Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
8ª Turma

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0005476-97.2009.4.03.6106

RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA

APELANTE: USINA SANTA ISABEL S/A, USINA SANTA ISABEL S/A, MOEMA BIOENERGIA S.A, UNIÃO FEDERAL

Advogado do(a) APELANTE: ROBERTO TIMONER - SP156828-A
Advogado do(a) APELANTE: JESUS GILBERTO MARQUESINI - SP69918-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, SUCRY - COMERCIO DE DERIVADOS DE CANA DE ACUCAR LTDA - ME

Advogado do(a) APELADO: MARCIO ANTONIO MANCILIA - SP274675-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0005476-97.2009.4.03.6106

RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA

APELANTE: USINA SANTA ISABEL S/A, MOEMA BIOENERGIA S.A, UNIÃO FEDERAL

Advogado do(a) APELANTE: ROBERTO TIMONER - SP156828-A
Advogado do(a) APELANTE: JESUS GILBERTO MARQUESINI - SP69918-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, SUCRY - COMERCIO DE DERIVADOS DE CANA DE ACUCAR LTDA - ME

Advogado do(a) APELADO: MARCIO ANTONIO MANCILIA - SP274675-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

­R E L A T Ó R I O

 

 

Trata-se de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal em face da União, Sucry-Agroindústria e Comércio de Derivados de Cana de Açúcar Ltda., Usina Moema Açúcar e Álcool Ltda., Usina Santa Isabel Ltda. (matriz) e Usina Sana Isabel S/A (filial), com o objetivo de compelir as empresas citadas a elaborarem e implementarem o Plano de Assistência Social (PAS), em favor dos trabalhadores do setor sucroalcooleiro, nos termos do art. 36 da Lei n.º 4.870/65, bem como determinar à União a aprovação e fiscalização do mencionado PAS.

O juízo a quo rejeitou a matéria preliminar e, no mérito, julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados na petição inicial para:

1) Extinguir o processo, sem o julgamento do mérito, com fulcro nas disposições do art. 267, inciso VI, do Código de Processo Civil (aplicado subsidiariamente), em razão da superveniente perda do interesse de agir, no tocante às seguintes pretensões: a) implantação do Plano de Assistência Social, previsto no art. 36, caput, da Lei n.º 4.870/65, a partir da data de publicação da Lei n.º 12.865, de 09 de outubro de 2013 (publicada em 10/10/2013); b) em relação às obrigações anteriores à Lei n.º 12.865, estampadas nas alíneas "a" e "c", do art. 36, da Lei n.º 4.870/65.

2) Condenar as rés Sucry, Usina Moema e Usina Santa Isabel (matriz e filial - devidamente qualificadas nos autos), a efetuarem o depósito do percentual estampado no art. 36, caput, alínea "b", da Lei n.º 4.870/65 (1% sobre o valor da tonelada de cana entregue, a qualquer título, às usinas, destilarias anexas ou autônomas, pelos fornecedores ou lavradores da referida matéria), em conta específica, observando os precisos termos dos §§ 2.º e 3.º, do mesmo dispositivo legal (inclusive quanto aos acréscimos decorrentes da mora), em relação às safras compreendidas entre a data do ajuizamento da presente demanda e a data de publicação da Lei n.º 12.865/13 (10/10/2013), bem como a elaborarem e executarem Plano de Assistência Social, em benefício dos trabalhadores do setor sucroalcooleiro, com a utilização dos valores em questão, plano este que deverá ser submetido à aprovação e fiscalização do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento;

3) Condenar a União a exigir e a analisar o Plano de Assistência Social referido no item acima, aprovando-o ou rejeitando-o, bem como a fiscalizar o seu fiel cumprimento pelas empresas já mencionadas.”

Outrossim, fixou o prazo de 60 (sessenta) dias, a partir do trânsito em julgado da decisão, para que as corrés cumpram as obrigações acima determinadas, sob pena de multa diária no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais). Não houve condenação ao pagamento dos honorários advocatícios, com fundamento em jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. “Não há custas a serem reembolsadas. Sentença sujeita ao reexame necessário” (Id. 193458656, pp. 166/196).

