-58.2023.4.03.0000 RELATOR: Gab. 18 - DES. FED. GISELLE FRANÇA AGRAVANTE: AGENCIA NACIONAL DE ENERGIA ELETRICA - ANEEL AGRAVADO: LUIS OTAVIO BRITTO FERNANDES Advogado do(a) AGRAVADO: FERNANDO NIMER TERRABUIO - SP350318-A OUTROS PARTICIPANTES: INTERESSADO: ENERGISA MATO GROSSO DO SUL - DISTRIBUIDORA DE ENERGIA S.A. ADVOGADO do(a) INTERESSADO: GEORGE OTTAVIO BRASILINO OLEGARIO - PB15013-A V O T O A Desembargadora Federal Giselle França: A Lei Federal nº 9.427/1996 instituiu a Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL e, dentre outras providências, disciplinou o regime das concessões de serviços públicos de energia elétrica. As atribuições da ANEEL foram assim definidas: Art. 2º. A Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL tem por finalidade regular e fiscalizar a produção, transmissão, distribuição e comercialização de energia elétrica, em conformidade com as políticas e diretrizes do governo federal. (...) Art. 3º. Além das atribuições previstas nos incisos II, III, V, VI, VII, X, XI e XII do art. 29 e no art. 30 da Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, de outras incumbências expressamente previstas em lei e observado o disposto no § 1º, compete à ANEEL: (Redação dada pela Lei nº 10.848, de 2004) (Vide Decreto nº 6.802, de 2009). I - implementar as políticas e diretrizes do governo federal para a exploração da energia elétrica e o aproveitamento dos potenciais hidráulicos, expedindo os atos regulamentares necessários ao cumprimento das normas estabelecidas pela Lei no 9.074, de 7 de julho de 1995; (...) XVIII - definir as tarifas de uso dos sistemas de transmissão e distribuição, sendo que as de transmissão devem ser baseadas nas seguintes diretrizes:(Incluído pela Lei nº 10.848, de 2004) a) assegurar arrecadação de recursos suficientes para a cobertura dos custos dos sistemas de transmissão, inclusive das interligações internacionais conectadas à rede básica; (Redação dada pela Lei nº 12.111, de 2009) b) utilizar sinal locacional visando a assegurar maiores encargos para os agentes que mais onerem o sistema de transmissão; (Incluído pela Lei nº 10.848, de 2004) Posteriormente, a Lei Federal nº. 14.300/2022 instituiu o “marco legal da microgeração e minigeração distribuída”, modificando as formas de faturamento dos consumidores com minigeração de energia ou com projetos de minigeração aprovados em 2022, da seguinte forma: Art. 1º. Para fins e efeitos desta Lei, são adotadas as seguintes definições: I – autoconsumo local: modalidade de microgeração ou minigeração distribuída eletricamente junto à carga, participante do Sistema de Compensação de Energia Elétrica (SCEE), no qual o excedente de energia elétrica gerado por unidade consumidora de titularidade de um consumidor-gerador, pessoa física ou jurídica, é compensado ou creditado pela mesma unidade consumidora; II – autoconsumo remoto: modalidade caracterizada por unidades consumidoras de titularidade de uma mesma pessoa jurídica, incluídas matriz e filial, ou pessoa física que possua unidade consumidora com microgeração ou minigeração distribuída, com atendimento de todas as unidades consumidoras pela mesma distribuidora; (...) Art. 9º. Podem aderir ao SCEE os consumidores de energia, pessoas físicas ou jurídicas, e suas respectivas unidades consumidoras: I – com microgeração ou minigeração distribuída com geração local ou remota; II – integrantes de empreendimento com múltiplas unidades consumidoras; III – com geração compartilhada ou integrantes de geração compartilhada; IV – caracterizados como autoconsumo remoto. Parágrafo único. Não poderão aderir ao SCEE os consumidores livres que tenham exercido a opção de compra de energia elétrica, conforme as condições estabelecidas nos arts. 15 e 16 da Lei nº 9.074, de 7 de julho de 1995, ou consumidores especiais que tenham adquirido energia na forma estabelecida no § 5º do art. 26 da Lei nº 9.427, de 26 de dezembro de 1996. (...) Art. 11. É vedado novo enquadramento como microgeração ou minigeração distribuída das centrais geradoras