Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5005448-27.2020.4.03.6181

RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI

APELANTE: EDUARDO MATIAS ASSOLA

Advogado do(a) APELANTE: LUIZ RICCETTO NETO - SP81442-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5005448-27.2020.4.03.6181

RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI

APELANTE: EDUARDO MATIAS ASSOLA

Advogado do(a) APELANTE: LUIZ RICCETTO NETO - SP81442-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI: 

Cuida-se de apelação interposta pela defesa de EDUARDO MATIAS ASSOLA contra a r. sentença de primeiro grau (id. 282262224), da lavra da MM. Juíza Federal Maria Isabel do Prado, que condenou o ora apelante pela prática do crime do art. 1º, I, da Lei nº 8.137/90, à pena de 04 (quatro) anos e 08 (oito) meses de reclusão, em regime inicial fechado, e ao pagamento de 247 (duzentos e quarenta e sete) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente ao tempo do crime. 

Narrou a denúncia (ID. 282260952) que EDUARDO MATIAS ASSOLA teria suprimido o imposto de renda pessoa física por ele devido nos anos-calendário de 2002 a 2006, mediante omissão de informações às autoridades fazendárias acerca dos rendimentos auferidos no período. De acordo com a denúncia, o acusado não apresentou Declarações de Ajuste Anual do Imposto de Renda nos exercícios de 2003 a 2007, mas a Receita Federal, no procedimento administrativo fiscal nº 10803.000073/2008-75, apurou que EDUARDO adquiriu bens no Brasil e no exterior, sem comprovar disponibilidade financeira para tanto. 

Consta, por fim, que o crédito tributário relacionado ao ilícito foi definitivamente constituído em 09/03/2018 e o valor consolidado somava R$ 713.856,85. 

A denúncia foi recebida por meio de decisão publicada em 18/12/2020 (ID. 282261116). 

Processado o feito, sobreveio a r. sentença condenatória, publicada em 05 de outubro de 2023. 

Em suas razões de recurso (ID. 283085248), o acusado, preliminarmente, nulidade da sentença por ausência de manifestação acerca das teses defensivas e das provas produzidas no curso da ação penal. No mérito, pede sua absolvição por inexistência do crime, ausência de dolo e de certeza do valor devido. Suscita o prequestionamento do art. 5º, XXXV, LIV e LV, da Constituição Federal, artigos 33 e 59, ambos do Código Penal, e dos artigos 3º, 386, I, III e VI, e 564, IV, todos do Código de Processo Penal. Afirma que o acusado não era residente no Brasil nos anos de 2002 a 2006, pois teria saído do País em caráter temporário há mais de doze meses antes dos fatos e, portanto, não estaria sujeito ao pagamento do imposto de renda pessoa física. Subsidiariamente, insurge-se contra as reprimendas impostas. 

Nesta Corte, a Procuradoria Regional da República, assinalando o caráter facultativo das contrarrazões, optou por apresentar apenas parecer (id. 283284739), opinando pelo desprovimento do recurso defensivo. 

É o relatório. 

Sujeito à revisão na forma regimental. 

 

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5005448-27.2020.4.03.6181

RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI

APELANTE: EDUARDO MATIAS ASSOLA

Advogado do(a) APELANTE: LUIZ RICCETTO NETO - SP81442-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

 

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI: 

Presentes os requisitos de admissibilidade do recurso, conheço do apelo interposto e passo a analisar as questões submetidas à apreciação desta E. Corte. 

 

SÚMULA VINCULANTE Nº 24 

Inicialmente, consigne-se que a presente ação penal preenche a condição inserta na Súmula Vinculante nº 24, segundo a qual “não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei 8.137/1990, antes do lançamento definitivo do tributo.” 

Na hipótese, o crédito tributário restou definitivamente constituído na esfera administrativa em 09/03/2018, consoante se verifica da informação no id. 282260975 – pp. 4/5. 

 

PRELIMINAR – NULIDADE DA SENTENÇA 

A defesa sustenta, preliminarmente, que a sentença padece de nulidade por ter deixado de apreciar diversas teses apresentadas em sede de memoriais, atinentes à materialidade do delito. 

O artigo 381, inciso III, do Código de Processo Penal, à luz do art. 93, inc. IX, da Constituição Federal, impõe que a sentença contenha a indicação dos motivos de fato e de direito em que se fundar a decisão, sob pena de nulidade. 

A garantia da motivação das decisões judiciais prevista constitucionalmente tem por escopo, precipuamente, permitir que as partes interessadas conheçam as razões do édito e o possam impugnar. Por conseguinte, também possibilita que os tribunais exerçam, a posteriori, o controle da legalidade e da correção dessas decisões. 

Do mesmo modo, a dialética processual exige que o juiz proceda ao sopesamento de todos os argumentos trazidos pela acusação e pela defesa pertinentes ao deslinde da causa. Assim, conforme lição de Guilherme de Souza Nucci (Manual de Processo Penal e Execução Penal, 2012, p. 838), a não apreciação das teses apresentadas pela defesa constitui causa de nulidade absoluta, por prejuízo presumido. A motivação das decisões judiciais é preceito constitucional (art. 93, IX, CF), além do que analisar, ainda que seja para refutar, as teses defensivas caracteriza corolário natural do princípio da ampla defesa”. (grifei) 

O princípio do livre convencimento motivado, portanto, impõe ao magistrado o dever de não apenas fundamentar suas decisões, mas também de apreciar as teses da acusação e da defesa e acolher ou afastar suas pretensões, justificando os seus motivos, ainda que de forma sucinta. 

Delineadas tais premissas, tem-se que, no caso concreto, a defesa sustentou, em sede de memoriais, que o réu não seria contribuinte no imposto de renda pessoa física no Brasil no período dos fatos e que não teve o acréscimo patrimonial apurado pela autoridade fazendária. 