A corré Sucry Agroindústria e Comércio de Derivados de Cana de Açúcar Ltda. peticionou nos autos, a fim de “requerer a juntada dos inclusos documentos que comprovam que a empresa Requerida está sem atividades desde 2010 e baixada desde 2012, de modo que é impossível cumprir o determinado na sentença de mérito” (Id. 193458656, pp. 202/225).

Apelação da Usina Santa Isabel (matriz e filial), requerendo a extinção do processo sem resolução do mérito, sob o fundamento de perda superveniente do objeto em decorrência do advento da Lei n.º 12.865/13, a qual revogou o art. 36 da Lei n.º 4.870/65 ou, ainda, pela existência de coisa julgada. Em não sendo esse o entendimento, sustenta a improcedência do pedido formulado na exordial (Id. 193458656, pp. 226/284).

Houve a prolação de decisão, negando provimento aos embargos de declaração interpostos pela Usina Moema Açúcar e Álcool Ltda. (Id. 193458656, pp. 285/286).

Recorre a União, pleiteando a extinção do processo sem exame do mérito, tendo em vista a revogação do art. 36 da Lei n.º 4.870/65 pela Lei n.º 12.865/13 ou a exclusão de sua condenação “na fiscalização da exigência e análise do PAS em relação às demais rés” (Id. 193458656, pp. 297/312).

Usina Moema Açúcar e Álcool Ltda. requer a extinção da ação civil pública sem resolução do mérito, com fulcro no art. 267, incisos IV e VI do CPC, “quer seja pela carência da ação (inadequação da via eleita, ilegitimidade ativa e passiva e impossibilidade jurídica do pedido), quer seja pela cumulação indevida de ações e de partes”. Caso superadas as preliminares, aduz a improcedência da ação (Id. 193458656, pp. 315/345).

Com contrarrazões, subiram os autos.

O Ministério Público Federal opina pelo não provimento dos recursos (Id. 193503907, pp. 36/60).

Determinada a suspensão do processo, diante da arguição de inconstitucionalidade suscitada nos autos da AC n.º 0000663-18.2005.4.03.6122 (Id. 193503907, pp. 62/63).

A 8.ª Turma desta Corte negou provimento ao agravo regimental interposto pela Usina Moema Açúcar e Álcool Ltda., mantendo a suspensão do feito até a apreciação da arguição de inconstitucionalidade acima mencionada (Id. 193503907, pp. 75/81).

Usina Santa Isabel S/A peticiona nos autos, requerendo o prosseguimento do feito.

Considerando o trânsito em julgado da decisão proferida na arguição de inconstitucionalidade n.º 0000663-18.2005.4.03.6122, vieram conclusos os autos para julgamento.

É o relatório.

 

 

THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal Relatora

 

 

 

 


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Advogado do(a) APELADO: MARCIO ANTONIO MANCILIA - SP274675-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

­V O T O

 

 

Inicialmente, com relação à remessa oficial, o Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento de que “o art. 19 da Lei 4.717/1965 aplica-se analogicamente, também, às Ações Civis Públicas, para submeter as sentenças de improcedência ao reexame necessário. Julgados: AgInt no REsp. 1.264.666/SC, Rel. Min. SÉRGIO KUKINA, DJe 22.9.2016; AgRg no REsp. 1.219.033/RJ, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 25.4.2011. (...) Ao contrário do que alegado pela parte agravante, o art. 19 da Lei 4.717/1965 incide, também, para as hipóteses de carência de ação, conforme a expressa dicção do dispositivo legal” (AgInt. no REsp. n.º 1.547.569, Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, 1.ª Turma, j. em 17/6/2019, DJe de 26/6/2019).

Registre-se que a corré Sucry Agroindústria e Comércio de Derivados de Cana de Açúcar Ltda. não apresentou apelação contra a sentença proferida nos presentes autos, limitando-se a peticionar a fim de “requerer a juntada dos inclusos documentos que comprovam que a empresa Requerida está sem atividades desde 2010 e baixada desde 2012, de modo que é impossível cumprir o determinado na sentença de mérito” (Id. 193458656, pp. 202/225).

