Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0000343-91.2017.4.03.6139

RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS

APELANTE: GIL IVAN MARCELINO DOS SANTOS PINHEIRO

Advogado do(a) APELANTE: EVERTON LEANDRO DA FE - SP342979-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0000343-91.2017.4.03.6139

RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS

APELANTE: GIL IVAN MARCELINO DOS SANTOS PINHEIRO

Advogado do(a) APELANTE: EVERTON LEANDRO DA FE - SP342979-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

 

O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS:

 

Trata-se de ação penal movida pelo Ministério Público Federal em face de GIL IVAN MARCELINO DOS SANTOS PINHEIRO, nascido em 01.04.1985, como incurso no artigo 183 da Lei n. 9.472/1997.

 

Narra a denúncia (ID 164580623 – fls. 03/14), em síntese, que na data de 08.05.2013 durante fiscalização promovida por agentes da ANATEL, GIL IVAN MARCELINO DOS SANTOS PINHEIRO foi surpreendido desenvolvendo atividade clandestina de telecomunicação, consistente em operar rádio comunicador com potência de saída RF 70W, utilizando-se indevidamente de espectro de radiofrequência de 148,0 MHz, a partir da Estação de Rádio Amador, situada na rua Antônio Galvão dos Santos, n.º 152, Jardim Maringá, (...) Itapeva/SP, atividade essa que pôs em risco a segurança dos meios de comunicação, fazendo-o incidir nas penas do crime do art. 183 da Lei n.º 9.472/1997.

 

Inicialmente rejeitada (ID 164580623 – fls. 16/25), a denúncia foi recebida por meio de acórdão (ID 164580623 – fls. 98/112), proferido em 07.11.2017 e publicado em 24.11.2017, que deu provimento ao Recurso em Sentido Estrito interposto pelo Ministério Público Federal (ID 164580623 – fls. 30/47).

 

Sentença de procedência da pretensão punitiva Estatal (ID 164581089) prolatada na data de 25.11.2020, com intimação das partes em 07.01.2021 (ID 164581090), pela Exma. Juíza Federal Mariana Hiwatashi dos Santos, da 1ª Vara Federal de Osasco/SP, para condenar o réu GIL IVAN MARCELINO DOS SANTOS PINHEIRO pela prática do crime do artigo 183 da Lei n.º 9.472/1997, a pena de 02 (dois) anos de detenção e pagamento de multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais), em regime inicial ABERTO. Pena privativa de liberdade substituída por duas penas restritivas de direitos: uma de prestação de serviços à comunidade ou à entidade pública, a ser indicada pelo Juízo da Execução, e outra de prestação pecuniária, consistente na entrega de uma cesta básica por mês, no valor de R$ 100,00 à APAE – Associação de Pais e Amigos de Excepcionais.

 

Apelação interposta pela defesa de GIL IVAN MARCELINO DOS SANTOS PINHEIRO (ID 164581109) pleiteando a absolvição pela ausência de comprovação do efetivo dano (interferência em outros usuários do mesmo canal), pois sem risco, não há crime. Assevera que, mesmo os crimes de perigo abstrato, exigem, em tese, a possibilidade de lesão, que não existe, no caso do art. 183, se não há possibilidade de interferência em outros usuários. Não é, portanto, qualquer mera irregularidade formal e administrativa que enseja a incidência do tipo penal, mas a que pode colocar em risco o serviço em geral.

 

Contrarrazões de Apelação apresentada pelo órgão ministerial (ID 164581114).

 

Nesta instância, a Procuradoria Regional da República emitiu parecer (ID 165083818) pelo desprovimento do Apelo da defesa, e substituição, de ofício, da multa de R$ 10.000,00 aplicada por uma pena de multa fixada nos parâmetros da Parte Geral do Código Penal e proporcional à pena privativa de liberdade imposta ao apelante.

 

É o relatório. 

 

Dispensada a revisão.

