HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Nº 5001849-57.2024.4.03.0000
RELATOR: Gab. 40 - DES. FED. NINO TOLDO
PACIENTE: SANDRA CRESPO COYO
IMPETRANTE: DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO
IMPETRADO: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE PRESIDENTE PRUDENTE/SP - 2ª VARA FEDERAL
OUTROS PARTICIPANTES:
HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Nº 5001849-57.2024.4.03.0000 RELATOR: Gab. 40 - DES. FED. NINO TOLDO PACIENTE: SANDRA CRESPO COYO IMPETRADO: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE PRESIDENTE PRUDENTE/SP - 2ª VARA FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO (Relator): Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado pela Defensoria Pública da União (DPU), em favor de SANDRA CRESPO COYO, contra a decisão da 2ª Vara Federal de Presidente Prudente/SP (ID 284938316, pp. 71/77) que, ao condenar a paciente à pena de 5 (cinco) anos de reclusão, em regime inicial semiaberto, e 500 (quinhentos) dias-multa, pela prática do crime do art. 33, caput, c.c. art. 40, I, da Lei nº 11.343/2006, negou-lhe a possiblidade de apelar em liberdade, recomendando a sua imediata transferência para presídio compatível com o regime semiaberto estabelecido. A DPU alega (ID 284938292): A paciente encontra-se, desde seus 04 (quatro) meses de gravidez, recolhida em estabelecimento prisional. Em um momento avançado da gestação, a permanência da paciente nesse ambiente coloca não apenas sua própria saúde em risco, mas também a saúde de seu filho, prestes a nascer. Em consonância com essas Regras e com os princípios constitucionais que erigiram a dignidade humana a fundamento da República Federativa do Brasil, no Brasil há a previsão de prisão domiciliar substitutiva da prisão preventiva em algumas hipóteses, entre elas no caso da mulher gestante e da mulher com filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos. A prisão domiciliar para a mulher gestante foi prevista já em 2011, sendo afastada a restrição à idade gestacional e ainda ampliadas as hipóteses de proteção à maternidade e à criança na primeira infância nos anos subsequentes. [...] A paciente é primária, haja vista que não possui antecedentes criminais ou decisões judiciais transitadas em julgado, não trazendo risco à ordem pública se posta em prisão domiciliar. Da mesma forma, não há indícios de que a acusada em liberdade coloque em risco a instrução criminal, a ordem pública e, tampouco, traga risco à ordem econômica. Logo, não há fundamentação idônea para a não aplicação da prisão domiciliar no caso. Ainda, a prisão domiciliar, nesta hipótese de iminência do nascimento do filho da paciente, busca assegurar o princípio da intranscendência da pena, evitando-se que o bebê acabe pagando por um mal que não cometeu. Assim, o fato de não ter sido concedida prisão domiciliar à paciente no momento da gestação (fase pré processual até a presente data), não impede que se reitere o pedido agora, já que o que está em discussão é a condição de saúde da Paciente (e consequentemente de seu bebê), o período final da gravidez e de amamentação do recém-nascido, bem como seu desenvolvimento nos primeiros meses de vida fora do ambiente carcerário e próximo aos cuidados da genitora. [...] Destaque-se que, embora a Paciente não tenha no momento endereço no Brasil, uma vez que foi presa quando de seu ingresso no território nacional (onde já havia vivido, mas morando em oficina de costura), a Paciente, quando colocada em liberdade, será encaminhada a serviço de acolhimento e poderá ser acompanhada, neste momento de colocação em liberdade, de acolhida e de cumprimento da prisão domiciliar, pelo Instituto Terra, Trabalho e Cidadania, organização da sociedade civil que há mais de 20 anos presta assistência a mulheres migrantes em conflito com a lei. Por isso, pediu a concessão liminar da ordem para que fosse substituída a prisão preventiva da paciente pela sua prisão domiciliar, nos termos do art. 318, IV, do Código de Processo Penal, até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Subsidiariamente, pediu que fosse revogada a prisão preventiva ainda que mediante a imposição de medidas cautelares previstas no art. 319 do CPP, confirmando-se a ordem ao final. O pedido de liminar foi indeferido (ID 284967272). A autoridade impetrada prestou informações (ID 285576521). A Procuradoria Regional da República opinou pela denegação da ordem (ID 285643656). É o relatório.