que já tenham sido objeto de registro, de concessão, de permissão ou de autorização no Ambiente de Contratação Livre (ACL) ou no Ambiente de Contratação Regulada (ACR), ou tenham entrado em operação comercial para geração de energia elétrica no ACL ou no ACR ou tenham tido sua energia elétrica contabilizada no âmbito da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) ou comprometida diretamente com concessionária ou permissionária de distribuição de energia elétrica, no ACR, e a concessionária ou permissionária de distribuição de energia elétrica deve identificar esses casos perante a Aneel. § 1º. Unidades consumidoras com geração local, cuja potência nominal total dos transformadores seja igual ou inferior a uma vez e meia o limite permitido para ligação de consumidores do Grupo B, podem optar por faturamento idêntico às unidades conectadas em baixa tensão, conforme regulação da Aneel. § 2º. É vedada a divisão de central geradora em unidades de menor porte para se enquadrar nos limites de potência para microgeração ou minigeração distribuída. § 3º. (VETADO). (Promulgação partes vetadas) A determinação legal foi regulamentada na Resolução Normativa nº 1.000/21 da ANEEL, com as modificações feitas pela Resolução Normativa nº 1.059/23, verbis: Art. 2º. Para os fins e efeitos desta Resolução, são adotadas as seguintes definições: (...) I-A - autoconsumo remoto: modalidade de participação no SCEE caracterizada por: (Incluído pela REN ANEEL 1.059, de 07.02.2023) a) unidades consumidoras de titularidade de uma mesma pessoa física ou jurídica, incluídas matriz e filial; (Incluída pela REN ANEEL 1.059, de 07.02.2023) b) possuir unidade consumidora com microgeração ou minigeração distribuída em local diferente das unidades consumidoras que recebem excedentes de energia; e (Incluída pela REN ANEEL 1.059, de 07.02.2023) c) atendimento de todas as unidades consumidoras pela mesma distribuidora. (Incluída pela REN ANEEL 1.059, de 07.02.2023) (...) XXIII - grupo A: grupamento composto de unidades consumidoras com conexão em tensão maior ou igual a 2,3 kV, ou atendidas a partir de sistema subterrâneo de distribuição em tensão menor que 2,3 kV, e subdividido nos seguintes subgrupos: (...) XXIV - grupo B: grupamento composto de unidades consumidoras com conexão em tensão menor que 2,3 kV e subdividido nos seguintes subgrupos: (...) “Seção III Da Opção de Faturamento no Grupo B Art. 292. O consumidor pode optar por faturamento com aplicação da tarifa do grupo B para sua unidade consumidora do grupo A, desde que atendido um dos seguintes critérios: I - a soma das potências nominais dos transformadores da unidade consumidora for menor ou igual a 112,5 kVA; II - a soma das potências nominais dos transformadores da unidade consumidora for menor ou igual a 1.125 kVA, se classificada na subclasse cooperativa de eletrificação rural; III - a atividade desenvolvida na unidade consumidora for a exploração de serviços de hotelaria ou pousada e estiver localizada em área de veraneio ou turismo, independentemente da potência nominal total dos transformadores; ou IV - a carga instalada dos refletores utilizados na iluminação for maior ou igual a 2/3 da carga instalada total em instalações permanentes para a prática de atividades esportivas ou parques de exposições agropecuárias. § 1º. Considera-se área de veraneio ou turismo aquela oficialmente reconhecida como estância balneária, hidromineral, climática ou turística. § 2º. A aplicação da tarifa do grupo B ou o retorno ao faturamento com aplicação de tarifa do grupo A devem ser realizados até o segundo ciclo de faturamento subsequente à formalização da opção de faturamento. § 3º. Para unidade consumidora com minigeração distribuída, a distribuidora deve observar o disposto em regulação específica. § 3º. Para unidade consumidora participante do SCEE, a opção de que trata o caput pode ser efetuada desde que atendidos, de forma conjunta, os seguintes critérios: (Redação dada pela REN ANEEL 1.059, de 07.02.2023) I - possuir microgeração ou minigeração