Não se tratando de litisconsorte passivo necessário unitário, no qual se pressupõe a existência de uma única relação jurídica indivisível, aplica-se in casu o disposto no art. 117 do CPC, in verbis: "Os litisconsortes serão considerados, em suas relações com a parte adversa, como litigantes distintos, exceto no litisconsórcio unitário, caso em que os atos e as omissões de um não prejudicarão os autos, mas os poderão beneficiar."

Dessa forma, à míngua de apelação da empresa Sucry Agroindústria e Comércio de Derivados de Cana de Açúcar Ltda. e não sendo hipótese de aplicação da remessa oficial em prol da referida empresa, patente a ocorrência do trânsito em julgado da sentença proferida nos presentes autos com relação à mencionada corré.

Passo, então, à apreciação da remessa oficial e das apelações das corrés União, Usina Moema Açúcar e Álcool Ltda. e Usina Santa Isabel S/A (matriz e filial).

Tempestivos os recursos e presentes os demais requisitos de admissibilidade, passa-se ao exame da insurgência propriamente dita, considerando-se a matéria objeto de devolução.

Trata-se de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal com o objetivo de compelir as empresas corrés a elaborarem e implementarem o Plano de Assistência Social (PAS), em favor dos trabalhadores do setor sucroalcooleiro, nos termos do art. 36 da Lei n.º 4.870/65, bem como determinar à União a aprovação e fiscalização do mencionado PAS.

Preliminarmente, rejeita-se a alegação de ilegitimidade ativa do Ministério Público Federal.

O PAS foi criado visando obrigar os produtores de cana, açúcar e álcool a aplicarem recursos financeiros em benefício dos trabalhadores das usinas, destilarias e fornecedores, mediante a prestação de serviços de assistências médica, hospitalar, farmacêutica e social. Trata-se, portanto, de um direito social da categoria dos trabalhadores do setor sucroalcooleiro, sendo patente a legitimidade do Ministério Público Federal, nos termos do art. 129, caput e inciso III da Constituição Federal, bem como art. 81, parágrafo único e inciso II da Lei n.º 8.078/90 e art. 6.º, inciso VII, “d”, da Lei Complementar n.º 75/93.

Rejeita-se, outrossim, a preliminar de ilegitimidade passiva da corré Usina Moema Açúcar e Álcool Ltda., por se tratar de sociedade produtora de cana-de-açúcar, conforme consta do objeto do contrato social juntado aos autos (Id. 193509037, pp. 125), sendo, portanto, responsável para dar eventual cumprimento às obrigações constantes do art. 36 da Lei n.º 4.870/65,

Observa-se, ainda, ser adequada a via processual eleita pelo Ministério Público Federal para formular o presente pedido, no qual se objetiva o cumprimento da execução de um direito de natureza coletiva expressamente disposto em lei.

A preliminar de impossibilidade jurídica do pedido será analisada a seguir, juntamente com as demais questões suscitadas nos presentes autos.

Dispõe o art. 36 da Lei n.º 4.870/65:

“Art 36. Ficam os produtores de cana, açúcar e álcool obrigados a aplicar, em benefício dos trabalhadores industriais e agrícolas das usinas, destilarias e fornecedores, em serviços de assistências médica, hospitalar, farmacêutica e social, importância correspondente no mínimo, às seguintes percentagens:

a) de 1% (um por cento) sobre preço oficial de saco de açúcar de 60 (sessenta) quilos, de qualquer tipo, revogado o disposto no art. 8º do Decreto-lei nº 9.827, de 10 de setembro de 1946;

b) de 1% (um por cento) sobre o valor oficial da tonelada de cana entregue, a qualquer título, às usinas, destilarias anexas ou autônomas, pelos fornecedores ou lavradores da referida matéria;

c) de 2% (dois por cento) sobre o valor oficial do litro de álcool de qualquer tipo produzido nas destilarias.

§ 1º Os recursos previstos neste artigo serão aplicados diretamente pelas usinas, destilarias e fornecedores de cana, individualmente ou através das respectivas associações de classe, mediante plano de sua iniciativa, submetido à aprovação e fiscalização do I.A.A.