 

 

 

 


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11ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0000343-91.2017.4.03.6139

RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS

APELANTE: GIL IVAN MARCELINO DOS SANTOS PINHEIRO

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V O T O

 

 

 

 

O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS:

 

O réu GIL IVAN MARCELINO DOS SANTOS PINHEIRO foi condenado em primeiro grau pela prática do crime previsto no artigo 183 da Lei n. 9.472/1997, in verbis:

 

Crime contra as Telecomunicações

Art. 183. Desenvolver clandestinamente atividades de telecomunicação:

Pena - detenção de dois a quatro anos, aumentada da metade se houver dano a terceiro, e multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais).

 

Narra a denúncia que, na data de 08.05.2013, em fiscalização promovida por agentes da ANATEL, GIL IVAN MARCELINO DOS SANTOS PINHEIRO foi surpreendido desenvolvendo atividade clandestina de telecomunicação, consistente em operar rádio comunicador com potência de saída RF 70W, utilizando-se indevidamente de espectro de radiofrequência de 148,0 MHz, a partir da Estação de Rádio Amador, situada na rua Antônio Galvão dos Santos, n.º 152, Jardim Maringá, na cidade de Itapeva/SP.

 

DO DELITO PREVISTO NO ARTIGO 183 DA LEI N. 9.472/1997

 

O delito previsto no art. 183 da Lei n.º 9.472/1997 mostra-se, de acordo com o entendimento jurisprudencial prevalente, como formal e de perigo abstrato, ou seja, o desempenho da conduta descrita no tipo penal basta para sua configuração, independente de lesão a terceiros.

 

Na linha do ora sustentado, não é por outra razão que, especificamente no que tange ao crime de desenvolvimento clandestino de atividade de telecomunicação mostra-se impertinente a incidência do princípio da insignificância, tendo em vista que o delito mencionado visa tutelar a segurança e a higidez do sistema de telecomunicação presente no país, a permitir, inclusive, o controle e a fiscalização estatal sobre tal atividade econômica, caracterizando-se por ser infração penal formal e de perigo abstrato, ou seja, consumando-se independentemente da ocorrência de dano - desta feita, diante de mácula a bem jurídico de suma importância, impossível cogitar-se de mínima periculosidade social da ação e de reduzido grau de reprovabilidade do comportamento.

 

Consigne-se, ademais, que a mera instalação ou a mera utilização de aparelhagem em desacordo com as exigências legais, bem como a existência de atividade clandestina de telecomunicações, já tem o condão de causar sérias interferências prejudiciais em serviços de telecomunicações regularmente instalados (como, por exemplo, polícia, ambulância, bombeiro, navegação aérea, embarcação, bem como receptores domésticos adjacentes à emissora) em razão do aparecimento de frequências espúrias, razão pela qual, além de presumida a ofensividade da conduta pela edição da lei, inquestionável a alta periculosidade social da ação, também sob tal viés, daquele que age ao arrepio das normas de regência.

 

Nessa toada, a jurisprudência pátria (C. Supremo Tribunal Federal, C. Superior Tribunal de Justiça e E. Tribunal Regional Federal da 3ª Região) é uníssona em não permitir o reconhecimento do princípio da insignificância em sede de crime de desenvolvimento clandestino de atividade de telecomunicação (pelos motivos anteriormente declinados), encontrando-se tipificada a conduta no artigo 183 da Lei nº 9.472/1997, conforme se infere das ementas que seguem:

 

AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIME DE EXPLORAÇÃO CLANDESTINA DE RADIODIFUSÃO. ARTIGO 183 DA LEI 9.472/97. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO. INADMISSIBILIDADE. COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL PARA JULGAR HABEAS CORPUS: CF, ART. 102, I, 'D' E 'I'. ROL TAXATIVO. DESENVOLVIMENTO ALEGADA ATIPICIDADE DA CONDUTA. BAIXA FREQUÊNCIA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. REVOLVIMENTO DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. INADMISSIBILIDADE NA VIA ELEITA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. O crime descrito no art. 183 da Lei n.º 9.472/97 é formal e, a fortiori, de perigo abstrato, porquanto o desenvolvimento de atividade de radiofrequência sem autorização do órgão regulador é suficiente para comprometer a regularidade do sistema de telecomunicações independentemente da comprovação de prejuízo. Deveras, ainda que, eventualmente, sejam de baixa frequência as ondas de radiodifusão emitidas pela rádio clandestina, não cabe cogitar quanto à aplicação do princípio da insignificância para fins de descaracterização da lesividade material da conduta. Precedentes: HC 128.130, Segunda Turma, Rel. Min. Teori Zavascki, DJe 23/09/2015, HC 111.516, Primeira Turma, Rel. Min. Roberto Barroso, DJe 28/5/2014, HC 119.979, Primeira Turma, Rel. Ministra Rosa Weber, DJe de 03/02/14, HC 111.518, Segunda Turma, Rel. Ministra Cármen Lúcia, DJe de 26/06/13. (...) (STF, HC 131591 AgR, Rel. Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 02/05/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-102 DIVULG 16-05-2017 PUBLIC 17-05-2017) - destaque nosso.

 

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. RÁDIO CLANDESTINA. INSTALAÇÃO. PERIGO ABSTRATO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. 1. É também pacífica a jurisprudência desta Corte no sentido de que a instalação de estação de radiodifusão clandestina é delito de natureza formal de perigo abstrato que, por si só, é suficiente para comprometer a segurança, a regularidade e a operabilidade do sistema de telecomunicações do país, não tendo aplicação o princípio da insignificância mesmo que se trate de serviço de baixa potência (AgRg no REsp 1566462/SC, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 15/03/2016, DJe 28/03/2016). 2. Agravo regimental improvido (STJ, AgRg no REsp 1680559/AL, Rel. Min. NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 13/03/2018, DJe 26/03/2018) - destaque nosso.

 

PENAL. PROCESSUAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME DO ARTIGO 183, CAPUT, DA LEI 9.472/97. ESTAÇÃO DE RÁDIO CLANDESTINA, EM FUNCIONAMENTO. AUSÊNCIA DE QUALQUER AUTORIZAÇÃO LEGAL. CONDUTA TÍPICA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA INAPLICÁVEL NO CASO CONCRETO. MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS INEGÁVEIS. DOLO CONFIGURADO. ERRO SOBRE A ILICITUDE DO FATO INOCORRIDO NA HIPÓTESE. LARGA EXPERIÊNCIA DO RÉU NA ÁREA DE COMUNICAÇÃO, INCLUSIVE COMO LOCUTOR DE RODEIOS. DOSIMETRIA E SUBSTITUIÇÃO MANTIDAS. RECURSO DA DEFESA IMPROVIDO. (...) 2. A despeito do sustentado pela defesa, destaco ser inaplicável o princípio da insignificância à espécie, porquanto o crime previsto no artigo 183 da Lei 9.472/97 tem como bem juridicamente protegido a segurança e higidez das telecomunicações no Brasil, bem como o controle e fiscalização estatal sobre tais atividades. 3. Trata-se de crime formal e de perigo abstrato, consumando-se independentemente da ocorrência de danos. Assim, praticada a atividade descrita no tipo penal, resta configurada a lesão ao bem jurídico tutelado. Não se há de falar, pois, em necessidade de lesão significativa aos serviços de telecomunicação nacional para que se torne típica a conduta (o que, de resto, tornaria crime apenas condutas clandestinas de imenso impacto, em absoluto desacordo seja com a dicção do tipo, seja com a finalidade e o bem jurídico tutelado pelo enunciado normativo). (...) (TRF3, DÉCIMA PRIMEIRA TURMA, Ap. - APELAÇÃO CRIMINAL - 73048 - 0001060-78.2013.4.03.6128, Rel. Des. Fed. JOSÉ LUNARDELLI, julgado em 10/04/2018, e-DJF3 Judicial 1 DATA:20/04/2018) - destaque nosso.