IMPETRANTE: DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO
HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Nº 5001849-57.2024.4.03.0000 RELATOR: Gab. 40 - DES. FED. NINO TOLDO PACIENTE: SANDRA CRESPO COYO IMPETRADO: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE PRESIDENTE PRUDENTE/SP - 2ª VARA FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO (Relator): A prisão preventiva é espécie de prisão cautelar que pode ser decretada pelo juiz em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial, como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria e de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado (CPP, artigos 311 e 312, na redação dada pela Lei nº 13.964/2019), somente sendo determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar (CPP, artigos 282, § 6º, e 319). É a ultima ratio do sistema de medidas cautelares previsto no Código de Processo Penal, especialmente depois da Lei nº 13.964/2019. No caso, a prisão preventiva da paciente foi decretada na audiência de custódia pelos seguintes fundamentos (ID 284938317, pp. 71/72): Trata-se de auto de prisão em flagrante lavrado contra SANDRA CRESPO COYO e JUAN PABLO NAVARRO ROMANO, pela prática, em tese, do crime de tráfico de entorpecentes, capitulado no artigo 33, “caput”, c/c o artigo 40, inciso I da Lei nº 11.343/06, fato ocorrido no dia 04/09/2023, por volta das 17:20 horas, na Rodovia SP-270, Km 616+500m, em frente à base da Polícia Rodoviária Militar de Presidente Venceslau/SP. Após ouvidos os custodiados verifico que quando da prisão em flagrante foram respeitados e preservados todos os seus direitos e garantias constitucionais, de modo que o auto de prisão em flagrante se revela formalmente em ordem, regular e válido, não havendo que se falar em relaxamento da prisão em flagrante, cuja legalidade foi observada. Por outro lado, eles foram presos por terem sido surpreendidos na posse de três tabletes contendo 3.230 gramas de cocaína, conforme Laudo Preliminar de Constatação nº 192/2023 (fls. 13/14 – ID 300074378), com finalidade de comercialização, conduta que caracteriza o tráfico internacional de entorpecentes. É patente a necessidade da custódia cautelar a fim de se garantir a ordem pública e aplicação da Lei penal. Pesa ainda a ausência de prova segura do exercício de atividade lícita e o fato de não possuírem vínculo com o distrito da culpa, sendo forçoso concluir que, se colocados em liberdade, haverá o risco concreto de evasão, frustrando-se, assim, a aplicação da lei penal. Quanto ao “periculum libertatis”, a segregação cautelar se justifica pela necessidade de garantia da ordem pública. A quantidade de droga apreendida, além de configurar um forte indício de mercancia revela a gravidade concreta do delito, diante da possibilidade de dano à saúde de inúmeras pessoas que venham a consumir tal entorpecente. Está evidenciada a necessidade da prisão preventiva para a garantia da ordem pública e da aplicação da lei penal, em razão da elevada potencialidade lesiva da conduta, pela considerável quantidade de droga apreendida, e da possibilidade de se evadirem do distrito da culpa, vez que são oriundos de outro país (Bolívia). Precedentes do STJ: (RHC 36.160/SC, Rel. Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, j 07/10/2014, DJE 15/10/2014 e RHC 43.676/SC, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, j. 11/03/2014, DJE 02/04/2014). Além da prova da materialidade e indícios suficientes da autoria, o crime, em tese, praticado pelos indiciados possui pena máxima em abstrato superior a quatro anos, encontrando-se preenchido o requisito exigido pelo artigo 313, I, do Código de Processo Penal, o que demonstra a gravidade do delito. Eventuais condições favoráveis não constituem circunstâncias garantidoras da liberdade provisória, quando demonstrada a presença de outros elementos que justificam a medida constritiva excepcional (STJ, RHC 9.888, Rel. Min. Gilson Dipp, j. 19/09/2000, DJ 23/10/2000; STJ, HC 40.561/MG, Rel. Min. Felix Fischer, j. 05/05/2000, DJ 20/06/05). Considerando que não tem cabimento a adoção de qualquer medida cautelar substitutiva da custódia provisória e tendo em vista que, pelo que consta dos autos, foram assegurados os direitos de que trata o § 3º do art. 1º da