APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5019862-45.2021.4.03.6100
RELATOR: Gab. 03 - DES. FED. CARLOS MUTA
APELANTE: IRMANDADE DA SANTA CASA DE MISERICORDIA DE PASSOS, INSTITUTO NACIONAL DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL
Advogado do(a) APELANTE: MARCELO HENRIQUE ZANONI - SP229125-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL, IRMANDADE DA SANTA CASA DE MISERICORDIA DE PASSOS
Advogado do(a) APELADO: MARCELO HENRIQUE ZANONI - SP229125-N
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APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5019862-45.2021.4.03.6100 RELATOR: Gab. 03 - DES. FED. CARLOS MUTA APELANTE: IRMANDADE DA SANTA CASA DE MISERICORDIA DE PASSOS, INSTITUTO NACIONAL DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL Advogado do(a) APELANTE: MARCELO HENRIQUE ZANONI - SP229125-N Advogado do(a) APELADO: MARCELO HENRIQUE ZANONI - SP229125-N R E L A T Ó R I O Trata-se de dupla apelação à sentença que, em ação ordinária, julgou parcialmente procedente a demanda, para declarar a nulidade do ato administrativo que indeferiu e manteve o indeferimento da marca CIDADE DA SAÚDE E DO SABER (processo INPI 916187004), bem como rejeitou o pedido de condenação do INPI a publicar despacho de nulidade do ato administrativo que indeferiu e manteve o indeferimento da marca, fixada verba honorária recíproca no valor de R$ 4.723,19, determinando-se o pagamento das custas processuais pelo INPI. Alegou o INPI, em suma, que (1) é parte ilegítima para figurar no polo passivo da demanda, podendo apenas figurar como assistente especial, informante do juízo, conforme regramento consignado nos artigos 57, 118 e 175 da Lei 9.279/1996, e por não ser o objeto da ação de nulidade pertencente à autarquia; e (2) deve ser mantido o indeferimento administrativo, sob pena de insegurança jurídica e instabilidade do sistema de proteção nacional, tendo em vista que o processamento observou o artigo 124, XIX, da LPI, que estabelece a proteção a registros de marcas anteriores, bem como verificados pressupostos de aplicação: existência de registro marcário anterior de titularidade diversa, afinidade, similaridade ou identidade de produtos ou serviços assinalados, reprodução ou imitação de marca anterior, e suscetibilidade de confusão ou associação indevida entre os sinais, havendo, no caso, manifesta coincidência apta a causar confusão ou associação indevida ao público consumidor. Alegou, por sua vez, a Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Passos que (1) não há como determinar nova análise administrativa para que o INPI pronuncie nova decisão a respeito do registro de sua marca, visto que o processo administrativo findou-se com a decisão do INPI em sede de recurso administrativo, sendo que, no caso, apenas é possível anular o último ato publicado e publicar nova decisão de deferimento do pedido de registro; (2) não há possibilidade de revisão do pedido administrativo frente à inexistência de previsão legal, motivo pelo qual a anulação da decisão da autarquia deve ser judicial; (3) a Irmandade de Santa Casa de Misericórdia de Passos possui direitos de precedência em relação à expressão "CIDADE DA SAÚDE E DO SABER", nos termos do artigo 129, § 1º, da LPI, uma vez que "é criadora e idealizadora da marca CIDADE DA SAÚDE E DO SABER desde 2012, adquirindo nome, destaque e credibilidade perante o público consumidor"; (4) a marca da apelante não deveria ter sido indeferida com base no artigo 129, XIX, LPI, pois, embora as marcas possuam elementos similares, o conjunto formado não é passível de confusão e, ainda que ambas as marcas estejam designadas a serviços médicos, as empresas atuam em seguimentos diversos (a apelante concentrando várias áreas da saúde, tais como hospital, cursos tecnológicos, projetos de pesquisa e extensão, etc, enquanto a Empresa Life Empresarial especializa-se em planos de saúde); (5) a apelante situa-se no Estado de Minas Gerais, enquanto a Life Empresarial tem sede em São Paulo, não havendo qualquer possibilidade de confusão pelo consumidor; e (6) a marca CIDADE DA SAÚDE E DO SABER "não pode ser tida como objeto de exclusividade perante uma empresa apenas, uma vez que se trata de uma marca evocativa, pois remete às características do produto ou serviço", dotada, pois, de simplicidade e uso geral, o que atrai a mitigação da regra de exclusividade do registro. Houve contrarrazões. É o relatório.