§ 2º Ficam as usinas obrigadas a descontar e recolher, até o dia 15 do mês seguinte, a taxa de que trata a alínea " b " deste artigo, depositando seu produto em conta vinculada, em estabelecimento indicado pelo órgão específico da classe dos fornecedores à ordem do mesmo.

O descumprimento desta obrigação acarretará a multa de 50% (cinqüenta por cento) da importância retida, até o prazo de 30 (trinta) dias, e mais 20% (vinte por cento) sobre aquela importância, por mês excedente.

§ 3º A falta de aplicação total ou parcial, dos recursos previstos neste artigo, sujeita o infrator à multa equivalente ao dobro da importância que tiver deixado de aplicar.”

No entanto, a Lei nº 12.865/13 declarou a extinção de todas as obrigações relativas à implementação do Plano de Assistência Social (PAS), nos termos dos artigos 38 e 42, abaixo reproduzidos:

“Art. 38. São extintas todas as obrigações, inclusive as anteriores à data de publicação desta Lei, exigidas de pessoas físicas ou jurídicas de direito privado com fundamento nas alíneas ‘a’ e ‘c’ do caput do art. 36 da Lei nº 4.870, de 1º de dezembro de 1965, preservadas aquelas já adimplidas.”

(...)

Art. 42. Revogam-se:

(...)

IV – o art. 36 da Lei n.º 4.870, de 10 de dezembro de 1965.”

 

Com relação à constitucionalidade dos artigos acima transcritos, ressalta-se que a matéria já foi submetida à apreciação do Órgão Especial desta Corte, em sessão de 29/9/2021, nos autos do Incidente de Arguição de Inconstitucionalidade n.º 0000663-18.2005.4.03.6122, com acórdão proferido nos seguintes termos:

“CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PLANO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL (LEI Nº 4.870/65). LEI Nº 12.865/2013. DIREITO ADQUIRIDO. VEDAÇÃO DO RETROCESSO SOCIAL. IGUALDADE. OFENSA REFLEXA. NÃO CONHECIMENTO.

1. Ação civil pública tendo como objeto a condenação da União a promover a efetiva fiscalização da aplicação dos recursos do Plano de Assistência Social (PAS) e o reconhecimento da obrigação de fazer no sentido de elaborar e executar o PAS em benefício dos trabalhadores rurais e urbanos da agroindústria canavieira, na forma estabelecida pela Lei nº 4.870/65.

2. Arguição de inconstitucionalidade quanto à incidência dos arts. 38 e 42 da Lei 12.865/2013, que teriam violado os princípios constitucionais da segurança jurídica (direito adquirido), da vedação ao retrocesso em matéria de direitos sociais e da igualdade.

3. O exame se a Lei nº 12.865/2013 violou a Constituição Federal passa, obrigatoriamente, pela análise das disposições da Lei nº 4.870/65, que se caracteriza como norma legal interposta. Eventual ofensa reflexa ou indireta ao texto constitucional.

4. Arguição de inconstitucionalidade não conhecida.”

(Arguição de Inconstitucionalidade nº 0000663-18.2005.4.03.6122, Órgão Especial, Relator Desembargador Federal Nino Toldo, por maioria, j. 29/09/2021, DJe 18/10/2021)

Observa-se, portanto, que o referido Órgão Especial firmou posicionamento no sentido de que a Lei n.º 12.865/2013 não incorreu em violação direta às garantias do direito adquirido, da vedação do retrocesso social e da igualdade, devendo a questão relativa ao Plano de Assistência Social (PAS) ser examinada em conformidade com a legislação infraconstitucional.

Ressalte-se que o aresto acima mencionado transitou em julgado em 14/2/2023, consoante consulta realizada no sistema PJe-2.º grau.

Dessa forma, impõe-se, de rigor, a extinção do processo sem resolução do mérito, tendo em vista que os arts. 38 e 42 da Lei n.º 12.865/2013, acima transcritos, expressamente determinaram a extinção das obrigações previstas no art. 36 da Lei n.º 4.870/65, inclusive as anteriores ao advento da referida Lei n.º 12.865/13, caracterizando-se, portanto, a ausência de interesse processual superveniente, nos termos do art. 485, inciso VI, do CPC.

