MANDADO DE SEGURANÇA CÍVEL (120) Nº 5034489-50.2023.4.03.0000
RELATOR: Gab. DES. FED. ALI MAZLOUM - OE
IMPETRANTE: PEDRO HENRIQUE DE MORAIS FERREIRA
Advogado do(a) IMPETRANTE: TAIS DOREA DE CARVALHO SANTOS - BA32262
INTERESSADO: TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL 3 REGIAO
IMPETRADO: PRESIDENTE DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3º REGIÃO
LITISCONSORTE: UNIÃO FEDERAL
OUTROS PARTICIPANTES:
MANDADO DE SEGURANÇA CÍVEL (120) Nº 5034489-50.2023.4.03.0000 RELATOR: Gab. DES. FED. ALI MAZLOUM - OE IMPETRANTE: PEDRO HENRIQUE DE MORAIS FERREIRA Advogado do(a) IMPETRANTE: TAIS DOREA DE CARVALHO SANTOS - BA32262 INTERESSADO: TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL 3 REGIAO OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de mandado de segurança, com pedido de liminar, impetrado por PEDRO HENRIQUE DE MORAIS FERREIRA contra ato da Turma Recursal da Comissão de Heteroidentificação do XX Concurso Público para Provimento de Cargos de Juiz Federal Substituto e Juíza Federal Substituta, no âmbito da Terceira Região, que, ao não acolher o recurso administrativo interposto pelo impetrante contra ato da Comissão de Heteroidentificação do aludido concurso, não confirmou a autodeclaração do impetrante como sendo pardo, ensejando, assim, sua eliminação do aludido concurso público, independentemente de alegação de boa-fé, uma vez que o impetrante não se classificou, na lista de classificação geral e de ampla concorrência, entre os 300 primeiros colocados na primeira etapa do certame (nem entre os que empataram na última posição). Em abono de seu pensar, sustenta o impetrante que: - autodeclarou-se pardo na inscrição do concurso, conforme Lei 12.990/2014, já que é filho de pai negro e mãe branca, com traços fenotípicos clássicos, haja vista que nasceu em Salvador/BA, apresentando cor de pele parda (escala IV no teste de Fitzpatrick), cabelo crespo, lábios grossos, barba pouco abundante e fronte proeminente, não tendo apenas o nariz alargado, já que seus genitores também não possuem; - a Banca de Heteroidentificação não confirmou sua autodeclaração, “retirando o quesito legal do concurso, em critérios subjetivos”; - inexiste previsão legal de comissão de heteroidentificação em concurso de provas e títulos, mas apenas resolução permitindo sua criação, o que contraria o previsto no artigo 2º da Lei 12.190/2014; - houve violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa, pois a Banca não permitiu a juntada de quaisquer provas, inclusive genéticas, como laudo médico ou fotografias de pais e de sua infância, impossibilitando o impetrante de defender sua autodeclaração; - segundo a Lei de Cotas, o critério da etnia para ter direito a reserva de vagas é autodeclaratório, de forma que o único documento exigido é a declaração do próprio candidato afirmando pertencer a determinado grupo, de modo que a criação de comissões e o julgamento pela cor da pele ou fenótipos, com utilização de critérios extremamente subjetivos, vão além do descrito no artigo 2º da Lei 12.990/2014; - a criação de banca de heteroidentificação não tem previsão legal, constando, apenas, do edital e de resolução do CNJ, os quais, contudo, não podem contrariar a lei, que prevê exclusivamente a autodeclaração; - a autodeclaração, na condição de pardo, não padece de falsidade ou qualquer outra ilegalidade por se tratar de “descendente de negro, mas que tem uma miscigenação latente”. Pede a concessão da liminar para permitir que continue nas fases subsequentes do certame, mais precisamente participe da prova oral a ser realizada a partir de fevereiro de 2024 (Edital 17/2023), e da fase de títulos. No mérito, requer a concessão da segurança, com anulação da exclusão do impetrante do certame pela Banca de Heteroidentificação, uma vez que tal procedimento fere o princípio da legalidade, além da não garantia do contraditório com a juntada de prova da sua etnia, através de critérios objetivos não observados pela referida Banca. Fixa à causa o valor de R$ 100,00 (cem reais) e comprova o recolhimento das custas. Pela decisão ID 283986982, indeferi o provimento preambular requerido, à míngua da plausibilidade do direito invocado. Cientificada da impetrada, a União Federal pugna por seu ingresso no feito, na condição de assistente da e. Presidência deste Tribunal (ID 284309696). Requisitadas, as informações foram prestadas pela d. autoridade apontada como coatora (ID 284370769). Com vista dos autos, o MPF oficia, preliminarmente, pela decretação da decadência à agilização do “writ”, uma vez que o Edital do certame, contendo a previsão de realização de procedimento específico para aferição da autodeclaração realizada pelos candidatos optantes pelas cotas raciais, remonta a 18/10/2021, com retificação em 28/10/2021, daí concluindo que o ajuizamento do “mandamus”, em 15/12/2023, inobservou o prazo de 120 (cento e vinte) dias, previsto no artigo 23 da Lei 12.016/2009. No mérito, opina pela denegação da segurança (ID 285224746). Dispensada a revisão, nos termos regimentais. Este, o relatório.
IMPETRADO: PRESIDENTE DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3º REGIÃO
MANDADO DE SEGURANÇA CÍVEL (120) Nº 5034489-50.2023.4.03.0000 RELATOR: Gab. DES. FED. ALI MAZLOUM - OE IMPETRANTE: PEDRO HENRIQUE DE MORAIS FERREIRA Advogado do(a) IMPETRANTE: TAIS DOREA DE CARVALHO SANTOS - BA32262 INTERESSADO: TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL 3 REGIAO OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Inicialmente, deve ser abordada a preliminar destacada pelo “Parquet” Federal, no sentido do reconhecimento da decadência à impetração. Aduz-se, em síntese, que o demandante combate previsão do Edital do XX Concurso Público para Provimento de Cargos de Juiz Federal Substituto e Juíza Federal Substituta da 3ª Região, bem assim que o remédio heroico foi protocolizado para além do prazo de 120 dias a contar da emissão do ato aludido. Assim não compreendo, porém. É plausível entender-se que o impetrante está, na presente via mandamental, a impugnar não o Edital abstratamente considerado, mas sim a produção de seus efeitos no plano concreto, na oportunidade em que a Banca não corroborou a autodeclaração por ele anteriormente proferida, atingindo, desta forma, o direito subjetivo que se considera titular. Cumpre destacar, nesse sentido, que a Ata nº 10166615/2023, em que se retrata a reunião da Turma Recursal da Comissão de Heteroidentificação do XX Concurso Público para Provimento de Cargos de Juiz Federal Substituto e Juíza Federal Substituta da 3.a Região, adversa aos interesses do proponente, remonta a 15/09/2023 (ID 283868072 – Págs. 1 e 2), bem assim que o Edital Definitivo do Procedimento de Heteroidentificação do mesmo certame (nº 19/2023), em que divulgado o resultado definitivo do procedimento de Heteroidentificação dos candidatos e candidatas que concorrem às vagas reservadas para pessoas negras, em que não confirmada a autodeclaração do autor, redundando na sua eliminação do concurso público, data de 28/09/2023 (ID 283868046 - Págs. 1/3). Tais circunstâncias, a meu sentir, ratificam a contemporaneidade da medida, intentada em 15/12/2023. Cito, a propósito, precedentes do c. STJ: “ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. CANDIDATO APROVADO. CONVOCAÇÃO. NÃO ATENDIMENTO AOS REQUISITOS DO EDITAL. PEDIDO DE RECLASSIFICAÇÃO PARA A ÚLTIMA POSIÇÃO DO CADASTRO DE RESERVA. POSSIBILIDADE. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC QUE NÃO SE VERIFICA. ART. 18 DA LEI 1.533/51. DECADÊNCIA QUE SE AFASTA. LIQUIDEZ E CERTEZA DA VIA MANDAMENTAL. COMPROVAÇÃO DOCUMENTAL. MATÉRIA FÁTICA. ÓBICE DA SÚMULA 7 DO STJ. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO COMPROVADO. 1. Constatado que o Tribunal a quo empregou fundamentação adequada e suficiente para dirimir a controvérsia, dispensando, portanto, qualquer integração à compreensão do que fora por ela decidido, é de se afastar a alegada violação do art. 535 do CPC. 2. A jurisprudência desta Corte firmou o entendimento de que o prazo decadencial para impetração do mandado de segurança é de 120 (cento e vinte) dias, contados da efetiva constrição ao pretenso direito líquido e certo invocado. 3. No caso dos autos, o impetrante foi convocado para a apresentação dos documentos previstos no edital em 17/4/2007, tendo comparecido ao local indicado no dia aprazado (23/4/2007) quando solicitou, verbalmente e posteriormente, por escrito, em 27/4/2007, a sua reclassificação para o final da lista. A decisão administrativa que indeferiu seu pedido de remanejamento foi recebida em 28/1/2008, sendo este o momento em que teve ciência inequívoca da denegação do seu pleito. Desse modo, tendo o autor impetrado o mandado de segurança em 12/3/2008, não há falar em ocorrência da alegada decadência prevista no art. 18 da Lei n. 1533/51. Precedentes: AgRg no RMS 22.057/PA e AgRg no REsp 872.910/RJ ambos da relatoria do Ministro Gilson Dipp, Quinta Turma, DJ 5/2/2007 e DJ 18/12/2006, respectivamente. 4. O Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que a aferição da liquidez e certeza do direito revela indispensável reapreciação do conjunto probatório existente no processo, o que é vedado em recurso especial, em virtude do óbice contido na Súmula n. 7/STJ. Precedentes: REsp 753.350/PR, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, DJe 23/11/2009 e AGA 566.158/BA, Rel. Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, DJ 28/6/2004. 5. O dissídio jurisprudencial invocado não foi demonstrado, nos termos do art. 255, e seus parágrafos, do Regimento Interno do STJ, tendo em vista que o recorrente não mencionou as circunstâncias que identificassem ou assemelhassem os casos confrontados. 6. Agravo regimental não provido”. (AgRg no REsp n. 1.211.652/PR, relator Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 5/4/2011, DJe de 8/4/2011 – destaquei.) “PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CONCURSO PÚBLICO. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. MANDADO DE SEGURANÇA. IMPUGNAÇÃO DE REGRA EDITALÍCIA. DECADÊNCIA AFASTADA. SEGURANÇA CONCEDIDA POR FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS. SÚMULA N. 126 DO STJ. PROVIMENTO NEGADO. 1. O acórdão recorrido julgou a lide de modo fundamentado e coerente, não tendo incorrido em nenhum vício que desse ensejo aos embargos de declaração e, por conseguinte, à violação do art. 535 do Código de Processo Civil. 2. O prazo decadencial do mandado de segurança, na hipótese de impugnação a regra editalícia em concurso público, somente passa a fluir a partir do momento em que o candidato sofre os seus efeitos, com a eliminação do certame. Precedentes. 3. Nos termos da Súmula n. 126 do STJ, "é inadmissível recurso especial quando o acórdão recorrido assenta em fundamentos constitucional e infraconstitucional, qualquer deles suficiente, por si só, para mantê-lo, e a parte vencida não manifesta recurso extraordinário". 4. Agravo regimental não provido”. (AgRg no REsp n. 1.174.316/CE, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 15/12/2015, DJe de 2/2/2016 – destaquei.) “ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CONCURSO PÚBLICO. IMPUGNAÇÃO DE REGRA EDITALÍCIA. DECADÊNCIA NÃO CONFIGURADA. TERMO INICIAL. ATO CONCRETO QUE PREJUDICA O CANDIDATO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. O prazo decadencial para impetração do Mandado de Segurança começa a fluir a partir do momento em que o candidato é eliminado do certame, ocasião em que a regra editalícia passa afetar seu direito subjetivo. 2. No caso dos autos, o resultado dos recursos administrativos interpostos pelos ora agravados foi divulgado em 21.1.2011, e o Mandado de Segurança impetrado em 2.2.2011, dentro do prazo decadencial de 120 dias, portanto. 3. Agravo Regimental da UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE desprovido”. (AgRg no REsp n. 1.405.402/RN, relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, julgado em 16/6/2015, DJe de 26/6/2015 - destaquei.) A adotar o posicionamento explanado pelo Órgão Ministerial, estaríamos a admitir a impetração contra norma editalícia em tese, sem que corporificado fosse um específico prejuízo imposto ao impetrante decorrente de sua aplicação. Ora, é a partir da incidência concreta da regra editalícia que se pode cogitar de ato dotado de operacionalidade e exequibilidade e com potencialidade de vulneração a direitos. Afastado o óbice, prossigo na análise do pedido, adiantando que, por qualquer ângulo de exame, resulta inviável a concessão da ordem. Como se infere dos autos, o impetrante foi habilitado na segunda etapa (Prova Escrita - sentenças civil e criminal) do XX Concurso Público para provimento de cargos de Juiz Federal Substituto e Juíza Federal Substituta da 3ª Região, na “Lista dos Candidatos e Candidatas que se autodeclararam Negros (Pretos Ou Pardos)” (Edital 8/2023 da Comissão de Concursos - edição nº 108/2023 do Diário Eletrônico da Justiça Federal da 3ª Região, de 14/06/2023). Em 10/07/2023, foi publicado edital de convocação para avaliação da Comissão de Heteroidentificação do XX Concurso Público para Provimento de Cargos de Juiz Federal Substituto e Juíza Federal Substituta da 3ª Região, de acordo com o item 7 do Edital de Abertura, de 18/10/2021 e Retificação nº 1 do Edital de Abertura, de 28/10/2021; com o Capítulo XI da Resolução PRES nº 463, de 14 de outubro de 2021; e itens 1.3 e 2.6 do Edital n° 8/2023 (Edital 13/2023 – EMAG/ROCO). Tanto o edital de abertura do concurso de 18/10/2021, retificado em 28/10/2021, como o Edital nº 8/2023 trazem, expressamente, a previsão de comissão de heteroidentificação, conforme se constata dos seguintes excertos: - Item 7 do Edital de Abertura, de 18/10/2021 (Edital de Abertura nº 8154853/2021): “(...) 7 DO PROCEDIMENTO DE HETEROIDENTIFICAÇÃO 7.1 Será firmada pelo candidato, mediante o preenchimento de formulário, autodeclaração que represente sua condição étnica, facultando-se a apresentação de documentos. 7.2 Na hipótese de constatação de declaração falsa, o candidato será eliminado do concurso sem prejuízo de outras sanções cabíveis. 7.3 Nos dois dias seguintes à publicação do resultado da avaliação, o candidato poderá interpor recurso. 7.4 O procedimento de heteroidentificação será realizado por comissão criada especificamente para este fim. I - A comissão de heteroidentificação será constituída por cidadãos: a) de reputação ilibada; b) residentes no Brasil; c) que tenham participado de oficina sobre a temática da promoção da igualdade racial e do enfrentamento ao racismo com base em conteúdo disponibilizado pelo órgão responsável pela promoção da igualdade étnica prevista no § 1º do art. 49 da Lei nº 12.288, de 20.07.2010; e d) preferencialmente experientes na temática da promoção da igualdade racial e do enfrentamento ao racismo. II - A comissão de heteroidentificação será composta por 5 (cinco) membros e seus suplentes; III - A composição da comissão de heteroidentificação atenderá ao critério da diversidade, garantindo que seus membros sejam distribuídos por gênero, cor e, preferencialmente, naturalidade; IV - Os membros da comissão de heteroidentificação assinarão termo de confidencialidade sobre as informações pessoais dos candidatos a que tiverem acesso durante o procedimento; V - Os currículos dos membros da comissão de heteroidentificação deverão ser publicados em sítio eletrônico da entidade responsável pela realização do certame. 