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APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5019862-45.2021.4.03.6100 RELATOR: Gab. 03 - DES. FED. CARLOS MUTA APELANTE: IRMANDADE DA SANTA CASA DE MISERICORDIA DE PASSOS, INSTITUTO NACIONAL DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL Advogado do(a) APELANTE: MARCELO HENRIQUE ZANONI - SP229125-N Advogado do(a) APELADO: MARCELO HENRIQUE ZANONI - SP229125-N V O T O Senhores Desembargadores, preliminarmente, o INPI é parte legítima para figurar no polo passivo da presente ação, cujo objeto é a nulidade do indeferimento do pedido de registro de marca, vez que consolidada a jurisprudência no sentido de que, em se tratando de imputação de nulidade por vício cometido pelo próprio INPI em processo administrativo, é o órgão legitimado a figurar no polo passivo. Nesse sentido: AgInt no AgInt no REsp 1.493.591, Rel. Min. FELIPE SALOMÃO, DJe 20/8/2019: "AGRAVO INTERNO NO AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO MARCÁRIO. INPI. LEGITIMIDADE PASSIVA. POSSIBILIDADE. 1. Não há ilegitimidade passiva do Instituto Nacional de Propriedade Industrial-INPI em ação que busca invalidar decisão administrativa proferida pela autarquia federal no exercício de sua atribuição de análise de pedidos de registro marcário, sua concessão e declaração administrativa de nulidade. 2. Assim, quando a causa de pedir da ação de nulidade disser respeito a vício cometido pelo próprio INPI ao longo do processo administrativo, haverá legitimidade da autarquia para figurar no processo como litisconsorte passivo. 3. No caso concreto, conforme relatado pela Corte de origem, a pretensão autoral atribuiu responsabilidade ao INPI pela inscrição indevida do registro, isto é, amparou-se no argumento de vício praticado pela própria autarquia, situação que demonstra, de forma indene de dúvidas, a legitimidade passiva. 4. Agravo interno não provido." (g.n.) Ao contrário do que alega o INPI, o pedido não postula nulidade de marca de propriedade de terceiro, mas somente a nulidade do ato administrativo indeferitório. Afasta-se, assim, a preliminar de ilegitimidade passiva. No mérito, a sentença declarou a nulidade do indeferimento de registro da marca "CIDADE DA SAÚDE E DO SABER", afastando a aplicação do artigo 124, XIX, da LPI, em relação à marca "CIDADE DA SAÚDE", registrada pela empresa Life Empresarial Saúde Ltda. Consignou-se o direito de precedência da autora. Indeferiu-se, no entanto, a determinação de publicação do despacho de nulidade de tal indeferimento pelo INPI, bem como a concessão da marca e expedição de certificado de registro. Confira-se, por relevantes, os seguintes excertos do julgado (ID 265564146): "A questão controvertida consiste na regularidade do ato que indeferiu o registro de marca à autora. O indeferimento ocorreu em razão da similaridade das expressões em cotejo “Cidade da Saúde e do Saber” e “Cidade da Saúde”, nos termos do artigo 124, XIX, da LPI: [...] A autora afirma, no entanto, direito de precedência, nos termos do artigo 129, § 1º, da LPI: [...] É de se notar que a precedência não foi analisada nem alegada no âmbito administrativo, seara normalmente adequada para a análise da matéria, o que não impossibilita que seja objeto de conhecimento pelo Poder Judiciário: [...] A autora apresentou documentos que comprovam a utilização da marca em período anterior ao depósito, em 12 de janeiro de 2016, daquela registrada sob o n. 910502552. Há nos autos material publicitário veiculado em 2012, no qual consta a informação da formalização da carta de intenções, para a criação da Cidade do Saber e da Saúde, entre a autora e a Fundação de Ensino Superior de Passos (FESP/UEMG), bem como o registro do domínio http://cidadesaudesaber.org.br em junho de 2015. Depreende-se, portanto, que a autora vinha se utilizando da expressão bem antes do depósito da marca apontada como