APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001773-60.2020.4.03.6115
RELATOR: Gab. 41 - DES. FED. HERBERT DE BRUYN
APELANTE: AMANDA DE SOUZA RAMOS, CAIXA ECONÔMICA FEDERAL
Advogado do(a) APELANTE: REINALDO FERNANDES ANDRE - SP342816-A
APELADO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, APRILIA - EMPREENDIMENTOS IMOBILIARIOS - SPE - LTDA, FORTE URBE EMPREENDIMENTOS E PARTICIPACOES LTDA., AMANDA DE SOUZA RAMOS
Advogado do(a) APELADO: REINALDO FERNANDES ANDRE - SP342816-A
Advogado do(a) APELADO: CARLOS ROSSETO JUNIOR - SP118908-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001773-60.2020.4.03.6115 RELATOR: Gab. 41 - DES. FED. HERBERT DE BRUYN APELANTE: AMANDA DE SOUZA RAMOS, CAIXA ECONÔMICA FEDERAL Advogado do(a) APELANTE: REINALDO FERNANDES ANDRE - SP342816-A APELADO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, APRILIA - EMPREENDIMENTOS IMOBILIARIOS - SPE - LTDA, FORTE URBE EMPREENDIMENTOS E PARTICIPACOES LTDA., AMANDA DE SOUZA RAMOS Advogado do(a) APELADO: REINALDO FERNANDES ANDRE - SP342816-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O Senhor Desembargador Federal Herbert de Bruyn (Relator): Trata-se de ação ajuizada por Amanda de Souza Ramos em face da Caixa Econômica Federal - CEF e das empresas APRILIA Empreendimentos Imobiliários SPE Ltda. e Forte Urbe Empreendimentos e Participações Ltda. na qual, em razão de alegado inadimplemento, pleiteia a resolução do contrato de compra e venda e de mútuo habitacional, bem como a condenação das rés à restituição dos valores pagos, no importe de R$ 8.016,12 (oito mil e dezesseis reais e doze centavos), devidamente corrigido, e à indenização por danos morais no valor de dez salários mínimos. Requereu, ainda, a autora, em sede de tutela de urgência, a suspensão da cobrança dos juros de obra, sob pena de multa diária. Foi deferida a tutela de urgência, para determinar, “à CEF que se abstenha de cobrar encargos da fase de construção ou juros da obra referentes ao contrato nº 855553878763” (ID 214190746). Os benefícios da assistência judiciária gratuita também foram deferidos à autora. A sentença, integrada por embargos de declaração, julgou procedente o pedido, consoante dispositivo que segue: “1. Julgo procedente o pedido para (a) decretar a resolução do contrato de ID 41184432, por inadimplemento imputável aos réus; e (b) condená-los, solidariamente, a devolverem todas as quantias que lhes tenham sido pagas pela parte autora em razão desse contrato, conforme a fundamentação, ressalvados os valores oriundos do FGTS, que deverão ser recompostos à conta vinculada. Incidirá SELIC desde a citação, para as verbas, exceção feita às recompostas à conta vinculada, que seguirão as regras de correção e remuneração peculiares, desde a data do saque, conforme a fundamentação. Não havendo restituição voluntária ou consensual a contento, o cumprimento de sentença deve ser precedido de liquidação pelo procedimento comum. 2. Julgo improcedente o pedido de indenização por dano moral. 3. Fixo honorários de 10% do valor atualizado da causa. Os réus deverão solidariamente pagar 90% de tais honorários; a parte autora, o restante, dividido igualmente entre os advogados dos réus, ressalvada a incidência do § 3º do art. 98 do Código de Processo Civil. Idêntica responsabilidade, quanto às custas. 4. Intimem-se, para ciência. 5. Oportunamente, intimem-se quanto ao trânsito em julgado, para que cumpram espontaneamente suas obrigações em 15 dias. Após, aguarde-se por 15 dias eventual requerimento de cumprimento, sem o que, arquivem-se.” Apelou a autora, postulando a condenação das rés à indenização por danos morais. Recorreu, também, a CEF, sustentando, em síntese, que a corré APRILIA Empreendimentos Imobiliários SPE Ltda. alienou “a fração ideal total do terreno de 0,006435% do que seria a futura unidade imobiliária comprada na planta”, o qual foi dado como garantia na incorporação imobiliária. Acresce que este ponto do contrato “não pode ser declarado resolvido, posto que afeta estritamente o negócio jurídico entre a CEF e a construtora que não produziu a unidade imobiliária e não entregou a fração ideal do imóvel objeto desta garantia à CEF. Como a empresa construtora se encontra em via de recuperação judicial esta garantia pode ser a diferença entre o recebimento do terreno como forma de pagamento, ou, a necessidade de inscrição como crédito quirografário que apresenta enormes perdas ao credor”. Acresce que o art. 28 da Lei nº 9.514/97 prevê a possibilidade de manutenção da garantia. Pugna pela reforma parcial da sentença para que “a relação entre a construtora e a credora não tenha sido declarada resolvida mantendo-se a garantia fiduciária sobre parte ideal do imóvel descrito no contrato declarado resolvido”. Sem contrarrazões, subiram os autos a esta E. Corte. É o relatório.
