HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Nº 5032848-27.2023.4.03.0000
RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS
PACIENTE: BRUNO MONTEIRO AIUB
IMPETRANTE: JORGE URBANI SALOMAO
Advogado do(a) PACIENTE: JORGE URBANI SALOMAO - SP274322-A
IMPETRADO: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SÃO PAULO/SP - 5ª VARA FEDERAL CRIMINAL
OUTROS PARTICIPANTES:
PARTE AUTORA: FLAVIO DINO DE CASTRO E COSTA
ADVOGADO do(a) PARTE AUTORA: POLLYANA DE SANTANA SOARES - SP312413-A
ADVOGADO do(a) PARTE AUTORA: DORA MARZO DE ALBUQUERQUE CAVALCANTI CORDANI - SP131054-A
HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Nº 5032848-27.2023.4.03.0000 RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS PACIENTE: BRUNO MONTEIRO AIUB Advogado do(a) PACIENTE: JORGE URBANI SALOMAO - SP274322-A IMPETRADO: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SÃO PAULO/SP - 5ª VARA FEDERAL CRIMINAL OUTROS PARTICIPANTES: PARTE AUTORA: FLAVIO DINO DE CASTRO E COSTA ADVOGADO do(a) PARTE AUTORA: POLLYANA DE SANTANA SOARES - SP312413-A R E L A T Ó R I O O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS: Trata-se de Agravo Regimental interposto por FLÁVIO DINO DE CASTRO E COSTA (ID 284549492) em face de decisão que concedeu a liminar para afastar as cautelares aplicadas e suspender a audiência designada para o dia 16.02.2024 e, de ofício, concedeu a ordem para trancar parcialmente a ação penal privada (ID 284035257). Em suas razões recursais (ID 284549492), o agravante aduziu ter havido supressão de instância especialmente porque a defesa do paciente deixou de requerer a revogação das medidas cautelares constritivas perante o juízo a quo, bem ainda que o trancamento parcial da ação penal privada por meio de habeas corpus teria se mostrado indevido e prematuro. Sob este enfoque, pontuou que não poderia o Relator ter concedido a ordem de ofício porquanto não haveria manifesta ilegalidade no curso da ação penal de origem, bem ainda porque seria inviável em sede deste writ o revolvimento probatório a fim de se perquirir a existência de dolo. Em caso de entendimento distinto, postulou a manutenção das medidas cautelares diversas da prisão impostas ao ora paciente nos autos da ação penal privada. O presente Habeas Corpus foi impetrado, com pedido de liminar, pelo advogado Jorge Urbani Salomão, em favor do paciente BRUNO MONTEIRO AIUB, conhecido como “Monark”, contra ato imputado ao MM. Juízo da 5ª Vara Federal da Subseção Judiciária de São Paulo/SP (Dra. Maria Isabel do Prado), nos autos da Queixa-Crime nº 5005932-37.2023.4.03.6181 apresentada por FLÁVIO DINO DE CASTRO E COSTA, então Exmo. Sr. Ministro de Estado da Justiça e Segurança Pública, em face do ora paciente em razão da prática, em tese, dos crimes contra a honra previstos nos artigos 139 e 140, c.c. artigo 141, inciso II e §2º, todos do Código Penal, por duas vezes, em concurso material (ID 283197112). Constou da impetração, em síntese, que ao ora paciente foram aplicadas medidas cautelares previstas nos artigos 282, c.c. 319, ambos do Código de Processo Penal, em razão da suposta prática dos crimes acima referenciados. Alegou-se, preliminarmente, incompetência da Justiça Federal para julgamento do feito originário, sob a tese de que o querelante seria mero agente político, não investido em cargo público, o que não atrairia a incidência da Súmula n.º 147 do STJ e, portanto, a competência da Justiça Federal. No mais, que o paciente estaria sofrendo constrangimento ilegal em razão da aplicação das medidas cautelares que lhe foram impostas, ausência de previsão legal a justificar a aplicação das referidas medidas, bem ainda que os supostos crimes contra a honra imputados ao paciente não teriam sido cometidos mediante violência ou grave ameaça à pessoa. Pugnou-se, por fim, pela revogação das aludidas medidas cautelares (ID 283197112). Postergou-se a análise da liminar dada a solicitação de informações à douta autoridade judicial apontada como coatora (ID 283251477), as quais foram prestadas por meio do ofício acostado sob o ID 283346236. Foi concedida a liminar para afastar as cautelares aplicadas e suspender a audiência designada para o dia 16.02.2024 e, de ofício, concedeu a ordem para trancar parcialmente a ação penal privada pelos crimes de difamação imputados e o de injúria quanto às expressões “autoritário”, “tirânico”, “malicioso”, “perverso”, “fraude” e “maldito”, prolatadas em único contexto, com fundamento no artigo 142, inciso II, do Código Penal, remanescendo, porém, este delito quanto às expressões “filha da puta”, “malandro” e “um merda”. Pontuou-se em referido decisum que “deve a autoridade tida por coatora verificar a possibilidade de retratação da expressão “gordola” (em 05.10.2023) e, aí, restaria um único delito de injúria (pelas expressões “filha da puta”, “malandro” e “um merda” prolatadas em 17.05.2023, o que afastaria o recebimento da Queixa-Crime tendo em vista tratar-se de crime de menor potencial ofensivo (art. 61 da Lei nº 9.099, de 26.09.1995). O conteúdo dos autos da Queixa-Crime n.º 5005932-37.2023.4.03.6181 deve nesta hipótese ser tratado como tal pela autoridade coatora, caso não haja retratação de idêntica forma de todas as demais expressões, o que, em ocorrendo, acarretaria a extinção total de punibilidade e o arquivamento do processo criminal. Entretanto, se se entender pela não possibilidade de retratação nos crimes de injúria por considerá-la inviável, deve ser apreciada a possibilidade da suspensão condicional do processo, dada a somatória das penas mínimas (pelos dois crimes de injúria) não ultrapassar 1 ano, mas 8 meses (art. 89 de mesmo diploma legal).” (ID 284035257). Oficiando nesta instância, o Ministério Público Federal opinou no sentido de que não seria o caso de apreciação dos autos em sede de plantão judicial porquanto o paciente não estaria preso, tampouco existiria risco à sua liberdade de locomoção, além do que não haveria urgência na apreciação do feito considerando “o lapso transcorrido após ter sido proferida a decisão que impôs as medidas cautelares e a sua impugnação por meio da impetração do presente habeas corpus, em sede de plantão.” (ID 284056054). ID 284603516: Instada a manifestar-se acerca da interposição do Agravo Regimental, a defesa do paciente manifestou-se no sentido de o Agravo Regimental não ser conhecido na medida em que se estaria desvirtuando a finalidade jurídico-constitucional do Habeas Corpus. No mérito, postulou o desprovimento do recurso, devendo ser confirmada a liminar (ID’s 285085625 e 285085627). É o relatório. Em mesa.
IMPETRANTE: JORGE URBANI SALOMAO
ADVOGADO do(a) PARTE AUTORA: DORA MARZO DE ALBUQUERQUE CAVALCANTI CORDANI - SP131054-A
HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Nº 5032848-27.2023.4.03.0000 RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS PACIENTE: BRUNO MONTEIRO AIUB Advogado do(a) PACIENTE: JORGE URBANI SALOMAO - SP274322-A IMPETRADO: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SÃO PAULO/SP - 5ª VARA FEDERAL CRIMINAL OUTROS PARTICIPANTES: PARTE AUTORA: FLAVIO DINO DE CASTRO E COSTA ADVOGADO do(a) PARTE AUTORA: POLLYANA DE SANTANA SOARES - SP312413-A V O T O O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO: Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado pelo advogado Jorge Urbani Salomão, em favor de BRUNO MONTEIRO AIUB, contra ato da 5ª Vara Federal Criminal de São Paulo (SP) que, nos autos da Queixa-Crime nº 5005932-37.2023.4.03.6181, impôs ao paciente medidas cautelares. Na queixa-crime formulada por Flávio Dino de Castro e Costa, então Ministro da Justiça e Segurança Pública, foi imputada ao paciente a prática dos crimes previstos nos arts. 139 e 140, c.c. o art. 141, II e §2º, todos do Código Penal, por duas vezes cada, em concurso material (CP, art. 69). Em 22.12.2023, o e. Relator, Desembargador Federal Fausto De Sanctis, proferiu decisão em que deferiu o pedido de liminar para afastar as medidas cautelares e suspender audiência então designada pelo juízo impetrado, bom como, de ofício, concedeu a ordem de habeas corpus para trancar a ação penal de origem com relação a parte das imputações. O dispositivo da decisão é o seguinte (ID 284035257; negritos no original): Por tais fundamentos CONCEDO A LIMINAR para afastar as cautelares aplicadas e suspender a audiência designada para o dia 16.02.2024 e, DE OFÍCIO, CONCEDO A ORDEM para trancar a ação penal pelos crimes de difamação imputados e o de injúria quanto às expressões “autoritário”, “tirânico”, “malicioso”, “perverso”, “fraude” e “maldito”, prolatadas em único contexto, com fundamento no artigo 142, inciso II, do Código Penal, remanescendo, porém, este delito quanto às expressões “filha da puta”, “malandro” e “um merda”. Deve a autoridade tida por coatora verificar a possibilidade de retratação da expressão “gordola” (em 05.10.2023) e, aí, restaria um único delito de injúria (pelas expressões “filha da puta”, “malandro” e “um merda” prolatadas em 17.05.2023, o que afastaria o recebimento da Queixa-Crime tendo em vista tratar-se de crime de menor potencial ofensivo (art. 61 da Lei nº 9.099, de 26.09.1995). O conteúdo dos autos da Queixa-Crime n.º 5005932-37.2023.4.03.6181 deve nesta hipótese ser tratado como tal pela autoridade coatora, caso não haja retratação de idêntica forma de todas as demais expressões, o que, em ocorrendo, acarretaria a extinção total de punibilidade e o arquivamento do processo criminal. Entretanto, se se entender pela não possibilidade de retratação nos crimes de injúria por considerá-la inviável, deve ser apreciada a possibilidade da suspensão condicional do processo, dada a somatória das penas mínimas (pelos dois crimes de injúria) não ultrapassar 1 ano, mas 8 meses (art. 89 de mesmo diploma legal). Comunique-se o teor da presente decisão ao r. juízo impetrado. Sem prejuízo, encaminhe-se os autos à douta Procuradoria Regional da República. Após tornem conclusos. Intime-se as partes. Ao ter vista dos autos durante o plantão de recesso, a Procuradoria Regional da República não se manifestou quanto ao mérito do habeas corpus (ID 284056054). Após, o querelante interpôs agravo regimental em face da decisão acima transcrita, no qual requereu (ID 284549492): Ante todo o exposto, requer-se a reforma integral da r. decisão proferida pelo d. Desembargador Relator, nos termos do artigo 251, do Regimento Interno deste c. Tribunal Regional Federal, para que seja conhecido e provido o presente recurso, de maneira não ser conhecido o habeas corpus, seja pela supressão de instância, seja pela impossibilidade de revolvimento probatório nos estreitos limites do writ. Caso não seja este o entendimento de Vossas Excelências, requer-se, então, a manutenção das medidas cautelares diversas da prisão impostas em face do Paciente na queixa nº 5005932-37.2023.4.03.6181, bem como seja afastada a determinação de trancamento de ofício de parte das acusações no feito de origem. Em contrarrazões, o impetrante requereu que o agravo não fosse conhecido ou, se o fosse, que não fosse provido (ID 285085625). Na sessão de 22.02.2024, o e. Relator negou provimento ao agravo regimental, concedeu a ordem e, de ofício, trancou parcialmente a ação penal de origem, em voto cujo dispositivo é o seguinte: Ante o exposto, VOTO POR NEGAR PROVIMENTO AO AGRAVO REGIMENTAL E POR CONCEDER A ORDEM DE HABEAS CORPUS PARA AFASTAR AS MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS DA PRISÃO APLICADAS AO PACIENTE E SUSPENDER A AUDIÊNCIA DESIGNADA PARA O DIA 16.02.2024, BEM COMO, DE OFÍCIO, TRANCAR PARCIALMENTE A AÇÃO PENAL PRIVADA PELOS CRIMES DE DIFAMAÇÃO IMPUTADOS E UM DELITO DE INJÚRIA, mantendo a liminar anteriormente proferida. Na ocasião, divergi para dar provimento ao agravo regimental, autorizando o prosseguimento da ação penal de origem, e revogar a decisão liminar, restabelecendo as medidas cautelares fixadas pelo juízo impetrado, bem como denegar a ordem de habeas corpus. Após meu voto, o e. Desembargador Federal Hélio Nogueira pediu vista (ID 285786167), tendo apresentado seu voto na sessão de 07.3.2024, acompanhando-me (ID 286507590). Pois bem. O impetrante alega que a Justiça Federal é incompetente para processar e julgar a ação penal de origem, o que foi negado pelo e. Relator. Acompanho Sua Excelência, pois as alegadas ofensas dirigidas ao querelante foram proferidas em razão da função então por ele exercida, de Ministro da Justiça e Segurança Pública, a atrair a competência Justiça Federal, nos termos do art. 109, IV, da Constituição Federal, e da orientação contida na Súmula nº 147 do Superior Tribunal de Justiça (“Compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes praticados contra funcionário público federal, quando relacionados com o exercício da função”). Portanto, a Justiça Federal é a competente para processar e julgar a ação penal de origem. Quanto ao mais, o e. Relator concedeu ordem de habeas corpus de ofício para trancar a ação penal em relação a parte das imputações porque as considerou atípicas. Essa decisão foi objeto de agravo regimental interposto pelo querelante e o impetrante, em resposta, requereu que o recurso não fosse conhecido, por ausência de ilegitimidade. O e. Relator conheceu do agravo, mas negou-lhe provimento. Acompanho Sua Excelência quanto ao conhecimento do recurso, nos termos do seu voto, a cujos fundamentos me reporto. Todavia, dele divirjo, com a devida vênia, para dar provimento ao agravo regimental. Com efeito, conforme pacífica jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a suspensão ou o trancamento de ação penal, dada a sua excepcionalidade, só tem cabimento quando (i) os fatos nela veiculados são manifestamente atípicos, (ii) estiver extinta a punibilidade ou (iii) for evidente a ausência de justa causa para a persecução penal. Nesse sentido: PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CORRUPÇÃO ATIVA DE PERITO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. ATIPICIDADE. FATOS E PROVAS. JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 1. A orientação do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que o trancamento de ação penal só é possível quando estiverem comprovadas, de logo, a atipicidade da conduta, a extinção da punibilidade ou a evidente ausência de justa causa. Precedentes: HC 103.891, Redator para o acórdão o Ministro Ricardo Lewandowski; HC 86.656, Rel. Min. Ayres Britto; HC 81.648, Rel. Min.Ilmar Galvão; HC 118.066-AgR, Relª. Minª. Rosa Weber; e HC 104.267, Rel. Min. Luiz Fux. 2. A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que “a via do habeas corpus (...) [não] permite a verificação da veracidade dos fatos descritos na denúncia[,] por demandar análise do conjunto fático-probatório, em evidente substituição ao processo de conhecimento (RHC nº 102.816/MG, Primeira Turma, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJe de 27/4/10) (HC 189.762-AgR, Rel. Min. Dias Toffoli)”. Ainda nessa linha, o HC 200.174-ED-AgR, Rel. Min. Nunes Marques. 