impeditiva, o que lhe confere o direito de precedência. O reconhecimento do direito de precedência não implica, necessariamente, no deferimento do registro. O processo administrativo deve ter seu natural prosseguimento, com análise de eventuais matérias que tenham sido prejudicadas pelo indeferimento e não foram objeto de análise administrativa ou judicial." Examinado o acervo probatório, verifica-se comprovação inequívoca do uso precedente e de boa-fé pela autora da marca "CIDADE DA SAÚDE E SABER" há mais de seis meses do depósito, em 12/06/2016, do elemento apontado como impeditivo (Processo 910502552 - ID 265564067), por meio de material publicitário veiculado em 2012 e registro do domínio "http://cidadesaudesaber.org.br" em junho de 2015 (ID 265564071). O fato atrai a garantia do direito de precedência nos termos do artigo 129, § 1º, da Lei 9.279/1996, que assim dispõe: "Art. 129. A propriedade da marca adquire-se pelo registro validamente expedido, conforme as disposições desta Lei, sendo assegurado ao titular seu uso exclusivo em todo o território nacional, observado quanto às marcas coletivas e de certificação o disposto nos arts. 147 e 148. §1º Toda pessoa que, de boa-fé, na data da prioridade ou depósito, usava no País, há pelo menos 6 (seis) meses, marca idêntica ou semelhante, para distinguir ou certificar produto ou srrivo idêntico, semelhante ou afim, terá direito de precedência do registro. " O comando legal prevê direito de precedência ao efetivo criador e usuário de boa-fé da marca, não obstante levada a registro ou depósito primeiramente por terceiro, pois a lei privilegia, em primeiro lugar, o ato humano de criar signos identitários singulares em detrimento da apropriação posterior por aquele que simplesmente requer o registro da marca ou signo distintivo. Deste modo, a prioridade legal do primeiro pedido de registro ou depósito é afastada para favorecer a criação do signo distintivo, original e destacado. Neste sentido, aliás, tem decidido a Turma: AI 5010326-74.2021.4.03.0000, Rel, Des. Fed. WILSON ZAUHY FILHO, DJEN 10/11/2021: "DIREITO EMPRESARIAL E PROCESSUAL CIVIL. MARCA. "BANHO DE VERNIZ". AUTORA QUE CRIOU E FAZ USO DA MARCA DESDE 2014, AO MENOS. RÉ QUE OBTEVE O REGISTRO DESSA MARCA E PRETENDE IMPEDIR A AUTORA DE UTILIZÁ-LA. DIREITO DE PRECEDÊNCIA. ART. 129, § 1° DA LPI. AGRAVO DE INSTRUMENTO NÃO PROVIDO. 1. O C. Superior Tribunal de Justiça admite a possibilidade de anulação judicial de registro de marca com base no direito de precedência. Precedente. 2. O direito marcário visa tutelar as criações de elementos originais que identificam um determinado produto ou serviço, e não a esperteza de quem constata a existência de uma marca não registrada e procura obter o seu registro antes do seu verdadeiro criador. 3. Incontroverso nos autos (i) que a agravada criou e fazia uso da marca "Banho de Verniz" desde, pelo menos, 2014, (ii) que a agravante, com plena ciência disso, requereu junto ao INPI o registro de marca mista "Banho de Verniz" em data posterior, correta a decisão de deferimento da tutela provisória para suspender os efeitos da marca da agravante e determinar à agravante que se abstenha de constranger a agravada de fazer uso da marca discutida nos autos, com cominação de multa para o caso de descumprimento da medida, em razão do direito de precedência da agravada ao registro da marca (art. 129, § 1° da Lei n° 9.279/96). 