Advogado do(a) APELADO: CARLOS ROSSETO JUNIOR - SP118908-A
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001773-60.2020.4.03.6115 RELATOR: Gab. 41 - DES. FED. HERBERT DE BRUYN APELANTE: AMANDA DE SOUZA RAMOS, CAIXA ECONÔMICA FEDERAL Advogado do(a) APELANTE: REINALDO FERNANDES ANDRE - SP342816-A APELADO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, APRILIA - EMPREENDIMENTOS IMOBILIARIOS - SPE - LTDA, FORTE URBE EMPREENDIMENTOS E PARTICIPACOES LTDA., AMANDA DE SOUZA RAMOS Advogado do(a) APELADO: REINALDO FERNANDES ANDRE - SP342816-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O Senhor Desembargador Federal Herbert de Bruyn (Relator): Verifico, inicialmente, que, em 26/05/2017, a autora celebrou com a empresa APRILIA Empreendimentos Imobiliários SPE Ltda., contrato de “compromisso de reserva de fração ideal a que corresponderá unidade autônoma futura para venda e compra, confissão de dívida, promessa de contratação de financiamento e outras avenças”, tendo por objeto o apartamento 404, bloco “c”, e uma vaga de estacionamento descoberta, no Edifício Residencial Aprilia, em São Carlos/SP (ID 214190741). O prazo de entrega do imóvel foi estimado em 24 (vinte e quatro) meses contados a partir da assinatura do contrato de financiamento com a Caixa Econômica Federal – CEF, prevista a prorrogação por até 180 (cento e oitenta) dias. Em 05/09/2017, foi firmado o contrato de financiamento habitacional, com alienação fiduciária em garantia, no qual foi fixado o prazo de 360 (trezentos e sessenta) dias para construção/legalização do empreendimento (contrato nº 855553878763, ID 214190740). O atraso na conclusão e entrega da obra foi reconhecido pela sentença, tendo sido decretada a resolução dos contratos em apreço, por inadimplemento imputável aos réus: “O contrato em tela é o de ID 41184432 celebrado entre as partes em 09/2017. Nele (item B.8.2 do quadro resumo) nota-se o prazo de término da construção, de 37 meses, o que findaria, assim, em 10/2020. O prazo contratado poderia ser dilatado em seis meses, conforme a cláusula 4.9 da avença. Portanto, no limite, a obra havia de terminar em 04/2021, caso ocorresse evento fortuito, força maior ou outra intercorrência excepcional que turbasse o cronograma de obras. Pode-se considerar o abandono das obras um evento de tal ordem (ID 41185212, p. 1), de forma que o inadimplemento da obrigação de fazer e de dar (concluir a construção; chaves) se observa desde 04/2021. Importante acrescentar, as contestações dos réus foram ajuizadas a partir de 03/2021. Mesmo assim, nenhuma delas alude a retomada efetiva das obras interrompidas em 05/2018 ( ). Aliás, a intervenção do PROCON ibidem (ID 41185212, p. 7) não fez a CEF cumprir o prazo que ela mesma havia anunciado para substituir a construtora desertora; com efeito, a contestação da CEF não traz notícia de substituição da construtora. Repise-se, os réus sequer provaram terem retomado ou concluído a obra contratada, quiçá provado. Logo, resta claro o inadimplemento dos réus. Não socorre à CEF dizer não ser responsável pela construção. Decorre do contrato (e de sua posição de gestora do PMCMV) sua responsabilidade pela substituição da construtora claudicante (ID 41184432, item 4.15). Ademais, a própria CEF reconheceu sua responsabilidade, quando respondeu à notificação do PROCON (ID 41185212, p. 7), esclarecendo estar em vias de ultimar a substituição da construtora. Nessa ordem de ideias, em razão do inadimplemento causado pelos réus, consistente na inobservância do prazo para término da construção, bem como das medidas cabíveis para execução da obrigação, o negócio jurídico deve ser resolvido, para retornarem todos ao estado anterior de coisas. Pela natureza da resolução, todos os valores pagos pela parte autora a qualquer título, mas em razão do contrato, devem lhe ser restituídos sob SELIC desde a citação (06/04/2021).” Em suas razões de apelo, a CEF expressamente reconheceu “que o empreendimento atrasou e que de fato existe o inadimplemento”, sendo o fato incontroverso nesta sede recursal. Postula, a autora, em razão disso, a condenação