Resolução CNJ nº 66/2009, HOMOLOGO as prisões em flagrante de SANDRA CRESPO COYO e JUAN PABLO NAVARRO ROMANO. Ato contínuo, também pelos motivos antes expostos, com fundamento no art. 310, inc. II, c/c art. 312, ambos do Código de Processo Penal, CONVERTO as prisões em flagrante em preventivas. Ao indeferir o pedido de revogação da prisão da paciente no curso da ação penal, aduziu o juízo (ID 284938314): Há prova de materialidade e indícios suficientes de autoria. A Defesa não trouxe qualquer elemento novo que pudesse alterar o panorama desenhado na data da audiência de custódia. É demasiado frágil a declaração de trabalho juntada no ID 301939286, vez que desprovida de qualquer comprovante idôneo, como também o comprovante de endereço em nome de terceira pessoa sem qualquer vínculo com a presa. É pacífico na jurisprudência o entendimento de que residência fixa, ocupação lícita e bons antecedentes não autorizam por si a liberdade provisória quando presentes os requisitos legais para a prisão preventiva. De outra banda, não se ignora o julgado no Habeas Corpus coletivo (Lei 13.300/2016) que concedeu comando geral para fins de cumprimento do art. 318, IV e V, do Código de Processo Penal, em sua redação atual. Embora a orientação da Suprema Corte, no Habeas Corpus n. 143.641/SP, da relatoria do Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, seja no sentido de substituição da prisão preventiva pela domiciliar de todas as mulheres presas gestantes, puérperas ou mães de crianças e deficientes, nos termos do art. 2º do ECA e da Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiências (Decreto Legislativo n. 186/2008 e Lei n. 13.146/2015), tal entendimento não se aplica a presas estrangeiras que não tenham vínculo com o distrito da culpa, conforme já fundamentado na Decisão proferida em audiência de custódia [...] Ante o exposto, acolho o parecer ministerial cujos fundamentos adoto como razões de decidir e indefiro o pedido de liberdade provisória ou conversão da prisão preventiva em prisão domiciliar, deduzido por SANDRA CRESPO COYO, qualificada nos autos. Eventual teste de gravidez poderá ser requerido diretamente na instituição prisional em que se encontra, independentemente de determinação judicial. Sobreveio a condenação da paciente (ID 284938316, pp. 71/77) à pena de 5 (cinco) anos de reclusão, em regime inicial semiaberto, e 500 (quinhentos) dias-multa, pela prática do crime do art. 33, caput, c.c. art. 40, I, da Lei nº 11.343/2006, sem possibilidade de apelar em liberdade, mas com a recomendação de sua imediata transferência para presídio compatível com o regime semiaberto estabelecido. Na sentença condenatória, enfatizou a autoridade impetrada: Persistem os motivos que determinaram a conversão do flagrante em prisão preventiva, notadamente o fato de os réus não residirem no País, o que representa risco concreto para aplicação da lei penal. [...] Nego aos réus o direito de apelarem em liberdade, recomendando sua imediata transferência para presídio compatível com o regime semiaberto estabelecido. Não há ilegalidade na manutenção da prisão preventiva da paciente, adaptada ao regime semiaberto fixado. Se antes a prisão estava pautada em indícios de autoria, agora está calcada em juízo exauriente de culpabilidade em primeiro grau de jurisdição, o que corrobora os requisitos da prisão preventiva, que foi mantida no curso da ação penal, não fazendo sentido, nesse contexto, revogá-la. O fato de a prisão preventiva ter sido decretada apesar do estado gestacional da paciente não justifica o pedido da impetrante. A paciente é cidadã boliviana, sem nenhum vínculo com o Brasil nem meios de exercer alguma atividade lícita que permita resguardar sua subsistência e a do recém-nascido (ID 284938309). Assim, o contexto fático é um daqueles que, em princípio, permitem excepcionar o disposto nos arts. 318, IV e V, e 318-A do Código de Processo Penal, na linha interpretativa do que ficou decidido no Habeas Corpus nº 143641-SP, de relatoria do e. Min. Ricardo Lewandowski. A propósito: AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO TRANSNACIONAL DE ENTORPECENTES. ART. 318-A DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. PRISÃO DOMICILIAR. DESCABIMENTO. SITUAÇÃO EXCEPCIONALÍSSIMA