3. Agravo regimental a que se nega provimento. (STF, RHC 222250 AgR, Primeira Turma, rel. Min. Roberto Barroso, j. 22.02.2023, Publicação 28.02.2023) HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL E PENAL. WRIT SUBSTITUTO DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO: ADMISSIBILIDADE. INVIABILIDADE NA ESPÉCIE DA ANÁLISE DA ALEGADA ATIPICIDADE: NECESSIDADE DE INCURSÃO NOS FATOS E PROVAS DA CAUSA. AUSÊNICA DOS REQUISITOS AUTORIZADORES DO EXCEPCIONAL TRANCAMENTO DA AÇÕA PENAL. COMPETÊNCIA PENAL DA JUSTIÇA CASTRENSE: ACÓRDÃO COMBATIDO EM HARMONIA COM A JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. MANDADO DE BUSCA E APREENSÃO CUMPRIDO PELA POLÍCIA MILITAR: POSSIBILIDADE. ORDEM DEENEGADA. (...) II - É inviável, na via estreita do habeas corpus, o exame da atipicidade da conduta, por pressupor a indevida incursão nos fatos e provas da causa, sobretudo se consideradas as conclusões das instâncias antecedentes de que, à época dos fatos, o paciente não mais integrava os quadros da Polícia Militar do Estado do Paraná. III - O trancamento da ação penal, em habeas corpus, constitui medida excepcional que só deve ser aplicada nos casos (i) de manifesta atipicidade da conduta, (ii) de presença de causa de extinção da punibilidade do paciente ou (iii) de ausência de indícios mínimos de autoria e materialidade delitivas, o que não ocorre na situação sob exame. (...) VI - Ordem denegada. (HC 137.575/PR, Segunda Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 06.6.2017, Publicação 22.06.2017) Agravo regimental em recurso ordinário em habeas corpus. 2. Crimes contra a administração pública, a fé pública, a ordem tributária, o sistema financeiro e lavagem de capitais. 3. Nulidades na ação penal. Inocorrência. 4. Denúncia que satisfez os requisitos exigidos pelo CPP. Justa causa configurada. 5. Pedido de trancamento da ação penal. 6. A jurisprudência do STF consolidou entendimento de que o trancamento do feito só é possível em situações excepcionais, desde que constatada, sem necessidade de dilação probatória, inequívoca improcedência do pedido, seja pela patente inocência do acusado, seja pela atipicidade ou extinção da punibilidade, hipóteses que não se verificam no caso. 7. Necessidade de prosseguimento na busca da verdade real. 8. Agravo regimental a que se nega provimento. (RHC-AgR 125.787/RJ, Segunda Turma, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 23.6.2015, Publicação 31.7.2015) Ao examinar a queixa-crime (ID 283197119), não reconheço, ao menos por ora e nos estreitos contornos do habeas corpus, nenhuma dessas hipóteses. Com efeito, as questões relativas ao elemento subjetivo e ao eventual excesso no exercício da liberdade de expressão – nela inserida a crítica às instituições e aos poderes constituídos – demanda incursão fática e análise probatória, inviáveis nesta via estreita. Na fase processual em que se encontra o feito de origem vigora o princípio in dubio pro societate, não sendo necessária a mesma certeza que se exige para a condenação. Por isso, eventual tipicidade da conduta deve ser devidamente apurada e valorada pelo juízo de origem após a instrução, sendo prematuro o trancamento da ação penal nesta fase processual. Em relação às medidas cautelares, o juízo impetrado as impôs ao paciente com os seguintes fundamentos (ID 283197118, pp. 2/3; negritos no original): No tocante ao pedido de ID. 306294885, assiste razão à parte querelante acerca da necessidade de adoção de medidas cautelares em face do querelado, diante dos indícios demonstrados de reiteração de atos ofensivos à honra do autor da ação. Demonstra a parte querelante que o querelado BRUNO, em vídeo gravado ao vivo no dia 05/10/2023 (com link na petição e ainda ativo nesta data), após o recebimento da presente queixa, profere expressões em tese injuriosas ao querelante, idênticas ao objeto da inicial. Observa-se também das informações apresentadas que o querelado permanece em atividade nas redes sociais (Youtube/Twitter), contrariando alegações da defesa sobre proibição deste "de falar publicamente na web" apresentadas em audiência de tentativa de conciliação perante este Juízo e na resposta à acusação. Também demonstra o querelante que a parte querelada, atualmente em solo estrangeiro (EUA) manifesta-se sobre interesse em não retornar ao distrito da culpa, em mensagens proferidas após o recebimento desta queixa. Assim, mostra-se presente a justa causa para a adoção de medidas cautelares previstas no art. 282, c/c. 319 do Código de Processo Penal, para fins de garantia da aplicação da lei penal e para evitar a prática de infrações penais (art. 282, I, do CPP), havendo, ademais, manifestação favorável do Ministério Público. Vale destacar que tais medidas cautelares são autônomas e previstas nos termos dos dispositivos mencionados, não exigindo a configuração de requisitos do art. 313 do CPP. Ante o exposto, aplico ao querelado BRUNO MONTEIRO AIUB as seguintes medidas cautelares diversas da prisão, a fim de obter-se o seu compromisso perante à Justiça e evitar a adoção de outras medidas mais gravosas sobre sua pessoa, bens e direitos migratórios: a) comparecimento mensal e telepresencial perante a Secretaria deste juízo (link de acesso ao final da decisão), às segundas-feiras, ao meio-dia do horário de Brasília (12h), iniciando-se no dia 04 de dezembro de 2023 ou na primeira segunda-feira subsequente à publicação desta decisão; b) comparecimento às audiências designadas por este juízo; c) fornecer a este juízo, por petição ou verbalmente, seus dados de contato e o endereço em que pode ser encontrado no exterior; d) proibição de proferir publicamente qualquer nova ofensa de caráter pessoal contra o Querelante, seja verbalmente ou por escrito. Intime-se o acusado por meio de sua defesa constituída para cumprimento e comparecimento nas datas acima, cuja gravação do comparecimento servirá como termo de compromisso, sob pena de revelia. Caso não seja registrado o comparecimento do réu, certifique-se e intime-se a parte querelante e o MPF. O impetrante também alega não ser possível a fixação de medidas cautelares de forma autônoma, mas apenas em substituição à prisão preventiva, que não é cabível no caso. Sem razão. As medidas cautelares gozam de autonomia, podendo ser aplicadas ainda que a prisão preventiva não seja cabível, a teor do disposto no art. 282 do Código de Processo Penal, que exige, apenas, a presença de sua necessidade e adequação. Aliás, a impossibilidade de aplicação de medidas cautelares restringe-se à infração a que não seja cominada pena privativa de liberdade, de forma isolada, cumulativa ou alternativa (CPP, art. 283, § 1º), o que, evidentemente, não se aplica à situação em exame, na qual para os crimes imputados ao paciente (CP, arts. 139 e 140, c.c. o art. 141, II e § 2º) é prevista pena de detenção. No caso, as medidas cautelares impostas foram justificadas e mostram-se necessárias e adequadas, nos termos dos incisos I e II do art. 282 do Código de Processo Penal, haja vista a existência de indicativo de reiteração das condutas imputadas ao paciente, além do fato de ele não mais residir no Brasil. Desse modo, não verifico flagrante ilegalidade ou abuso de poder na decisão do juízo impetrado a autorizar a revogação das medidas cautelares impostas. Posto isso, divirjo do e. Relator e DOU PROVIMENTO ao agravo regimental para revogar a liminar inicialmente deferida, restabelecer as medidas cautelares fixadas pelo juízo impetrado e autorizar o prosseguimento da ação penal de origem. Consequentemente, NÃO CONCEDO a ordem de habeas corpus de ofício para trancamento da ação penal, nos termos da fundamentação supra. É o voto.
IMPETRANTE: JORGE URBANI SALOMAO
ADVOGADO do(a) PARTE AUTORA: DORA MARZO DE ALBUQUERQUE CAVALCANTI CORDANI - SP131054-A
VOTO-VISTA
O Desembargador Federal HÉLIO NOGUEIRA: Cuida-se de Agravo Regimental interposto por Flávio Dino de Castro e Costa, em face de decisão monocrática do e. Relator pela qual concedeu a liminar pleiteada pela parte impetrante para afastar as medidas cautelares aplicadas pelo Juízo impetrado na ação penal privada de origem, bem como, de ofício, concedeu ordem de habeas corpus para trancar em parte a ação penal promovida pelo Agravante em face do Paciente.
Em seu judicioso voto, o e. Relator confirma a decisão monocrática, nega provimento ao agravo regimental, concede a ordem de habeas corpus para afastar as medidas cautelares e, de ofício, tranca a ação penal privada quanto aos crimes de difamação e um dos delitos de injúria.
Seguiu o voto do e. Desembargador Federal Nino Toldo, abrindo divergência para prover o agravo de regimental, denegar a ordem de habeas corpus, além de não conceder a ordem de trancamento da ação penal de ofício.
Pedi vista para uma análise mais acurada da questão apresentada.
Com efeito, o habeas corpus foi impetrado com o objetivo de afastar as medidas cautelares pessoais aplicadas pelo Juízo impetrado em face do paciente, bem como para reconhecer a incompetência do Juízo Federal para análise da ação penal privada.
No que toca à alegação de incompetência, acompanho o e. Relator, mantendo a decisão de origem que afastou a exceção de incompetência formulada naquela instância.
No que diz respeito ao trancamento parcial da ação penal privada, em pese a minuciosa fundamentação adotada pelo e. Relator, entendo que a sede e o momento processual não se mostram adequados, uma vez que a instrução processual sequer teve início e, em se tratamento de crimes contra a honra, onde a análise de elementos subjetivos ganha maior relevância, a matéria merece maior aprofundamento probatório.
Acerca das medidas cautelares pessoais aplicadas em face do paciente, sustenta a impetração a existência de constrangimento ilegal, uma vez que não haveria previsão legal para adoção na presente hipótese, não seriam adequadas e proporcionais, além de se tratar de medidas alternativas à prisão, de modo que devem estar presentes os requisitos do art. 313 do CPP.
Com a devida vênia de entendimento contrário, entendo que, na hipótese, as medidas cautelares adotadas pelo juízo impetrado, atendendo requerimento da parte autora, revelam-se adequadas e pertinentes a assegurar o vínculo do paciente com a ação penal, garantindo a regular instrução processual e aplicação da lei penal.
Quanto à tese de que as medidas não teriam cabimento de forma autônoma, entendo de modo diverso.
Decerto, a norma processual não estabelece que as medidas cautelares tenham aplicação somente na hipótese de substituição da prisão cautelar.
Deveras, é comum verificar que o preso preenche os requisitos para a liberdade provisória, vindo o judiciário a concedê-la e, ainda assim, cumular com medidas cautelares.
Nesse contexto, as medidas cautelares não estariam funcionando como substituição da prisão.
Nesse sentido é o magistério de Renato Marcão:
As medidas cautelares restritivas podem ser impostas mesmo nos casos em que ausentes os requisitos da prisão preventiva. Não é preciso que se estabeleça, antes, toda a análise das regras ditadas pelos arts. 312 e 313 do CPP, para, então, só depois de identificada hipótese de decretação da prisão, determinar uma ou mais dentre as restrições.
De início cumpre ressaltar que essas medidas catalogadas nos arts. 319 e 320 não são meras alternativas ao encarceramento preventivo, podendo ser aplicadas em casos outros.
Mas não é só.
Para afastar definitivamente o argumento no sentido de que apenas se faz possível a imposição de medida cautelar restritiva quando presentes os requisitos da prisão preventiva, basta verificar que ditas medidas podem ser aplicadas no momento em que o juiz concede liberdade provisória, como decorre do disposto no art. 321 do CPP. Vale dizer: é juridicamente possível conceder liberdade provisória cumulada com medida cautelar restritiva.
Ora, é sabido que prisão preventiva e liberdade provisória são institutos que se antagonizam. Onde cabe prisão preventiva não cabe liberdade provisória, e vice-versa.
Diante dessa realidade jurídica inarredável, não há como aceitar o argumento no sentido de que só cabe a aplicação dos arts. 319 e 320 do CPP quando presentes os requisitos da prisão preventiva, já que isso implicaria dizer que na hipótese de cabimento da liberdade provisória o juiz não poderia fixar cumulativamente medida cautelar restritiva.
Esse cenário nos autoriza afirmar que as medidas listadas nos arts. 319 e 320 podem ser aplicadas em razão da prática de delito doloso ou culposo, exceto quando não for cominada, isolada, cumulativa ou alternativamente, pena privativa de liberdade, conforme decorre do art. 283, § 1º, do CPP.
(MARCÃO, Renato. Curso de processo penal. [Digite o Local da Editora]: Editora Saraiva, 2023. E-book. ISBN 9786555598872. Disponível em: https://app.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786555598872/. Acesso em: 27 fev. 2024.)
E na hipótese, as medidas fixadas em face do paciente estabelecem um vínculo com o processo, valendo destacar que ele se encontra atualmente estabelecido no exterior e tem dado evidências de que não pretende retornar ao Brasil.
Assim, as medidas tendem a garantir um mínimo de efetividade ao processo.
Diante de todo o exposto, pedindo vênia ao e. Relator, acompanho a divergência e dou provimento ao Agravo Regimental, denego a ordem de habeas corpus, bem como não adiro ao trancamento parcial da ação penal.
É o voto.
HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Nº 5032848-27.2023.4.03.0000
RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS
PACIENTE: BRUNO MONTEIRO AIUB
IMPETRANTE: JORGE URBANI SALOMAO
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IMPETRADO: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SÃO PAULO/SP - 5ª VARA FEDERAL CRIMINAL
OUTROS PARTICIPANTES:
PARTE AUTORA: FLAVIO DINO DE CASTRO E COSTA
ADVOGADO do(a) PARTE AUTORA: POLLYANA DE SANTANA SOARES - SP312413-A
ADVOGADO do(a) PARTE AUTORA: DORA MARZO DE ALBUQUERQUE CAVALCANTI CORDANI - SP131054-A
V O T O
O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS:
Trata-se de Agravo Regimental interposto por FLÁVIO DINO DE CASTRO E COSTA (ID 284549492) em face de decisão que concedeu a liminar para afastar as cautelares aplicadas e suspender a audiência designada para o dia 16.02.2024 e, de ofício, concedeu a ordem para trancar parcialmente a ação penal privada (ID 284035257).