Frise-se, a propósito, ser pacífica a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido da extinção integral das obrigações, pretéritas e posteriores, ao advento da Lei n.º 12.865/13, mencionadas não apenas nas alíneas “a” e “c” do 36 da Lei n.º 4.870/65, como também na alínea “b” do referido dispositivo legal, conforme decisões monocráticas in verbis:

 

“RECURSO ESPECIAL Nº 1427822 - SP (2013/0421657-4)

EMENTA

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSOS ESPECIAIS. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PAS - PROGRAMA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL. LEI N. 12.865/2013. REVOGAÇÃO DO ART. 36 DA LEI N. 4.870/1965. PERDA SUPERVENIENTE DO OBJETO. EXTINÇÃO DO FEITO, SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO.

DECISÃO

Trata-se de recurso especial interposto pela União, com fulcro na alínea "a" do permissivo constitucional, contra acórdão do Tribunal do Regional Federal da 3ª Região, assim ementado (e-STJ fls. 796-797):

PROCESSUAL CIVIL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL - UNIÃO FEDERAL - LEGITIMIDADE - INTERESSE - POSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO DE PEDIDOS - OBRIGAÇÃO DE FAZER - PLANO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL (PAS) - 1E1 4870/95 -REGULAMENTAÇÃO/FISCALIZAÇÃO (Decreto-lei n° 308/67 e Resolução n° 7/80 ) - SUCESSÃO PELA UNIÃO FEDERAL, FACE À EXTINÇÃO DO IAA - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - MATÉRIA PRELIMINAR AFASTADA - APELAÇÕES DESPROVIDAS.

(...)

É o relatório. Decido.

Registre-se que "[a]os recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas, até então, pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (Enunciado Administrativo n. 2, aprovado pelo Plenário do Superior Tribunal de Justiça em 9/3/2016)".

A Lei nº 12.865/2013 revogou o art. 36 da Lei 4.870/65 e fulminou qualquer pretensão do Ministério Público de implementação do Plano de Assistência Social - PAS. Vejamos o que prelecionam os artigos 38 e 42 do mencionado diploma:

Art. 38. São extintas todas as obrigações, inclusive as anteriores à data de publicação desta Lei, exigidas de pessoas físicas ou jurídicas de direito privado com fundamento nas alíneas "a" e "c" do caput do art. 36 da Lei nº 4.870, de 1º de dezembro de 1965, preservadas aquelas já adimplidas.

(...)

Art. 42. Revogam-se:

(...)

IV - o art. 36 da Lei no 4.870, de 1º de dezembro de 1965.

Com efeito, tem-se que a extinção de todas as obrigações previstas no art. 36 da Lei 4.870/65, inclusive as anteriores à data da publicação da Lei 12.865/2013, culmina na inequívoca perda superveniente do interesse de agir, nos termos do art. 267, IV, do CPC.

No mesmo sentido, cita-se as seguintes decisões monocráticas: REsp 1.451.864/SP, Relator Ministro Sérgio Kukina, DJe 8/10/2014; REsp 1.411.097/PB, Relator Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe 29/08/2014; REsp 1.408.189/SP, Relator Ministro Sérgio Kukina, DJe 31/03/2014; REsp 1.513.055, Relator Ministro Benedito Gonçalves, DJe 9/10/2015; e REsp 1.466.231/SP, Relator Ministro Og Fernandes, DJe 1º/3/2016.

Ante o exposto, julgo extinto o processo sem resolução de mérito, nos termos do art. 267, VI, do CPC.

Publique-se. Intimem-se.

Brasília, 19 de dezembro de 2022.”

(REsp. n.º 1.427.822, Relator Ministro Benedito Gonçalves, DJe de 20/12/2022, grifos meus.)