das rés à indenização por danos morais. Da indenização por danos morais Segundo ensinamento de Yussef Said Cahali in Dano Moral, 2ª edição, Editora Revista dos Tribunais, p. 21, considera-se dano moral: "Tudo aquilo que molesta gravemente a alma humana, ferindo-lhe gravemente os valores fundamentais inerentes à sua personalidade ou reconhecidos pela sociedade em que está integrado, qualifica-se, em linha de princípio, como dano moral; não há como enumerá-los exaustivamente, evidenciando-se na dor, na angústia, no sofrimento, na tristeza pela ausência de um ente querido falecido; no desprestígio, na desconsideração social, no descrédito, à reputação, na humilhação pública, no devassamento da privacidade; no desequilíbrio da normalidade psíquica, nos traumatismos emocionais, na depressão ou no desgaste psicológico, nas situações de constrangimento moral." Em complemento, assevera Cleyton Reis em sua obra Avaliação do Dano Moral, 4ª edição, Editora Forense, p. 15: "É inquestionável que os padecimentos de natureza moral, como, por exemplo, a dor, a angústia, a aflição física ou espiritual, a humilhação, e de forma ampla, os padecimentos resultantes em situações análogas, constituem evento de natureza danosa, ou seja, danos extrapatrimoniais. Todavia, esse estado de espírito não autoriza a compensação dos danos morais, se não ficar demonstrado que os fatos foram conseqüência da privação de um bem jurídico, em que a vítima tinha um interesse juridicamente tutelado." A indenização por danos morais visa compensar os prejuízos ao interesse extrapatrimonial sofridos pelo ofendido, que não são, por sua natureza, ressarcíveis, e não se confundem com os danos patrimoniais, estes sim, suscetíveis de recomposição ou, se impossível, de indenização pecuniária. No que se refere à indenização por danos morais, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem entendido que “O simples inadimplemento contratual em razão do atraso na entrega do imóvel não é capaz, por si só, de gerar dano moral indenizável. Entretanto, sendo considerável o atraso, alcançando longo período de tempo, pode ensejar o reconhecimento de dano extrapatrimonial” (Segunda Seção, AgInt nos EAREsp n. 676.952/RJ, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 03/10/2023, DJe de 5/10/2023; Terceira Turma, AgInt no AREsp 2.158.472/MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 12/12/2022, DJe de 14/12/2022, e Terceira Turma, AgInt no AREsp 2.059.944/MG, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 28/11/2022, DJe de 13/12/2022). No caso sob análise, foi considerado pela sentença que a obra haveria de terminar em 04/2021. Quanto a este ponto não houve insurgência da parte autora. Esta ação, contudo, foi ajuizada precocemente, em 03/11/2020, não se podendo falar, até então, em qualquer atraso capaz de gerar os prejuízos extrapatrimonais alegados, que implique o dever de indenizar. Em 13/11/2020, a autora obteve a suspensão da cobrança dos encargos da fase de construção, por força da tutela de urgência que lhe foi deferida. Já, em 13/07/2021, ocasião em que prolatada a sentença, foi assegurado o seu direito à rescisão contratual e à devolução de todas as quantias por ela pagas em razão da contratação. Contudo, não houve o reconhecimento de dano extrapatrimonial que implicasse indenização por dano moral. Merecem transcrição os fundamentos postos no julgado a respeito, os quais adoto, também, como razão de decidir: “A respeito do dano moral, é certo que a inobservância do prazo de construção da unidade habitacional, e consequentemente, da entrega do imóvel, causa dissabores e transtornos. No entanto, o atraso em si não é fator causal do dano moral. Atrasos, ou mesmo o inadimplemento da obrigação são aspectos inerentes ao negócio jurídico, embora os contratos sirvam como forma de estabilizar as expectativas de cumprimento. Em outros termos: o inadimplemento em si não é causa do abalo moral, por não ser aspecto imprevisível do negócio jurídico. O contexto do inadimplemento gera dano moral a depender do comportamento recalcitrante e resistente do devedor em