DA LIMINAR
A referida liminar foi concedida por este Relator nos seguintes termos:
“ASPECTOS INTRODUTÓRIOS
A Queixa-Crime ajuizada pelo Exmo. Sr. Ministro de Estado da Justiça e Segurança Pública FLÁVIO DINO DE CASTRO E COSTA em face de BRUNO MONTEIRO AIUB, conhecido como “Monark”, foi motivada em razão de divulgação, na rede mundial de computadores (internet) nos dias 17.05.2023 e em 22.06.2023, de falas tidas por injuriantes e difamatórias por ele desferidas, descritas na peça inaugural da seguinte forma (ID 283197119):
“I. DOS CRIMES DE DIFAMAÇÃO E INJÚRIA
Em 17 de maio de 2023, BRUNO MONTEIRO AIUB (conhecido como ‘Monark’) realizou, no canal denominado ‘Monarky – Monark Talks’ disponível na plataforma Rumble, a transmissão de vídeo denominado ‘COMENTANDO NOTÍCIAS - Monark News #42’, ofendendo gravemente a honra do QUERELANTE, que atualmente ocupa o cargo de MINISTRO DE ESTADO DA JUSTIÇA E SEGURANÇA PÚBLICA, em razão de pronunciamento feito no exercício de sua função pública (doc. 02 – registro do vídeo do Rumble).
No vídeo, o QUERELADO assiste a trechos de uma reunião oficial ocorrida no dia 10 de abril de 2023, no Ministério da Justiça e Segurança Pública, na qual o QUERELANTE tece considerações acerca da necessidade de regulação das redes sociais para evitar grandes tragédias, como a que havia ocorrido dias antes em escola infantil em Blumenau/SC. Em seguida, o QUERELADO faz comentários sobre as falas do QUERELANTE, imputando-lhe fatos ofensivos à sua reputação, ferindo sua dignidade e o decoro, conforme se verifica da transcrição abaixo, correspondente ao trecho entre os minutos 00:28m e 00:34m do mencionado vídeo:
Monark: Olha o que esse Dino faz, velho! Olha o quão perverso (sic) é a mente de um homem, cara. O quão malicioso e maldito (sic) é a mente desse cara. O cara está pegando crimes que aconteceram, perversos, em escolas, envolvendo crianças, tá usando a morte dessas crianças para justificar tirar a liberdade da população. Como assim? Não tá vendo, Twitter? Vocês não mudam os seus termos e os seus termos que estão causando as mortes... é tipo... é porque o Twitter tem os termos errados. Se você mudar os termos, que ninguém lê, no Twitter, ninguém lê essa merda, mas se você mudar os caracteres, resolveu o problema.
Coca (participante do streaming): Sabe o que que é o pior, velho? Imagina a família das pessoas que estiveram envolvidas nesses crimes vivendo essa manobra política que está se fazendo, utilizando a vida de inocentes para justificar um ato de um ato de....
Monark: Um ato político, para justificar a retirada das liberdades da população. Isso é maracutaia política que ele está fazendo. Ele fica fazendo malabarismo lógico ali, viu? Mas é muito perverso o que ele tá fazendo, viu? Entendam isso. Esse é um cara que tem nenhum escrúpulo. Se ele precisar usar a morte de uma criança para ganhar um ponto político e ainda mais um ponto político nefasto, perverso, que visa censurar você, ele vai usar porque ele não se importa com a vida humana de nenhuma forma.
Inserção de trecho da fala de Flávio Dino: ‘Não são os senhores que interpretam a lei no Brasil [...] Esse tempo da autorregulação, da ausência de regulação, da liberdade de expressão como valor absoluto, que é uma fraude, que é uma falcatrua’.
Monark: Pausa. Esse tempo da liberdade de expressão como um valor absoluto acabou, Coca. É uma fraude. Toda a minha luta, toda a luta de vocês, tudo o que a gente acredita que a gente tem a liberdade, sim, de falar o que quer e não é esse merda que vai decidir o que eu vou falar ou não. Acabou. Ele decretou que acabou, mano. Tá vendo como eles estão indo, pesadamente, atrás dos nossos direitos, da nossa liberdade? Agora está sendo a de expressão. Qual que vai ser a próxima que eles vão tirar? A vida? A liberdade de ir e vir? Daqui a pouco eles estão proibindo você sair de casa de novo, usando uma outra doença aí como desculpa. Você quer ser escravo, mano? Porque ele quer te escravizar. Esse gordola quer te escravizar! Você vai ser escravizado por um gordola, mano! Esse cara sozinho, você põe ele ali na rua, ele não dura um segundo, não consegue nem correr cem metros, põe ele na floresta ali para ver se ele sobrevive com os leões. Sem, né... E você vai deixar esse cara que, na vida real, é um bosta, você vai deixar esse cara ser seu mestre? E você vai ser escravinho dele, é isso que você quer? É por isso que os seus pais lutaram para te dar educação, uma casa, comida, eles te criaram, eles se sacrificaram para você servir a esse filha da puta? Sei lá, mano... não é o destino que eu quero para mim. Não, realmente, não é.
Insere trecho da fala de Flávio Dino: ‘Esse tempo acabou no Brasil, acabou. Foi sepultado. Tenham clareza, clareza definitiva disso. Se os senhores não derem respostas que nós consideramos como compatíveis, ajustadas, nós vamos tomar as providências que a lei determina’.
Monark: Que a lei determina... Isso é muito bom, né, o final. Não, e é mentira porque eles... eles estão fazendo censura à revelia da lei, fora da lei. Teve censura prévia na... nas eleições, do Brasil paralelo. Eles impediram o lançamento de um documentário. Isso é inconstitucional. É inconstitucional! É crime e eles cometeram. Então, entenda que esses caras são perversos, tirânicos, e eles estão vindo atrás de você, cara, de verdade. Então, mano, e não vai ser devagar, não! Vai ser rápido e vai doer! A não ser que a gente faça alguma coisa. A primeira coisa é acordar. A primeira coisa é entender que esse jogo é perverso. E, mano, acabou o tempo, acabou o tempo de dormir. Agora se organiza, convença outras pessoas da realidade e bota pressão num sistema político através da mídia, falando, criando conteúdo através de se organizar com pessoas, fazendo militância, fazendo ativismo. Quiser... faz um monte de coisa, cara, entendeu? Se prepara, se puder comprar uma arma legalmente, comprar uma arma legalmente, estoca comida em casa, tá ligado? (Risos) Não precisa ser tão ******** (ininteligível) assim, mas tem que fazer alguma coisa, cara. Fica parado significa ser escravo ou ter que abandonar o país. Que pode ser.... provavelmente a realidade para muitos nós, cara, tá ligado? Porque quando começar a ficar ruim aqui, de verdade, meu irmão, eu vou pegar minhas malas e eu vou vazar porque eu lutei tanto e ninguém me ouviu. Não vou ficar, não vou morrer por pessoas que não... não.... que tiveram a oportunidade de se unir a mim nesse tanto tempo que eu vinha falando, mas jogaram fora e preferiram me atacar e me criticar. Eu não vou morrer por esses caras. Não vou morrer por esse povo, não. Tá maluco, velho. Na hora que os cara (sic) começar a prender, gente, eu vou vazar. Se der tempo eu vou, vazar’.
(...)
Não satisfeito e demonstrando indiferença às consequências jurídicas de seus atos, o QUERELADO veio a público mais uma vez em seu canal no Rumble, desta vez em programa denominado ‘BARBARA MARTINELLI – Monark Talks #181’, de 22 de junho de 2023, no qual novamente direcionou ofensas à honra do QUERELANTE, especificamente às 02:46m do vídeo, quando diz, referindo-se ao Ministro Flávio Dino, que ele é ‘um autoritário do caramba’, que ‘ficou puto porque eu chamei ele de gordola’ (doc. 04 – registro do vídeo do Rumble).
(...)
Nesse sentido, além da multiplicidade de crimes (injúria e difamação ocorridas em 17 de maio de 2023; injúria e difamação ocorridas em 22 de junho de 2023), o que implicaria na aplicação da regra do concurso material de crimes prevista no artigo 69 do Código Penal para as 4 (quatro) condutas criminosas perpetradas, entendem-se aplicáveis, em todos os casos, as causas de aumento de pena previstas no artigo 141, inciso II e §2º do Código Penal:
(...)
Frise-se, ademais, que as ofensas desferidas pelo QUERELADO contra o QUERELANTE atingiram proporções nacionais, contando os vídeos com mais de 120.000 (cento e vinte mil) reproduções nas plataformas Rumble e Youtube, sem contar a repercussão das agressões verbais nos veículos de imprensa, o que custou ao QUERELANTE um dano reputacional e de imagem elevado.
Além da repercussão decorrente do alcance das contas de BRUNO MONTEIRO AIUB nas referidas plataformas digitais, há de considerar que a velocidade da transmissão de conteúdo na internet não permite que se tenha o real dimensionamento do alcance do conteúdo criminoso que lesa a honra (objetiva e subjetiva) do Ministro de Estado da Justiça e Segurança Pública.
(...)”.
A Queixa-Crime foi recebida pelo juízo de origem, em decisão proferida aos 18.09.2023 (ID 283197122). A Exceção de Incompetência do juízo oposta pelo ora paciente foi rejeitada em decisum prolatado em 08.11.2023 (ID 283197131). O querelante, por meio de sua defesa, apresentou requerimento de aplicação de medidas cautelares em face do querelado, tendo o órgão ministerial manifestado favoravelmente ao requerido.
Em 30.11.2023, o r. juízo a quo proferiu a seguinte decisão (ID 283197118):
(...) Para o prosseguimento da ação, DESIGNO o dia 16 de FEVEREIRO de 2024, às 15 horas, para audiência de instrução e julgamento a ser realizada nesta vara criminal, facultando-se às partes o comparecimento por videoconferência, conforme link de acesso ao final da decisão.
No tocante ao pedido de ID. 306294885, assiste razão à parte querelante acerca da necessidade de adoção de medidas cautelares em face do querelado, diante dos indícios demonstrados de reiteração de atos ofensivos à honra do autor da ação.
Demonstra a parte querelante que o querelado BRUNO, em vídeo gravado ao vivo no dia 05/10/2023 (com link na petição e ainda ativo nesta data), após o recebimento da presente queixa, profere expressões em tese injuriosas ao querelante, idênticas ao objeto da inicial.
Observa-se também das informações apresentadas que o querelado permanece em atividade nas redes sociais (Youtube/Twitter), contrariando alegações da defesa sobre proibição deste ‘de falar publicamente na web’ apresentadas em audiência de tentativa de conciliação perante este Juízo e na resposta à acusação.
Também demonstra o querelante que a parte querelada, atualmente em solo estrangeiro (EUA) manifesta-se sobre interesse em não retornar ao distrito da culpa, em mensagens proferidas após o recebimento desta queixa.
Assim, mostra-se presente a justa causa para a adoção de medidas cautelares previstas no art. 282, c/c. 319 do Código de Processo Penal, para fins de garantia da aplicação da lei penal e para evitar a prática de infrações penais (art. 282, I, do CPP), havendo, ademais, manifestação favorável do Ministério Público.
Vale destacar que tais medidas cautelares são autônomas e previstas nos termos dos dispositivos mencionados, não exigindo a configuração de requisitos do art. 313 do CPP.
Ante o exposto, aplico ao querelado BRUNO MONTEIRO AIUB as seguintes medidas cautelares diversas da prisão, a fim de obter-se o seu compromisso perante à Justiça e evitar a adoção de outras medidas mais gravosas sobre sua pessoa, bens e direitos migratórios:
a) comparecimento mensal e telepresencial perante a Secretaria deste juízo (link de acesso ao final da decisão), às segundas-feiras, ao meio-dia do horário de Brasília (12h), iniciando-se no dia 04 de dezembro de 2023 ou na primeira segunda-feira subsequente à publicação desta decisão;
b) comparecimento às audiências designadas por este juízo;
c) fornecer a este juízo, por petição ou verbalmente, seus dados de contato e o endereço em que pode ser encontrado no exterior;
d) proibição de proferir publicamente qualquer nova ofensa de caráter pessoal contra o Querelante, seja verbalmente ou por escrito.
Intime-se o acusado por meio de sua defesa constituída para cumprimento e comparecimento nas datas acima, cuja gravação do comparecimento servirá como termo de compromisso, sob pena de revelia.
Caso não seja registrado o comparecimento do réu, certifique-se e intime-se a parte querelante e o MPF.
(...)
COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL E AUSÊNCIA DE REPRESENTAÇÃO
Os fatos retratados na Queixa-Crime guardariam relação com a atuação do Exmo. Sr. Ministro da Justiça e Segurança Pública, FLÁVIO DINO, no que se relaciona à regulação das plataformas digitais e suposta violação das liberdades individuais, sendo que as primeiras das condutas imputadas ao querelado teriam se dado em razão de análise de vídeo de uma reunião ministerial conduzida pelo querelante em 10.04.2023.
A Constituição Federal, em seu artigo 109, inciso I, preceitua que “aos juízes federais compete processar e julgar: as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho”.
Este entendimento restou consolidado na Súmula 147 do Superior Tribunal de Justiça ao estabelecer que “compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes praticados contra funcionário público federal, quando relacionados com o exercício da função”, de modo que assentada a competência do r. juízo impetrado.
Sem prejuízo, tem-se a dicção da Súmula 714 do Supremo Tribunal Federal no sentido de que “é concorrente a legitimidade do ofendido, mediante queixa, e do ministério público, condicionada à representação do ofendido, para a ação penal por crime contra a honra de servidor público em razão do exercício de suas funções”.
Ademais o tema ora tratado refere-se a fatos ocorridos no âmbito da internet, consumando-se, em tese, os delitos, no local em que teria partido as manifestações de conteúdo supostamente ofensivos ao querelante em razão do exercício do cargo por ele ocupado, atraindo a competência para o juízo federal de São Paulo (local de onde teria partido as manifestações tidas por ofensivas e endereço do paciente à época dos fatos).
Cumpre consignar como bem explicitado pelo r. juízo a quo quando da rejeição da exceção de incompetência (ID 283197131):
“Rejeito a tese declinatória apresentada, que pugna pela remessa dos autos à Justiça Comum Estadual, sob o argumento de que o sujeito passivo dos delitos contra a honra objeto da queixa seria mero agente político, não investido em cargo público, afastando a incidência da Súmula nº 147 do STJ e, por conseguinte, a competência da Justiça Federal. O querelante, ofendido em tese em razão de seu cargo e atribuições como Ministro de Estado da Justiça e Segurança Pública, pasta integrante do Poder Executivo Federal, é considerado funcionário público para fins penais nos termos do art. 327 do Código Penal, que estende o conceito de forma ampla: ‘Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública.’
Assim, correta a aplicação da Súmula nº. 147 do E. STJ, devendo ser mantida competência da Justiça Federal para o processamento e julgamento de crimes praticados contra funcionário público federal, quando relacionados com o exercício da função, conforme narrado da peça inicial.”
DAS ALEGADAS DIFAMAÇÃO E INJÚRIA
(Artigos 139 e 140, c.c. o artigo 141, inciso II e §2º, todos do Código Penal)
Os crimes contra a honra capitulados nos artigos 138 a 140, todos do Código Penal – calúnia, difamação e injúria – comungam da mesma objetividade jurídica: a dignidade do ofendido, a tutela dos direitos de sua personalidade humana e preservação da sua respeitabilidade, capaz de ser violada, entretanto, sob os diferentes aspectos ventilados nos preceitos incriminadores ora colacionados:
Calúnia
Art. 138 - Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime:
Pena - detenção, de seis meses a dois anos, e multa.