A i. magistrada a quo afirmou que a materialidade delitiva estava comprovada, indicou os documentos do caderno processual que amparam tal afirmação e rejeitou o pleito absolutório do réu, aduzindo que a seara penal não é sede adequada para discussão acerca da higidez e da correção do lançamento tributário. A propósito, confira-se o trecho da mencionada decisão: 

“Em memoriais, a defesa discorre que, durante os anos-calendário de 2002 a 2006, o acusado era domiciliado nos Estados Unidos da América e, portanto, era considerado não-residente no Brasil pela legislação tributária pátria. Assim, os seus rendimentos e ganhos de capital não estavam sujeitos à tributação no Brasil, e o acusado não possuía sequer a obrigação acessória de apresentar a declaração de ajuste anual. Afirma ter sido vítima de lawfare por parte da Receita Federal do Brasil, apontando diversas violações ao devido processo legal ocorridas no curso do processo administrativo fiscal. 

Sucede, no entanto, que a ação penal não é via adequada para a discussão acerca da efetiva ocorrência ou não do fato gerador e da respectiva obrigação tributária, tampouco para a análise de eventuais vícios formais e nulidades do processo administrativo fiscal, porquanto não cabe ao juízo criminal, que não detém competência para anular lançamento fiscal, aferir a higidez do crédito tributário definitivamente lançado, segundo entendimento pacífico do Superior Tribunal de Justiça (AgRg no AREsp 135.952/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 10/05/2016, DJe 19/05/2016; RHC n. 94.288/RJ, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 22/5/2018, DJe de 30/5/2018). 

Lado outro, embora o acusado tenha obtido sentença de parcial procedência em ação anulatória ajuizada para desconstituir o débito fiscal, perante a 26ª Vara Federal Cível de São Paulo (ID 288856589), não há notícia de que aquela decisão tenha transitado em julgado, de modo que seus efeitos ainda não repercutem na esfera penal e não obstam o prosseguimento da persecução, ante a independência das instâncias cível e penal (AgRg no REsp n. 1.840.604/RS, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 14/6/2022, DJe de 21/6/2022; RHC n. 90.056/RS, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 6/3/2018, DJe de 12/3/2018). 

Sendo assim, a ocorrência da constituição definitiva do crédito tributário, como na espécie, constitui prova suficiente da materialidade do crime imputado, enquanto não revisado ou anulado pela Administração ou por decisão judicial em ação cível transitada em julgado, em conformidade com o art. 156, IX e X, do Código Tributário Nacional [...]” 

 

Não houve, portanto, carência de fundamentação, já que o argumento de que o crédito tributário não poderia ser revisto na seara penal prejudica a análise das razões defensivas que impugnam o crédito nos moldes lançados. 

A correção da mencionada decisão, por outro lado, é matéria que toca ao mérito do apelo. 

Assim, rejeito a preliminar de nulidade da sentença por carência de fundamentação. 

 

MÉRITO 

Materialidade delitiva 

Inicialmente, destaco que, ao contrário do quanto afirmado na sentença apelada, as conclusões da autoridade fazendária não são absolutamente insindicáveis na seara penal. 

É dizer, mesmo na hipótese de constituição definitiva do crédito tributário perante a Receita Federal, pode o Juízo criminal concluir pela ausência de prova da materialidade delitiva e absolver o acusado das imputações relacionadas a crimes contra a ordem tributária ou assemelhados, ainda que os efeitos de tal decisão estejam adstritos à esfera penal (ou seja, não impliquem na desconstituição do crédito tributário). 

Não se olvida que a Súmula Vinculante nº 24 exige a constituição definitiva do crédito pela autoridade administrativa para que se tipifique o crime previsto no art. 1º da Lei nº 8.137/90. No entanto, não se pode extrair do verbete em questão, que encerra especialmente a garantia de que ninguém será penalmente processado enquanto discute o próprio lançamento na esfera tributária, a impossibilidade de apreciação, no bojo do processo penal, de alegações defensivas atinentes ao mérito da conduta criminosa. 

Entendimento inverso implica grave violação à Constituição Federal e às normas que regem a organização judiciária e o processo penal, tanto por subtrair atribuição do juízo criminal competente quanto por limitar as garantias que cercam o réu na defesa de seu status libertatis, especialmente as de alegar e provar quaisquer fatos ou fundamentos de direito que possam levar à sua absolvição. 

É relevante ressaltar que a atuação fazendária não está isenta de possíveis equívocos. Ademais, não existe qualquer restrição legal que proíba o acusado de apresentar provas e justificativas durante o processo criminal, mesmo que esses elementos não tenham sido previamente analisados pela autoridade fazendária no contexto do procedimento administrativo fiscal. Tais elementos podem infirmar as conclusões administrativas ou, no mínimo, suscitar dúvidas razoáveis que possam levar à absolvição do acusado. 

É certo, portanto, que as conclusões administrativas podem ser infirmadas na seara penal, sem que a decisão tenha qualquer efeito sobre o crédito tributário definitivamente constituído. 

Fixadas tais premissas, passo a analisar o caso concreto. 

A materialidade objetiva dos crimes imputados ao acusado vem parcialmente demonstrada nos autos, especialmente pela prova documental que acompanhou a denúncia, da qual destaco, por mais relevantes, os seguintes elementos: 

- demonstrativo consolidado do crédito tributário do processo (id. 282260953 - Pág. 17); 

- auto de infração do Imposto de Renda Pessoa Física e correspondentes demonstrativos de apuração (282260953 – pp. 20/28 e id. 282260954); 

- Termo de verificação e conclusão fiscal (id. 282260956 – pp. 11/16); 

- Acórdão da DRJ que julgou improcedente a impugnação do contribuinte (id. 282260968 – pp. 8/22); 

- Acórdão do CARF que deu parcial provimento ao recurso voluntário apenas para desqualificar a multa de ofício, reduzindo seu percentual para 75% (id. 282260969 – pp. 20/21). 

 

Tais elementos revelam que a Receita Federal do Brasil, nos autos do processo administrativo fiscal nº 10803.000075/2008-64 apurou que EDUARDO MATIAS ASSIOLA, nos anos de 2002 a 2006, adquiriu e/ou manteve bens no Brasil e nos EUA com recursos não declarados, configurando, assim, variação patrimonial a descoberto. 