7.5 O procedimento de heteroidentificação será promovido sob a forma presencial, nestes termos: I - O procedimento ocorrerá no período da inscrição definitiva; II - Será convocada para o procedimento, no mínimo, a quantidade de candidatos equivalente a 3 (três) vezes o número de vagas reservadas às pessoas negras previstas no edital, ou 10 (dez) candidatos, o que for maior, resguardadas as condições de aprovação estabelecidas neste Edital; III - Os candidatos habilitados dentro do quantitativo previsto serão convocados para participarem do procedimento de heteroidentificação, com indicação de local, data e horário; IV - O candidato que não comparecer ao procedimento de heteroidentificação será eliminado do concurso público, dispensada a convocação suplementar de candidatos não habilitados. 7.6 A comissão de heteroidentificação utilizará exclusivamente o critério fenotípico para aferição da condição declarada pelo candidato no concurso público. I- Serão consideradas as características fenotípicas do candidato ao tempo da realização do procedimento de heteroidentificação; II - Não serão considerados, para os fins do caput, quaisquer registros ou documentos pretéritos eventualmente apresentados, inclusive imagem e certidões referentes a confirmação em procedimentos de heteroidentificação realizados em outros concursos públicos federais, estaduais, distritais e municipais. 7.7 Serão eliminados do concurso público os candidatos cujas autodeclarações não forem confirmadas em procedimento de heteroidentificação, ainda que tenham obtido nota suficiente para aprovação na ampla concorrência e independentemente de alegação de boa-fé. 7.8 O candidato será considerado enquadrado na condição de pessoa preta ou parda quando pelo menos um dos membros da Comissão decidir pelo atendimento ao quesito fenotípico sob forma de parecer motivado. Quando não o for, será excluído da lista de vagas reservadas. I - As deliberações da comissão de heteroidentificação terão validade apenas para o concurso público para o qual foi designada, não servindo para outras finalidades; II - É vedado à comissão de heteroidentificação deliberar na presença dos candidatos; III - O teor do parecer motivado será de acesso restrito, nos termos do art. 31 da Lei nº 12.527, de 18.11.2011; IV - O resultado provisório do procedimento de heteroidentificação será publicado no endereço eletrônico https://www.trf3.jus.br/concurso-magistrado/, no qual constarão os dados de identificação do candidato, a conclusão do parecer da comissão de heteroidentificação a respeito da confirmação da autodeclaração e as condições para exercício do direito de recurso pelos interessados. (...)” (grifo nosso) - Retificação nº 1 do Edital de Abertura, de 28/10/2021 “(...) 7 DO PROCEDIMENTO DE HETEROIDENTIFICAÇÃO 7.7 Os candidatos cuja autodeclaração não for confirmada em procedimento de heteroidentificação, e que não tenham obtido nota suficiente para aprovação na ampla concorrência em quaisquer das etapas já realizadas, serão eliminados do concurso público, independentemente de alegação de boa-fé. 7.7.1 Seguirão no certame, na lista de classificação geral, os candidatos aptos à aprovação nas etapas anteriores segundo os critérios gerais de ampla concorrência, sendo excluídos apenas da lista de vagas reservadas. 7.8 O candidato será considerado enquadrado na condição de pessoa preta ou parda quando pelo menos um dos membros da Comissão decidir pelo atendimento ao quesito fenotípico, sob forma de parecer motivado: I - As deliberações da comissão de heteroidentificação terão validade apenas para o concurso público para o qual foi designada, não servindo para outras finalidades; II - É vedado à comissão de heteroidentificação deliberar na presença dos candidatos; III - O teor do parecer motivado será de acesso restrito, nos termos do art. 31 da Lei nº 12.527, de 18.11.2011; IV - O resultado provisório do procedimento de heteroidentificação será publicado no endereço eletrônico https://www.trf3.jus.br/concurso-magistrado/, no qual constarão os dados de identificação do candidato, a conclusão do parecer da comissão de heteroidentificação a respeito da confirmação da autodeclaração e as condições para exercício do direito de recurso pelos interessados. (...)” (grifo nosso) - Itens 1.3 e 2.6 do Edital n° 8/2023: “(...) 1.3 LISTA DOS CANDIDATOS E CANDIDATAS QUE SE AUTODECLARARAM NEGROS (PRETOS OU PARDOS) Inscrição / Nome/ Prova de Sentença Civil/ Prova de Sentença Criminal/ (...) 5197/ PEDRO HENRIQUE DE MORAIS FERREIRA/ 8,50/ 6,00/ (...) 2.6 AVALIAÇÃO DA COMISSÃO DE HETEROIDENTIFICAÇÃO 2.6.1 Nos termos do Item 7 do Edital de Abertura, o candidato ou candidata que se autodeclarou negro(a) [preto(a) ou pardo(a)], será avaliado(a) pela Comissão de Heteroidentificação, mediante convocação por edital a ser oportunamente divulgado. (...)” De início, observo que o impetrante alega não haver previsão legal para a “comissão de heteroidentificação”, de modo que haveria violação do previsto no artigo 2º da Lei 12.990/2014, que tem a seguinte redação: "Art. 2º Poderão concorrer às vagas reservadas a candidatos negros aqueles que se autodeclararem pretos ou pardos no ato da inscrição no concurso público, conforme o quesito cor ou raça utilizado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE." Essa alegação, contudo, improcede, pois o parágrafo único do mencionado artigo 2º da Lei 12.990/2014 prevê o seguinte: “Parágrafo único. Na hipótese de constatação de declaração falsa, o candidato será eliminado do concurso e, se houver sido nomeado, ficará sujeito à anulação da sua admissão ao serviço ou emprego público, após procedimento administrativo em que lhe sejam assegurados o contraditório e a ampla defesa, sem prejuízo de outras sanções cabíveis”. E, buscando dar concretude ao parágrafo único do artigo 2º da Lei 12.990/2014, o c. Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADC nº 41, Rel. Ministro Luís Roberto Barroso, DJe de 19/06/2017, julgou procedente o pedido nela formulado para declarar a integral constitucionalidade da Lei nº 12.990/2014, fixando a seguinte tese de julgamento: “É constitucional a reserva de 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública direta e indireta. É legítima a utilização, além da autodeclaração, de critérios subsidiários de heteroidentificação, desde que respeitada a dignidade da pessoa humana e garantidos o contraditório e a ampla defesa” (grifo nosso) Deve ser dito, ainda, que restou consignado no voto do eminente Relator da ADC 41 menção expressa ao parágrafo único do artigo 2º da Lei 12.990/2014 e a viabilidade da criação de comissão de heteroidentificação com o fito de garantir a efetividade da política de ação afirmativa instituída pela referida lei, sendo, pois, constitucional a instituição de mecanismos para evitar fraudes, como comissão de heteroidentificação: “(...) O CONTROLE DE FRAUDES 63. A fim de garantir a efetividade da política de ação afirmativa instituída pela Lei n° 12.990/2014, também é constitucional a instituição de mecanismos para evitar fraudes. As burlas à reserva de vagas para negros nos concursos públicos podem se dar, basicamente, de duas formas. De um lado, por candidatos que, apesar de não serem beneficiários da medida, venham a se autodeclarar pretos ou pardos apenas para obter vantagens no certame. De outro lado, a política também pode ser fraudada pela própria Administração Pública, caso a política seja implementada de modo a restringir o seu alcance ou a desvirtuar os seus objetivos. VII. FRAUDES PELOS CONCORRENTES: CRITÉRIOS DE DEFINIÇÃO DOS BENEFICIÁRIOS (...) 