4. Agravo de instrumento não provido." Deve ser reconhecido, na espécie, o direito de precedência da parte autora na utilização da marca graficamente similar. Se tal fato já não fosse suficiente para acolher o pedido formulado na ação, cabe discutir, para tal fim, a disposição contida no artigo 124, XIX da Lei 9.279/1996, no sentido de que não são registráveis como marca a "reprodução ou imitação, no todo ou em parte, ainda que com acréscimo, da marca alheia registrada, para distinguir ou certificar produto ou serviço idêntico, semelhante ou afim, suscetível de causa confusão ou associação com marca alheia", e utilizada como razão de decidir do ato administrativo impugnado. Para configurar eventual violação de marca anteriormente registrada é necessário que o uso dos sinais distintivos impugnados possa ensejar concorrência desleal, desvio de clientela e causar confusão no público consumidor ou associação errônea, em prejuízo ao titular da marca supostamente infringida. Ressalte-se, à propósito, que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça entende que marcas compostas por elementos descritivos, evocativos, sugestivos ou de uso comum podem ser obrigadas a coexistir com outras de denominação semelhantes, dado seu baixo poder distintivo e impossibilidade de apropriação e exclusividade de seus elementos nominativos. Neste sentido: REsp 1.929.811, Rel. Min. CARLOS FERREIRA, DJe 21/3/2023: "RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE NULIDADE DE REGISTRO DE MARCA CUMULADA COM ABSTENÇÃO DO USO. MARCA EVOCATIVA. CUNHO FRACO. CONVIVÊNCIA. POSSIBILIDADE. CONFUSÃO DO CONSUMIDOR. INEXISTÊNCIA. RECURSO PROVIDO. 1. Segundo a jurisprudência desta Corte Superior, marcas compostas por elementos descritivos, evocativos ou sugestivos podem ser obrigadas a coexistir com outras de denominação semelhante (precedentes). 2. "A questão acerca da confusão ou associação de marcas deve ser analisada, em regra, sob a perspectiva do homem médio (homus medius), ou seja, naquilo que o magistrado imagina da figura do ser humano dotado de inteligência e perspicácia inerente à maioria das pessoas integrantes da sociedade" (REsp 1336164/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 07/11/2019, DJe 19/12/2019). 3. Em que pese a existência do mesmo vocábulo ("extra"), a escrita e a fonética das marcas diferem-se pela adição do adjetivo "bom", resultando em inequívoca distinção entre as expressões "Extra" e "Extrabom", esta última caracterizada por elementos visuais próprios em seu logotipo, afastando a possibilidade de causar confusão ao homem médio. 4. Considerando não ser a recorrida proprietária exclusiva do prefixo "EXTRA", tampouco havendo circunstância apta a ensejar erro por parte do público consumidor, deve ser mantido o registro no INPI das marcas "SUPERMERCADO EXTRABOM" e "EXTRABOM". 5. Recurso especial provido para julgar improcedente a ação de nulidade de registro de marca cumulada com pedido de abstenção de uso. REsp 1.908.170, Rel. Min. MARCO BUZZI, DJe 18/12/2020: "RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DE NULIDADE DE ATO ADMINISTRATIVO PRATICADO PELO INPI QUANTO AO INDEFERIMENTO DE PEDIDO DE REGISTRO MARCÁRIO DE MEDICAMENTO POR AVENTADA SEMELHANÇA NA UTILIZAÇÃO DE RADICAIS QUE COMPÕEM MARCA ANTERIORMENTE REGISTRADA - MAGISTRADO A QUO QUE JULGOU IMPROCEDENTE O PEDIDO - TRIBUNAL QUE, EM SEDE DE APELAÇÃO, POR MAIORIA, ACOLHEU O PLEITO E DETERMINOU A EXPEDIÇÃO DO CERTIFICADO - DELIBERAÇÃO REFORMADA EM SEDE DE EMBARGOS INFRINGENTES PROVIDOS, POR MAIORIA - IRRESIGNAÇÃO DO LABORATÓRIO FARMACÊUTICO AUTOR, INVOCANDO A INEXISTÊNCIA DE COLIDÊNCIA ENTRE OS PRODUTOS POR CONTEREM SUFICIENTE FORMA DISTINTIVA, A AUSÊNCIA DE CONCORRÊNCIA DESLEAL E DESVIO DE CLIENTELA, A INOCORRÊNCIA DE CONFUSÃO AOS CONSUMIDORES E A IMPOSSIBILIDADE DE EXCLUSIVIDADE ATINENTE À MARCA EVOCATIVA Hipótese: Cinge-se a controvérsia em aferir a registrabilidade, ou não, junto ao INPI, da marca nominativa SINVASTACOR, diante da aventada colidência com a marca anteriormente registrada SINVASCOR, de titularidade de outro laboratório farmacêutico. 1. Para configurar eventual violação de marca anteriormente registrada, afigura-se imprescindível que o uso dos sinais distintivos impugnados possa ensejar concorrência desleal, desvio de clientela e causar confusão no público consumidor ou associação errônea, em prejuízo ao titular da marca supostamente infringida. Precedentes. 