(...)
Difamação
Art. 139 - Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação:
Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.
(...)
Injúria
Art. 140 - Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:
Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.
Art. 141 - As penas cominadas neste Capítulo aumentam-se de um terço, se qualquer dos crimes é cometido:
(...)
II - contra funcionário público, em razão de suas funções, ou contra os Presidentes do Senado Federal, da Câmara dos Deputados ou do Supremo Tribunal Federal; (Redação dada pela Lei nº 14.197, de 2021) (Vigência)
(...)
§ 2º Se o crime é cometido ou divulgado em quaisquer modalidades das redes sociais da rede mundial de computadores, aplica-se em triplo a pena. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
Apesar do escopo comum, nota-se claramente que os preceitos incriminadores em questão são inconfundíveis entre si. A calúnia e a difamação agridem a estima social que o ofendido merece perante a sociedade (dita honra-objetiva), enquanto que a injúria fere a autoestima que o ofendido detém de si mesmo (dita honra-subjetiva), a consciência do valor moral que o ser-humano reconhece em si.
Respeitando-se os traços que o legislador pátrio empreendeu ao distinguir as figuras penais de tutela da honra, no que tange à caraterização da calúnia em si, entendida como a afirmação de que o ofendido teria praticado um fato criminoso, exige-se a identificação de um fato específico e objetivamente demarcado, não se admitindo que tal natureza seja estendida a alusões vagas, imprecisas ou indiretas. O tipo penal do delito de calúnia “requer a imputação falsa a outrem de fato definido como crime. Conforme precedentes, deve ser imputado fato determinado, sendo insuficiente a alegação genérica. 2.1. No caso dos autos, constou da queixa-crime que o querelado afirmou que o querelante é inimigo das cotas e que isso estimula o racismo, sem a vinculação de um fato determinado. 3. Agravo regimental desprovido.” (AGRESP - AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL - 1695289 2017.02.31360-8, JOEL ILAN PACIORNIK, STJ - QUINTA TURMA, DJE DATA:14/02/2019).
A conduta configuradora da difamação, de seu turno, deve descrever fato depreciativo determinado, hábil a ofender a honra-objetiva (por exemplo, do servidor público). A intenção em difamar, cujo elemento subjetivo é consubstanciado no animus diffamandi, pode ser extraída de uma conotação crítica desfavorável à atuação funcional do servidor público. Para haver a violação ao bem jurídico tutelado pelo tipo penal do artigo 139 do Código Penal deve se vislumbrar a tentativa de desacreditar publicamente os trabalhos da vítima para fins de macular sua reputação, notadamente porque este dispositivo penal não possui por objeto qualquer fato inconveniente ou negativo, mas sim a existência de fato ofensivo à reputação da vítima.
Neste sentido, a jurisprudência assim se posiciona: É necessário que o fato seja determinado e que esta determinação seja objetiva, pois a imputação vaga, imprecisa, mais se enquadra no crime de injúria (STF, RT 89/366, mv - 723/525; TACrSp, RT 699/331). Não se configura a difamação se as increpações são genéricas, sem que se impute fato determinado (STJ, REsp - RT 714/418), embora não se exija que o agente o descreva com suas minúcias (TACrSP, RJDTACr 20/224). Por sua vez, também a queixa deve apontar fato determinado que considere como difamador (TACrSP, Julgados 77/352). Deve haver, portanto, a descrição de fato determinado a desabonar a honra-objetiva do servidor público no exercício de suas funções.
De outro lado, quando o agente atribui defeitos morais ao ofendido, desferindo predicados depreciativos - porém vagos, elásticos ou genéricos - por mais graves que sejam, a verbalização criminosa orbita meramente o núcleo subjetivo da honorabilidade pessoal (injúria).
Para se perfectibilizar o crime de injúria (artigo 140 do Código Penal) as expressões empregadas devem ser aptas a ofender a honra-subjetiva (exprimindo desprezo e menoscabo). A qualificação negativa de algo de valor à vítima ofende a consideração desta sobre si, devendo ser aquilatadas em conjunto para se aferir se não se trata do exercício da crítica à atuação funcional a fim de se extrair a tipicidade de eventual conduta de injúria. Isso porque, se as afirmações veiculadas estiverem circunscritas tão somente à emissão de um juízo crítico desfavorável ao servidor público no tocante ao desempenho de seu ofício, tal desvalor não macularia o aludido tipo penal.
A injúria é a ofensa genérica, em que o ofensor atribui um vício, um defeito, uma anomalia de caráter ou personalidade. Entende-se a injúria como a palavra insultuosa, aviltante, o xingamento, o impropério, enfim, tudo que exprima desprezo e menoscabo. Não é necessária, portanto, a atribuição de fato, mas a menção de falta de qualidades e a existência de vícios e defeitos. Trata-se de manifestação de opinião pessoal, sem referência a fatos ou a acontecimentos no mundo exterior (Legislação Penal Especial in Manoel Pedro Pimentel, RT, 1972, p. 164).
A propósito, também vale citar:
AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA. QUEIXA-CRIME. CRIMES CONTRA HONRA SUPOSTAMENTE PRATICADOS POR DESEMBARGADOR. AFIRMAÇÕES LANÇADAS EM VOTO NO JULGAMENTO DE RECURSO JUDICIAL. DIFAMAÇÃO E INJÚRIA. AUSÊNCIA DE DOLO ESPECÍFICO. IMUNIDADE CONFERIDA AOS MEMBROS DO PODER JUDICIÁRIO QUANTO AO CONTEÚDO DE SUAS DECISÕES. ATIPICIDADE DA CONDUTA. 1. Cinge-se a controvérsia a decidir sobre o recebimento de queixa-crime apresentada contra Desembargador do TJ/MG por Advogado que considerou ofensiva à sua honra e reputação afirmações realizadas pelo querelado em voto proferido no julgamento de recurso. 2. Os crimes de difamação e injúria, atribuídos ao querelado, possuem, respectivamente, os seguintes tipos objetivos: i) imputação de fato determinado que, embora sem se revestir de caráter criminoso, é ofensivo à reputação da pessoa a quem se atribui (honra objetiva); ii) atribuição de ofensa/insulto à pessoa determinada, capaz de ferir sua dignidade ou decoro (honra subjetiva). 3. Dos fatos narrados, é possível verificar, desde logo, a inexistência de vontade específica por parte do querelado de ofender a honra ou a reputação do querelante, tendo em vista que as afirmações proferidas no julgamento de recurso, apesar de incisivas e contundentes, guardam íntima e indissociável ligação com o objeto do recurso julgado. 4. O voto proferido pelo querelado teve tão somente o condão de narrar os acontecimentos (animus narrandi), quando muito com certa dose de crítica (animus criticandi), sem que, contudo, se possa depreender qualquer intenção de difamar e/ou injuriar, inexistindo, portanto, o chamado animus diffamandi e/ou injuriandi. 5. Manifesta ausência de tipicidade na conduta do querelado, tendo em vista que suas afirmações se circunscrevem unicamente à esfera de emissão de conceito desfavorável, realizado no exercício de um dever do ofício (art. 142, III, CP). A atipicidade da conduta também decorre da imunidade prevista no art. 41 da Loman, segundo a qual os membros do Poder Judiciário não podem ser punidos pelo teor das decisões que proferirem, salvo se houver excesso ou abuso, não verificados na espécie. 6. Queixa-crime rejeitada. ..EMEN:(APN - AÇÃO PENAL - 715 2012.02.73037-5, NANCY ANDRIGHI, STJ - CORTE ESPECIAL, DJE DATA:13/10/2014 ..DTPB:.). (grifo nosso)
RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CALÚNIA, DIFAMAÇÃO E INJÚRIA. AUSÊNCIA DE ANIMUS INJURIANDI VEL DIFFAMANDI. PROVIMENTO. I. Movimento grevista dos servidores do Judiciário. Manifestações supostamente ofensivas ao juiz. II. As críticas foram dirigidas à instituição pagadora dos grevistas, naquele momento representada pelo magistrado e não à sua pessoa. Animus criticandi. III. Ausência de animus caluniandi e injuriandi vel diffamandi. Precedentes do e. STJ e e. STF. IV. Recurso ordinário provido. ..EMEN:(RHC - RECURSO ORDINARIO EM HABEAS CORPUS - 44502 2014.00.09324-9, LEOPOLDO DE ARRUDA RAPOSO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/PE), STJ - QUINTA TURMA, DJE DATA:26/11/2015 ..DTPB:.)
QUEIXA-CRIME. CRIMES CONTRA A HONRA. AUSÊNCIA DO ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO. ANIMUS NARRANDI. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. 1. Segundo a jurisprudência, não há falar em crime de calúnia, injúria ou difamação, se perceptível primus ictus oculi que a vontade do querelado ‘está desacompanhada da intenção de ofender, elemento subjetivo do tipo, vale dizer, se praticou o fato ora com animus narrandi, ora com animus criticandi’. (RHC n. 15.941/PR, Relator Ministro Hamilton Carvalhido, DJ de 1º/2/2005). 2. Há até precedente da Corte Especial, consoante o qual ‘a manifestação considerada ofensiva, feita com o propósito de informar possíveis irregularidades, sem a intenção de ofender, descaracteriza o tipo subjetivo nos crimes contra a honra’ (Apn n. 347/PA, Relator Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, DJ de 14/3/2005). 3. No caso, a estudante, ao final do licenciamento para realização de curso no exterior, buscando se desligar antecipadamente do escritório de advocacia no qual estagiava, narrou fato envolvendo seu supervisor ao sócio do escritório. Pelo que se tem dos autos, sem alarde, mostrou as mensagens constantes de seu aparelho de telefone móvel, enviadas do celular do querelante, apenas com o objetivo de justificar o fim prematuro do estágio. 4. Tais fatos estão destituídos de tipicidade penal. 5. Ordem concedida para trancar a ação penal. ..EMEN: (HC - HABEAS CORPUS - 173881 2010.00.94157-7, CELSO LIMONGI (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP), STJ - SEXTA TURMA, DJE DATA:25/05/2011 ..DTPB:.).(grifo nosso)
A fim de se caracterizar o crime de injúria, extreme de dúvidas, deve se verificar a existência de ofensa ilegítima à dignidade (respeitabilidade ou amor-próprio) ou ao decoro (correção moral ou compostura) de que a vítima faz de si mesma.
DO DIREITO À CRÍTICA AO SERVIÇO PÚBLICO:
C’est Le Ton Qui Fait La Musique
Para a perquirição do direito à crítica deve-se utilizar a pertinente expressão adotada pelos franceses c’est le ton qui fait la musique e que tem o condão de balizar a interpretação a ser dada nas hipóteses de imputação de delitos contra a honra.
Poder-se-ia, por analogia, ter incidência o quanto disposto no inciso II do artigo 142 do Código Penal (não constituem injúria ou difamação punível (...) II- a opinião desfavorável da crítica literária, artística ou científica, salvo quando inequívoca a intenção de injuriar ou difamar), nas hipóteses de emissão de manifestação em face de atuação de servidor público, desde que a manifestação dirija-se à correção de seu ofício, daí não haveria delito a ser punido, pelo que não teria incidência os crimes contra a honra.
Conforme assinalou Nelson Hungria, há vocábulos que, dispondo de dois sentidos ou de um sentido próprio e outro figurado ou popular, podem ser inocentes e podem ser ofensivos (Comentários ao Código Penal, Vol. VI, 5ª ed., Editora Forense, p. 128). Prossegue o autor, referindo que em tais casos de equivocidade, a lei permite à pessoa que se julgar ofendida pedir sejam dadas explicações em juízo, tendo aqui a incidência do art. 144 do Código Penal.
Via de regra, o conteúdo literal de manifestações veiculadas pela internet sob a pretensa justificativa de se obstar violação das liberdades individuais não evidencia, como se exige e já se afirmou precedentemente, o animus injuriandi vel diffamandi daquele que se manifesta. Além disso, deve se sopesar a potencialidade das expressões de que se cogita, não se aferindo a princípio como instrumento de menosprezo à honra do servidor público, antes, um inegável tom crítico em tais textos (c’est le ton qui fait la musique).
Nesta ordem de ideias, as lições de Francesco Carrara (in Programa de Derecho Criminal, Parte Especial, tradução de José J. Ortega Torres e Jorge Guerrero, Vol. III, Editorial TEMIS S/A, Bogotá-Colômbia, 1988, parágrafo 1751, p. 73), bem elucidam que: es esta la primera razón por la cual, en el delito de injuria, la intención maligna del ultrajante no se tiene solo como una condición de su imputabilidad o como un simple criterio mensurador de esta, sino también como un elemento que completa su fuerza física subjetiva, pues para esta no basta el solo elemento material consistente em un hecho o dicho que tenga en si idoneidad para denigrar el honor ajeno. De este modo, el animus injuriandi se considera como muy importante para constituír la esencia de hecho de este delicto, que se desarolla por completo con la comunicación de una idea (...). (grifo nosso)
Mais adiante, argumenta o clássico penalista italiano (parágrafo 1775, p. 83) que la primera forma de esta intención inocente se encuentra en el ánimo de corrigir... Uno de los más grandes benefícios de la sociedad humana es el de la censura moral que el hombre ejerce sobre otro hombre y que de modo admirable sirve para enmendar nuestrar depravadas tendencias y para impulsarnos por el camino de nuestro perfeccionamiento moral. Prohibir esta censura em la sociedad humana sería contrario a uno de los fines de la asociación, daría, motivo para que creciera el mal y obstaculizaría el perfeccionamiento del individuo, y ningún ser racional puede considerarse ofendido si outro, con buenas miras, trata de corregirle sus defectos, y aunque su amor proprio herido pueda hacerle aparecer a primera vista áspera la represión, cuando torne a reflexionar em ello debe sentir gratitud y no rencor. (grifo nosso)
Giuseppe Maggiore, analisando o elemento subjetivo no crime de injúria (Derecho Penal, tradução pelo Padre José J. Ortega Torres, Parte Especial, 1972, Vol. IV, p. 394), deixa claro que a prova do dolo é supérflua quando se tratar de expressões de sentido inequivocamente injuriosos, a saber: no es cierto que el dolo inest in re ipsa (esté en la cosa misma); solo es verdad que la prueba del dolo puede parecer superflua cuando se trata de expressiones o gestos que tengan un sentido inequívoca y absolutamente injurioso. Entretanto, é tolerável que se cometam pequenos excessos desde que não fique caracterizado, iniludivelmente, a intenção de ofender.
Como se vê o animus injuriandi torna-se essência do fato típico, não bastando, portanto, a existência do elemento material. Ora, se a motivação das manifestações buscar, simplesmente, à correção da conduta de um determinado servidor público, não se infere de plano a ilicitude do fato, mas, tão só, o desejo de se proceder a um exame crítico.
Todavia, o direito fundamental da liberdade de expressão não possui irrestrito alcance, caráter absoluto. Convive com a inviolabilidade da honra e da imagem das pessoas (art. 5º, X, da Constituição da República) e encontra limites no abuso de direito, transmudando-se em ato ilícito quando utilizado para o propósito de caluniar, difamar e ofender. Em assim ocorrendo, desaparece o direito de crítica, respaldado pela liberdade de expressão, para se adentrar no âmbito legítimo do Direito Penal repressivo.