EVIDENCIADA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. No mesmo sentido, a Resolução CNJ nº 369/2021, ao estabelecer diretrizes para a substituição da privação de liberdade de gestantes, mães, pais e responsáveis por crianças e pessoas com deficiência, onde se lê: Art. 4º Incumbe à autoridade judicial, na análise do caso concreto e em cumprimento às ordens coletivas de habeas corpus concedidas pela 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal nos HCs nº 143.641 e 165.704: [...] § 2º Eventual imposição de prisão domiciliar ou de medida cautelar diversa da prisão deverá ser fundamentada nos termos do art. 315 do Código de Processo Penal, cabendo ainda examinar sua compatibilidade com os cuidados necessários ao filho ou dependente. [...] § 6º A decretação da prisão preventiva de pessoa que se encontre nas hipóteses previstas no art. 1º desta Resolução deve ser considerada apenas nos casos previstos no rol taxativo decidido pelo STF nos Habeas Corpus nº 143.641 e 165.704: I – crimes praticados mediante violência ou grave ameaça; II – crimes praticados contra seus descendentes; III – suspensão ou destituição do poder familiar por outros motivos que não a prisão; IV – situações excepcionalíssimas, as quais deverão ser devidamente fundamentadas, considerando: a) a absoluta excepcionalidade do encarceramento de gestantes, mães, pais e responsáveis por crianças e pessoas com deficiência, em favor dos quais as ordens de habeas corpus foram concedidas; b) a presunção legal de indispensabilidade dos cuidados maternos; c) a presunção de que a separação de mães, pais ou responsáveis, de seus filhos ou dependentes afronta o melhor interesse dessas pessoas, titulares de direito à especial proteção; e d) a desnecessidade de comprovação de que o ambiente carcerário é inadequado para gestantes, lactantes e seus filhos. (destaquei) No momento, a manutenção da paciente no estabelecimento penal em que se encontra é a decisão que melhor resguarda a dignidade da pessoa humana, sua incolumidade física e a de seu filho. O presídio é dotado da infraestrutura necessária para assegurar à paciente parto humanizado, seu acompanhamento no puerpério e acolhimento do recém-nascido. Nesse sentido, dispõe a Lei nº 7.210/84: Art. 14. A assistência à saúde do preso e do internado de caráter preventivo e curativo, compreenderá atendimento médico, farmacêutico e odontológico. [...] § 2º Quando o estabelecimento penal não estiver aparelhado para prover a assistência médica necessária, esta será prestada em outro local, mediante autorização da direção do estabelecimento. § 3o Será assegurado acompanhamento médico à mulher, principalmente no pré-natal e no pós-parto, extensivo ao recém-nascido. (Incluído pela Lei nº 11.942, de 2009) § 4º Será assegurado tratamento humanitário à mulher grávida durante os atos médico-hospitalares preparatórios para a realização do parto e durante o trabalho de parto, bem como à mulher no período de puerpério, cabendo ao poder público promover a assistência integral à sua saúde e à do recém-nascido. Art. 83. O estabelecimento penal, conforme a sua natureza, deverá contar em suas dependências com áreas e serviços destinados a dar assistência, educação, trabalho, recreação e prática esportiva. [...] § 2o Os estabelecimentos penais destinados a mulheres serão dotados de berçário, onde as condenadas possam cuidar de seus filhos, inclusive amamentá-los, no mínimo, até 6 (seis) meses de idade. Art. 89. Além dos requisitos referidos no art. 88, a penitenciária de mulheres será dotada de seção para gestante e parturiente e de creche para abrigar crianças maiores de 6 (seis) meses e menores de 7 (sete) anos, com a finalidade de assistir a criança desamparada cuja responsável estiver presa. (Redação dada pela Lei nº 11.942, de 2009) Parágrafo único. São requisitos básicos da seção e da creche referidas neste artigo: (Incluído pela Lei nº 11.942, de 2009) I – atendimento por pessoal qualificado, de acordo com as diretrizes adotadas pela legislação educacional e em unidades autônomas; e (Incluído pela Lei nº 11.942, de 2009) II – horário de funcionamento que garanta a melhor assistência à criança e à sua responsável. (Incluído pela Lei nº 11.942, de 2009) (destaquei) Essas diretrizes também constam da Lei nº 8.069/90, das