2. Consoante entendimento desta Corte Superior, marcas dotadas de baixo poder distintivo, formadas por elementos de uso comum, evocativos, descritivos ou sugestivos, podem ter de suportar o ônus de coexistir com outras semelhantes. Precedentes. 3. Na hipótese, os radicais "SINVAS" e "COR", que compõem a marca SINVASCOR, não são apropriáveis, de modo exclusivo, quando utilizados separadamente, mas apenas quanto ao todo da marca nominativa, uma vez que o primeiro é designativo do componente ativo principal do produto farmacológico (sinvastatina) e o segundo atinente ao órgão do corpo humano ao qual se destina a finalidade terapêutica do medicamento (coração), sendo esse modo de designação de fármacos prática comum na indústria farmacêutica. 4. Inviável afirmar que as nomenclaturas "SINVASCOR" e "SINVASTACOR", apesar de possuírem certa semelhança, não apenas de escrita, mas também de fonética, possam causar equívoco ou incerteza ao consumidor, dada a absoluta distinção entre as embalagens dos produtos, de só serem vendidos mediante prescrição de profissionais qualificados da área de saúde e de já coexistirem no mercado há mais de duas décadas. 5. Assim, em que pese a existência de registro marcário antecedente, não é possível admitir a apropriação em caráter exclusivo de radicais ou afixos que remetam, total ou parcialmente, ao princípio ativo de qualquer medicamento, ou órgão do corpo humano, sob pena de concessão de monopólio reprovável, de uso de expressões que a todos interessa por seu caráter descritivo, associando o produto à finalidade terapêutica. 6. Recurso especial provido." (g.n.) Cite-se, ainda, o escólio doutrinário de André Santa Cruz, acerca da não exclusividade da exploração de marcas que contenham expressões comuns ou genéricas: "Como a marca possui a finalidade de identificar determinado produto ou serviço do empresário, distinguindo-o dos demais, ela deve cumprir de forma eficiente essa função, sob pena de não ser considerada como marca e, consequentemente, não pode ser registrada. É por isso que não se admite a exclusividade para registro de marca que configura expressão comum ou genérica, que não sirva para distinguir um produto ou serviço de outros. A marca deve ser, portanto, individualizadora do produto ou serviço que identifica, para que possa distinguí-lo dos demais." (CRUZ, ANDRÉ SANTA. Direito Empresarial. 9ª ed. São Paulo: Método, 2019, pagina 258). Afirma o referido autor, outrossim, a incidência do princípio da especialidade ou especificidade, pois "a proteção conferida ao titular da marca, não obstante seja abrangente no que se refere ao âmbito territorial - vale em todo o país, como visto - é restrita no que diz respeito ao seu âmbito material. Assim, diz-se que a proteção conferida à marca registrada se submete ao chamado princípio da especialidade ou especificidade" (Id., p. 276). No caso, em que pese a semelhança de escrita e fonética, os elementos denominativos "cidade e "saúde" das marcas são sugestivos do serviço prestado, de fraco cunho fantasioso e, portanto, passíveis de coexistência harmônica. Ademais, o acréscimo do substantivo "e do saber", ao final da marca requerida pela autora, resulta em sonoridade evidentemente distinta e que distingue, em absoluto, ambas as marcas. Ressalte-se, por fim, que os logotipos das marcas (ID 265564062) têm substancial distinção em seus elementos visuais, com uso de símbolo, fonte, tamanho, formato e arranjo visual diversos e, apesar da identidade de cores, não se pode olvidar que o verde é cor que simboliza e remete à medicina e às áreas da saúde, e que ambas as empresas atuam em unidades federativas distintas. Assim, não bastasse a proteção da precedência da autora, fato não analisado administrativamente, mas que compõe, nos termos legais, a análise do registro marcário, não se verifica possibilidade de confusão ou associação