DAS INSTITUIÇÕES E DAS LIBERDADES DE EXPRESSÃO E DE CRÍTICA
Não existe direito, sem deveres. Se por um lado a Constituição Brasileira diz em seu art. 5º, IV, que é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato, imediatamente após estatui: V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; e mais adiante prescreve: IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença, e imediatamente após: X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.
Em resumo, o legislador constitucional inseriu o direito à liberdade de expressão e à responsabilidade por suas manifestações, revelando que liberdade de expressão e respeito ao próximo são, na Constituição, gêmeos siameses.
A proteção contra a suposta ofensa não se confunde com exercício arbitrário das próprias razões e diz com o legítimo direito de resposta ou de indenização, em nome do valor democrático que se deseja tutelar: a liberdade de expressão e, com ela, a de crítica.
Referidas liberdades traduzem-se em condições à existência humana e não poderiam ser vistas como uma conquista que, a qualquer momento, pode ser perdida.
Não existe liberdade do indivíduo per se. A liberdade somente encontra sentido ao se levar em conta a existência de outra pessoa. O outro é condição necessária para a minha existência como ser livre.
Para Jean-Paul Sartre, somos, eu e o outro, duas liberdades que se afrontam e tentam mutuamente paralisar-se pelo olhar. Dois homens juntos são dois seres que se espreitam para escravizar a fim de não serem escravizados (O Ser e o nada: Ensaio de Ontologia Fenomenológica, Vozes, 24ª ed., 1997, p. 473).
Na esteira do filósofo francês, olhar o olhar do outro seria colocar-se a si mesmo em sua própria liberdade e tentar, do fundo desta liberdade, deparar-se com a liberdade do outro. Assim, o sentido do pretenso conflito seria deixar às claras a presença de duas liberdades confrontadas enquanto liberdades.
Assim, minha liberdade limita a do outro e, a do outro, a minha. O direito de criticar está ínsito no dever de respeitar.
Crítica é expressão que provém do grego “kritik”, que significa a arte de julgar ou analisar, verdadeiro procedimento de depuração do fenômeno com sua reconfiguração. Ora, criticar é concordar ou discordar de algo, apresentando argumentos pertinentes à questão, não se tratando de permissão para ofender quem quer que seja, o que levaria, sem apresentar provas, à prática de crimes contra a honra.
A crítica, no dizer de Serrano Neves (Direito de Imprensa, Editor José Bushatsky, 1977, p. 368), é a apreciação construtiva, reparadora, analítica, corregedora. Portanto, é material indispensável à cultura, nos meios civilizados. Quem teme à crítica, argumenta, desconfia de si próprio. Quando um governo é temeroso da crítica, comecemos por desconfiar dele.
A crítica, quando genuína, faz com que o indivíduo seja situado no universo das liberdades, trazendo à tona reflexões sobre a função da pessoa humana no seio social.
Não se trata, pois, de falar o que quiser, doa a quem doer, mas permitir que o diálogo se instale a partir de uma corajosa e adequada análise crítica.
Se não há um mínimo resquício de leviandade ou excesso linguístico no direito de crítica, ou mesmo no de retratar fatos que objetivamente ocorreram e foram admitidos, resta prematuro o socorro ao Judiciário para concretização de uma alegada liberdade cerceada.
A persistir a investigação pela crítica amarga de um serviço público tido por mal prestado ou que se pretenda prestar, a persecução penal passa se traduzir em transgressão mediante o desrespeito à lei, que, perigosamente, invocando pretensos direitos, pode passar a ser norma: uma situação de anarquia jurídica generalizada, em que o Direito passa ser manipulado e banalizado num mundo sem deveres e sem instituições democráticas, desrespeitos mútuos.
A proteção que deve merecer todos os brasileiros, com a diversidade que lhes é peculiar, a ponto de interferir em nosso modo de viver e ver as coisas, não pode fazer com que olhemos inadequadamente o ambiente atual, com visão só no presente, esquecendo-se do passado. A simbiose existente entre passado, presente e futuro deve exigir o respeito mútuo de tal forma que um não possa viver sem o outro, numa equação que sempre se conserva, num corpo, um todo em perfeito estado de aperfeiçoamento, apenas possível com a análise crítica.
Pessoas e suas instituições não podem agir no exercício das próprias razões diante da descrença e da quebra de confiança mútuas. A questão não é só de onde viemos, mas quem somos e porque somos, devendo causar espécie tanto uma sociedade que opte pela supressão de direitos quanto de deveres legítimos.
Nossas instituições devem responder aos fatos inerentes da vida, notadamente às críticas ao serviço público, ainda que desfavoráveis e mesmo que em tom contundente, contra quaisquer pessoas, via sistema técnico-racional, que não pode ser passional, tampouco sujeito a movimentos de inexplicável autoproteção, ainda que travestidos em defesa da integridade, autoridade e eficácia subordinante dos comandos que emergem de seus atos decisórios.
Não há, pois, nestas hipóteses, de falar-se de conduta ilícita sob pena de se ferir o direito à liberdade de expressão e de crítica, que representam fundamentos basilares de uma sociedade plural e democrática.
Simplesmente não há mentiras ou ânimo de ofender quando se observa, na essência, apenas o exercício de avaliação e inconformismo com conduta daquele que serve ao público. Pior seria impor o silêncio num ambiente antagônico e arbitrário.
Repise-se, para se perquirir o cometimento de infrações penais, tem-se que se ter presente uma vulneração autônoma da honra-subjetiva (injúria) e uma segunda vulneração também autônoma da honra-objetiva (difamação e calúnia). A ausência de elementos do tipo penal, a saber, tipicidade (ausência de atribuição falsa de fato definido como crime/calúnia; inconformismo e generalidade/difamação e censura moral/injúria); antijuridicidade (exercício regular de direito de crítica) e culpabilidade (elemento anímico), são impeditivos ao prosseguimento de investigações, sendo também o caso de afastar-se o dolo quando não se fizer presente o ânimo específico de atingir a dignidade da vítima, de ferir aspectos de sua personalidade humana.
DO CASO DOS AUTOS
“Toda dádiva e todo dom perfeito vêm lá do alto” (Tiago 1:17), daí porque não devemos abandonar os desafios que são colocados. Devemos, portanto, meditar amplamente a partir dos valores aqui em destaque e, neste Habeas Corpus, chegara o momento pelo que foi submetido à apreciação, cabendo análise de todo o espectro que esta causa impõe.
Parametrizada no campo teórico a incidência dos tipos penais contra a honra, o presente writ volta-se à regularidade da imposição imediata pela autoridade apontada como coatora de medidas cautelares diversas da prisão consubstanciadas nos artigos 282 e 319, ambos do Código de Processo Penal, tendo em vista possível reiteração em 05.10.2023.
Em audiência realizada em 01.09.2023, a tentativa de conciliação restou infrutífera diante de divergências entre as partes, tendo sido afastada naquela oportunidade qualquer hipótese de perdão expresso ou tácito pela parte querelante (cf. IDs 283197121 e 283197131).
Houve o recebimento da Queixa-Crime em 18.09.2023 (ID 283197122), com designação do dia 16.02.2024, às 15:00 horas, para audiência de instrução e julgamento a ser realizada perante o r. juízo impetrado, facultando-se às partes o comparecimento por videoconferência, conforme link de acesso ofertado.
Dentro deste contexto, tem-se a atuação do paciente, produtor de conteúdo digital (youtuber), BRUNO MONTEIRO AIUB (“Monark”), em que teria exposto seus pensamentos, contrapondo-se ao querelante, o Exmo. Sr. Ministro de Estado da Justiça e Segurança Pública, FLÁVIO DINO, mediante atuação tida por configuradora dos delitos de difamação e injúria por duas vezes cada, cujas condutas supostamente teriam ocorrido nos dias 17.05.2023 e 22.06.2023, em falas que seriam injuriantes e difamatórias veiculadas pela rede mundial de computadores.
Há que se remarcar, de início, que expressões que se revelem desabonadoras proferidas no exercício do direito de crítica, ainda que veementes, atuam como fatores de descaracterização do elemento subjetivo peculiar aos tipos penais definidores dos crimes contra a honra. As falas devem ser analisadas no contexto em que proferidas e não de forma descontextualizada das circunstâncias que as ensejaram.
Se as afirmações veiculadas estiverem circunscritas tão somente à emissão de um juízo crítico desfavorável ao servidor público no tocante ao desempenho de seu ofício ou a se desempenhar, tal desvalor não caracteriza os aludidos tipos penais, dado que a liberdade de manifestação do pensamento e de expressão é alçada à condição de preceito constitucional.
A autoridade pública, por força do cargo ocupado, está sujeita a críticas e ao escrutínio efetuado pela imprensa (tradicional ou não) e pela sociedade em geral, dada a supremacia do interesse público sobre o privado no que tange à atuação do servidor público. Estando em elevada posição, deve bem estudar e refletir, sem paixões e ideologias, a razão de se colocar freios a meios de comunicação a fim de se evitar riscos de restrições a direitos fundamentais que possam, de forma indireta, cerceá-los ou intimidá-los. Ela deve iluminar o debate para que as conclusões se harmonizem e orientem o aperfeiçoamento social. A avaliação neutra é o que se espera para determinar o valor exato de algo.
Como assentado na Queixa-Crime do Ministro citado, o querelado “poderia ter expressado seu entendimento sobre a conjecturada ‘violação das liberdades individuais’ dos cidadãos brasileiros por conta da regulação das plataformas digitais pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública sem agredir verbalmente” (ID 283197119), demonstrando ciência quanto à principal intenção do querelado (a de criticar).
Isto não se controverte nos autos. Contestações contra a considerada tentativa de supressão ou redução de garantias fundamentais são inerentes a uma sociedade democrática. O querelado insurge-se contra a fala do querelante que, em 10.04.2023, categórica e reiteradamente, afirmou que as plataformas digitais terão de mudar suas políticas senão serão investigadas e seus representantes se tornarão réus por não “colaborarem” ao darem as respostas que considera compatíveis. Assevera que se não mudarem, seriam obrigados a fazê-lo, e rapidamente, como ocorrera no processo eleitoral de 2022 no Brasil.
Com a contundência da afirmação, tratando de bens-jurídicos de especial cuidado constitucional (direito aos que desejam expor suas opiniões livremente, sem punição, além da imagem), não se poderia, s.m.j., deixar de compreender eventual questionamento pela forma como a mensagem foi externada, apesar das alegadas boas motivações do Ministro: evitar outras tragédias em escolas e o pânico gerado nas famílias de todo Brasil.
Isso vale para todas as pessoas, que, com ótimas intenções, muitas vezes pecam pela forma. Um homem irado provoca conflitos, e quem se irrita causa confusões.
Se o discurso tido por “de ódio” deve ser reprimido, assim deve ser o reagir por ódio. Daí porque é mais do que necessário refrear concretamente os ânimos neste momento ímpar de nossa sociedade para além de discursos vãos de parte a parte. Se se continuar a fazer o que está sendo feito, obter-se-ão os mesmos resultados. Se se deseja alcançar outros, mude-se a forma reafirmando-se a consideração ao próximo, mas não sua exclusão.
A defesa do controle de mídias sociais pode levar ao entendimento de se desejar controlar qualquer forma de manifestação (inclusive da imprensa tradicional, impressa ou não), porque o que está em jogo é a liberdade de se expressar.
As autoridades públicas têm o dever de se esvaziarem voluntariamente de seus poderes e prerrogativas quando se debate temas caros da sociedade. Devem se colocar na posição de servos e não utilizar a sua condição para desconsiderar o próximo. Liderar com autoridade, implica nas qualidades de honestidade, tratamento com respeito, ser bom-ouvinte, ter atitude positiva, cuidado e compromisso de bem servir. Somente aí as pessoas farão de boa vontade o que se propõe.
Somos nossos maiores bajuladores. Que fraquezas dominamos hoje? A que paixões nos opusemos? Que virtudes adquirimos?
Impõe-se a todos uma autoanálise do que temos dito e feito. Conhecer melhor os princípios que regem nossas condutas e as regras do viver democrático calculando ganhos e perdas das pressões sobre direitos fundamentais em conflito para o esperado progresso social. Mais nosso do que meu, mais o todo do que o eu.
Quando alguém pensa que pode (dissuadir), pode. Tenta e consegue. Se pensa que não pode, sequer tenta. Nossas ações são fruto de riscos calculados. Somente arrisca quem pode, sendo fracassado aquele que nunca se arrisca. Nesta equação, contrapõem-se caros preceitos constitucionais tão arduamente defendidos aqui, historicamente conquistados. Não se pode exigir o silêncio, senão não há o debate.
A jurisprudência dos Colendos Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça referendam o valor liberdade de expressão, sendo certo que o Pretório Excelso tem atribuído prevalência ao exercício dele (ADPF 130/DF), quando em cotejo com outros direitos fundamentais, conforme é possível entrever do seguinte julgado:
“Direito Constitucional. Agravo regimental em reclamação. Liberdade de expressão. Decisão judicial que determinou a retirada de matéria jornalística de sítio eletrônico. Afronta ao julgado na ADPF 130. Procedência.
1. O Supremo Tribunal Federal tem sido mais flexível na admissão de reclamação em matéria de liberdade de expressão, em razão da persistente vulneração desse direito na cultura brasileira, inclusive por via judicial.
2. No julgamento da ADPF 130, o STF proibiu enfaticamente a censura de publicações jornalísticas, bem como tornou excepcional qualquer tipo de intervenção estatal na divulgação de notícias e de opiniões.
3. A liberdade de expressão desfruta de uma posição preferencial no Estado democrático brasileiro, por ser uma pré-condição para o exercício esclarecido dos demais direitos e liberdades.
4. Eventual uso abusivo da liberdade de expressão deve ser reparado, preferencialmente, por meio de retificação, direito de resposta ou indenização. Ao determinar a retirada de matéria jornalística de sítio eletrônico de meio de comunicação, a decisão reclamada violou essa orientação.
5. Reclamação julgada procedente. (Rcl 22328, Relator (a): Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 06/03/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-090 DIVULG 09-05-2018 PUBLIC 10-05-2018).” (STF - Rcl: 22328 RJ - RIO DE JANEIRO 0007915-89.2015.1.00.0000, Relator: Min. ROBERTO BARROSO, Data de Julgamento: 06/03/2018, Primeira Turma, Data de Publicação: DJe-090 10-05-2018)
O Superior Tribunal de Justiça também possui idêntico entendimento no que tange ao direito de crítica:
“HABEAS CORPUS. QUEIXA-CRIME. CRIMES CONTRA A HONRA. AUTORIDADE PÚBLICA. JORNALISTA. LIBERDADE DE IMPRENSA. AUSÊNCIA DE ANIMUS INJURIANDI.