 

PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TELECOMUNICAÇÕES. ART. 183 DA LEI Nº 9.472/97. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. PRINCÍPIO INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. PENA DE MULTA. 1. O crime tipificado no art. 183 da Lei nº 9.472/1997 é formal, de perigo abstrato. A lesividade da rádio clandestina independe da potência do seu transmissor ou da antena, razão pela qual não é aplicável o princípio da insignificância. (...) (TRF3, DÉCIMA PRIMEIRA TURMA, Ap. - APELAÇÃO CRIMINAL - 68041 - 0002892-89.2010.4.03.6181, Rel. Des. Fed. NINO TOLDO, julgado em 20/03/2018, e-DJF3 Judicial 1 DATA:27/03/2018) - destaque nosso.

 

Desta feita, desnecessária a comprovação do efetivo dano (interferência em outros usuários do mesmo canal) para a configuração o delito.

 

Sem prejuízo do exposto, registre-se que Laudo de Perícia Criminal nos aparelhos apreendidos (ID 164580624 – fls. 63/67) destacou que, o transceptor móvel ICOM IC-V8000 estava configurado para operar na frequência de 148,000 MHz e estava apto a operar na faixa de frequência de 136-174 MHz. De acordo com o Plano de Destinação de Faixas de Frequência da ANATEL, a destinação da faixa de frequências que vai de 136 a 174 MHz abrange diversos serviços: ‘Móvel Aeronáutico (SMAT)’, ‘Móvel por Satélite (SMS), ‘Limitado Privado (SLP)’, ‘Limitado Especializado (SLE), ‘Radioamador’, ‘Especial de Supervisão e Controle’, ‘Radionavegação Por Satélite’, ‘Rádiotaxi Privado (SRT)’, ‘Rádiotaxi Especializado (SER)’, ‘Auxiliar de Radiodifusão e Correlatos (SARC)’, ‘Móvel Marítimo (SMM), Telefônico Móvel Rodoviário – Telestrada’, entre outros. Qualquer equipamento que opere com transmissão de radiofrequência é, a priori, capaz de emitir sinais indesejáveis fora do canal de operação normal, os quais, não sendo devidamente atenuados por filtros elétricos internos ao aparelho, podem causar interferência em outras comunicações, inclusive de aeronaves, polícia, bombeiros, etc.

 

Portanto, resta afastado o pleito da defesa, não sendo o caso de absolvição do réu do crime do  artigo 183 da Lei n.º 9.472/1997 por ausência de comprovação de efetivo dano.

 

DA MATERIALIDADE, AUTORIA E ELEMENTO SUBJETIVO

 

Não questionadas pelas partes, a materialidade e autoria restaram devidamente comprovadas por meio de Termo de Representação emitido pela ANATEL, acompanhado de Relatório Fotográfico, Nota Técnica, Auto de Infração, Relatório de Fiscalização (ID 164580624 – fls. 08/30), Laudo de Perícia Criminal nos aparelhos apreendidos (ID 164580624 – fls. 63/67), bem como pela confissão do réu em sede policial, onde confirmou a posse dos rádios apreendidos durante a fiscalização da ANATEL (ID 164580624 – fl. 123), sendo revel em juízo.

 

No que concerne ao elemento subjetivo, conforme destacado em sentença, o dolo emerge das circunstâncias do caso. Com efeito, o acusado mantinha a rádio clandestina funcionando, mesmo ciente de que não tinha as autorizações necessárias. Tal consciência é aferida de sua alegação de que ‘(...)estava começando a fazer a documentação em Curitiba/PR’, proferida em seu interrogatório em sede policial (conforme fl. 123, do Id. 36577613). Não há nenhum vício de vontade conhecido, pelo que se conclui que o acusado praticou a conduta descrita na denúncia com vontade livre e consciente.

 

Sendo assim, mantida a condenação do réu GIL IVAN MARCELINO DOS SANTOS PINHEIRO pela prática do delito constante no artigo 183 da Lei n.º 9.472/1997.