indevida por parte do consumidor, admitindo-se coexistência entre as marcas. Esclareça-se, por oportuno, que em nenhum momento a parte autora formulou impugnação da marca registrada em primeiro lugar, requerendo apenas o reconhecimento do direito de utilizar a marca similar indeferida, não se cogitando possa haver reflexos na marca registrada pela empresa terceira que sequer participou desta lide. É nula, pois, a decisão administrativa indeferitória. Neste aspecto, a solução encaminhada pela sentença, no sentido de que, anulado o ato administrativo, prossiga o feito administrativo para que seja proferida nova decisão naquela esfera, não deve prevalecer. Com efeito, constatada a ilegalidade da análise meritória apontada no ato, a reversão judicial do entendimento importa, de pleno direito, em solução definitiva e que deve ser acatada pelo INPI. Não se vislumbra, pois, possibilidade de reabertura do contencioso administrativo, pois o mérito do pedido está sendo ora analisado com características de substitutividade e definitividade em relação à decisão administrativa impugnada. Reforma-se, portanto, parcialmente a sentença para, além de declarar a nulidade do ato administrativo decisório, reconhecer também o direito da parte autora em ver registrada a marca "CIDADE DA SAÚDE E SABER", com os registros e publicações de praxe, julgando-se procedentes os pedidos da petição inicial. Pela sucumbência o INPI deve suportar as verbas sucumbenciais, fixadas por equidade por não estimável o valor do objeto em discussão (artigo 85, §§ 8º e 8º-A, do CPC), no valor que se arbitra em R$ 20.000,00. Ante o exposto, dou provimento à apelação da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Passos, e nego provimento à apelação do INPI e a remessa necessária, nos termos supracitados. É como voto.
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL, IRMANDADE DA SANTA CASA DE MISERICORDIA DE PASSOS
ApelRemNec 0002837-02.2012.4.03.6139, Rel. Des. Fed. VALDECI DOS SANTOS, DJEN 26/07/2021: "REMESSA OFICIAL E APELAÇÃO. PROPRIEDADE INDUSTRIAL. LEGITIMIDADE PASSIVA DO INPI. NULIDADE DE REGISTRO. DEVIDA. EXPRESSÕES SEMELHANTES QUE ATUAM EM MESMO RAMO MERCADOLÓGICO. POSSIBILIDADE DE CONFUSÃO OU ASSOCIAÇÃO ENTRE MARCAS AOS CONSUMIDORES. VEDAÇÃO DE REGISTRO. ARTIGO 124, INCISO XIX, DA LEI N. 9.279/1996. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. Preliminarmente, tendo em vista que a controvérsia dos autos reside no pedido de anulação de ato de registro de propriedade industrial pelo INPI, é inegável a sua legitimidade passiva. Precedente do C. STJ. 2. No mérito, a controvérsia dos autos consiste em apurar se é devida a anulação do registro n. 9012211066 da marca "Forte Embalagens" em razão do registro anterior da marca "Fort Paletes". Compulsando-se os autos, verifica-se que tanto a parte autora quanto a primeira ré atuam no mesmo ramo de atividades, comercializando embalagens de madeira. Desta forma, conquanto ambas expressões tenham apostilamento que prevê o registro sem direito ao uso exclusivo dos elementos nominativos, por ser expressão de uso comum, a utilização da expressão "Fort" por uma e "Forte" por outra tem o condão de causar confusão ou associação entre as marcas aos consumidores na hora da compra das embalagens de madeiras. 3. Cabe destacar que, diante dessa potencial confusão aos consumidores, que se tratam do mesmo público-alvo, a marca da primeira ré não é registrável, nos termos do artigo 124, inciso XIX, da Lei n. 9.279/1996. Precedentes. 4. Por fim, a parte apelante foi sucumbente na ação, razão pela qual é devida a sua condenação ao pagamento de honorários advocatícios. A alegação de que a parte autora não apresentou oposição administrativa ao registro cancelado nos presentes autos é insuficiente para isentá-la dos ônus sucumbenciais, os quais decorrem do processo judicial. 5. Remessa oficial e apelação não providas."