relação às reclamações do credor. Também em outros termos: cogita-se de dano moral, se o devedor, apesar da insistência do credor, resiste continuamente a dar soluções satisfatórias (teoria do desvio produtivo do consumidor). Para o caso, a resistência em desvio por parte dos réus não está provada. A construção foi paralisada em 05/2018 e não foi retomada até então. A parte autora não deu notícia de ter feito requerimentos aos réus para solucionarem o problema. Como já mencionado, o PROCON foi acionado, mas os documentos de ID 41185212, p. 7-8 parecem ser reclamações de terceiros em situação similar à parte autora, mas não dela mesma. Não há protocolos de atendimento solicitado, não há registro de reclamações, nem mesmo alguma notificação dirigida aos réus para que cumprissem ou resolvessem o contrato. Bem claro, tais diligências demonstrariam a insistência e diligência do credor, mas, ainda assim, para fins de configuração do dano moral por desvio produtivo, dependeriam de correspondentes negativas ou omissões em tergiversação por parte dos réus. O que se quer consignar é evitar dar à indenização por dano moral função que ela não detém, pela lei. A indenização por dano moral serve à recomposição do abalo psíquico, não como pena ao contratante inadimplente. O inadimplemento só é punível por cláusula penal, inexistente no caso. Já as perdas e danos, que têm caráter patrimonial, como ocorre aos arts. 402 e seguintes do Código Civil, não foram cogitados no processo. A indenização por dano moral tem como pressuposto a frustração extraordinária, o que não é o caso do inadimplemento; porquanto não seja propriamente normal nos negócios jurídicos, não se trata de estado inesperado, tampouco imprevisível como já dito.” Nessa esteira, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça sedimentou-se no sentido de que meros dissabores, como sucede na espécie, não se confundem com dano moral. Confiram-se: "Agravo regimental. Recurso especial não admitido. Cobrança indevida. Danos morais. 1. A tese recursal é no sentido de que houve dano moral em razão da cobrança indevida feita pela instituição bancária. O Tribunal manteve a improcedência do pedido, considerando que "os dissabores experimentados pelo autor, ante o fato de receber notificações de cobrança e ter que dirigir-se ao PROCON/DF para resolver a pendência patrimonial, não violaram seu direito à honra, assegurado pela Constituição Federal" (fl. 140). Os fundamentos do acórdão harmonizam-se com o desta Corte no sentido de que "o mero dissabor não pode ser alçado ao patamar do dano moral, mas somente aquela agressão que exacerba a naturalidade dos fatos da vida, causando fundadas aflições ou angústias no espírito de quem ela se dirige" (AgRgREsp nº 403.919/RO, Quarta Turma, Relator o Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 23/6/03). 2. Agravo regimental desprovido." (STJ, AGA nº 550722, Terceira Turma, Relator Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, DJU:03.05.2004) “RESPONSABILIDADE CIVIL. INDENIZAÇÃO. FALHA. VEÍCULO. ACIONAMENTO DE AIR BAGS. DANO MORAL INEXISTENTE. VERBA INDENIZATÓRIA AFASTADA. O mero dissabor não pode ser alçado ao patamar do dano moral, mas somente aquela agressão que exacerba a naturalidade dos fatos da vida, causando fundadas aflições ou angústias no espírito de quem ela se dirige. Recurso especial conhecido e provido, para restabelecer a r. sentença.” (RESP 898005, QUARTA TURMA, Relator Ministro CESAR ASFOR ROCHA, DJ:06/08/2007) Destarte, o caso possui particularidades que tornam indevida a indenização por danos morais, merecendo manutenção, neste aspecto, a sentença proferida. Da relação jurídica entre a credora CEF e a incorporadora/fiadora e alienante APRILIA Empreendimentos Imobiliários SPE Ltda. A operação para aquisição do imóvel celebrada entre as partes compreende duas relações jurídicas distintas e coligadas entre si: a venda e compra de fração ideal de terreno e construção de imóvel e o financiamento imobiliário para a aquisição da unidade habitacional. No “compromisso de reserva de fração ideal a que corresponderá unidade autônoma