  

DOSIMETRIA

 

Quanto à pena imposta, foi estabelecido em sentença:

 

 Circunstâncias Judiciais (art. 59 do CP): O art. 59 do CP estabelece que o juiz, para fixar a pena suficiente para reprovação e prevenção do crime, deve levar em consideração a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social, a personalidade do agente, os motivos, as circunstâncias e as consequências do crime, bem como o comportamento da vítima. No caso em tela, a conduta do réu é reprovável, sendo merecedora de punição porque, agindo de forma livre e consciente, fez adequar seu comportamento ao tipo legal, quando lhe era exigível comportamento diverso. No entanto, nenhum elemento constante dos autos é capaz de demonstrar que sua ação, embora criminosa, ultrapassa o plano da normalidade em situações como esta, apresentando, portanto, culpabilidade normal. Conforme se verifica das pesquisas realizadas nos autos, na folha de antecedentes do acusado consta apenas o Inquérito Policial que deu origem à presente ação (fl. 99 dos autos originais do Inquérito e fl. 126, Id. 36577613). Considerando Súmula nº 444 do Superior Tribunal de Justiça – ‘É vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base’ - o réu não ostenta maus antecedentes, uma vez que a certidão acostada aos autos não aponta a existência de condenação criminal transitada em julgado e inquéritos policiais (assim como processos penais em curso, inquéritos policiais em andamento ou, até mesmo, condenações criminais ainda sujeitas a recurso).’Pelas mesmas razões, referidos autos não podem ser considerados para valorar negativamente as circunstâncias referentes à conduta social e personalidade do acusado. Quanto aos motivos do crime, não há nada de relevante, pois, consoante declaração do réu, visava ele apenas se comunicar e não consta dos autos qualquer elemento que indique outra razão. As consequências do crime não são mais graves que o normal. Isto porque, embora tivesse potencial para interferir em outras faixas de frequência de uso restrito como as utilizadas por policiais, bombeiros ou serviços médicos, não consta dos autos que tal fato tenha ocorrido e tampouco que tenha gerado prejuízo a alguém. As circunstâncias, tendo-se por base o ‘modus operandi’, os meios empregados e as circunstâncias de tempo e lugar, são normais à espécie delitiva, não havendo qualquer elemento que justifique a exasperação da pena-base. O sujeito passivo do delito é a Autarquia Federal - ANATEL, cujo comportamento não se pode avaliar para a fixação da pena. Pelo exposto e tendo em vista que as circunstâncias judiciais constituem um rol taxativo (artigo 59, CP); que, nesta fase, há que se respeitar os limites previstos no preceito secundário do tipo penal incriminador; e que, consoante acima analisado, não se fazem presentes as circunstâncias judiciais desfavoráveis ou não é possível apurá-las, a pena deve ser fixada no mínimo legal. Desse modo, fixo a pena base em 02 anos de detenção. ii) Circunstâncias atenuantes e agravantes: Inexistem circunstâncias agravantes, nos termos dos artigos 61 e 62 do Código Penal. No entanto, nos termos do art. 65, inciso III, alínea ‘d’, do Código Penal e da Súmula 545 do STJ, deve ser reconhecida a atenuante de confissão. Mister se faz ressaltar, ainda, que, por estar a pena limitada aos parâmetros legais nesta 2ª fase, caso a pena-base tenha sido fixada no mínimo legal, não há possibilidade de reconhecer eventuais circunstâncias atenuantes, evitando a redução da pena abaixo do mínimo legal, consoante dispõe a Súmula 231 do Superior Tribunal de Justiça – ‘A incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal’. Dessa forma, fixo a pena intermediária em 02 anos de detenção. iii) Causas de diminuição e de aumento da pena: No caso em comento não há causa de diminuição ou de aumento de pena. Em consequência, fixo a pena definitiva em 02 anos de detenção. Pena de Multa. A multa é de R$10.000,00, por expressa determinação legal, uma vez que o art. 183 da Lei 9.472/97 não deixa espaço para arbitramento, estabelecendo em seu preceito secundário as penas de detenção de 02 a 04 anos, aumentada da metade se houver dano a terceiro, e multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais). Superadas as etapas do método trifásico e tendo-se, portanto, a pena definitiva fixada, há que se estabelecer o regime inicial para o cumprimento da pena - que pode ser fechado, semiaberto ou aberto. O regime inicial para o cumprimento da pena será o aberto, por dedução do disposto no artigo 33, ‘caput’, §2º, alínea ‘c’ e § 3º, do Código Penal. (...) Substituo a pena privativa de liberdade por 02 restritivas de direitos, consistentes na prestação de serviços à comunidade ou à entidade pública, a ser indicada pelo Juízo da Execução Penal, e na prestação pecuniária, materializada na entrega de uma cesta básica por mês, no valor de R$ 100,00 à APAE – ASSOCIAÇÃO DE PAIS E AMIGOS DE EXCEPCIONAIS, situada na Rua Inglaterra, nº 842, Jardim Europa, nesta urbe, ambas pelo período da pena privativa de liberdade, conforme artigo 46 e parágrafos do Código Penal.