Consta da representação fiscal para fins penais nº 10803.000075/2008-64: 

“O procedimento fiscal foi instaurado com o fito de apurar acréscimo patrimonial incompatível com os rendimentos declarados. No decorrer da ação fiscal ficou demonstrado que o contribuinte não apresentara Declaração de Ajuste Anual 2003, 2004, 2005, 2006 e 2007, referentes aos anos-calendário 2002, 2003, 2004, 2005 e 2006. Após a realização dos procedimentos fiscais restou demonstrado que o contribuinte adquiriu bens no Brasil e no exterior (Estados Unidos da América) sem rendimentos que comprovassem disponibilidade financeira para tais aquisições.” 

 

Por conseguinte, a autoridade fazendária procedeu ao lançamento, de ofício, do tributo (imposto de renda pessoa física) devido nos anos-calendário de 2002 a 2006, calculado com base no acréscimo patrimonial apurado no curso do procedimento administrativo. 

Inicialmente, anoto ser plenamente válida a presunção administrativa de omissão de rendimento, fundada na variação patrimonial a descoberto, nos termos do art. 3º, §1º, da Lei nº 7.713/88, e dos arts. 37, 55, XIII, 806, 807, todos do RIR/99, assim redigidos: 

- Lei nº 7.713/88: 

"Art. 3º O imposto incidirá sobre o rendimento bruto, sem qualquer dedução, ressalvado o disposto nos arts. 9º a 14 desta Lei. 

§ 1º Constituem rendimento bruto todo o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos, os alimentos e pensões percebidos em dinheiro, e ainda os proventos de qualquer natureza, assim também entendidos os acréscimos patrimoniais não correspondentes aos rendimentos declarados." - grifei 

 

- Decreto nº 3.000/99: 

"Art. 37. Constituem rendimento bruto todo o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos, os alimentos e pensões percebidos em dinheiro, os proventos de qualquer natureza, assim também entendidos os acréscimos patrimoniais não correspondentes aos rendimentos declarados." - grifei 

[...] 

"Art. 55. São também tributáveis: 

[...] 

XIII - as quantias correspondentes ao acréscimo patrimonial da pessoa física, apurado mensalmente, quando esse acréscimo não for justificado pelos rendimentos tributáveis, não tributáveis, tributados exclusivamente na fonte ou objeto de tributação definitiva;" 

[...] 

"Origem dos Recursos 

Art. 806. A autoridade fiscal poderá exigir do contribuinte os esclarecimentos que julgar necessários acerca da origem dos recursos e do destino dos dispêndios ou aplicações, sempre que as alterações declaradas importarem em aumento ou diminuição do patrimônio. 

Art. 807. O acréscimo do patrimônio da pessoa física está sujeito à tributação quando a autoridade lançadora comprovar, à vista das declarações de rendimentos e de bens, não corresponder esse aumento aos rendimentos declarados, salvo se o contribuinte provar que aquele acréscimo teve origem em rendimentos não tributáveis, sujeitos à tributação definitiva ou já tributados exclusivamente na fonte." 

 

Há, portanto, presunção legal juris tantum de omissão de renda, quando o contribuinte apresenta dispêndios incompatíveis com os rendimentos declarados (ou não). É dizer, demonstrada a aquisição de bens móveis e imóveis e outros dispêndios em valores incompatíveis com a renda declarada para o período, é legítima a presunção relativa de que se trata de rendimento omitido. 

Sobre o tema, confira-se: STJ, 5ª Turma, AgRg nos EDcl no AREsp 1040819 / SP, Relator(a) Ministro JOEL ILAN PACIORNIK (1183), DJe 01/08/2018; STJ, 5ª Turma, AgRg no AREsp 824512 / RS, Relator(a) Ministro RIBEIRO DANTAS (1181), DJe 15/06/2018. 

E, no caso dos autos, a fiscalização apurou a omissão de rendimentos a partir dos seguintes dados (conforme termo de constatação e intimação fiscal e anexos - id. 282260954): 

“1. Para a apuração do demonstrativo de variação patrimonial, foram levados em consideração os critérios abaixo, em função das respostas apresentadas pelo fiscalizado e pelas informações obtidas junto aos documentos traduzidos por tradutor juramentado:  

a. quanto ao imóvel situado em 1865 Brickell Ave#A-2005, Miami, FL 33129 - Estados Unidos da América:  

a.1. foi considerado como propriedade exclusiva do fiscalizado;  

a.2. foram considerados como valores pagos mensalmente pelo fiscalizado, a título de hipoteca, o valor informado pelo mesmo em correspondência datada de 18 de setembro de 2008, duplicado, em função de ser valor quinzenal e a conversão de US$ para R$, por analogia, de acordo com o § 2° do artigo 80 do Regulamento do Imposto de Renda aprovado pelo Decreto n° 3.000 de 26 de março de 1999;  

a.3. foi considerado como valor a ser arbitrado, 10% do valor da hipoteca de US$ 95.900,00, apurando-se o valor de US$ 9.590,00 e a conversão do valor em US$ para R$ foi apurado por analogia, de acordo com o § 2º do artigo 80 do Regulamento do Imposto de Renda aprovado pelo Decreto n° 3.000 de 26 de março de 1999, utilizando-se como valor da cotação o mesmo utilizado para apuração do valor da hipoteca;  

a.4. que, para apurar o saldo devedor da hipoteca procedeu-se da seguinte maneira: multiplicou-se o valor da parcela quinzenal de US$ 279,83 por 81 (número de parcelas pagas entre primeira parcela paga em 18 de dezembro de 2000 e a última parcela em 18 de abril de 2004) e subtraiu-se desse valor o total da hipoteca de US$ 95.900,00, apurando um saldo devedor de US$ 73.233,77 

a.5. que para a quitação da hipoteca no valor de US$ 73.233,77 em 19 de abril de 2004 a conversão do valor de US$ para R$ foi apurado por analogia, de acordo com o § 2° do artigo 80 do Regulamento do Imposto de Renda aprovado pelo Decreto no3.000 de 26 de março de 1999;  