distribuída na unidade consumidora; (Incluído pela REN ANEEL 1.059, de 07.02.2023) II - a soma das potências nominais dos transformadores da unidade consumidora for menor ou igual a 112,5 kVA; e (Incluído pela REN ANEEL 1.059, de 07.02.2023) III - não haver alocação ou recebimento de excedentes de energia em unidade consumidora distinta de onde ocorreu a geração de energia elétrica. (Incluído pela REN ANEEL 1.059, de 07.02.2023)” (destacou-se) Analisando a normação vigente, nota-se que a Lei Federal nº 14.300/2022 estabelece duas formas de microgeração ou minigeração distribuída no seu artigo 9º, inciso I: “geração local ou remota”. A distinção é correlata às duas modalidades de “autoconsumo”, previstas no artigo 1º da mesma lei: autoconsumo local e autoconsumo remoto. Por sua vez, no artigo 11, parágrafo 1º, da Lei Federal nº 14.300/2022, consta que a autorização de opção por faturamento “como se fosse Grupo A” é dada às “Unidades consumidoras com geração local”. Ou seja, unidades consumidoras com geração local (não remota) podem optar acerca da modalidade de faturamento. Decorrência lógica necessária é a de que apenas a unidade que realiza o “autoconsumo local” pode se beneficiar do previsto no artigo 11, § 1º, da Lei Federal nº 14.300/2022. De fato, a hipótese de uma segunda unidade consumidora caracterizaria, nos termos legais, autoconsumo remoto, verbis: “modalidade caracterizada por unidades consumidoras de titularidade de uma mesma pessoa jurídica, incluídas matriz e filial, ou pessoa física que possua unidade consumidora com microgeração ou minigeração distribuída, com atendimento de todas as unidades consumidoras pela mesma distribuidora;”. Nesse quadro normativo, conclui-se que a regulamentação foi realizada pelo ente competente (ANEEL) dentro das balizas legais postas pelo legislador reformador. Não se identifica, a princípio, inovação com relação à lei por parte do ente regulamentador. De outro lado, a teor de jurisprudência consolidada das Cortes Superiores, não existe direito adquirido a regime jurídico, sendo de rigor a observância das alterações normativas aprovadas pelo Poder Constituído, segundo as regras constitucionais. Cito, a propósito, precedente em caso análogo: ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCESSÃO DE SERVIÇO PÚBLICO. GERAÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA. CONTRATO ADMINISTRATIVO. PRORROGAÇÃO. LIMITES DO CONTROLE JURISDICIONAL AO ATO VINCULADO. ALTERAÇÃO DO REGIME JURÍDICO. INEXISTÊNCIA DE DIREITO ADQUIRIDO POR FORÇA DE TERMOS CONTRATUAIS. PREJUÍZOS À CONCESSIONÁRIA. NECESSÁRIA DILAÇÃO PROBATÓRIA. PRECEDENTES (MS 20.432/DF) SEGURANÇA DENEGADA. 1. Trata-se de mandado de segurança impetrado contra ato do Ministro de Estado das Minas e Energia pelo qual se indeferiu o requerimento da Cemig Geração e Transmissão S/A para prorrogação da concessão da UHE de São Simão. 2. A impetrante defende que não era obrigada a aceitar as novas condições, posto que o Contrato de Concessão nº 007/97 disporia expressamente sobre as condições objetivas de sua prorrogação, sem espaço para a discricionariedade administrativa. 3. Ainda que o deferimento da prorrogação de prazo seja um ato vinculado, ele está adstrito às condições previstas em dispositivo normativo. Caso sobrevenha uma mudança no regime jurídico, desde que não haja afetação direta do equilíbrio econômico-financeiro, o Executivo está obrigado a implementar as novas balizas, em clara manifestação de seu poder de império, também presente nas relações contratuais. 4. No âmbito da implementação de políticas públicas, a tutela de uma situação individual não pode afetar as condições de competitividade dos demais players. Ao contrário da narrativa da impetrante, a recusa do Poder Concedente em prorrogar o contrato sub judice não perfaz ato arbitrário. 5. A partir do momento em que a impetrante optou por não aderir às condições da Lei nº 12.783, passou a não mais preencher os requisitos legais exigidos para a prorrogação do contrato de concessão, de modo que não haveria direito líquido e certo à referida extensão de prazo de vigência. 