66. Atenta aos méritos e deficiências do sistema de autodeclaração, a Lei nº 12.990/2014 definiu-o como critério principal para a definição dos beneficiários da política. Nos termos de seu artigo 2º, determinou que “[p]oderão concorrer às vagas reservadas a candidatos negros aqueles que se autodeclararem pretos ou pardos no ato da inscrição no concurso público, conforme o quesito cor ou raça utilizado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE”. Porém, instituiu norma capaz de desestimular fraudes e punir aqueles que fizerem declarações falsas a respeito de sua cor. Nesse sentido, no parágrafo único do mesmo artigo 2º, estabeleceu que “[n]a hipótese de constatação de declaração falsa, o candidato será eliminado do concurso e, se houver sido nomeado, ficará sujeito à anulação da sua admissão ao serviço ou emprego público, após procedimento administrativo em que lhe sejam assegurados o contraditório e a ampla defesa, sem prejuízo de outras sanções cabíveis”. 67. Para dar concretude a esse dispositivo, entendo que é legítima a utilização, além da autodeclaração, de critérios subsidiários de heteroidentificação para fins de concorrência pelas vagas reservadas, para combater condutas fraudulentas e garantir que os objetivos da política de cotas sejam efetivamente alcançados. São exemplos desses mecanismos: a exigência de autodeclaração presencial, perante a comissão do concurso; a exigência de fotos; e a formação de comissões, com composição plural, para entrevista dos candidatos em momento posterior à autodeclaração. A grande dificuldade, porém, é a instituição de um método de definição dos beneficiários da política e de identificação dos casos de declaração falsa, especialmente levando em consideração o elevado grau de miscigenação da população brasileira. 68. É por isso que, ainda que seja necessária a associação da autodeclaração a mecanismos de heteroidentificação, para fins de concorrência pelas vagas reservadas nos termos Lei nº 12.990/2014, é preciso ter alguns cuidados. Em primeiro lugar, o mecanismo escolhido para controlar fraudes deve sempre ser idealizado e implementado de modo a respeitar a dignidade da pessoa humana dos candidatos. Em segundo lugar, devem ser garantidos os direitos ao contraditório e à ampla defesa, caso se entenda pela exclusão do candidato. Por fim, deve-se ter bastante cautela nos casos que se enquadrem em zonas cinzentas. Nas zonas de certeza positiva e nas zonas de certeza negativa sobre a cor (branca ou negra) do candidato, não haverá maiores problemas. Porém, quando houver dúvida razoável sobre o seu fenótipo, deve prevalecer o critério da autodeclaração da identidade racial. (...)” grifo nosso Logo, descabida a alegação da ausência de previsão legal para a instituição de comissão de heteroidentificação em concurso para provimento do cargo público, conforme inclusive decidido pelo Pretório Excelso. Assim, a adoção dos sistemas de autoidentificação e/ou de heteroidentificação é legítima, desde que não desrespeitem a dignidade pessoal dos candidatos, sem prejuízo da utilização de outros mecanismos adicionais para coibir possíveis fraudes, que deverão ser apuradas em procedimento próprio, assegurado o contraditório e a ampla defesa, para eventualmente justificar a exclusão do candidato do certame ou a anulação do ato de sua nomeação no cargo disputado. A propósito, a Resolução CNJ nº 203/2015, que dispõe sobre a reserva aos negros, no âmbito do Judiciário, de 20% das vagas oferecidas nos concursos para provimento de cargos na magistratura, preceitua que, no ato da inscrição no certame, a autodeclaração do candidato tem presunção relativa de veracidade e pode ser passível de verificação, para eventual comprovação de sua falsidade (fraude/má-fé), em procedimento que seja assegurado o contraditório e a ampla defesa: "Art. 5º (omissis). § 2º Presumir-se-ão verdadeiras as informações prestadas pelo candidato no ato da inscrição do certame, sem prejuízo da apuração das responsabilidades administrativa, civil e penal na hipótese de constatação de declaração falsa. § 3º Comprovando-se falsa a declaração, o candidato será eliminado do concurso e, se houver sido nomeado, ficará sujeito à anulação da sua nomeação, após procedimento administrativo em que lhe sejam assegurados o contraditório e a ampla defesa, sem prejuízo de outras sanções cabíveis". Na presente controvérsia, a regra contida no edital de abertura do concurso para juiz federal substituto e juíza federal substituta nesta Terceira Região previu a comissão de heteroidentificação, com o fim de verificar o fenótipo dos autodeclarantes negros e pardos. É sabido e consabido que o edital é a lei do concurso, cujas regras vinculam tanto a Administração quanto os candidatos, ou seja, o procedimento do concurso público é resguardado pelo princípio da vinculação ao edital, como forma de assegurar os princípios da legalidade, da impessoalidade e da isonomia, que regem a Administração Pública. O edital estabelece normas garantidoras do tratamento isonômico e impõe a igualdade de condições aos candidatos para o ingresso no serviço público. A acepção de que o edital é a regra norteadora do certame e abarca tanto a Administração, como os candidatos, está de há muito consagrada na jurisprudência: “PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. INEXISTÊNCIA DE ARGUMENTOS APTOS A REFORMAR A DECISÃO AGRAVADA. CONCURSO PÚBLICO. CARGO DE PERITO MÉDICO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL. DIREITO À POSSE. EXIGÊNCIA DE RESIDÊNCIA MÉDICA E/OU DE TÍTULO DE ESPECIALIZAÇÃO PREVISTA NO EDITAL. ART. 9º, § 1º, DA LEI N. 10.876/2004. PRINCÍPIO DA VINCULAÇÃO AO EDITAL. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. 1. Se a Lei n. 10.876/2004, que criou a carreira de Perícia Médica da Previdência, previu a possibilidade de o regulamento estipular outros requisitos para ingresso no cargo, válida a exigência, constante do edital do certame, de que o candidato apresente certificado de residência na área ou de especialista. Precedente. 2. A jurisprudência desta Corte Superior é no sentido de que o edital é a lei do concurso e de que suas regras obrigam tanto a Administração quanto os candidatos, em atenção ao princípio da vinculação ao edital. 3. Na espécie, correta a denegação da segurança pela instância ordinária, visto que não foram comprovadas a liquidez e a certeza do direito invocado pelos candidatos. 