 

b. quanto ao imóvel situado em 185 SE 14th Terrace #613, Miami, Flórida 33131 Estados Unidos da América, considerando a correspondência encaminhada pelo fiscalizado, datada de 18 de setembro de 2008, em que o mesmo informa "Desta forma, foi constituída a Plantation Usa Inc. que constou meu nome e de meu Pai, Luiz Carlos Assola, já que precisávamos de duas pessoas, porém a empresa NUNCA, teve qualquer atividade, sede, empregados, lucros, clientes ou faturamento ou mesmo apresentou qualquer documento ao fisco americano, já que nunca teve transações.", portanto a empresa foi utilizada apenas para a aquisição do imóvel de propriedade do fiscalizado e de seu pai Luiz Carlos Assola:  

b.1. foi considerado como propriedade do fiscalizado 50% do imóvel;  

b.2. foram imputados como seus gastos 50% dos pagamentos da hipoteca contratada, calculados dividindo-se o valor da hipoteca de US$ 88.900,00 por 720 (apurando-se o valor mensal de US$ 123,47), haja vista ser uma hipoteca de 30 anos a ser arcada pelo fiscalizado e seu pai Luiz Carlos Assola e a conversão de US$ R$, por analogia, de acordo com o §2º do artigo 80 do Regulamento do Imposto de Renda aprovado pelo Decreto n° 3.000 de 26 de março de 1999;  

b.3. foram imputados ao fiscalizado como gastos anuais a serem arbitrados com a manutenção do imóvel 5% do valor da hipoteca de US$ 88.900,00, apurando-se o valor de US$ 4.445,00 e a conversão do valor de US$ para R$ foi por analogia, de acordo com o § 2° do artigo 80 do Regulamento do Imposto de Renda aprovado pelo Decreto ri0 3.000 de 26 de março de 1999 utilizando-se como valor da cotação o mesmo utilizado para apuração do valor da hipoteca;  

b.4. que, para apurar o saldo devedor da hipoteca procedeu-se da seguinte maneira: multiplicou-se o valor da parcela mensal de US$ 123,47 (apurado conforme 'letra b.2. acima) por 37 (número de parcelas pagas entre primeira parcela considerada como paga em 4 de maio de 1999 e a última parcela em 4 de maio de 2002) e subtraiu-se desse valor o total da hipoteca dividido por 2, apurando um saldo devedor de US$ 39.881,61;  

b.5. que para a quitação da hipoteca no valor de US$ 39.881,61 em 30 de maio de 2002 a conversão do valor de US$ para R$ foi apurada por analogia, de acordo com o § 2° do artigo 80 do Regulamento do Imposto de Renda aprovado pelo Decreto n° 3.000 de 26 de março de 1999;  

 

c. 2889 McFarlane Road, Unit 1710, Miami, Flórida 33133 - Estados Unidos da América.  

c.1. foi considerado como propriedade do fiscalizado 50% do imóvel;  

c.2. foram imputados como seus gastos 50% dos pagamentos da hipoteca contratada, calculados dividindo-se o valor da hipoteca de US$ 178.895,00 por 720 (apurando-se o valor mensal de US$ 248,47), haja vista ser uma hipoteca de 30 anos a ser arcada pelo fiscalizado e seu pai Luiz Carlos Assola e a conversão de US$ em R$, por analogia, de acordo com o § 2° do artigo 80 do Regulamento do Imposto de Renda aprovado pelo Decreto n° 3.000 de 26 de março de 1999;  

c.3. foram imputados ao fiscalizado como gastos anuais a serem arbitrados com a manutenção do imóvel 5% do valor da hipoteca de US$ 178.895,00, apurando-se o valor de US$ 8.944,75 e a conversão do valor de US$ para R$ foi por analogia, de acordo com o § 2° do artigo 80 do Regulamento do Imposto de Renda aprovado pelo Decreto n° 3.000 de 26 de março de 1999 utilizando-se como valor da cotação o mesmo utilizado para apuração do valor da hipoteca;  

 

[...] 

 

e. quanto à motocicleta Honda CR 1100CC placa CTN 4907, foi desconsiderado como valor de compra o resultado do produto de cada parcela de R$ 1.285,71 pelo número de parcelas (quatorze) totalizando 17.999,94 e considerado o valor de R$ 33.211,00, constante da tabela FIPE - Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas referente ao mês de setembro de 2008 (fls. ), para a apuração dos gastos a serem arbitrados com a manutenção do veículo no percentual de 10% do valor do bem.” - grifos meus 

 

A leitura dos trechos acima revela que a Receita Federal apurou como dispêndios do réu nos anos de 2002 a 2006, os valores gastos com parcelas de hipoteca de três imóveis e o custo de aquisição de uma motocicleta, bem como o quantum arbitrado pela autoridade fazendária como necessário para manutenção anual desses bens. 

A defesa logrou produzir prova suficiente para demonstrar a inocorrência do crime descrito na denúncia ao menos quanto a uma parcela do lançamento tributário.  

Com efeito, o réu juntou aos autos prova documental suficiente para demonstrar que os três bens imóveis indicados na autuação foram alienados no ano-calendário de 2004 (Ids. 282260978 - Pág. 27, 282261212 e 282261215, respectivamente, itens “a”, “b” e “c” do termo de verificação). Dessa maneira, não há como imputar ao réu supostos dispêndios para manutenção dos bens após a data de venda dos mencionados imóveis (abril /2004) até a competência de dezembro/2006, nos moldes da autuação fazendária (vide demonstrativos no id. 282260954 – pp. 21/26). Nesse mesmo sentido, a conclusão alcançada na perícia contábil e acolhida na sentença proferida em prol do ora réu (id. 282261249), no bojo da ação anulatória por ele movida na esfera cível, ainda não definitivamente julgada. 