6. Assim como sustentado por ocasião do julgamento do MS n° 20.432, o prazo de vigência do contrato configura-se como cláusula regulamentar, sujeita à manifestação do poder de império do Estado. Como tal, "permite (sic) à Administração alterar a avença unilateralmente, de modo a assegurar a prevalência do interesse público; e, nessas circunstâncias, não há falar em ato jurídico perfeito ou em direito adquirido à prorrogação na forma originalmente contratada." 7. Segurança denegada. (STJ, 1ª Seção, MS n. 21.465/DF, j. 13/12/2017, DJe de 18/12/2017, rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES). Por fim, no caso concreto, o impetrante, unidade consumidora do Grupo A, busca garantir faturamento “como se fosse Grupo B”. Analisando a situação fática narrada pelo impetrante na inicial (ID 292160368) desprende tratarem-se de unidades distintas, de titularidade da mesma pessoa jurídica, sendo uma delas geradora e a outra consumidora. Assim, a princípio, é regular a determinação de adequação ao novel sistema normativo. Por tais fundamentos, dou provimento ao agravo de instrumento. Julgo prejudicados os embargos de declaração. É o voto.
E M E N T A
ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCESSÃO DE SERVIÇO PÚBLICO. MICROGERAÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA. OPÇÃO POR FATURAMENTO EM MODALIDADE DIVERSA. AUTOCONSUMO LOCAL. ALTERAÇÃO DO REGIME JURÍDICO. INEXISTÊNCIA DE DIREITO ADQUIRIDO.
1. A Lei Federal nº 9.427/1996 instituiu a Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL e, dentre outras providências, disciplinou o regime das concessões de serviços públicos de energia elétrica.
2. Posteriormente, a Lei Federal nº. 14.300/2022 instituiu o “marco legal da microgeração e minigeração distribuída”, modificando as formas de faturamento dos consumidores com minigeração de energia ou com projetos de minigeração aprovados em 2022. A determinação legal foi regulamentada na Resolução Normativa nº 1.000/21 da ANEEL, com as modificações feitas pela Resolução Normativa nº 1.059/23.
3. Analisando a normação vigente, nota-se que a Lei Federal nº 14.300/2022 estabelece duas formas de microgeração ou minigeração distribuída no seu artigo 9º, inciso I: “geração local ou remota”. A distinção é correlata às duas modalidades de “autoconsumo”, previstas no artigo 1º da mesma lei: autoconsumo local e autoconsumo remoto.
4. Por sua vez, no artigo 11, parágrafo 1º, da Lei Federal nº 14.300/2022, consta que a autorização de opção por faturamento “como se fosse Grupo A” é dada às “Unidades consumidoras com geração local”. Ou seja, unidades consumidoras com geração local (não remota) podem optar acerca da modalidade de faturamento. Decorrência lógica necessária é a de que apenas a unidade que realiza o “autoconsumo local” pode se beneficiar do previsto no artigo 11, § 1º, da Lei Federal nº 14.300/2022. De fato, a hipótese de uma segunda unidade consumidora caracterizaria, nos termos legais, autoconsumo remoto, verbis: “modalidade caracterizada por unidades consumidoras de titularidade de uma mesma pessoa jurídica, incluídas matriz e filial, ou pessoa física que possua unidade consumidora com microgeração ou minigeração distribuída, com atendimento de todas as unidades consumidoras pela mesma distribuidora;”.
5. Não se identifica, a princípio, inovação com relação à lei por parte do ente regulamentador.
6. A teor de jurisprudência consolidada das Cortes Superiores, não existe direito adquirido a regime jurídico, sendo de rigor a observância das alterações normativas aprovadas pelo Poder Constituído, segundo as regras constitucionais.
7. Analisando a situação fática narrada pelo impetrante na inicial desprende tratar-se de unidades distintas, de titularidade da mesma pessoa jurídica, sendo uma delas geradora e a outra consumidora. Assim, a princípio, é regular a determinação de adequação ao novel sistema normativo.
8. Agravo de instrumento provido. Embargos de declaração prejudicados.