I. Queixa crime apresentada por autoridade pública (Procurador-Geral da República) contra jornalista, após publicação, em revista nacional, de reportagem crítica à atuação no cargo por ele ocupado. Imputação dos crimes de calúnia, difamação e injúria. Críticas dirigidas exclusivamente à atuação profissional do queixoso que, apesar de grosseiras e deselegantes, não extrapolam os limites da liberdade de imprensa. A autoridade pública, em razão do cargo exercido, está sujeito a críticas e ao controle não só da imprensa como também da sociedade em geral. Supremacia, aqui, do interesse público sobre o interesse privado, no que se refere a notícias e críticas pertinentes à atuação profissional do servidor público. 'A Democracia não existirá e a livre participação política não florescerá onde a liberdade de expressão for ceifada, pois esta constitui condição essencial ao pluralismo de ideias, que por sua vez é um valor estruturante para o salutar funcionamento do sistema democrático. A livre discussão, a ampla participação política e o princípio democrático estão interligados com a liberdade de expressão, tendo por objeto não somente a proteção de pensamentos e ideias, mas também opiniões, crenças, realização de juízo de valor e críticas a agentes públicos, no sentido de garantir a real participação dos cidadãos na vida coletiva.' (ADI 4451, Rel. Min. Alexandre de Moraes) 'PROPORCIONALIDADE ENTRE LIBERDADE DE IMPRENSA E RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. Sem embargo, a excessividade indenizatória é, em si mesma, poderoso fator de inibição da liberdade de imprensa, em violação ao princípio constitucional da proporcionalidade. A relação de proporcionalidade entre o dano moral ou material sofrido por alguém e a indenização que lhe caiba receber (quanto maior o dano maior a indenização) opera é no âmbito interno da potencialidade da ofensa e da concreta situação do ofendido. Nada tendo a ver com essa equação a circunstância em si da veiculação do agravo por órgão de imprensa, porque, senão, a liberdade de informação jornalística deixaria de ser um elemento de expansão e de robustez da liberdade de pensamento e de expressão lato sensu para se tornar um fator de contração e de esqualidez dessa liberdade. Em se tratando de agente público, ainda que injustamente ofendido em sua honra e imagem, subjaz à indenização uma imperiosa cláusula de modicidade. Isto porque todo agente público está sob permanente vigília da cidadania. E quando o agente estatal não prima por todas as aparências de legalidade e legitimidade no seu atuar oficial, atrai contra si mais fortes suspeitas de um comportamento antijurídico francamente sindicável pelos cidadãos.' (ADPF 130, Min. Ayres Brito) Ausência de demonstração por meio de elementos concretos da intenção do paciente de acusar levianamente o queixoso do crime de prevaricação. Manifestações por parte da imprensa de natureza crítica, satírica, agressiva, grosseira ou deselegante não autorizam, por si sós, o uso do direito penal para, mesmo que de forma indireta, silenciar a atividade jornalística. Não estando presente o animus injuriandi é caso de se prover o agravo regimental para se conceder a ordem e trancar a ação penal.” (AgRg no HC n. 691.897/DF, relator Ministro Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), relator para acórdão Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 17/5/2022, DJe de 26/5/2022).
Vive-se no Brasil um embate na sociedade civil em que lado a lado expõe um antagonismo de ideias e de valores (nazismo/comunismo ou comunismo/fascismo, conservadores/progressistas, justiceiros/inocentes, liberdades/contenção) espraiando-se este antagonismo para as mais variadas esferas de poder (Judiciário, Executivo e Legislativo), sendo que tais manifestações são de certa forma socialmente toleradas no contexto de preservação da ordem democrática e da liberdade de opinião decorrente desta, em nome da proteção efetiva de direitos fundamentais.
Todavia, dentro do marco constitucional vigente, a despeito de a livre manifestação de expressão dever ser resguardada ante uma interpretação elástica, não se pode confundir referida atuação com subterfúgio para cometer impropérios ou atacar a incolumidade moral de outrem, de forma que casuisticamente, e não de forma apriorística, deve-se discernir situações particulares em que possam ser transpostas as fronteiras da urbanidade e do legítimo direito à crítica para simplesmente ultrajar ou insultar.
A Queixa-Crime objeto dos autos subjacentes elenca quatro condutas (duas configuradoras, em tese, do crime de difamação e duas configuradoras, em tese, do crime de injúria) que teriam sido veiculadas em vídeos produzidos em 17.05.2023 (primeira entrevista) e em 22.06.2023 (segunda entrevista) nos quais o querelado, ora paciente, teria proferido ofensas à reputação do querelante.
A inicial considerou na primeira entrevista terem sido atribuídas ao querelado o crime de difamação contra o Ministro de Estado da Justiça e Segurança Pública dada a imputação de fato ofensivo à sua reputação no exercício da função pelas seguintes falas a ele atribuídas: “tá usando a morte dessas crianças para justificar tirar a liberdade da população”, adota “ato político para justificar a retirada das liberdades da população”, “maracutaia política” e que está “fazendo censura à revelia da lei, fora da lei” (ID 283197119).
No que tange à segunda entrevista (22.06.2023), o querelante elencou na inicial falas que teriam sido empregadas pelo querelado em difamação e injúria, a saber: é “um autoritário do caramba”, que “ficou puto porque eu chamei ele de gordola” (ID283197119).
Não se vislumbra, todavia, a alegada difamação pelo contexto, porque resta evidente a interpretação livre do querelado dentro da crítica que considera legítima. Não ofensa a honra-objetiva, mas uma contundente oposição à defesa do que entende contenção da liberdade de expressão. Nem mesmo quando o querelado recomenda a todos a se prepararem do que possa vir, mediante a aquisição de armas de fogo, porque o faz ressaltando o uso permitido da lei (“se puder comprar uma arma legalmente”), seguido de risos...Usou de reforço para sua indignação.
Para o querelante, tais falas seriam uma alusão a possíveis crimes de injúria (“gordola”) e difamação (“ao ficar puto” e “ser autoritário”) pelo emprego de palavras de baixo calão e pejorativas.
Contudo, as expressões citadas estariam no sentido apenas de reforço às críticas quanto a atuação da autoridade pública que estaria indo, alegadamente, contra liberdades consagradas, não havendo, pois, difamação.
Então, seria caso de se analisar as expressões tidas por injuriosas como “gordola”, “puto” e “autoritário”, “filha da puta”, “um merda”, “tirânico”, “malicioso”, “perverso”, “maldito”, “malandro” e “uma fraude” (primeira entrevista), e “gordola” (segunda entrevista).
Na entrevista de 05.10.2023 (que fundamenta a decisão pela imposição de medidas cautelares), observa-se que a intenção do querelado foi mesmo a de “expor todas suas ideias, como sempre fez”, com críticas veementes à possibilidade de se “acabar” com a liberdade expressão ou sua redução pela regulação das plataformas digitais. Revela ter realizado tolices na defesa de seu pretenso direito de criticar ao esclarecer os vídeos que motivaram a Queixa-Crime.
Por outro lado, parte das expressões injuriosas, como “autoritário”, “tirânico”, “malicioso”, “perverso”, “fraude” e “maldito”, apesar da rudez, inserem-se exatamente no contexto de objeção contundente e se traduzem em conclusões do que afirmara criticamente. Um mal-educado desabafo.
Aliás, a mesma expressão (“fraude”) foi utilizada categoricamente pelo querelante na reunião com os representantes das plataformas digitais em 10.04.2023, referindo-se ao comportamento destas (parte transcrita na Queixa-Crime).
Porém, no que tange às expressões “gordola”, “filha da puta”, “malandro” e “um merda”, estariam, supostamente, albergadas no crime de injúria porquanto utilizou levianamente de desrespeito à autoridade atingindo sua honra-subjetiva, totalmente descontextualizada. Foram usadas, pois, expressões, absolutamente desnecessárias e aviltantes.
No vídeo do dia 05.10.2023, o querelado ainda aduz que o emprego da expressão “gordola” poderia ser considerado termo carinhoso. Se esta afirmação for interpretada como sendo retratação, deve ser considerada cabal porquanto realizada pelo mesmo meio possível ao querelado (via rede mundial de computadores) e que, por isso, independente de aceitação do ofendido.
A vetusta lei de imprensa (Lei n.º 5.250, de 09.02.1967) contemplava hipótese de retratação da injúria, jamais considerada inconstitucional pelo Colendo Supremo Tribunal Federal (artigo 22, c.c. artigo 26, § 1º). Ao contrário, este, após intenso debate, apenas admitiu a inconstitucionalidade da referida lei pelo seu viés punitivo, já que, para parte dos Ministros, a legislação foi criada no sentido de cercear a liberdade de expressão (Min. Relator Ayres Britto, em 30.04.2009, Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n.º 130/DF).
A propósito, veja-se o julgado, devidamente grafado:
“6. A plena liberdade de imprensa é um patrimônio imaterial que corresponde ao mais eloquente atestado de evolução político-cultural de todo um povo. Pelo seu reconhecido condão de vitalizar por muitos modos a Constituição, tirando-a mais vezes do papel, a Imprensa passa a manter com a democracia a mais entranhada relação de mútua dependência ou retroalimentação. Assim visualizada como verdadeira irmã siamesa da democracia, a imprensa passa a desfrutar de uma liberdade de atuação ainda maior que a liberdade de pensamento, de informação e de expressão dos ADPF 130 / DF indivíduos em si mesmos considerados...
7. RELAÇÃO DE INERÊNCIA ENTRE PENSAMENTO CRÍTICO E IMPRENSA LIVRE. A IMPRENSA COMO INSTÂNCIA NATURAL DE FORMAÇÃO DA OPINIÃO PÚBLICA E COMO ALTERNATIVA À VERSÃO OFICIAL DOS FATOS. O pensamento crítico é parte integrante da informação plena e fidedigna. O possível conteúdo socialmente útil da obra compensa eventuais excessos de estilo e da própria verve do autor. O exercício concreto da liberdade de imprensa assegura ao jornalista o direito de expender críticas a qualquer pessoa, ainda que em tom áspero ou contundente, especialmente contra as autoridades e os agentes do Estado. A crítica jornalística, pela sua relação de inerência com o interesse público, não é aprioristicamente suscetível de censura, mesmo que legislativa ou judicialmente intentada. O próprio das atividades de imprensa é operar como formadora de opinião pública, espaço natural do pensamento crítico e "real alternativa à versão oficial dos fatos" (Deputado Federal Miro Teixeira).
8. NÚCLEO DURO DA LIBERDADE DE IMPRENSA E A INTERDIÇÃO PARCIAL DE LEGISLAR. A uma atividade que já era "livre" (incisos IV e IX do art. 5º), a Constituição Federal acrescentou o qualificativo de "plena" (§ lº do art. 220). Liberdade plena que, repelente de qualquer censura prévia, diz respeito à essência mesma do jornalismo (o chamado "núcleo duro" da atividade). Assim entendidas as coordenadas de tempo e de conteúdo da manifestação do pensamento, da informação e da criação lato sensu, sem o que não se tem o desembaraçado trânsito das ideias e opiniões, tanto quanto da informação e da criação. Interdição à lei quanto às matérias nuclearmente de imprensa, retratadas no tempo de início e de duração do concreto exercício da liberdade, assim como de sua extensão ou tamanho do seu conteúdo. Tirante, unicamente, as restrições que a Lei Fundamental de 1988 prevê para o "estado de sítio" (art. 139), o Poder Público somente pode dispor sobre matérias lateral ou reflexamente de imprensa, respeitada sempre a ideia-força de que quem quer que seja tem o direito de dizer o que quer que seja. Logo, não cabe ao Estado, por qualquer dos seus órgãos, definir previamente o que pode ou o que não pode ser dito por indivíduos e jornalistas. As matérias reflexamente de imprensa, suscetíveis, portanto, de conformação legislativa, são as indicadas pela própria Constituição, tais como: direitos de resposta e de indenização, proporcionais ao agravo; proteção do sigilo da fonte ("quando necessário ao exercício profissional"); responsabilidade penal por calúnia, injúria e difamação; diversões e espetáculos públicos; estabelecimento dos "meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no art. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente" (inciso II do § 3º do art. 220 da CF); independência e proteção remuneratória dos profissionais de imprensa como elementos de sua própria qualificação técnica (inciso XIII do art. 5º); participação do capital estrangeiro nas empresas de comunicação social (§ 4º do art. 222 da CF); composição e funcionamento do Conselho de Comunicação Social (art. 224 da Constituição). Regulações estatais que, sobretudo incidindo no plano das consequências ou responsabilizações, repercutem sobre as causas de ofensas pessoais para inibir o cometimento dos abusos de imprensa. Peculiar fórmula constitucional de proteção de interesses privados em face de eventuais descomedimentos da imprensa (justa preocupação do Ministro Gilmar Mendes), mas sem prejuízo da ordem de precedência a esta conferida, segundo a lógica elementar de que não é pelo temor do abuso que se vai coibir o uso. Ou, nas palavras do Ministro Celso de Mello, "a censura governamental, emanada de qualquer um dos três Poderes, é a expressão odiosa da face autoritária do poder público".
A permissividade da retratação da injúria prevista na Lei de Imprensa, na época em que vigorou (por 42 anos), quando realizada de mesma forma, levou doutrinadores também a admiti-la para o mesmo crime previsto no Código Penal até porque o meio escolhido (imprensa) seria mais danoso.
Por outro lado, deve-se reinterpretar esse instituto (retratação) que considera que a retratação somente caberia aos crimes contra a honra que ofendam a honra-objetiva (difamação e calúnia) e não a honra-subjetiva (injúria), prevista no artigo 143 do Código Penal, porquanto ao se ferir a honra-objetiva, fere-se antes a subjetiva já que o Código Penal faz depender do ofendido a ação penal, mediante queixa, representação ou requisição. Ora, somente age, quem se considera agredido moralmente.
Doutra parte, a proporcionalidade como preceito, esperada na aplicação da lei penal e processual penal, deve atentar ao conjunto normativo brasileiro.
Acaso fosse a hipótese de manutenção de quatro condutas tipificadoras dos crimes imputados (artigos 139 e 140, ambos do Código Penal), considerando as qualificadoras (artigos 141, inciso II, e seu § 2º do mesmo diploma legal), chegar-se-ia a uma pena máxima de 08 anos de detenção para o crime de difamação e de 04 anos para o crime de injúria, totalizando em concurso material 12 anos de detenção. Se as penas fossem as mínimas a serem aplicadas, ter-se-ia 02 anos de detenção para o crime de difamação e de 08 meses para o de injúria, perfazendo, em concurso material o total de 02 anos e 08 meses de detenção.
A desproporção das reprimendas consideradas na Queixa-Crime em face dos fatos praticados, quando confrontada a delitos equiparados a hediondos, por exemplo, resta evidente. Nesse diapasão, para o crime de tráfico privilegiado de cocaína (art. 33 e §4º, da Lei nº 11.343, de 23.08.2006) a pena mínima perfaz o montante de 04 anos, 10 meses e 10 dias de reclusão e, ao tráfico comum de cocaína, perfaz o patamar de 12 anos de reclusão. No caso de homicídio simples, a pena varia de 06 a 20 anos.
Essas desproporções estão levando pessoas a cumprirem punições elevadas ou a prisões preventivas por crimes de opinião cujas penas normalmente preveem seu cumprimento em regime ABERTO ou no máximo SEMIABERTO, dado o punitivismo, tão censurado nos casos de crimes graves, como corrupção e lavagem de dinheiro.