Excluído o custo arbitrado para manutenção dos imóveis nos anos-calendário de 2005 e 2006, o único dispêndio remanescente arbitrado pela Receita Federal para o período (despesas com manutenção da motocicleta Honda CR 1100CC placa CTN 4907, no valor de R$3.320,88 anuais) não supera o limite de isenção do imposto de renda pessoa física para os anos de 2005 e 2006 (id. 282261249) e, portanto, não configura crime. 

Dessa maneira, procede o pleito defensivo de absolvição quanto à imputação da prática do crime de sonegação para os anos-calendário de 2005 e 2006 e, quanto à variação patrimonial decorrente dos custos de manutenção arbitrados para os imóveis indicados na autuação fiscal, para os meses de abril e dezembro de 2004.  

Para os períodos mencionados, o réu fica absolvido com fundamento no art. 386, I, do Código de Processo Penal. 

Prosseguindo, tem-se que a materialidade delitiva é duvidosa quanto à imputação de sonegação de imposto de renda pessoa física devido pelo réu nos anos de 2002 a 2004 apurado a partir de despesas relativas aos imóveis indicados na autuação nos itens “b” e “c”: imóvel situado em 185 SE 14th Terrace #613, Miami, Flórida 33131 e 2889 McFarlane Road, Unit 1710, Miami, Flórida 33133, ambos nos Estados Unidos da América. 

Extrai-se da prova documental produzida pela defesa que a propriedade dos referidos imóveis pertencia formalmente à empresa “Plantation Inc.” e que a autuação do acusado decorreu do afastamento, pela Receita Federal, da personalidade jurídica da entidade, com a atribuição da propriedade diretamente às pessoas físicas do réu e de seu genitor, à razão de 50% para cada um.  

Os documentos trazidos aos autos revelam que a empresa foi constituída por um único sócio, de nome Marco E. Rojas, no ano de 1999, tendo como administrador o pai do ora acusado, Luiz Carlos Assola (id. 282261211), o que foi corroborado pelo depoimento de Luiz em juízo, na qualidade de informante (id. 282262167). Assim, reputo que a defesa logrou lançar dúvida razoável acerca da materialidade delitiva no particular, pois demonstrou que, ao menos formalmente, o réu não era sócio nem o administrador da sociedade empresária ao tempo do crime.

O Ministério Público Federal, por seu turno, nada produziu em contraponto aos elementos juntados aos autos pelo réu, merecendo destaque que a oitiva de Marco E. Rojas, testemunha oportunamente arrolada pela defesa em sede de resposta à acusação, somente não foi realizada por via de carta rogatória porque o pedido de cooperação internacional foi negado pelos Estados Unidos da América, que aliás, sinalizou expressamente a possibilidade de realização da diligência requerida, acaso manifestado interesse pelo juízo ou pela acusação: 

“O governo norte-americano não concorda em utilizar bens e esforços públicos para custear a oitiva de testemunhas arroladas pela defesa, a não ser que exista, concomitantemente, interesse específico por parte do juiz ou da acusação nesta diligência. A existência de tal interesse revela-se suficiente para habilitar a execução da referida solicitação, que, neste caso, se daria em benefício não somente da defesa como também do juízo ou da acusação.” (id. 282261284) 

 

Absolvo, assim, o réu da imputação de sonegação de imposto de renda pessoa física calculado a com base em despesas relativas aos imóveis indicados na autuação nos itens “b” e “c”, o que faço com fundamento no art. 386, VII, do Código Penal. 

Quanto ao imóvel situado em 1865 Brickell Ave A-2005, Miami, FL 33129 - Estados Unidos da América (item ‘a’ do termo de constatação), a materialidade delitiva vem demonstrada no procedimento administrativo que apurou variação patrimonial a descoberto a partir do valor de parcelas de hipoteca pagas no período anterior à alienação do bem, bem como arbitrou custos com sua manutenção não impugnados no recurso ora em exame (tabela id. 282261015 – pp. 52/53). 

Do mesmo modo, nada há nos autos que infirme a conclusão da autoridade fazendária no sentido de que houve acréscimo patrimonial a descoberto quanto aos custos de aquisição da motocicleta Honda CR 1100CC: R$17.999,94, divididos em quatorze prestações pagas entre 2002 e 2003 (conforme tabela no id. 282261015 – pp. 66 e 68), e seus dispêndios de manutenção. 

Em continuidade, rejeito o pedido de absolvição fundado na alegação de que não houve variação patrimonial a descoberto, pois o réu teria recebido doação de sua mãe no valor de R$30.000,00 (trinta mil reais), conforme DIRPF de Vera Lucia Matias Assiola (id. 282261210). Isto porque o acusado não demonstrou o efetivo recebimento de tal valor mediante prova documental. Além disso, o montante teria sido doado no ano-calendário de 2000 e a defesa não juntou aos autos qualquer elemento que demonstrasse a persistência de tal disponibilidade financeira no período dos fatos (2002, 2003 e 2004). Acrescente-se, ainda, que o valor da variação patrimonial a descoberto supera o montante da suposta doação, tendo sido atribuídos ao réu dispêndios que somavam, entre 2002 e 2004, mais de cinquenta mil reais, apenas para o imóvel da 1865 Brickell Ave A-2005, Miami, FL 33129 - Estados Unidos da América (item ‘a’ do termo de constatação) e a motocicleta. 

Prosseguindo, em seu apelo, a defesa pretende a absolvição do réu por inexistência do fato, sustentando que, na qualidade de não-residente no Brasil, EDUARDO MATIAS ASSIOLA não seria contribuinte do imposto de renda pessoa física no País. 

A defesa sustenta, em prol de sua tese, que o art. 1º, da Lei 7.713/98 dispunha serem tributados pelo imposto de renda na forma da legislação vigente, os rendimentos e ganhos de capital, percebidos por pessoa física residente no Brasil, que não é o caso do apelante que, no período apurado, era considerado NÃO RESIDENTE NO PAÍS desde 01/01/2001, eis que havia saído do País em caráter temporário (sem a declaração de saída), há mais de 12 (doze) meses e dia, contados da data de sua saída no ano de 1999 [...]e, portanto, não estava sujeito a mandamento de procedimento fiscal para apurar imposto de renda da pessoa física supostamente devido a Fazenda Nacional, ‘... relativo aos anos-calendário de 2002, 2003, 2004, 2005 e 2006, [...], conforme regulamentavam os artigos 2º, inciso II, alínea ‘f` e 11º, § 2º da INSTRUÇÃO NORMATIVA SRF nº 0073/98”. (grifos conforme original na apelação).  