4. Agravo regimental improvido”. (AgRg no REsp n. 1.124.254/PI, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 16/4/2015, DJe de 29/4/2015 - destaquei.) Ainda no que diz com o inconformismo do candidato/impetrante quanto à existência de comissão de heteroidentificação, deve ser acrescido que, ao se inscrever no concurso em outubro do ano de 2021, o impetrante teve conhecimento pleno do edital, que oportunizou a qualquer candidato impugnar as suas normas, no prazo de cinco dias, contado do término do prazo para a inscrição preliminar, sob pena de preclusão, conforme está previsto no art. 13, §2º, da Resolução CNJ nº 75/2009, que dispõe sobre os concursos públicos para ingresso na magistratura nacional: "Art. 13. Constarão do edital, obrigatoriamente: (...) § 2º Qualquer candidato inscrito ao concurso poderá impugnar o respectivo edital, em petição escrita e fundamentada endereçada ao Presidente da Comissão de Concurso, no prazo de 5 (cinco) dias após o término do prazo para a inscrição preliminar ao concurso, sob pena de preclusão." Na espécie, o impetrante/candidato não questionou, oportunamente e pelos meios próprios, quaisquer dispositivos do edital, que foram aplicados, indistintamente, a todos os candidatos. A ineficácia de alguma norma editalícia exclusivamente em relação ao impetrante/candidato denotaria tratamento privilegiado e violação à isonomia, diante da ausência de uma ilegalidade flagrante ou manifesta no edital, restando, portanto, preclusa a impugnação às regras editalícias. Também não há que se falar em violação ao princípio do contraditório ou da ampla defesa. O critério fenotípico para o ingresso no sistema de cotas raciais no concurso para provimento de cargo de juiz federal substituto e juíza federal substituta, no âmbito da Terceira Região, restou definido no edital de abertura do concurso, de modo que a alegada ancestralidade do impetrante/candidato não tem o condão de modificar o que foi decidido pela Turma Recursal da Comissão de Heteroidentificação. Restou claro, ademais, que a Comissão de Heteroidentificação do XX Concurso Público para Provimento de Cargos de Juiz Federal Substituto e Juíza Federal Substituta da 3ª Região: (a) considerou a heteroidentificação como um procedimento complementar à autodeclaração e não como uma verificação da autenticidade da autodeclaração; (b) teve como público-alvo destinatário da política de reserva de vagas em concurso público aquelas pessoas que se consideram e são consideradas como negras de cor preta ou parda pela sociedade brasileira; e (c) levou em conta, para a heteroidentificação, apenas o conjunto de características fenotípicas identificáveis na pessoa que se autodeclarou como negra para participar do concurso, excluindo aspectos de sua ancestralidade ou de seu contexto social. Como restou narrado na petição inicial, a Comissão de Heteroidentificação não confirmou a autodeclaração como pardo feita pelo impetrante, o qual, por sua vez, recorreu da aludida decisão, alegando possuir traços fenotípicos que validam sua condição de pardo e solicitando a permissão para “envio de laudo(s) médico(s) e fotografia(s)” (ID 283868062 - Pág. 1 a 2). Em 15/09/2023, a Turma Recursal da Comissão de Heteroidentificação do XX Concurso Público para Provimento de Cargos de Juiz Federal Substituto e Juíza Federal Substituta da 3ª Região, presidida pela Exma. Desembargadora Federal Daldice Santana, reuniu-se e assim decidiu: “Ata nº 10166615/2023 SESSÃO DE JULGAMENTO DE RECURSO PELA TURMA RECURSAL DO XX CONCURSO PÚBLICO PARA JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO E JUÍZA FEDERAL SUBSTITUTA DA 3ª REGIÃO Aos quinze dias do mês de setembro do ano de dois mil e vinte e três, às dez horas e quinze minutos, a Excelentíssima Senhora Desembargadora Daldice Santana, Presidente da Turma Recursal da Comissão de Heteroidentificação do XX Concurso Público para Provimento de Cargos de Juiz Federal Substituto e Juíza Federal Substituta da 3.a Região reuniu-se, por videoconferência pela plataforma Teams, com os integrantes titulares da Turma Recursal: a Excelentíssima Senhora Claudia Patrícia Luna; o Excelentíssimo Senhor Estevão André da Silva; e a suplente: Excelentíssima Senhora Eliane Leite Alcantara Malteze. A Presidente da Turma Recursal agradeceu aos participantes pela presença e deu início à apreciação do recurso interposto pelo candidato Pedro Henrique de Moraes Ferreira, número de inscrição 5197, cuja autodeclaração como pardo não foi confirmada pela Comissão de Heteroidentificação. A seguir, a Presidente solicitou à servidora Clarice Michielan para confirmar o nome do candidato e iniciar a leitura integral de suas razões recursais que, em síntese, requer "o conhecimento e provimento do presente recurso, para que seja retificada a sua situação, observando a ilegalidade manifesta quanto à existência de elementos idôneos a justificar a não confirmação pela Comissão de Heteroidentificação, para CONFIRMAR sua condição de PARDO, permitindo a sua continuação no certame nas vagas destinadas aos candidatos negros, haja vista que possui os traços fenotípicos que validam a sua condição...". Após a leitura integral do recurso, a Presidente consultou os demais integrantes sobre a possibilidade de juntada de laudo médico e fotografias, uma vez que o candidato alegou que “a plataforma disponibilizada pela VUNESP não permite a juntada de documentos para fins de recurso, em nítida obliteração à ampla defesa.” Os componentes da banca debateram a questão e, por unanimidade, concluíram que não procede a alegação, pois tal restrição está compatível com a redação do item 3, do Edital nº 13/2023 de Convocação para Avaliação de Heteroidenticação, que assim dispõe: “A heteroidentificação será feita observando apenas o conjunto de características fenotípicas identificáveis na pessoa que se autodeclarou como negra para participar do concurso, excluindo aspectos de sua ancestralidade ou de seu contexto social”. Portanto, o pedido se opõe ao disposto no próprio edital. Em seguida, passou-se à análise da arguição de nulidade da decisão impugnada por falta de fundamentação, invocando o artigo 93, da Constituição Federal de 1988. A Presidente votou pelo não provimento do recurso, destacando que os argumentos alegados pelo candidato se confundem com o mérito. A fundamentação da decisão impugnada foi baseada no fato de que não estão presentes os marcadores fenotípicos identificáveis como negro na fisionomia do candidato, conforme se observa nas fotos e no vídeo da entrevista, previamente enviados aos membros da Turma. "A negritude deve estar presente na pessoa, não são os objetos ou as roupas que a definem." Na sequência, a Dra. Cláudia Luna afirmou que o candidato tem o fenótipo de um homem branco e que numa abordagem policial ele não seria parado. A ascendência dele e o fato de ter a mãe nascida na Bahia não o legitima a ter direito às cotas neste certame. "Se houvesse um juiz federal com esse fenótipo não causaria nenhuma mudança de cenário. As bancas de heteroidentificação existem justamente para dirimir a questão do pardo." Em seguida, Dr. Estevão André da Silva acompanhou o voto da relatora e acrescentou que "o racismo é um fenômeno social. Qualquer justificativa ou qualquer fundamentação fora do fenômeno do critério racial que temos no Brasil está na contramão da lei, na contramão do edital e do posicionamento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ)." Após as considerações dos componentes, a Turma Recursal decidiu, por unanimidade, negar provimento ao recurso. Às dez horas e cinquenta e seis minutos, encerrou-se a reunião e, por fim, a Excelentíssima Senhora Desembargadora Federal Daldice Santana, Presidente da Turma Recursal, determinou a lavratura da presente ata pela Seção