 

No que concerne à pena fixada, sem insurgências das partes e, porquanto, corretamente fixada, mantenho os termos estabelecidos pelo juízo “a quo”, com exceção da pena de multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais).

 

Pena de multa

 

Embora o preceito secundário do art. 183 da Lei n.º 9.472/1997 determine a aplicação de multa no valor fixo de R$ 10.000,00 (dez mil reais) é consolidado o entendimento, nesta Corte, no sentido de que a pena de multa estabelecida na Lei n.º 9.472/1997 viola o princípio da individualização da pena. Inclusive, em sessão de julgamento realizada em 29.06.2011, o Órgão Especial desta Corte declarou, nos autos da Arguição de Inconstitucionalidade Criminal nº. 0005455-18.2000.4.03.6113, a inconstitucionalidade da expressão "de R$ 10.000,00", a qual consta do preceito secundário do art. 183 da Lei n.º 9.472/1997:

 

PENAL - PROCESSUAL PENAL - RADIODIFUSÃO - LEI 9472/97 - ARTIGO 183 - PENA PECUNIÁRIA - VALOR FIXO - ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE - REDISTRIBUIÇÃO POR PREVENÇÃO - REGULARIDADE - QUESTÃO DE ORDEM REJEITADA - VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA - ARGÜIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE ACOLHIDA. 1. O juízo natural para decidir sobre a argüição de inconstitucionalidade é o Órgão Especial, não havendo irregularidade na redistribuição do presente feito por dependência, porquanto trata de matéria idêntica a do feito anteriormente distribuído a Relatora, ou seja, a arguição de inconstitucionalidade na fixação da multa prevista no preceito secundário do artigo 183, da Lei 9472/97. Questão de ordem rejeitada. 2. A norma contida no preceito secundário do artigo 183, da Lei 9.472/97, que prevê a pena pecuniária em valor fixo, viola o princípio da individualização da pena, previsto no artigo 5º, XLVI, da Constituição Federal. 4.Argüição acolhida para declarar a inconstitucionalidade da expressão 'de R$10.000,00', contida no preceito secundário do artigo 183, da Lei 9472/97. (TRF 3ª Região, Órgão Especial, Arguição de Inconstitucionalidade Criminal nº. 0005455-18.2000.4.03.6113/SP, Rel. Ramza Tartuce, 29.06.2011).

 

Portanto, a aplicação da pena de multa, in casu, deverá observar os parâmetros previstos no artigo 49, caput, do Código Penal, que estabelece que a pena de multa será calculada por meio do mecanismo de dias-multa, não podendo nem ser inferior a 10 (dez) nem superior a 360 (trezentos e sessenta) dias-multa.

 

De forma que, com a pena privativa de liberdade fixada no mínimo legal, a pena de multa resta fixada, de ofício, em 10 (dez) dias-multa, cada qual no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário-mínimo vigente na data dos fatos.

 

PENA DEFINITIVA

 

Mantida a condenação do réu GIL IVAN MARCELINO DOS SANTOS PINHEIRO pela prática do crime do artigo 183 da Lei n.º 9.472/1997, a pena de 02 (dois) anos de detenção e multa 10 (dez) dias-multa, cada qual no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário-mínimo vigente na data dos fatos, em regime inicial ABERTO. Pena privativa de liberdade substituída por duas penas restritivas de direitos, sendo uma de prestação de serviços à comunidade ou à entidade pública, a ser indicada pelo Juízo da Execução Penal, e outra de prestação pecuniáriaconsistente na entrega de uma cesta básica por mês, no valor de R$ 100,00 à APAE – Associação de Pais e Amigos de Excepcionais.