Razão não lhe assiste. 

Acerca da transferência de residência para o exterior, dispunha o Decreto nº 3.000/99, vigente nos anos-calendário de 2002 a 2006: 

“Art. 16.  Os residentes ou domiciliados no Brasil que se retirarem em caráter definitivo do território nacional no curso de um ano-calendário, além da declaração correspondente aos rendimentos do ano-calendário anterior, ficam sujeitos à apresentação imediata da declaração de saída definitiva do País correspondente aos rendimentos e ganhos de capital percebidos no período de 1º de janeiro até a data em que for requerida a certidão de quitação de tributos federais para os fins previstos no art. 879, I, observado o disposto no art. 855 (Lei nº 3.470, de 28 de novembro de 1958, art. 17). 

§ 1º  O imposto de renda devido será calculado mediante a utilização dos valores da tabela progressiva anual (art. 86), calculados proporcionalmente ao número de meses do período abrangido pela tributação no ano-calendário. 

§ 2º  Os rendimentos e ganhos de capital percebidos após o requerimento de certidão negativa para saída definitiva do País ficarão sujeitos à tributação exclusiva na fonte ou definitiva, na forma deste Livro, e, quando couber, na prevista no Livro III. 

§ 3º  As pessoas físicas que se ausentarem do País sem requerer a certidão negativa para saída definitiva do País terão seus rendimentos tributados como residentes no Brasil, durante os primeiros doze meses de ausência, observado o disposto no § 1º, e, a partir do décimo terceiro mês, na forma dos arts. 682 e 684. 

[...] 

Art. 682.  Estão sujeitos ao imposto na fonte, de acordo com o disposto neste Capítulo, a renda e os proventos de qualquer natureza provenientes de fontes situadas no País, quando percebidos: 

I - pelas pessoas físicas ou jurídicas residentes ou domiciliadas no exterior; 

II - pelos residentes no País que estiverem ausentes no exterior por mais de doze meses, salvo os mencionados no art. 17; 

III - pela pessoa física proveniente do exterior, com visto temporário, nos termos do § 1º do art. 19; 

IV - pelos contribuintes que continuarem a perceber rendimentos produzidos no País, a partir da data em que for requerida a certidão, no caso previsto no art. 879. 

[...] 

Art. 684.  Os residentes ou domiciliados no exterior sujeitam-se às mesmas normas de tributação previstas para os residentes ou domiciliados no País, em relação aos: 

I - rendimentos decorrentes de aplicações financeiras de renda fixa; 

II - ganhos líquidos auferidos em operações realizadas em bolsas de valores, de mercadorias, de futuros e assemelhadas; 

III - rendimentos obtidos em aplicações em fundos de renda fixa e de renda variável e em clubes de investimento.” - grifei 

 

No mesmo sentido, a Instrução Normativa SRF nº 208, de 27 de setembro de 2002 dispunha que (redação vigente nos anos de 2002 a 2006): 

"PESSOA FÍSICA QUE PASSAR À CONDIÇÃO DE NÃO-RESIDENTE SAÍDA DEFINITIVA DO PAÍS 

Art. 9º A pessoa física residente no Brasil que se retirar em caráter permanente do território nacional no curso do ano-calendário deve: 

I - apresentar, até a data da saída do Brasil, a Declaração de Saída Definitiva do País, relativa ao período em tenha permanecido na condição de residente no Brasil no ano-calendário da saída, bem assim as declarações correspondentes a anos-calendário anteriores, se obrigatórias e ainda não entregues; 

[...] 

§ 2° Caso a pessoa física se retire em caráter permanente do território nacional sem entregar a Declaração de Saída Definitiva do País, seus rendimentos serão tributados nos termos previstos no § 1º do art. 11 durante os primeiros doze meses de ausência, e, a partir do décimo terceiro mês, conforme o disposto nos arts. 26 a 45.” 

 

É incontroverso que o réu deixou o País sem apresentar declaração de saída definitiva à Receita Federal, de maneira que, mesmo admitida a versão defensiva de que EDUARDO teria saído do Brasil em caráter temporário há mais de doze meses na data dos fatos, ele ainda permaneceria sujeito à tributação no território brasileiro quanto à renda e proventos pagos por fonte no Brasil e sobre rendimentos, comissões, remunerações, além de outras formas de ganhos, conforme previsto no art. 684 do RIR/99 e nos artigos 26 a 45 da Instrução Normativa SRF nº 208/2002. 

Considerando que a origem dos recursos correspondentes à variação patrimonial apurada pela Receita Federal não foi demonstrada no presente feito, não é possível afirmar que tais valores estariam isentos da tributação pelo imposto de renda no período. 

Não há, por fim, que se falar em violação ao disposto no art. 1º, da Lei nº 7.713/98, pois o Decreto nº 3.000/99 trouxe disposições especiais posteriores à mencionada norma, cuja aplicação ao caso foi acima detalhada. 

Do mesmo modo, não se constata qualquer afronta à Instrução Normativa SRF nº 73/98, revogada pela Instrução Normativa SRF nº 208, de 27 de setembro de 2002, pois, consoante já assinalado, o não-residente em razão de retirada temporária do Brasil em período superior a treze meses não se torna imune ao imposto de renda pessoa física. 

Demonstrada, assim, a materialidade objetiva da sonegação do imposto de renda pessoa física relativamente aos anos-calendário de 2002, 2003 e 2004. 

 

AUTORIA E DOLO 

A autoria é incontroversa, já que o réu é pessoalmente responsável pela transmissão de suas declarações de imposto de renda às autoridades fazendárias, obrigação acessória que não foi oportuna e formalmente adimplida pelo acusado. 