de Organização de Concursos para a Magistratura. Eu, Flávia Regina Moré, Analista Judiciária, lavrei a presente ata, eu, Clarice Michielan, supervisora, conferi e eu, Romero França Arejano, assessor II, revisei e, sendo lida e achada conforme, vai devidamente assinada.” Com efeito, o critério legal em que se baseou o Estatuto da Igualdade Racial (Lei 12.288/2010) é o da fenotipia, e não o da ancestralidade, de modo que a finalidade do sistema de cotas raciais é o de compensar candidatos passíveis de discriminação em razão de suas características físicas, sob a forma odiosa de preconceito racial. Não basta, pois, afrodescendência. Faz-se necessária a aparência de afrodescendente, notadamente aos olhos de comissão de heteroidentificação constituída, exatamente, para essa avaliação, bem como perante turma recursal com o mesmo desiderato. As cotas raciais foram estabelecidas na iniciativa de amenizar as disparidades econômicas, sociais e educacionais entre pessoas de diferentes etnias raciais, objetivando reparar e compensar a discriminação racial eventualmente sofrida por afrodescendente e, para que delas se valha o candidato, faz-se mister que possua fenótipo pardo ou negro. Se não o possui, não se intui como susceptível de discriminação e, consequentemente, não faz jus à política de cota para ingresso no serviço público. É certo que, “in casu”, o impetrante insiste em que apresenta características fenotípicas compatíveis à sua autodeclaração como pardo, ao contrário do que concluiu a Turma Recursal da Comissão de Heteroidentificação. Nada obstante, há de se considerar que os atos administrativos gozam de presunção de veracidade e legitimidade, inexistindo elementos suficientes a infirmar a conclusão da Turma Recursal da Comissão de Heteroidentificação, que, de forma fundamentada, não confirmou a autodeclaração como pardo do impetrante, negando provimento ao seu recurso administrativo. Os documentos que instruem a petição inicial (xerocópia – em preto e branco - da carteira da OAB/BA do impetrante; relatório médico – etnia subscrito por dermatologista no sentido de que o impetrante apresenta características fenotípicas compatíveis como pardo (critérios de Fitzpatrick); relatório médico subscrito por médica geneticista de que o impetrante, baseado na genética médica e nas características observadas, é considerado pardo; xerocópia colorida da cédula de identidade da avó paterna e do genitor do impetrante), juntados no presente “writ” com o escopo de comprovar os seus traços fenotípicos como pardo, não têm o condão, por si sós, de modificar o resultado da avaliação da Banca Examinadora, pois, “a contrario sensu”, tal decisão configuraria, aí sim, flagrante ilegalidade frente à conclusão da comissão qualificada criada para a heteroidentificação, porquanto levado em consideração critério não previsto no edital do concurso, dentre os quais o genótipo e a ancestralidade do candidato. Anoto que o critério para considerar o candidato como pardo, adotado pela banca de heteroidentificação, é a fenotipia e a petição inicial sequer foi instruída com fotografia colorida e atualizada do impetrante. Tanto assim é que este Relator, quando da apreciação do pedido liminar e para melhor deliberar acerca da controvérsia, procedeu à pesquisa aberta na rede mundial de computadores, verificando que Pedro Henrique de Morais Ferreira, ora impetrante, faz parte da “Saraceno Ferreira Advogados Associados - 33.872.794/0001-32” (sítio eletrônico é o https://saracenoferreira.com.br/), na qualidade de sócio-administrador, obtendo, no referido “site”, fotografia colorida, de acesso público e irrestrito, do impetrante, que foi carreada na oportunidade da decisão preambular e pode se acessada do folhear dos autos (ID 283986982 - Pág. 16). E note-se: “prima facie”, o exame da compleição do demandante não milita em favor da tese que advoga, mas sim do deliberado pelo órgão administrativo, cujo teor acima se transcreveu. De fato, com a devida vênia, resta duvidoso dizer-se que a aparência do impetrante seja de sorte a justificar a sua inserção em aparato estabelecido com vistas a inibir a discriminação racial. Por óbvio que não se controverte, aqui, da sua ascendência racial, fundada no genótipo do impetrante – o fato é que esse não é, para os fins do reportado certame, o elemento determinante da diferenciação racial ensejador da aplicação da política pública afirmativa, e, portanto, repercussão alguma surte no deslinde da controvérsia. Não se pode olvidar que nos casos de racismo ocorridos, de modo geral, no Brasil, a discriminação não sucede à conta de documentos, mas sim pela aparência do indivíduo (traços fenotípicos), e é este critério que a Comissão de Heteroidentificação examina. Desse modo, ausente ilegalidade do ato ou abuso de poder em seu atuar. Vale dizer que, salvo em situações excepcionais, em que reste comprovada a ilegalidade da decisão administrativa, afigura-se de todo inadmissível que o Juízo substitua a avaliação da Comissão, instituída para tal finalidade, quanto à apresentação ou não, pelo candidato, dos fenótipos característicos de pardo (ou negro), sob pena de ofensa aos princípios da separação dos poderes e da isonomia. Muito embora não se desconheça o entendimento do c. STF dando conta da "zona cinzenta" que paira sobre o tema, ensejando cautela na análise casuística, à vista dos elementos acostados aos autos, mostra-se acertado o entendimento adotado pela banca avaliadora quando indeferiu o recurso do candidato/impetrante, à vista dos elementos que constam dos presentes autos. Deveras, analisando a decisão administrativa, não se vislumbra vício de motivação: dela, constam claramente os motivos do indeferimento, remarcando-se que o benefício das cotas raciais é destinado àqueles que enfeixem um conjunto de traços característicos, divisando-se por enfrentadas todas as alegações vertidas pelo recorrente em sua insurgência. Destarte, ausente situação excepcional apta a ensejar o afastamento da presunção de legitimidade de que se revestem os atos administrativos, no caso dos autos, deve ser rechaçado o pedido deduzido. Não se constata violação a direito líquido e certo do impetrante em face da decisão por meio da qual a Comissão Avaliadora constituída para heteroidentificação, em decisão unânime e com fundamento em critério de fenotipia, manteve sua exclusão das vagas reservadas aos candidatos negros e pardos. Cabe rememorar, a propósito, que a autodeclaração do candidato, acerca ao seu fenótipo, não é absoluta, gozando de presunção relativa de veracidade, de modo que descabe considerar equivocada eventual problematização da órgão examinador a respeito, fundamentadamente e sob o prisma da razoabilidade, no louvável intuito de zelar pela lisura da política estatal de ação afirmativa no tema das cotas raciais, o que, de resto, consulta ao interesse público. Vale registrar que não há como o Judiciário, mormente em sede de mandado de segurança, enveredar pelo caminho da análise dos critérios utilizados pela Comissão/Banca examinadora para avaliar as características fenotípicas dos candidatos e do impetrante. É que, nesta estreita via, é indevido ao Judiciário intervir em questões que não tem elementos técnico-científicos suficientes para aferir, em substituição, os critérios adotados pela Banca Examinadora, que evidentemente está preparada para a heteroidentificação dos candidatos. Nesse contexto, está-se diante da ausência da necessária