Muitos tentam se refugiar para fora do país por esse motivo. Usam de tal expediente, de uma armadura em razão da luta desigual, do uso desproporcional do direito, de um irracional estado de coisas. Peças não mencionadas são essenciais na armadura (cintas para prender vestes de baixo, a couraça, ou seja, a camisa de couro para proteção do tronco, cravos nas solas das sandálias para não escorregar quando em batalha), como deve ser o equilíbrio e as ponderações do sistema punitivo. Esta análise mostra-se tão importante quanto o próprio direito positivo.
Contendas verbais melhor seriam resolvidas no campo do direito civil pura e simplesmente (reparação ou direito de resposta).
Não caberia ao Judiciário abraçar outro papel quando em curso está um debate acalorado e o uso de penas desproporcionais. O direito aplicável deve ser suficiente para a contenção das ações e reações a vis sentimentos. Daí porque é mais do que necessário refrear concretamente os ânimos neste momento ímpar de nossa sociedade.
Por tais fundamentos CONCEDO A LIMINAR para afastar as cautelares aplicadas e suspender a audiência designada para o dia 16.02.2024 e, DE OFÍCIO, CONCEDO A ORDEM para trancar a ação penal pelos crimes de difamação imputados e o de injúria quanto às expressões “autoritário”, “tirânico”, “malicioso”, “perverso”, “fraude” e “maldito”, prolatadas em único contexto, com fundamento no artigo 142, inciso II, do Código Penal, remanescendo, porém, este delito quanto às expressões “filha da puta”, “malandro” e “um merda”.
Deve a autoridade tida por coatora verificar a possibilidade de retratação da expressão “gordola” (em 05.10.2023) e, aí, restaria um único delito de injúria (pelas expressões “filha da puta”, “malandro” e “um merda” prolatadas em 17.05.2023), o que afastaria o recebimento da Queixa-Crime tendo em vista tratar-se de crime de menor potencial ofensivo (art. 61 da Lei nº 9.099, de 26.09.1995).
O conteúdo dos autos da Queixa-Crime n.º 5005932-37.2023.4.03.6181 deve nesta hipótese ser tratado como tal pela autoridade coatora, caso não haja retratação de idêntica forma de todas as demais expressões, o que, em ocorrendo, acarretaria a extinção total de punibilidade e o arquivamento do processo criminal.
Entretanto, se se entender pela não possibilidade de retratação nos crimes de injúria por considerá-la inviável, deve ser apreciada a possibilidade da suspensão condicional do processo, dada a somatória das penas mínimas (pelos dois crimes de injúria) não ultrapassar 1 ano, mas 8 meses (art. 89 de mesmo diploma legal).
Comunique-se o teor da presente decisão ao r. juízo impetrado.
Sem prejuízo, encaminhe-se os autos à douta Procuradoria Regional da República. Após tornem conclusos.
Intime-se as partes.”
DA ALEGAÇÃO MINISTERIAL DE PROLAÇÃO DE DECISÃO LIMINAR EM SEDE DE PLANTÃO JUDICIÁRIO
Inicialmente, cumpre pontuar, ao contrário do disposto pelo órgão ministerial (ID 284056054), a presente impetração não se deu durante o plantão judiciário. Os autos foram distribuídos a este Relator, juízo natural da causa, em 01.12.2023, tendo sido solicitada as informações ao juízo a quo aos 04.12.2023. Com a juntada das informações prestadas pela autoridade impetrada os autos vieram conclusos em 19.12.2023, ou seja, antes do plantão judicial.
Vale ressaltar que a urgência para apreciação da liminar decorreu da análise concreta do caso, notadamente em razão da imposição das medidas cautelares diversas da prisão estabelecidas ao paciente, bem ainda em virtude de audiência marcada para o dia 16.02.2024, além do fato de o plantão de recesso perdurar por 19 (dezenove) dias (20.12.2023 a 06.01.2024), não tendo sentido aguardar-se o término deste em sendo o Relator o juízo natural.
DO CONHECIMENTO DO AGRAVO REGIMENTAL
Instada a manifestar-se acerca da interposição do Agravo Regimental (ID 284603516), a defesa do paciente manifestou-se no sentido de o Agravo Regimental não ser conhecido na medida em que se estaria desvirtuando a finalidade jurídico-constitucional do Habeas Corpus.
Considerando que a ação penal privada subjacente fora ajuizada pelo ora agravante em desfavor do paciente, há que se reconhecer sua legitimidade para interpor o presente agravo regimental.
Nesse sentido, colaciono o seguinte julgado:
“AGRAVO REGIMENTAL. HABEAS CORPUS. NÃO CONHECIMENTO. CONCESSÃO DA ORDEM DE OFÍCIO. RECURSO INTERPOSTO PELO QUERELANTE. LEGITIMIDADE DA INTERVENÇÃO DE TERCEIROS QUANDO SE TRATA DE AÇÃO PENAL PRIVADA. 1. Este Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal reiteradamente vêm decidindo que, salvo nos casos de ação penal privada, é vedada a intervenção de terceiros no habeas corpus, por se tratar de ação constitucional que se reserva às hipóteses em que alguém é vítima de constrangimento ilegal ou de abuso de autoridade, assim como nas que se acha na iminência de sofrê-lo quanto à liberdade de ir e vir. Precedentes. 2. Tratando-se de ação penal privada ajuizada pelo ora agravante em desfavor do paciente, cumpre reconhecer a sua legitimidade para interpor o presente agravo regimental. CRIMES CONTRA A HONRA. CALÚNIA, INJÚRIA E DIFAMAÇÃO. OFENSAS PROFERIDAS POR DEPUTADO ESTADUAL DA TRIBUNAL DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA E RELACIONADAS A INVESTIGAÇÃO QUE REALIZAVA NO ÂMBITO DA SECRETARIA DE SEGURANÇA PÚBLICA DO ESTADO. ATUAÇÃO QUE GUARDA RELAÇÃO COM O MANDATO ELETIVO. INCIDÊNCIA DA IMUNIDADE PREVISTA NO ARTIGO 53 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. COAÇÃO ILEGAL CARACTERIZADA. DESPROVIMENTO DO RECLAMO. 1. De acordo com o artigo 53 da Constituição Federal, os parlamentares não respondem civil e penalmente pelas opiniões, palavras e votos proferidos no exercício do mandato. 2. A imunidade material dos parlamentares não é absoluta, não estando por ela acobertadas as palavras proferidas fora do exercício do mandato, ou que não guardam estreita relação com a atividade político-legislativa do seu detentor. Doutrina. Precedentes. 3. Na espécie, consta da queixa-crime que as ofensas nela narradas foram proferidas pelo paciente, Deputado Estadual, da tribuna do Plenário da Assembleia Legislativa da Bahia, e se relacionam a fatos por ele investigados no âmbito da Secretaria de Segurança do Estado da Bahia, ou seja, guardam relação direta com o exercício do seu mandato, o que enseja o reconhecimento da atipicidade de sua conduta. Precedentes do STJ e do STF. 4. Agravo regimental desprovido.”
(STJ - AgRg no HC: 565119 BA 2020/0056835-0, Relator: Ministro JORGE MUSSI, Data de Julgamento: 04/08/2020, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 25/08/2020)
Como se vê, deve ser conhecido o Agravo Regimental porquanto em se tratando de ação penal privada plenamente viável a intervenção de terceiros no âmbito do Habeas Corpus.
DA ALEGADA SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA
Feitas tais considerações, tem-se que não merece prosperar a tese do agravante no sentido de que teria havido supressão de instância (ID 284549492), na medida em que a evidente presença de flagrante ilegalidade, hipótese dos autos (como adiante se verificará), autoriza a concessão do habeas corpus de ofício, restando suplantado o argumento atinente à supressão de instância, como reiteradamente tem decidido as Cortes Superiores. Nesse sentido, colaciono o seguinte julgado:
“EMENTA HABEAS CORPUS. IMPETRAÇÃO CONTRA DECISÃO MONOCRÁTICA DE MINISTRO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. ENUNCIADO N. 691 DA SÚMULA DO SUPREMO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. EXCEPCIONALIDADE NA VIA DO HABEAS CORPUS. HIPÓTESE EXISTENTE NO CASO. PERSECUÇÃO PENAL TEMERÁRIA. INOBSERVÂNCIA DOS REQUISITOS DO ART. 41 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. OFENSA AO DEVIDO PROCESSO LEGAL. DENÚNCIA GENÉRICA. INÉPCIA DA PEÇA ACUSATÓRIA. INEXISTÊNCIA DE INDÍCIOS DE AUTORIA. FALTA DO ELEMENTO DA JUSTA CAUSA PARA A REGULAR TRAMITAÇÃO DA AÇÃO PENAL. INVIABILIDADE DA RESPONSABILIDADE PENAL OBJETIVA. PLEITO DE ACESSO AOS AUTOS NÃO APRECIADO NA ORIGEM. AFRONTA AO ENUNCIADO VINCULANTE N. 14 DA SÚMULA. DESRESPEITO À GARANTIA DA AMPLA DEFESA E INOBSERVÂNCIA DE PRERROGATIVA DO ADVOGADO. ILEGALIDADE EVIDENTE.
1. Embora não se admita habeas corpus impetrado contra decisão monocrática de ministro de Tribunal Superior, por caracterizar supressão de instância, é possível a concessão da ordem de ofício, desde que caracterizada situação de flagrante ilegalidade, o que se verificou no caso em exame. Precedentes. 2. O habeas corpus é via adequada ao trancamento da ação penal apenas em casos excepcionais, de evidente atipicidade da conduta, extinção da punibilidade ou ausência de justa causa. Foi demonstrada tal hipótese a partir da instauração de persecução penal temerária. 3. Peça acusatória genérica que não observou todas as exigências formais do art. 41 do Código de Processo Penal, uma vez não evidenciados os elementos essenciais da figura típica do delito imputado ao paciente (homicídio qualificado), o que, ao permitir o entendimento sobre os fatos atribuídos na denúncia, possibilitaria o pleno exercício do direito de defesa. A denúncia é inepta notadamente pela ausência de efetiva demonstração da participação do paciente na conduta alegadamente criminosa. 4. A falta de indícios de autoria evidencia ausência de justa causa, condição imprescindível para o recebimento da denúncia, o que revela excepcionalidade apta a justificar o trancamento da ação penal ( CPP, art. 395, III). 5. Não se admite como justa causa para a instauração da ação penal contra o paciente o simples fato de ser ele “patrono de Escola de Samba”, empregador ou ex-empregador de um ou alguns dos demais acusados, sem que estejam minimamente identificados o nexo de causalidade entre a conduta a ele imputada e o dano causado e, ainda, o liame subjetivo entre o autor e o fato supostamente criminoso, sob pena de indevida aplicação da responsabilidade penal objetiva. 6. A ausência de apreciação, pela autoridade policial responsável, de pedido, formulado pela defesa, de acesso ao procedimento investigatório sinaliza evidente desrespeito às garantias constitucionais fundamentais que permeiam o devido processo legal na esfera da persecução penal, quais sejam, a ampla defesa e o contraditório ( CF, art. 5º, LV), bem assim inobservância do enunciado vinculante n. 14 da Súmula. 7. A presença de ilegalidade evidente autoriza a superação do consagrado entendimento jurisprudencial no que toca ao óbice da supressão de instância. 8. Habeas corpus não conhecido, mas ordem concedida de ofício ( CPP, art. 654, § 2º).”
(STF - HC: 205000 RJ 0058761-03.2021.1.00.0000, Relator: NUNES MARQUES, Data de Julgamento: 22/02/2022, Segunda Turma, Data de Publicação: 28/04/2022) (grifei)
DO DIREITO DE CRÍTICA E DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO
Por outro lado, insta pontuar, em reforço ao já exposto quando da apreciação da liminar, que a autoridade pública, por conta do cargo que ocupa, está sujeita a críticas e ao escrutínio da imprensa e da sociedade em geral, notadamente porque o interesse público prevalece sobre o privado no que diz respeito à atuação do servidor público quando do exercício de suas funções.
Nessa toada, o querelante, ostentando a condição de Ministro de Estado, sujeita-se inevitavelmente ao ônus decorrente de uma figura pública, de modo que suas atividades funcionais passam a ser objeto de controle e do pensamento crítico da sociedade.
Há que se ter sempre em mente que o valor liberdade de expressão deve ter prevalência quando em cotejo com outros direitos igualmente tidos como fundamentais, desde que obviamente não extrapole ao limite do razoável.
O Superior Tribunal de Justiça, bem discorrendo sobre a questão, já se pronunciou no sentido de que:
“DIREITO PENAL. CRIME CONTRA A HONRA DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA. INJÚRIA. LIBERDADE DE EXPRESSÃO. POSIÇÃO PREFERENCIAL. DIREITO DAS MINORIAS. LIMITE. ATUAÇÃO ESTATAL. RESTRIÇÃO. ADPF 130. CASO CONCRETO. HOMEM PÚBLICO. CRÍTICAS MAIS CONTUNDENTES. MITIGAÇÃO DO DIREITO À HONRA. JURISPRUDÊNCIA DO STF. ADI 4451. DEBATE PÚBLICO. ANIMUS INJURIANDI. INEXISTÊNCIA. CRÍTICA POLÍTICA. DIREITO PENAL. ULTIMA RATIO. ORDEM CONCEDIDA.
1. O Supremo Tribunal Federal tem reiteradas decisões no sentido de que as liberdades de expressão e de imprensa desfrutam de uma posição preferencial por serem pré-condição para o exercício esclarecido dos demais direitos e liberdades inerentes ao Estado democrático de Direito.
2. O respeito às regras do jogo democrático, especialmente a proteção das minorias, apresenta-se como um limite concreto a eventuais abusos da liberdade de expressão.
3. Estabelecidas essas balizas, é importante ressaltar que a postura do Estado, através de todos os seus órgãos e entes, frente ao exercício dessas liberdades individuais, deve ser de respeito e de não obstrução. Não é por outro motivo que, no julgamento da ADPF 130, o STF proibiu a censura de publicações jornalísticas, bem como reconheceu a excepcionalidade de qualquer tipo de intervenção estatal na divulgação de notícias e de opiniões. Esclareceu-se que eventual uso abusivo da liberdade de expressão deve ser reparado, preferencialmente, por meio de retificação, direito de resposta ou indenização.
4. No caso concreto, o Inquérito Policial foi instaurado para apurar a conduta de patrocinar publicações em outdoor na cidade de Palmas-TO, com a imagem do Excelentíssimo Senhor Presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, com as seguintes frases: “Cabra à toa, não vale um pequi roído, Palmas quer impeachment já”, “Vaza Bolsonaro! O Tocantins quer paz!”.