Quanto à alegação de ausência de dolo, melhor sorte assiste ao apelante. 

O dolo do tipo penal do art. 1º da Lei nº 8.137/90 é genérico, bastando, para a tipicidade da conduta, que o sujeito queira não pagar, ou reduzir, tributos, consubstanciado o elemento subjetivo em uma ação ou omissão voltada a este propósito (STJ, 5ª Turma, AgRg no REsp 1943948 / PE, RELATOR Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, DJe 15/08/2022; STJ, 6ª Turma, AgRg no AREsp 1933842 / SC, RELATOR Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ (1158), DJe 14/12/2021.

No particular, ressalto que não se cogita jamais da existência de prova cabal e inconteste do dolo, posto que somente o indivíduo conhece seu universo interior e as sutilezas de seu intento. O que se deve buscar, no bojo do processo penal, é a prova robusta e harmônica das circunstâncias objetivas que envolvem os fatos, a partir das quais se pode extrair, por dedução, a existência ou não do dolo do autor, com base nas regras da experiência ordinária.

E, no caso dos autos, é certo que, nos anos de 2002 a 2004, o réu era não-residente no Brasil, nos termos da legislação tributária aplicável.  

Além disso, o acusado, nascido em 24/07/1980, residia no exterior com visto de estudante desde seus dezenove anos. A prova documental revela que ele esteve matriculado e cursou regularmente programa de estudos entre abril de 2000 e abril de 2004, obtendo grau de “associado em artes”, em 01/05/2004 (id. 282261525). Demonstra, também, que o acusado figurava como dependente de seu genitor nas Declarações de Ajuste Anual dos anos-calendário de 2002 e 2003 (IDs. 282261326 e 282261384).  

Em seu interrogatório judicial, o réu afirma que fazia ‘bicos’, o que é consentâneo com as condições de imigrantes sem documentação que autorize o exercício de trabalho formal (no caso do réu, com visto de estudante). Neste cenário, a própria origem dos recursos empregados na aquisição e manutenção dos bens apontados na autuação fazendária é nebulosa, sendo perfeitamente crível que, como sustenta a defesa, o acusado não tivesse qualquer dolo de sonegar imposto de renda pessoa física por ele supostamente devido no Brasil. 

E, como é cediço, a dúvida, no processo penal, milita em favor do acusado. Dessa maneira, a versão defensiva, minimamente amparada por elementos de prova, deve prevalecer sobre a pretensão acusatória, igualmente carente de comprovação robusta, em observância ao princípio in dubio pro reo. Sobre o tema: 

"Ação Penal. Deputado Federal. Falsificação de documento particular. Falsidade ideológica. Estelionato. Absolvição. 1. Sem nenhum indício de contrafação ou alteração do documento, impõe-se a absolvição do réu por falta de prova de materialidade do crime de falsidade previsto no art. 298 do Código Penal (art. 386, II, do Código de Processo Penal). 2. Na ausência de prova inequívoca de que o acusado emitiu ordens para o subordinado inserir informações falsas ou de que praticou ele mesmo as condutas descritas no tipo penal para falsificação ideológica dos documentos, é afastada a autoria. 3. Os possíveis beneficiários do alegado conluio fraudulento seriam os proprietários da gleba de terra, que não possuem nenhuma relação comprovada com o acusado. Não restou provado, também que o réu concorreu dolosamente para a aquisição do imóvel para valor que se alega superior ao de mercado à época dos fatos, o que afasta seu concurso no crime de estelionato (art. 386, V, do Código de Processo Penal). 4. Pretensão acusatória julgada improcedente." 

(STF, 1ª Turma, AP 421, Rel. Min. ROBERTO BARROSO, j. 28/04/2015, DJ nº 126 do dia 30/06/2015); 

  

"AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA. CONSELHEIRO DE TRIBUNAL DE CONTAS ESTADUAL. DENÚNCIA PELA PRÁTICA DE ESTELIONATO. FALTA DE JUÍZO DE CERTEZA QUANTO ÀS IMPUTAÇÕES LANÇADAS. PREVALÊNCIA DO PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO  ABSOLVIÇÃO DEVIDA. EXEGESE DO ART. 386, INCISO VII, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. DENÚNCIA JULGADA IMPROCEDENTE. 

1. Narra a denúncia que o réu, atualmente Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul, na condição de Deputado Estadual, com o fim de obter vantagem indevida em prejuízo da Assembleia Legislativa daquele Estado, mantendo em erro a Administração mediante registros falsos, teria contribuído para a inclusão de pessoas na folha de pagamento do Poder Legislativo Gaúcho, sem a efetiva prestação dos serviços por esses servidores. 

2. Contudo, as provas colhidas, sob o crivo do contraditório e com respeito ao devido processo legal, não autorizam a conclusão condenatória, pela dúvida quanto à ocorrência do elemento subjetivo do tipo em relação às condutas criminosas narradas pela acusação e atribuídas ao réu. Pleito de absolvição por parte do MPF e da Defesa. 

3. É garantido ao acusado, no processo penal, o benefício da dúvida, consubstanciado no brocardo in dubio pro reo. Exegese do art. 386, inciso VII, do Código de Processo Penal. Precedentes. 

4. Ação penal julgada improcedente." – grifei 

(STJ, Corte Especial, AP 747/DF, Rel. Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, DJe 26/06/2018); 

  

"PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. SONEGAÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. ARTIGO 337-A DO CÓDIGO PENAL TIPIFICAÇÃO. MATERIALIDADE COMPROVADA. AUTORIA E DOLO. FRAGILIDADE DAS PROVAS. ABSOLVIÇÃO DO RÉU. 

- O crime previsto no art. 337-A do Código Penal é omissivo próprio. Por se tratar de delito material o crime de sonegação de contribuição previdenciária somente se configura após a constituição definitiva, no âmbito administrativo, das exações que são objeto das condutas. Carecerá de justa causa qualquer ato investigatório levado a efeito antes da ocorrência do lançamento fiscal definitivo, requisito essencial para o início da persecução penal. 