quais destaca-se: Art. 8º. É assegurado a todas as mulheres o acesso aos programas e às políticas de saúde da mulher e de planejamento reprodutivo e, às gestantes, nutrição adequada, atenção humanizada à gravidez, ao parto e ao puerpério e atendimento pré-natal, perinatal e pós-natal integral no âmbito do Sistema Único de Saúde. [...] § 10. Incumbe ao poder público garantir, à gestante e à mulher com filho na primeira infância que se encontrem sob custódia em unidade de privação de liberdade, ambiência que atenda às normas sanitárias e assistenciais do Sistema Único de Saúde para o acolhimento do filho, em articulação com o sistema de ensino competente, visando ao desenvolvimento integral da criança. Art. 9º. O poder público, as instituições e os empregadores propiciarão condições adequadas ao aleitamento materno, inclusive aos filhos de mães submetidas a medida privativa de liberdade. (destaquei) Ainda no mesmo contexto, não se pode ignorar que a paciente foi condenada a uma pena privativa de liberdade significativa e o risco de que, em liberdade, retorne ao seu país de origem, com prejuízo para a aplicação da lei penal, não pode ser desconsiderado. Esse risco não fica neutralizado caso a paciente seja acolhida pelo Instituto Terra, Trabalho e Cidadania, organização da sociedade civil. Assim, excepcionalmente, a prisão da paciente e o acolhimento estatal do nascituro melhor resguardam os direitos fundamentais de ambos, à luz da legislação apontada. Sem prejuízo, com a expedição da competente guia de recolhimento provisório, eventuais pretensões decorrentes da pena aplicada devem ser dirigidas ao juízo da execução penal, nos limites das matérias elencadas no art. 66 da Lei nº 7.210/84 (Lei de Execução Penal). A propósito, destaco o seguinte trecho do parecer subscrito pelo Procurador Regional da República Marcus Vinícius de Viveiros Dias (ID 285643656; sem os destaques do original): No caso concreto, a autoria delitiva e o envolvimento da paciente e seu comparsa com organização criminosa é inconteste, uma vez que a paciente não ostenta renda capaz de justificar a aquisição da expressiva quantidade de cocaína apreendida em seu poder (3.230g), bem como o modus operandi empregado é comumente adotado pelas organizações criminosas voltadas à traficância. Repisa-se, ainda, que a defesa não trouxe aos autos qualquer informação concreta sobra a vida pregressa da paciente em seu país de origem, circunstância esta que, somada à sua confissão perante a autoridade policial, indica claramente que ela não possui vínculo concreto com o Brasil, não havendo garantias de que, uma vez posta em liberdade, permanecerá em território nacional. [...] Por fim, com relação à conversão da prisão preventiva em prisão domiciliar, não se ignora que esta foi instituída com o fim de proteger a integridade física e emocional das agentes que se encontrem em estado gestacional, bem como dos filhos menores de 12 anos, em proteção ao princípio constitucional da fraternidade e também em observância ao Estatuto da Primeira Infância. Não se desconhece, também, da decisão proferida pela Suprema Corte nos autos do Habeas Corpus nº. 143.641/SP, de relatoria do Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, julgado em 20/2/2018, que determinou a substituição da prisão preventiva pela domiciliar de todas as mulheres presas, gestantes, puérperas ou mães de crianças e deficientes, nos termos do art. 2º do ECA e da Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiências (Decreto Legislativo 186/2008 e Lei 13.146/2015). No entanto, a referida decisão não tem efeito vinculante (Rcl 46258 AgR, Relator(a): NUNES MARQUES, Segunda Turma, julgado em 03/08/2021, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-161 DIVULG 12-08-2021 PUBLIC 13-08-2021), bem como contém a ressalva da existência de situações excepcionalíssimas que podem obstar sua concessão. [...] No caso destes autos, ao contrário do que alega a defesa, o estado gestacional da paciente não a impediu de empreender uma longa viagem com o intuito de praticar a conduta pela qual foi condenada. [...] Assim, inexistindo qualquer teratologia ou ilegalidade na decisão impetrada, a ordem do presente writ deve ser denegada. Posto isso, DENEGO A ORDEM de habeas corpus. É o voto.