 

“RECURSO ESPECIAL Nº 1760800 - SP (2018/0210362-5)

DECISÃO

Trata-se de recurso especial interposto pela UNIÃO, com fundamento no permissivo constitucional, contra acórdão do Tribunal Federal da 3ª Região, assim ementado (e-STJ fls. 702/703):

PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PLANO DE ASSISTENCIA SOCIAL- PAS. OBRIGAÇÃO DA INDÚSTRIA CANAVIEIRA INSTITUÍDA PELA LEI N° 4.870/65. FISCALIZAÇÃO PELA UNIÃO. EXTINÇÃO DETERMINADA PELA LEI N. 12.865/2013. INCONSTITUCIONALIDADE AFASTADA. CARÊNCIA PARCIAL SUPERVENIENTE DE INTERESSE PROCESSUAL RECONHECIDA. REEXAME NECESSÁRIO E APELAÇÕES PREJUDICADAS EM PARTE E, NA PARTE SUSBISTENTE, DESPROVIDAS.

(...)

Passo a decidir.

De início, registro que o Plenário do STJ decidiu que "aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC" (Enunciado Administrativo n. 3).

Dito isso, constata-se que o Tribunal de origem reconheceu a carência superveniente e parcial do interesse de agir do Ministério Público Federal no que concerne à exigência das obrigações previstas nas alíneas "a" e "c" do caput do art. 36 da Lei n. 4.870/1965, tendo em vista o disposto no art. 38 da Lei n. 12.865/2013.

Todavia, reconheceu a subsistência da obrigação do pagamento da quantia de 1% sobre o valor da tonelada de cana entregue, a qualquer título, às usinas, destilarias anexas ou autônomas, pelos fornecedores ou lavradores da referida matéria, nos termos da alínea "b" do art. 36 da Lei n. 4.870/1965, em relação ao período anterior à edição da Lei n. 12.865/2013.

Pois bem, preceitua a Lei n. 12.865/2013, publicada no DOU de 10/10/2013, in verbis:

(...)

Por sua vez, o art. 36 da Lei n. 4.870/1965, assim dispunha:

(...)

Cinge-se a controvérsia, contudo, em saber se remanesce a obrigação de pagamento da quantia referida na alínea "b" do art. 36 da Lei n. 4.870/1976, no que tange ao período anterior à sua edição, uma vez que o art. 42 da Lei n. 12.865/2013 revogou o corpo daquele dispositivo legal, mas permaneceu silente a respeito dos benefícios anteriormente concedidos.

Em casos idênticos, o Superior Tribunal de Justiça vem julgando extinto o processo, sem resolução do mérito, por entender que a pretensão deduzida pelo Ministério Público, no sentido de obter a condenação da União Federal a promover a fiscalização da aplicação dos recursos do PAS e das empresas ao pagamento das obrigações impostas, com a finalidade de gerar receita para o custeio do respectivo serviço assistencial, encontra vedação explícita no direito positivo, reconhecendo, em razão disso, a superveniente impossibilidade jurídica do pedido.

Nesse sentido: REsp 1.451.864/SP, Relator Ministro Sérgio Kukina, DJe 08/10/2014, REsp 1.513.055, Relator Ministro Benedito Gonçalves, DJe 09/10/2015 e REsp 1.466.231/SP, Relator Ministro Og Fernandes, DJe 1º/3/2016.

Assim, considerando que as usinas de açúcar e álcool foram desobrigadas de promover o Plano de Assistencial Social PAS, conforme acima mencionado, eventuais ações sociais já implantadas não mais se sujeitam à fiscalização e à intervenção do Poder Público.

Ante o exposto, EXTINGO o processo, sem resolução de mérito, nos termos do art. 485, VI, do CPC/2015, ante a falta de interesse de agir do Ministério Público, JULGANDO prejudicado o recurso especial interposto.

Intimem-se. Publique-se.

Brasília, 13 de agosto de 2020.”

(REsp. n.º 1.760.800, Ministro Gurgel de Faria, DJe de 20/8/2020, grifos meus.)

 

Nesse mesmo sentido, cita-se julgados desta Corte Regional: Apelação Cível n.º 0001034-19.2013.4.03.6116, 8.ª Turma, Relator Desembargador Federal Toru Yamamoto, j. em 24/7/2023, DJe de 1.º/8/2023; Apelação Cível n.º 0013520-59.2005.4.03.6102, 8.ª Turma, Desembargador Federal Herbert de Bruyn, j. em 24/7/2023, DJe de 1.º/8/2023 e Embargos Infringentes n.º 0000496-14.2008.4.03.6116, 3.ª Seção, Relator Desembargador Federal Paulo Domingues, j. em 14/11/2019, DE de 27/11/2019.