- Em que pese não tenha havido insurgência, a materialidade delitiva restou demonstrada por meio dos Processos Administrativos n.ºs 15868.720089/2011-62 (Autos de infração n.º 37.322.978-0 e 37.322.979-8) e 15868.720088/2011-18 (Autos de Infração n.º 51.006.812-0 e 51.006.813-8), e os documentos que os acompanham, os quais demonstram a redução e supressão de contribuição previdenciária no período de novembro de 2006 a dezembro de 2010. 

[...] 

- Em que pese o acusado constar no contrato social da empresa, sua efetiva participação na gestão da pessoa jurídica não restou suficientemente demonstrada, tendo em vista que a prova oral produzida nos autos foi categórica ao afirmar que o réu não tinha poderes de gestão à época dos fatos. 

- Para que fosse possível cogitar-se na condenação do acusado, necessário que exsurgisse dos autos prova capaz de demonstrar sua efetiva participação na gestão financeira da sociedade (a abarcar aspectos atinentes ao recolhimento de exações tributárias), o que incluiria a demonstração de seu dolo na consecução da empreitada criminosa. Entretanto, dos elementos de prova constantes dos autos não se extrai o que se acaba de expor, pois o Parquet Federal embasou seu pedido condenatório exclusivamente no procedimento administrativo fiscal, sem arrolar sequer uma testemunha ou requerer diligências mínimas a fortalecer seus argumentos. 

- Assim, considerando que o Parquet Federal não se desincumbiu do ônus da prova na seara judicial, havendo fragilidade do conjunto probatório e não existindo a necessária certeza para a condenação, de rigor a absolvição do apelante, em observância ao princípio jurídico da presunção de inocência (in dubio pro reo), com fundamento no artigo 386, VII, do Código de Processo Penal. 

- Apelação provida." 

(TRF 3ª Região, 11ª Turma, ACR 0002533-65.2013.4.03.6107, Rel. Des. Fed. Fausto de Sanctis, D.E. 01/07/2019) - grifei. 

  

Assim, sem prova suficiente para a condenação, de rigor a absolvição do apelante, em observância ao princípio jurídico da presunção de inocência (in dubio pro reo), com fundamento no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal (não existir prova suficiente para a condenação). 

 

DISPOSITIVO 

Ante o exposto, rejeito a matéria preliminar e, no mérito, DOU PROVIMENTO ao recurso defensivo para absolver o réu EDUARDO MATIAS ASSIOLA das imputações contidas na denúncia, com fundamento no art. 386, I e VII, ambos do Código de Processo Penal, nos termos da fundamentação supra. 

É o voto. 

 

 

 



E M E N T A

 

PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. ART. 1º, I, DA LEI Nº 8.137/90. IMPOSTO DE RENDA PESSOA FÍSICA. VARIAÇÃO PATRIMONIAL A DESCOBERTO. REJEITADA PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA. FUNDAMENTAÇÃO EXISTENTE. ART. 93, IX, CF. ART. 381, III, CPP. SÚMULA VINCULANTE Nº 24. MATERIALIDADE PARCIALMENTE COMPROVADA. AUTORIA CERTA. DOLO. DÚVIDA RAZOÁVEL. ‘IN DUBIO PRO REO’. APELO DEFENSIVO PROVIDO. 

1 - Ação penal que preenche a condição inserta na Súmula Vinculante nº 24, segundo a qual “não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei 8.137/1990, antes do lançamento definitivo do tributo.” 

2 – O princípio do livre convencimento motivado impõe ao magistrado o dever de não apenas fundamentar suas decisões, mas também de apreciar as teses da acusação e da defesa e acolher ou afastar suas pretensões, justificando os seus motivos, ainda que de forma sucinta. 

2.1 - Rejeitada a preliminar de nulidade da sentença por ausência de enfrentamento das teses defensivas, já que o argumento de que o crédito tributário não poderia ser revisto na seara penal prejudica a análise das razões defensivas que impugnam o crédito nos moldes lançados. 

3 – Materialidade delitiva demonstrada apenas parcialmente. 

3.1 - Mesmo na hipótese de constituição definitiva do crédito tributário perante a Receita Federal, o Juízo criminal pode concluir pela ausência de prova da materialidade delitiva e absolver o acusado das imputações relacionadas a crimes contra a ordem tributária ou assemelhados, ainda que os efeitos de tal decisão estejam adstritos à esfera penal (ou seja, não impliquem na desconstituição do crédito tributário). 

3.2 - Não se pode extrair da garantia insculpida na Súmula Vinculante nº 24 a impossibilidade de apreciação, no bojo do processo penal, de alegações defensivas atinentes ao mérito da conduta criminosa. Entendimento inverso implica grave violação à Constituição Federal e às normas que regem a organização judiciária e o processo penal, tanto por subtrair atribuição do juízo criminal competente quanto por limitar as garantias que cercam o réu na defesa de seu "status libertatis", especialmente as de alegar e provar quaisquer fatos ou fundamentos de direito que possam levar à sua absolvição. 

4 - Autoria incontroversa, pois o réu é pessoalmente responsável pela transmissão de suas declarações de imposto de renda às autoridades fazendárias, obrigação acessória que não foi oportuna e formalmente adimplida pelo acusado. 

5 – Dolo genérico não demonstrado. Dúvida razoável sopesada à luz das circunstâncias fáticas comprovadas pela defesa. 

6 - A dúvida, no processo penal, milita em favor do acusado. Dessa maneira, a versão defensiva, minimamente amparada por elementos de prova, deve prevalecer sobre a pretensão acusatória, igualmente carente de comprovação robusta, em observância ao princípio "in dubio pro reo".  

7 – Apelo defensivo provido. 

 

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Décima Primeira Turma, por unanimidade, decidiu rejeitar a matéria preliminar e, no mérito, DAR PROVIMENTO ao recurso defensivo para absolver o réu EDUARDO MATIAS ASSIOLA das imputações contidas na denúncia, com fundamento no art. 386, I e VII, ambos do Código de Processo Penal, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.