 

 DISPOSITIVO

 

Ante o exposto, voto por NEGAR PROVIMENTO à Apelação de GIL IVAN MARCELINO DOS SANTOS PINHEIRO e, DE OFÍCIO, fixar a pena de multa em 10 (dez) dias-multa, cada qual no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário-mínimo vigente na data dos fatos (afastando a condenação ao pagamento de multa no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), na forma da fundamentação.

 

É o voto.

 

 



E M E N T A

 

PENAL. ATIVIDADE CLANDESTINA DE TELECOMUNICAÇÃO (ARTIGO 183 DA LEI N.º 9.472/1997). CRIME FORMAL E DE PERIGO ABSTRATO. DESNECESSÁRIA A COMPROVAÇÃO DE DANO. MULTA DE R$ 10.000,00. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA. ALTERAÇÃO DE OFÍCIO.

- Do delito do artigo 183 da Lei n. 9.472/1997. Referido crime visa tutelar a segurança e a higidez do sistema de telecomunicação presente no país, a permitir, inclusive, o controle e a fiscalização estatal sobre tal atividade econômica, caracterizando-se por ser infração penal formal e de perigo abstrato, ou seja, consumando-se independentemente da ocorrência de dano - desta feita, diante de mácula a bem jurídico de suma importância, impossível cogitar-se de mínima periculosidade social da ação e de reduzido grau de reprovabilidade do comportamento. A mera instalação ou a mera utilização de aparelhagem em desacordo com as exigências legais, bem como a existência de atividade clandestina de telecomunicações, já tem o condão de causar sérias interferências prejudiciais em serviços de telecomunicações regularmente instalados (como, por exemplo, polícia, ambulância, bombeiro, navegação aérea, embarcação, bem como receptores domésticos adjacentes à emissora) em razão do aparecimento de frequências espúrias, motivo pelo qual, além de presumida a ofensividade da conduta pela edição da lei, inquestionável a alta periculosidade social da ação, também sob tal viés, daquele que age ao arrepio das normas de regência. Desta feita, desnecessária a comprovação do efetivo dano (interferência em outros usuários do mesmo canal) para a configuração o delito. Precedentes.

- Materialidade, autoria e elemento subjetivo devidamente comprovados nos autos, sem insurgência das partes.

 - Multa. Embora o preceito secundário do art. 183 da Lei n.º 9.472/1997 determine a aplicação de multa no valor fixo de R$ 10.000,00 (dez mil reais) é consolidado o entendimento, nesta Corte, no sentido de que a pena de multa estabelecida na Lei n.º 9.472/1997 viola o princípio da individualização da pena. Inclusive, em sessão de julgamento realizada em 29.06.2011, o Órgão Especial desta Corte declarou, nos autos da Arguição de Inconstitucionalidade Criminal nº. 0005455-18.2000.4.03.6113, a inconstitucionalidade da expressão "de R$ 10.000,00". A aplicação da pena de multa, in casu, deverá observar os parâmetros previstos no artigo 49, caput, do Código Penal, que estabelece que a pena de multa será calculada por meio do mecanismo de dias-multa, não podendo nem ser inferior a 10 (dez) nem superior a 360 (trezentos e sessenta) dias-multa. Com a pena privativa de liberdade fixada no mínimo legal, a pena de multa resta fixada, de ofício, em 10 (dez) dias-multa, cada qual no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário-mínimo vigente na data dos fatos.

- Apelação do réu a que se nega provimento e, de ofício, fixada a pena de multa em 10 (dez) dias-multa, cada qual no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário-mínimo vigente na data dos fatos.

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Décima Primeira Turma, por unanimidade, decidiu NEGAR PROVIMENTO à Apelação de GIL IVAN MARCELINO DOS SANTOS PINHEIRO e, DE OFÍCIO, fixar a pena de multa em 10 (dez) dias-multa, cada qual no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário-mínimo vigente na data dos fatos (afastando a condenação ao pagamento de multa no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.