futura para venda e compra, confissão de dívida, promessa de contratação de financiamento e outras avenças” celebrado entre a autora e a empresa APRILIA Empreendimentos Imobiliários SPE Ltda. esta, na condição de “vendedora”, assumiu o compromisso de entregar a obra, e a autora, na qualidade de compradora, comprometeu-se ao pagamento do preço, de acordo com as condições do financiamento por ela contratado com a CEF (ID 214190741). Por sua vez, o contrato de mútuo para construção e constituição de garantia mediante alienação fiduciária do imóvel, envolve empréstimo em dinheiro. Neste, a CEF assumiu a responsabilidade, diante da empresa APRILIA Empreendimentos Imobiliários SPE Ltda. e da construtora, de arcar com o ônus de liberação dos recursos ali estipulados, necessários à aquisição do terreno e à construção da unidade habitacional, de acordo com o cronograma e a evolução da obra. A autora, de sua parte, obrigou-se, no aspecto financeiro, a restituir o numerário disponibilizado, diretamente à instituição financeira, com os devidos encargos contratuais (214190740). No que importa à espécie, a empresa APRILIA Empreendimentos Imobiliários SPE Ltda. figura no contrato de financiamento habitacional como incorporadora/fiadora e alienante do terreno contendo 7.200m2, no qual seria edificado o empreendimento. A fração ideal no terreno, de 0,006435%, correspondente ao futuro apartamento da demandante, foi dada como garantia fiduciária do contrato. O valor relativo ao terreno foi creditado em conta corrente de titularidade da alienante (cláusula 2ª do contrato nº 855553878763). Ainda que a parcela ideal do terreno tenha sido constituída como garantia direta do financiamento habitacional contratado pela autora, o ônus real incidente sobre o bem imóvel advém de negócio jurídico distinto, amparado em cessão de crédito operada entre a CEF e a empresa APRILIA Empreendimentos Imobiliários SPE Ltda., por meio do qual a instituição bancária passou a ser a efetiva credora dos valores a serem pagos pela proponente. Conquanto a cessão do crédito objeto da alienação fiduciária implique a transferência, ao cessionário, de todos os direitos e obrigações inerentes à propriedade fiduciária em garantia (art. 28 da Lei nº 9514/97), os ajustes coligados entre a CEF e a autora e entre a CEF e a empresa APRILIA Empreendimentos Imobiliários SPE Ltda. constituem negócios jurídicos autônomos, de modo que a proponente não pode responder pela garantia fiduciária dada pela incorporadora/alienante. Aplica-se, por analogia, a súmula nº 308 do Superior Tribunal de Justiça: “A hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel.” Nesse sentido, o entendimento daquela Corte de Justiça: “DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA CUMULADA COM OBRIGAÇÃO DE FAZER. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA FIRMADA ENTRE A CONSTRUTORA E O AGENTE FINANCEIRO. INEFICÁCIA EM RELAÇÃO AO ADQUIRENTE DO IMÓVEL. APLICAÇÃO, POR ANALOGIA, DA SÚMULA 308/STJ. 1. Ação declaratória cumulada com obrigação de fazer, por meio da qual se objetiva a manutenção de registro de imóvel em nome da autora, bem como a baixa da alienação fiduciária firmada entre a construtora e o agente financeiro. 2. Ação ajuizada em 12/03/2012. Recurso especial concluso ao gabinete em 05/09/2016. Julgamento: CPC/73. 3. O propósito recursal é definir se a alienação fiduciária firmada entre a construtora e o agente financeiro tem eficácia perante a adquirente do imóvel, de forma a se admitir a aplicação analógica da Súmula 308/STJ. 4. De acordo com a Súmula 308/STJ, a hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel. 5. A Súmula 308/STJ, apesar de aludir, em termos gerais, à ineficácia da hipoteca perante o promitente comprador, o que se verifica, por meio da análise contextualizada do enunciado, é que ele traduz hipótese de aplicação circunstanciada da boa-fé objetiva ao direito real de hipoteca. 