e indispensável prova pré-constituída capaz de prontamente evidenciar a afirmada violação do direito líquido e certo do impetrante. Verifico, pois, a legalidade na atuação administrativa mediante a observância das normas do edital, da Resolução CNJ nº 203/2015 e do julgamento da ADC nº 41/DF, com a utilização de critério único a todos os candidatos, não restando evidenciado direito líquido e certo a ser protegido nesta estreita via processual. Em arremate, cumpre mencionar que a Turma Recursal da Comissão de Heteroidentificação, em momento algum, ao menos pelo que consta dos autos, entendeu que o impetrante tenha prestado uma declaração falsa, não se devendo equiparar a comprovada situação de falsidade da autodeclaração do candidato (fraude/má-fé) com aquela em que a comissão apenas conclui que o candidato não possui o fenótipo de pardo, sem se constatar indícios de burlar ao sistema de cotas, situação em que o candidato deverá apenas ser reclassificado na lista de ampla concorrência, caso atendidos os demais requisitos, o que não ocorreu com o impetrante por não ter obtido a nota mínima para constar da lista de concorrência ampla e geral. Essa regra, assim, também foi observada pela autoridade impetrada. De tudo quanto se expôs, segue, em síntese conclusiva: a deliberação administrativa que é combatida no “writ” não encerra ofensa nem ao conteúdo legal, nem às prescrições editalícias, não despontando, do contexto dos autos, liquidez e pronta testificação de direito, supostamente objeto de lesão, capaz de ser amparado na via do remédio heroico. Tendo o órgão avaliador, na seara administrativa, se posicionado, de modo fundamentado, pela não convergência das características físicas do demandante às apresentadas pelos efetivos destinatários da política afirmativa, restaria ao vindicante trilhar o caminho da produção de provas para denotar eventual equívoco nessa conclusão, revestindo-se de eloquência, sobretudo, a realização de prova pericial, por um profissional equidistante das partes. Todavia, é noção sabida a de que a ação mandamental, notabilizada pela celeridade procedimental, inadmite dilação probatória, que se faria necessária à demonstração do alegado pelo requerente. Exige-se, é fato, que toda a matéria fática seja comprovada documentalmente e tal, como visto, não ocorreu. São do c. STJ os seguintes precedentes: “ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. COTAS. CANDIDATO AUTODECLARADO PARDO. POSTERIOR RECUSA DESSA CONDIÇÃO PELA COMISSÃO ESPECIAL. CASO CONCRETO. INADEQUAÇÃO DA VIA MANDAMENTAL PARA SE QUESTIONAR A PRETENDIDA CONDIÇÃO DE AFRODESCENDENTE DO IMPETRANTE. ALEGAÇÃO DE IMPEDIMENTO ENTRE MEMBROS DA COMISSÃO ESPECIAL. VÍNCULO CONJUGAL ENTRE DOIS DELES. PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA EXTRAÍDA DE REDES SOCIAIS. FORÇA PROBATÓRIA INSUFICIENTE. EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. (...) 2. Caso concreto em que o impetrante disputou uma das vagas para provimento de cargos de Analista Judiciário do quadro efetivo do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, concorrendo às cotas reservadas às pessoas pretas/pardas. Ocorreu que, embora autodeclarado pardo, essa condição não foi confirmada pela banca examinadora, mesmo após apreciação do recurso administrativo, instruído com fotografias e laudos emitidos por médicos dermatologistas. Daí a irresignação que o motivou a impetrar o presente mandamus, no qual busca a concessão da ordem para que seja reconhecido como candidato de cor parda. 3. Como ensinado por CELSO AGRÍCOLA BARBI, "o conceito de direito líquido e certo é tipicamente processual, pois atende ao modo de ser de um direito subjetivo no processo: a circunstância de um determinado direito subjetivo realmente existir não lhe dá a caracterização de liquidez e certeza; esta só lhe é atribuída se os fatos em que se fundar puderem ser provados de forma incontestável, certa, no processo. E isto normalmente só se dá quando a prova for documental, pois esta é adequada a uma demonstração imediata e segura dos fatos" (Do mandado de segurança. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 56-57). 4. Nessa toada, ainda que o impetrante afirme ser titular de uma posição jurídica alegadamente violada por autoridade pública, a opção pela via corretiva mandamental somente se mostrará procedimentalmente adequada se os fatos que alicerçarem tal direito puderem ser comprovados de plano e de forma incontestável, mediante a apresentação de prova documental trazida já com a petição inicial. 5. O parecer emitido pela Comissão examinadora, quanto ao fenótipo do candidato, ostenta, em princípio, natureza de declaração oficial, por isso dotada de fé pública, razão pela qual não pode ser infirmada senão mediante qualificada e robusta contraprova. Na espécie, os elementos probatórios trazidos com a exordial não se revelam aptos a desautorizar, de plano, a desfavorável conclusão a que chegaram os três componentes da Comissão, no que averbaram a condição não parda do candidato autor. Outrossim, a dilação probatória é providência sabidamente incompatível com a angusta via do mandado de segurança, o que inibe a pretensão autoral de desconstituir, dentro do próprio writ, a conclusão a que chegaram os avaliadores. 6. Se alguma margem de subjetividade deve mesmo ser tolerada, ante a falta de critérios objetivos seguros, exsurge, então, mais uma forte razão a sinalizar em desfavor do emprego do especialíssimo rito mandamental para se discutir e definir, no caso concreto, o direito do recorrente em se ver enquadrado como pardo, para o fim de concorrer em vagas nesse segmento reservadas. 7. As provas apresentadas pelo impetrante, acerca do aventado relacionamento entre dois dos integrantes da comissão, foram extraídas, segundo informado pelo próprio candidato, de "redes sociais", razão pela qual, só por si e de per si, não induzem à necessária certeza e incontestabilidade acerca da situação jurídica que delas se deseja extrair (a saber, o estado de conjugalidade entre os apontados componentes da comissão especial), carecendo o fato assim anunciado de maior e mais aprofundada investigação - inviável em sítio mandamental -, em ordem a se poder afastar a presunção relativa de legalidade de que se revestem os atos administrativos que, no ponto, vão desde a portaria de designação dos membros da comissão especial até ao seu posterior e unânime pronunciamento pela recusa da autodeclarada condição de pardo do autor recorrente. 8. Também no mandado de segurança, a prova pré-constituída ofertada com a inicial tem por destinatário final o juízo, a quem toca o encargo último de valorar a força de seu conteúdo probante. Por isso que, mesmo quando não impugnada, pela autoridade coatora, a falta de aptidão da prova pré-constituída para conferir veracidade ao fato afirmado pela parte impetrante, ainda assim poderá o juiz, em seu ofício valorativo, recusar-lhe força probante, como no caso presente. 