Incabível a condenação em honorários advocatícios, nos termos do art. 18 da Lei n.º 7.347/85 e da pacífica jurisprudência do STJ, in verbis:O Superior Tribunal de Justiça entende que não há condenação em honorários advocatícios na Ação Civil Pública, salvo em caso de comprovada má-fé, sendo certo que o referido entendimento é aplicado tanto para o autor quanto para o réu da ação, em obediência ao princípio da simetria” (EDcl no AgInt no REsp nº 2.021.185/RJ, 1.ª Turma, Relator Ministro Gurgel de Faria, j. em 25/9/2023, DJe de 2/10/2023).

Posto isso, rejeito a matéria preliminar arguida pela Usina Moema Açúcar e Álcool Ltda., nego provimento à remessa oficial e dou provimento às apelações da União, Usina Moema Açúcar e Álcool Ltda. e Usina Santa Isabel S/A (matriz e filial), para julgar extinto o processo sem resolução do mérito, nos termos do art. 485, inciso VI, do CPC, consoante a fundamentação supra.

É o voto.

 

THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal Relatora

 

 



E M E N T A 

- O PAS foi criado visando obrigar os produtores de cana, açúcar e álcool a aplicarem recursos financeiros em benefício dos trabalhadores das usinas, destilarias e fornecedores, mediante a prestação de serviços de assistências médica, hospitalar, farmacêutica e social. Trata-se, portanto, de um direito social da categoria dos trabalhadores do setor sucroalcooleiro, sendo patente a legitimidade do Ministério Público Federal, nos termos do art. 129, caput e inciso III da Constituição Federal, bem como art. 81, parágrafo único e inciso II da Lei n.º 8.078/90 e art. 6.º, inciso VII, “d”, da Lei Complementar n.º 75/93.

- Rejeita-se, outrossim, a preliminar de ilegitimidade passiva da corré Usina Moema Açúcar e Álcool Ltda., por se tratar de sociedade produtora de cana-de-açúcar, conforme consta do objeto do contrato social juntado aos autos (Id. 193509037, pp. 125), sendo, portanto, responsável para dar eventual cumprimento às obrigações constantes do art. 36 da Lei n.º 4.870/65.

- Observa-se, ainda, ser adequada a via processual eleita pelo Ministério Público Federal para formular o presente pedido, no qual se objetiva o cumprimento da execução de um direito de natureza coletiva expressamente disposto em lei.

- O Órgão Especial desta Corte, nos autos da Arguição de Inconstitucionalidade n.º 0000663-18.2005.4.03.6122, firmou posicionamento no sentido de que a Lei n.º 12.865/2013 não incorreu em violação direta às garantias do direito adquirido, da vedação do retrocesso social e da igualdade, devendo a questão relativa ao Plano de Assistência Social (PAS) ser examinada em conformidade com a legislação infraconstitucional.

- Dessa forma, impõe-se, de rigor, a extinção do processo sem resolução do mérito, tendo em vista que os arts. 38 e 42 da Lei n.º 12.865/2013 expressamente determinaram a extinção das obrigações previstas no art. 36 da Lei n.º 4.870/65, inclusive as anteriores ao advento da referida Lei n.º 12.865/13, caracterizando-se, portanto, a ausência de interesse processual superveniente, nos termos do art. 485, inciso VI, do CPC. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça.

- Matéria preliminar arguida pela Usina Moema Açúcar e Álcool Ltda. rejeitada. Remessa oficial não provida. Apelações da União, Usina Moema Açúcar e Álcool Ltda. e Usina Santa Isabel S/A (matriz e filial) providas. Processo extinto sem resolução do mérito.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Oitava Turma, por unanimidade, rejeitou a matéria preliminar arguida pela Usina Moema Açúcar e Álcool Ltda., negou provimento à remessa oficial e dru provimento às apelações da União, Usina Moema Açúcar e Álcool Ltda. e Usina Santa Isabel S/A (matriz e filial), para julgar extinto o processo sem resolução do mérito, nos termos do art. 485, inciso VI, do CPC, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.