IMPETRANTE: DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO
1. Em 19/12/2018 foi editada a Lei n. 13.769, que incluiu o art. 318-A ao Código de Processo Penal, o qual dispõe que a prisão preventiva imposta à mulher gestante ou que for mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência será substituída por prisão domiciliar, desde que: I) não tenha cometido crime com violência ou grave ameaça à pessoa; e II) não tenha cometido o crime contra seu filho ou dependente. Apesar da menção expressa a duas exceções aptas a inviabilizar a medida menos gravosa, nada obsta que o julgador eleja, no caso concreto, outras excepcionalidades que justifiquem a não concessão da prisão domiciliar, desde que fundamentadas em reais peculiaridades que delineiem maior necessidade de acautelamento da ordem pública ou melhor cumprimento da teleologia da norma.
2. Na hipótese, não há ilegalidade no indeferimento da prisão domiciliar, tendo em vista que as instâncias ordinárias registraram que as filhas da Custodiada já viviam sob os cuidados da avó, há quase um ano, em outra cidade, tendo sido apontado também o risco concreto à aplicação da lei penal.
3. Agravo regimental desprovido.
(STJ, AgRg no HC n. 834.324/SP, Sexta Turma, rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 17/10/2023, DJe de 20/10/2023; destaquei)
E M E N T A
PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA. CIDADÃ ESTRANGEIRA. FILHO RECÉM-NASCIDO.
1. A prisão preventiva é espécie de prisão cautelar que pode ser decretada pelo juiz em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial, como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria e de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado (CPP, artigos 311 e 312, na redação dada pela Lei nº 13.964/2019), somente sendo determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar (CPP, artigos 282, § 6º, e 319). É a ultima ratio do sistema de medidas cautelares previsto no Código de Processo Penal, especialmente depois da Lei nº 13.964/2019.
2. Paciente condenada por tráfico transnacional de drogas, sem possibilidade de apelar em liberdade, mas com a recomendação de sua imediata transferência para presídio compatível com o regime semiaberto estabelecido na sentença. Se antes a prisão estava pautada em indícios de autoria, agora está calcada em juízo exauriente de culpabilidade em primeiro grau de jurisdição, o que corrobora os requisitos da prisão preventiva, que foi mantida no curso da ação penal, não fazendo sentido, nesse contexto, revogá-la.
3. O fato de a prisão preventiva ter sido decretada apesar do estado gestacional da paciente não justifica o pedido da impetrante. A paciente é cidadã boliviana, sem nenhum vínculo com o Brasil nem meios de exercer alguma atividade lícita que permita resguardar sua subsistência e a do recém-nascido. O contexto fático é um daqueles que, em princípio, permitem excepcionar o disposto nos arts. 318, IV e V, e 318-A do Código de Processo Penal, na linha interpretativa do que ficou decidido no Habeas Corpus nº 143641-SP, de relatoria do e. Min. Ricardo Lewandowski. A manutenção da paciente no estabelecimento penal em que se encontra é a decisão que melhor resguarda a dignidade da pessoa humana, sua incolumidade física e a de seu filho. O presídio é dotado da infraestrutura necessária para assegurar à paciente parto humanizado, seu acompanhamento no puerpério e acolhimento do recém-nascido.
4. Não se pode ignorar que a paciente foi condenada a uma pena privativa de liberdade significativa e o risco de que, em liberdade, retorne ao seu país de origem, com prejuízo para a aplicação da lei penal, não pode ser desconsiderado. Sem prejuízo, com a expedição da competente guia de recolhimento provisório, eventuais pretensões decorrentes da pena aplicada devem ser dirigidas ao juízo da execução penal, nos limites das matérias elencadas no art. 66 da Lei nº 7.210/84 (Lei de Execução Penal).
5. Ordem denegada.