5. Nesse passo, revela-se necessário ressaltar que a proteção da honra do homem público não é idêntica àquela destinada ao particular. É lícito dizer, com amparo na jurisprudência da Suprema Corte, que, “ao decidir-se pela militância política, o homem público aceita a inevitável ampliação do que a doutrina italiana costuma chamar a zona di iluminabilità, resignando-se a uma maior exposição de sua vida e de sua personalidade aos comentários e à valoração do público, em particular, dos seus adversários” Essa tolerância com a liberdade da crítica ao homem público apenas há de ser menor, “quando, ainda que situado no campo da vida pública do militante político, o libelo do adversário ultrapasse a linha dos juízos desprimorosos para a imputação de fatos mais ou menos concretos, sobretudo se invadem ou tangenciam a esfera da criminalidade” (HC 78426, Relator(a): SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira Turma, julgado em 16/03/1999).
5. Com palavras precisas e valorosas, o em. Min. Alexandre de Moraes, no julgamento da ADI 4451, que cuidou da (in)constitucionalidade de dispositivos da legislação eleitoral que proibiam sátiras atinentes a candidatos a cargos eletivos, explana argumentos que facilmente podem ser utilizados para fundamentar a mitigação da proteção da honra de todo e qualquer homem público, ainda que fora do período eleitoral. Na ementa do julgado, diz o em. Ministro: “Tanto a liberdade de expressão quanto a participação política em uma Democracia representativa somente se fortalecem em um ambiente de total visibilidade e possibilidade de exposição crítica das mais variadas opiniões sobre os governantes. O direito fundamental à liberdade de expressão não se direciona somente a proteger as opiniões supostamente verdadeiras, admiráveis ou convencionais, mas também aquelas que são duvidosas, exageradas, condenáveis, satíricas, humorísticas, bem como as não compartilhadas pelas maiorias. Ressalte-se que, mesmo as declarações errôneas, estão sob a guarda dessa garantia constitucional.” (STF. ADI 4451, Tribunal Pleno, julgado em 21/06/2018).
6. No caso concreto, as críticas não despontaram para imputações mais ou menos concretas. Restringiram-se a uma análise política e subjetiva da gestão empregada pelo Presidente da República, que, da mesma forma que é objeto de elogios para alguns, é alvo de críticas para outros. Por esse motivo, não estão demonstradas, nos autos, todas as elementares do delito, notadamente o especial fim de agir (animus injuriandi). Como cediço, os crimes contra a honra exigem dolo específico, não se contentando com o mero dolo geral. Não basta criticar o indivíduo ou sua gestão da coisa pública, é necessário ter a intenção de ofendê-lo. Nesse sentido: "os delitos contra a honra reclamam, para a configuração penal, o elemento subjetivo consistente no dolo de ofender na modalidade de 'dolo específico', cognominado 'animus injuriandi' (APn 555/DF, Rel. Ministro LUIZ FUX, CORTE ESPECIAL, julgado em 1º/04/2009, DJe de 14/05/2009). Em igual direção: APn 941/DF, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, CORTE ESPECIAL, julgado em 18/11/2020, DJe 27/11/2020.
7. É de suma importância também ressaltar que o Direito Penal é uma importante ferramenta conferida à sociedade. Entretanto, não se deve perder de vista que este instrumento deve ser sempre a ultima ratio. Ele somente pode ser acionado em situações extremas, que denotem grave violação aos valores mais importantes e compartilhados socialmente. Não deve servir jamais de mordaça, nem tampouco instrumento de perseguições políticas aos que pensam diversamente do Governo eleito.
8. Ordem de habeas corpus concedida para trancar a persecução criminal.”
(STJ, Habeas Corpus nº 653.641/TO, 3ª Seção, unânime, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 23.06.2021, publicado no DJ em 29.06.2021) (grifei)
Registre-se que o escopo da decisão liminar teve por embasamento o direito de crítica, o que por si só afastaria a própria tipicidade penal. A se admitir que críticas sem a evidente intenção deliberada de atingir a honra tenham o condão de caracterizar crime estar-se-ia diante de uma banalização do próprio Direito Penal e do temível controle da liberdade de expressão e de imprensa, e com ela a de crítica.
Remarque-se, uma vez mais, que expressões que se revelem desabonadoras proferidas no exercício do direito de crítica em face da atuação do servidor público, desde que a manifestação se dirija à correção de seu ofício, ainda que veementes, atuam como fatores de descaracterização do elemento subjetivo peculiar aos tipos penais definidores dos crimes contra a honra.
Em suma, não haverá ânimo de ofender quando se observa, na essência, apenas o exercício de avaliação e inconformismo com conduta daquele que serve ao público. Contudo, na hipótese de abuso de direito, desaparece o direito de crítica transmudando-se em ato ilícito sujeitando-se à esfera penal.
Como se vê, a base da liminar ateve-se ao direito de crítica de modo a afastar a própria tipicidade, tendo tangenciado a análise do elemento subjetivo. De mais a mais, há julgado do STJ permitindo a análise do elemento subjetivo nesta seara:
“HABEAS CORPUS. QUEIXA-CRIME. CRIMES CONTRA A HONRA. AUTORIDADE PÚBLICA. JORNALISTA. LIBERDADE DE IMPRENSA. AUSÊNCIA DE ANIMUS INJURIANDI.
(...)
Ausência de demonstração por meio de elementos concretos da intenção do paciente de acusar levianamente o queixoso do crime de prevaricação.
Manifestações por parte da imprensa de natureza crítica, satírica, agressiva, grosseira ou deselegante não autorizam, por si sós, o uso do direito penal para, mesmo que de forma indireta, silenciar a atividade jornalística.
Não estando presente o animus injuriandi é caso de se prover o agravo regimental para se conceder a ordem e trancar a ação penal.”
(STJ, AgRg no HC n. 691.897/DF, relator Ministro Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), relator para acórdão Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 17/5/2022, DJe de 26/5/2022).
DA FLAGRANTE ILEGALIDADE
Demais disso, o trancamento parcial da ação penal privada por meio do habeas corpus foi possível porquanto houve comprovação, de plano, da flagrante ilegalidade consubstanciada na ausência de tipicidade no que tange aos delitos de difamação e quanto à parte das condutas de injúria.
Com efeito, quando da prolação da liminar consignou-se que:
“A Queixa-Crime objeto dos autos subjacentes elenca quatro condutas (duas configuradoras, em tese, do crime de difamação e duas configuradoras, em tese, do crime de injúria) que teriam sido veiculadas em vídeos produzidos em 17.05.2023 (primeira entrevista) e em 22.06.2023 (segunda entrevista) nos quais o querelado, ora paciente, teria proferido ofensas à reputação do querelante.
A inicial considerou na primeira entrevista terem sido atribuídas ao querelado o crime de difamação contra o Ministro de Estado da Justiça e Segurança Pública dada a imputação de fato ofensivo à sua reputação no exercício da função pelas seguintes falas a ele atribuídas: “tá usando a morte dessas crianças para justificar tirar a liberdade da população”, adota “ato político para justificar a retirada das liberdades da população”, “maracutaia política” e que está “fazendo censura à revelia da lei, fora da lei” (ID 283197119).
No que tange à segunda entrevista (22.06.2023), o querelante elencou na inicial falas que teriam sido empregadas pelo querelado em difamação e injúria, a saber: é “um autoritário do caramba”, que “ficou puto porque eu chamei ele de gordola” (ID283197119).
Não se vislumbra, todavia, a alegada difamação pelo contexto, porque resta evidente a interpretação livre do querelado dentro da crítica que considera legítima. Não ofensa a honra-objetiva, mas uma contundente oposição à defesa do que entende contenção da liberdade de expressão. Nem mesmo quando o querelado recomenda a todos a se prepararem do que possa vir, mediante a aquisição de armas de fogo, porque o faz ressaltando o uso permitido da lei (“se puder comprar uma arma legalmente”), seguido de risos...Usou de reforço para sua indignação.
Para o querelante, tais falas seriam uma alusão a possíveis crimes de injúria (“gordola”) e difamação (“ao ficar puto” e “ser autoritário”) pelo emprego de palavras de baixo calão e pejorativas.
Contudo, as expressões citadas estariam no sentido apenas de reforço às críticas quanto a atuação da autoridade pública que estaria indo, alegadamente, contra liberdades consagradas, não havendo, pois, difamação.
Então, seria caso de se analisar as expressões tidas por injuriosas como “gordola”, “puto” e “autoritário”, “filha da puta”, “um merda”, “tirânico”, “malicioso”, “perverso”, “maldito”, “malandro” e “uma fraude” (primeira entrevista), e “gordola” (segunda entrevista).
Na entrevista de 05.10.2023 (que fundamenta a decisão pela imposição de medidas cautelares), observa-se que a intenção do querelado foi mesmo a de “expor todas suas ideias, como sempre fez”, com críticas veementes à possibilidade de se “acabar” com a liberdade expressão ou sua redução pela regulação das plataformas digitais. Revela ter realizado tolices na defesa de seu pretenso direito de criticar ao esclarecer os vídeos que motivaram a Queixa-Crime.
Por outro lado, parte das expressões injuriosas, como “autoritário”, “tirânico”, “malicioso”, “perverso”, “fraude” e “maldito”, apesar da rudez, inserem-se exatamente no contexto de objeção contundente e se traduzem em conclusões do que afirmara criticamente. Um mal-educado desabafo.
Aliás, a mesma expressão (“fraude”) foi utilizada categoricamente pelo querelante na reunião com os representantes das plataformas digitais em 10.04.2023, referindo-se ao comportamento destas (parte transcrita na Queixa-Crime).
Porém, no que tange às expressões “gordola”, “filha da puta”, “malandro” e “um merda”, estariam, supostamente, albergadas no crime de injúria porquanto utilizou levianamente de desrespeito à autoridade atingindo sua honra-subjetiva, totalmente descontextualizada. Foram usadas, pois, expressões, absolutamente desnecessárias e aviltantes.
No vídeo do dia 05.10.2023, o querelado ainda aduz que o emprego da expressão “gordola” poderia ser considerado termo carinhoso. Se esta afirmação for interpretada como sendo retratação, deve ser considerada cabal porquanto realizada pelo mesmo meio possível ao querelado (via rede mundial de computadores) e que, por isso, independente de aceitação do ofendido.
(...)”
DAS DISPOSIÇÕES FINAIS
Portanto, foram em sede de liminar afastadas as medidas cautelares diversas da prisão aplicadas ao paciente e suspensa a audiência designada para o dia 16.02.2024, bem como trancada a ação penal privada pelos dois crimes de difamação imputados e o de injúria quanto às expressões “autoritário”, “tirânico”, “malicioso”, “perverso”, “fraude” e “maldito”, prolatadas em único contexto, com fundamento no artigo 142, inciso II, do Código Penal, remanescendo, porém, este delito quanto às expressões “filha da puta”, “malandro” e “um merda”.
Determinou-se, ainda, que a r. autoridade tida por coatora verificasse a possibilidade de retratação da expressão “gordola” (em 05.10.2023) e, acaso aceita, aí, restaria um único delito de injúria (pelas expressões “filha da puta”, “malandro” e “um merda” prolatadas em 17.05.2023), o que afastaria o recebimento da Queixa-Crime tendo em vista tratar-se de crime de menor potencial ofensivo (art. 61 da Lei nº 9.099, de 26.09.1995).
Consignou-se, ademais, que o conteúdo dos autos da Queixa-Crime n.º 5005932-37.2023.4.03.6181 devesse nesta hipótese ser tratado como tal pela autoridade coatora, caso não haja retratação de idêntica forma de todas as demais expressões, o que, em ocorrendo, acarretaria a extinção total de punibilidade e o arquivamento do processo criminal.
Igualmente assentou-se que se se entender pela não possibilidade de retratação nos crimes de injúria por considerá-la inviável, deve o juízo apreciar a possibilidade da suspensão condicional do processo, dada a somatória das penas mínimas (pelos dois crimes de injúria) não ultrapassar 1 ano, mas 8 meses (art. 89 de mesmo diploma legal).
Ante o exposto, VOTO POR NEGAR PROVIMENTO AO AGRAVO REGIMENTAL E POR CONCEDER A ORDEM DE HABEAS CORPUS PARA AFASTAR AS MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS DA PRISÃO APLICADAS AO PACIENTE E SUSPENDER A AUDIÊNCIA DESIGNADA PARA O DIA 16.02.2024, BEM COMO, DE OFÍCIO, TRANCAR PARCIALMENTE A AÇÃO PENAL PRIVADA PELOS CRIMES DE DIFAMAÇÃO IMPUTADOS E UM DELITO DE INJÚRIA, mantendo a liminar anteriormente proferida.
É o voto.
E M E N T A
PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. CRIMES CONTRA A HONRA. DIFAMAÇÃO E INJÚRIA. OFENSAS DIRIGIDAS A MINISTRO DE ESTADO EM RAZÃO DA FUNÇÃO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. TRANCAMENTO PARCIAL DA QUEIXA-CRIME. AGRAVO REGIMENTAL. LEGITIMIDADE DO QUERELANTE. MEDIDAS CAUTELARES. RESTABELECIMENTO.
1. As alegadas ofensas dirigidas ao querelante foram proferidas em razão da função então por ele exercida, de Ministro da Justiça e Segurança Pública, a atrair a competência Justiça Federal, nos termos do art. 109, IV, da Constituição Federal, e da orientação contida na Súmula nº 147 do Superior Tribunal de Justiça.
2. O querelante possui legitimidade para interpor agravo regimental em face da decisão que trancou parcialmente a queixa-crime. Precedente.
3. Conforme pacífica jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a suspensão ou o trancamento de ação penal, dada a sua excepcionalidade, só tem cabimento quando (i) os fatos nela veiculados são manifestamente atípicos, (ii) estiver extinta a punibilidade ou (iii) for evidente a ausência de justa causa para a persecução penal.
4. As questões relativas ao elemento subjetivo e ao eventual excesso no exercício da liberdade de expressão – nela inserida a crítica às instituições e aos poderes constituídos – demanda incursão fática e análise probatória, inviáveis nesta via. Na fase processual em que se encontra o feito de origem vigora o princípio in dubio pro societate, não sendo necessária a mesma certeza que se exige para a condenação. Por isso, eventual tipicidade da conduta deve ser devidamente apurada e valorada pelo juízo de origem após a instrução, sendo prematuro o trancamento da ação penal nesta fase processual.
5. As medidas cautelares gozam de autonomia, podendo ser aplicadas ainda que a prisão preventiva não seja cabível, a teor do disposto no art. 282 do Código de Processo Penal, que exige, apenas, a presença de sua necessidade e adequação. A impossibilidade de aplicação de medidas cautelares restringe-se à infração a que não seja cominada pena privativa de liberdade, de forma isolada, cumulativa ou alternativa (CPP, art. 283, § 1º), o que não se aplica à situação em exame, na qual para os crimes imputados ao paciente (CP, arts. 139 e 140, c.c. o art. 141, II e § 2º) é prevista pena de detenção.
6. No caso, as medidas cautelares impostas foram justificadas e mostram-se necessárias e adequadas, nos termos dos incisos I e II do art. 282 do Código de Processo Penal, haja vista a existência de indicativo de reiteração das condutas imputadas ao paciente, além do fato de ele não mais residir no Brasil. Não há flagrante ilegalidade ou abuso de poder na decisão do juízo impetrado, a autorizar a revogação das medidas cautelares impostas.
7. Agravo regimental provido. Ordem de habeas corpus denegada.