E M E N T A
DIREITO CIVIL E EMPRESARIAL. REGISTRO DE MARCA. ANULAÇÃO DE ATO ADMINISTRATIVO. INPI. LEGITIMIDADE PASSIVA. INDEFERIMENTO. DIREITO DE PRECEDÊNCIA. INOBSERVÂNCIA. IMPOSSIBILIDADE DE CONFUSÃO OU ASSOCIAÇÃO INDEVIDA. CUNHO FRACO E EVOCATIVO. CONVIVÊNCIA HARMÔNICA. PRECEDENTES.
1. Preliminarmente, é correta a integração do INPI no polo passivo da presente ação, cujo objeto é a nulidade do indeferimento do pedido de registro de marca, por se referir a nulidade imputada à autarquia em processo administrativo próprio.
2. No mérito, restou comprovado nos autos o uso de boa-fé pela autora da marca "CIDADE DA SAÚDE E SABER" há mais de seis meses do depósito, em 12/06/2016, do elemento apontado como impeditiva, por meio de material publicitário veiculado em 2012 e registro do domínio http://cidadesaudesaber.org.br em junho de 2015, de modo a atrair a garantia do direito de precedência ao registro, nos termos do artigo 129, parágrafo 1º, da LPI 9.279/1996. O comando legal prevê direito de precedência ao efetivo criador e usuário de boa-fé da marca, não obstante levada a registro ou depósito primeiramente por terceiro. Afasta-se, em decorrência, a prioridade legal do orimeiro pedido de registro, privilegiando-se a criação do signo distintivo, original e destacado.
3. Nos termos do artigo 124, XIX da Lei 9.279/1996, não são registráveis como marca a "reprodução ou imitação, no todo ou em parte, ainda que com acréscimo, da marca alheia registrada, para distinguir ou certificar produto ou serviço idêntico, semelhante ou afim, suscetível de causa confusão ou associação com marca alheia". Assim, para configurar eventual violação de marca anteriormente registrada é necessário que o uso dos sinais distintivos impugnados possa ensejar concorrência desleal, desvio de clientela e causar confusão no público consumidor ou associação errônea, em prejuízo ao titular da marca supostamente infringida.
4. O Superior Tribunal de Justiça entende que marcas compostas por elementos descritivos, evocativos, sugestivos ou de uso comum podem ser obrigadas a coexistir com outras de denominação semelhantes, dado seu baixo poder distintivo e impossibilidade de apropriação e exclusividade de seus elementos nominativos.
5. No caso, em que pese a semelhança de escrita e fonética, os elementos denominativos "cidade” e "saúde" das marcas são sugestivos do serviço prestado, de fraco cunho fantasioso, e portanto passíveis de coexistência. Ademais, o acréscimo do substantivo "e do saber" ao final da marca autora resulta em sonoridade evidentemente distinta. Por outro lado, os logotipos das marcas têm substancial distinção em seus elementos visuais, com uso de símbolo, fonte, tamanho, formato e arranjo visual diversos e, apesar da identidade de cores, não se pode olvidar que o verde é cor que simboliza e remete à medicina e às áreas da saúde, e que ambas as empresas atuam em unidades federativas distintas. Não se verifica, assim, possibilidade de confusão ou associação indevida por parte do consumidor.
6. Reformada parcialmente a sentença para, além de declarar a nulidade do ato administrativo, reconhecer o direito da empresa autora ver registrada a marca "CIDADE DA SAÚDE E SABER", com registros e publicações de praxe, julgando-se procedentes os pedidos da petição inicial. Pela sucumbência o INPI deve suportar as verbas sucumbenciais, fixadas por equidade por não ser estimável o valor do objeto em discussão (artigo 85, §§ 8º e 8º-A, do CPC).
7. Apelação da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Passos provida. Apelação do INPI e remessa necessária desprovidas.