6. Dessume-se, destarte, que a intenção da Súmula 308/STJ é a de proteger, propriamente, o adquirente de boa-fé que cumpriu o contrato de compra e venda do imóvel e quitou o preço ajustado, até mesmo porque este possui legítima expectativa de que a construtora cumprirá com as suas obrigações perante o financiador, quitando as parcelas do financiamento e, desse modo, tornando livre de ônus o bem negociado. 7. Para tanto, partindo-se da conclusão acerca do real propósito da orientação firmada por esta Corte - e que deu origem ao enunciado sumular em questão -, tem-se que as diferenças estabelecidas entre a figura da hipoteca e a da alienação fiduciária não são suficientes a afastar a sua aplicação nessa última hipótese, admitindo-se, via de consequência, a sua aplicação por analogia. 8. Recurso especial conhecido e não provido.” (Terceira Turma, REsp 1576164/DF, Rel. Ministra Nancy Andrighi, j. em 14/05/2019, DJe de 23/05/2019) Destarte, a situação deverá ser solvida entre a CEF e a empresa APRILIA Empreendimentos Imobiliários SPE Ltda., pelas vias próprias, se for o caso. Considerando que as apelações foram improvidas, majoro os honorários recursais em 1% do valor correspondente à sucumbência anteriormente fixada, nos termos do §11, do art. 85, do CPC, observada a suspensão da exigibilidade em relação à parte autora (art. 98, §3º, do CPC). Diante do exposto, nego provimento às apelações. É o meu voto. Herbert de Bruyn Desembargador Federal Relator
Advogado do(a) APELADO: CARLOS ROSSETO JUNIOR - SP118908-A
E M E N T A
SFH. CONTRATO DE FINANCIAMENTO HABITACIONAL, COM ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA. ATRASO NA CONCLUSÃO DA OBRA. RESOLUÇÃO CONTRATUAL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PREJUÍZO EXTRAPATRIMONIAL. INOCORRÊNCIA. TERRENO. GARANTIA FIDUCIÁRIA. RELAÇÃO JURÍDICA ENTRE O AGENTE FINANCEIRO E A INCORPORADORA/ALIENANTE. INEFICÁCIA PERANTE O ADQUIRENTE DO IMÓVEL. SÚMULA 308/STJ. APLICAÇÃO, POR ANALOGIA. APELAÇÕES IMPROVIDAS.
1. A indenização por danos morais visa compensar os prejuízos ao interesse extrapatrimonial sofridos pelo ofendido, que não são, por sua natureza, ressarcíveis, e não se confundem com os danos patrimoniais, estes sim, suscetíveis de recomposição ou, se impossível, de indenização pecuniária.
2. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem entendido que “O simples inadimplemento contratual em razão do atraso na entrega do imóvel não é capaz, por si só, de gerar dano moral indenizável. Entretanto, sendo considerável o atraso, alcançando longo período de tempo, pode ensejar o reconhecimento de dano extrapatrimonial” (Segunda Seção, AgInt nos EAREsp n. 676.952/RJ, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, j. em 03/10/2023, DJe de 5/10/2023).
3. O entendimento do Superior Tribunal de Justiça sedimentou-se no sentido de que meros dissabores, como sucede na espécie, não se confundem com dano moral.
4. A operação para aquisição do imóvel celebrada entre as partes compreende duas relações jurídicas distintas e coligadas entre si: a venda e compra de fração ideal de terreno e construção de imóvel e o financiamento imobiliário para a aquisição da unidade habitacional.
5. Ainda que a parcela ideal do terreno tenha sido constituída como garantia direta do financiamento habitacional contratado pela autora, o ônus real incidente sobre o bem imóvel advém de negócio jurídico distinto, amparado em cessão de crédito operada entre a CEF e a empresa APRILIA Empreendimentos Imobiliários SPE Ltda., por meio do qual a instituição bancária passou a ser a efetiva credora dos valores a serem pagos pela proponente.
6. Conquanto a cessão do crédito objeto da alienação fiduciária implique a transferência, ao cessionário, de todos os direitos e obrigações inerentes à propriedade fiduciária em garantia (art. 28 da Lei nº 9514/97), os ajustes coligados entre a CEF e a autora e entre a CEF e a empresa APRILIA Empreendimentos Imobiliários SPE Ltda. constituem negócios jurídicos autônomos, de modo que a proponente não pode responder pela garantia fiduciária dada pela incorporadora/alienante.
7. Aplica-se, por analogia, a súmula nº 308 do Superior Tribunal de Justiça: “A hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel.”. Precedentes.
8. Apelações improvidas.