9. Recurso ordinário conhecido para, de ofício, extinguir a ação mandamental, sem resolução do mérito, por inadequação da via eleita. (RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 58.785 - MS, Primeira Turma, Relator Ministro Sérgio Kukina, j. 23 de agosto de 2022 - destaquei). “ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA . CONCURSO PÚBLICO. SISTEMA DE COTAS. CRITÉRIO DE AVALIAÇÃO FENOTÍPICA. LEGALIDADE. NÃO ENQUADRAMENTO DO CANDIDATO NOS REQUISITOS PARA INCLUSÃO NA LISTA DE COTAS RACIAIS. PREVISÃO NO EDITAL. AGRAVO INTERNO DO PARTICULAR A QUE SE NEGA PROVIMENTO EM CONSONÂNCIA COM O PARECER DO MPF. 1. O Edital que regula o concurso público sub judice prevê a adoção do critério de fenotipia (e não do genótipo ou ancestralidade) - ou seja, a manifestação visível das características físicas da pessoa -, para a seleção de candidatos autodeclarados negros (pretos ou pardos), estabelecendo que a autodeclaração étnico-racial deve ser aferida por uma Comissão de Verificação 2. O referido edital adotou o sistema misto de identificação do sistema de cotas raciais, no qual o enquadramento do candidato como negro não é efetuado somente com base na autodeclaração do candidato, mas sim em uma posterior análise por comissão especial, especialmente designada heteroidentificação. 3. Além do mais, não há que se falar em suficiência da autodeclaração, uma vez que a própria Lei 12.990/2014 prevê a instalação de comissão para confirmação do direito à concorrência especial. 4. No caso concreto, apesar da declaração da parte recorrente ser pessoa de etnia negra, a questão foi submetida, posteriormente, a uma Comissão para aferição dos requisitos, a qual, seguindo os termos do edital, não reconheceu a condição autodeclarada do autor com base nos critérios fenotípicos. 5. Por outro lado, a análise da irresignação da ora recorrente acerca do enquadramento nos requisitos para concorrência especial e da fundamentação do ato que determinou sua exclusão do concurso exigiria a produção de prova, o que é sabidamente inviável na via escolhida, sem prejuízo das vias ordinárias. 6. Agravo Interno do Particular a que se nega provimento”. (AgInt no RMS n. 66.917/RS, relator Ministro Manoel Erhardt (Desembargador Convocado do TRF5), Primeira Turma, julgado em 19/10/2021, DJe de 22/10/2021 – destaquei). Cabe acrescentar que a infrutuosidade de requerimentos como o deduzido pelo impetrante, mesmo na via ordinária, está sedimentada na jurisprudência deste Tribunal: “CONCURSO PÚBLICO PARA O CARGO DE ENGENHEIRO MECÂNICO DA PETROBRAS. CANDIDATO COTISTA. AUTODECLARAÇÃO + CONFIRMAÇÃO POR COMISSÃO DE HETEROIDENTIFICAÇÃO. FENOTIPIA. CRITÉRIO SUBJETIVO QUE TEVE SUA CONSTITUCIONALIDADE RECONHECIDA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. MOTIVAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE O PODER JUDICIÁRIO SUBSTITUIR O JULGAMENTO DA COMISSÃO, NOTADAMENTE EM CASO EM QUE O AUTOR NÃO COMPROVOU A EXISTÊNCIA DE QUALQUER ILEGALIDADE. APLICAÇÃO DO POSTULADO DA VINCULAÇÃO AO INSTRUMENTO CONVOCATÓRIO. RECURSO NÃO PROVIDO. 1 – Como resulta claro das normas constantes do edital, o candidato que desejar concorrer pelo sistema de cotas deverá autodeclarar a sua condição de afrodescendente no momento da inscrição e essa autodeclaração deverá ser confirmada por uma comissão de heteroidentificação (identificação por terceiros dos caracteres físicos e visíveis dos candidatos afrodescendentes), que utilizará o critério da fenotipia (aparência) para confirmar, ou não, a autodeclaração. 2 – Embora esse tema seja polêmico, pois ambos os critérios (autodeclaração e heteroidentificação) são subjetivos, o que, para muitos, não se coaduna com um regime constitucional de amplo acesso aos cargos/postos públicos, onde o que impera é o postulado da isonomia, fato é que o legislador, reconhecendo a ampla miscigenação da sociedade brasileira, preferiu, mesmo assim, instituir uma política de ação afirmativa em favor dos afrodescendentes, na qual estabeleceu a reserva de vagas para os candidatos que se autodeclararem negros / pardos, mas, também, autorizou a utilização de um critério adicional de controle pela Administração (heteroidentificação), onde o que impera é o critério da aparência (fenotipia). Com esse controle, atendendo ao princípio republicano (transparência), procurou “diluir”, por assim dizer, a responsabilidade por essa autoidentificação, visando dar maior credibilidade ao sistema de cotas, contrariando, temporariamente, a regra geral de participação igualitária de todos os candidatos no acesso aos cargos públicos. 3 – O tema não é novo e, em razão das agudíssimas controvérsias estabelecidas na sociedade, foi objeto de diversas manifestações do Supremo Tribunal Federal, que reconheceu a constitucionalidade dessa forma de seleção de parte dos candidatos aos cargos públicos. 4 – Apesar de todas as ressalvas feitas durante o julgamento da ADPF 186 (acesso de estudantes às universidades e instituições federais de ensino) e da ADC 41 (acesso aos cargos públicos na Administração Pública Federal) quanto à subjetividade dos critérios de identificação (autodeclaração e heteroidentificação), inclusive quanto à necessidade de motivação do ato administrativo que faria o “enquadramento” do candidato, fato é que a conclusão foi pela constitucionalidade dessa sistemática, observada a dignidade da pessoa humana e garantidos o contraditório e a ampla defesa. 5 – Afastou-se, portanto, a necessidade de adoção de um critério “científico” de classificação, pois entendeu-se que é a aparência (fenotipia) do indivíduo o fator determinante para a discriminação dos afrodescendentes, como resulta claro dos pronunciamentos dos senhores ministros. 6 – De modo que a tradicional motivação dos atos administrativos, tal como propugnado pelo impetrante, teria o condão de, na verdade, instituir os tais “critérios científicos” que fomentariam os argumentos daqueles que sustentavam a instauração de um chamado “tribunal racial” que a lei buscou afastar. Privilegiou, portanto, o critério da aparência, avaliada por uma comissão, pois é essa característica que normalmente leva à discriminação (ou preconceito) dos afrodescendentes. 7 – O procedimento de heteroidentificação é relativamente simples, se resumindo ao exame das características físicas do candidato e das respostas dadas por ele às perguntas formuladas pela comissão e, no caso destes autos (o procedimento dura aproximadamente um minuto), pode ser consultado no link disponibilizado às fls. 196-PJe (ID Num. 276641706 - Pág. 1 – documentos que acompanham as informações). 8 – Seu objetivo, como resulta claro do diminuto tempo dedicado ao procedimento, é “confirmar” ou “não confirmar” a autodeclaração que o candidato fez no início do certame. Muito longe está de ser uma comissão destinada a proceder ao enquadramento de candidatos segundo critérios “cientificamente” estabelecidos, mesmo porque só vale para o certame em questão. 9 – Por isso, é de pouquíssima utilidade para a resolução da lide a documentação trazida pelo impetrante, tal como a declaração da médica dermatologista, Dra. Elaine Guerra (v. fls. 35/38-PJe – ID Num. 276641687 - Pág. 32), a classificação científica trazida na inicial (v. fls. 6-PJe – ID Num. 276641687 - Pág. 3 – “escala de Fitzpatrick”), “print” de tela de consulta ao cadastro do impetrante e sua filha junto ao banco de dados do SUS (Sistema Único de Saúde – v. fls. 9/10-PJe – ID Num. 276641687 - Pág. 6), o resultado de procedimento de heteroidentificação ao qual se submeteu em certame anterior (fls. 41-PJe – ID Num. 276641687 - Pág. 38), cópias de documentos e fotos do impetrante e membros de sua família (fls. 22/24-PJe – ID Num. 276641687 - Pág. 19; fls. 43/47-PJe – ID Num. 276641687 - Pág. 40), mesmo porque tratam-se de documentos cujo aproveitamento foi expressamente excluído pelo edital. 10 – Aplicação, às inteiras, do postulado da vinculação ao instrumento convocatório, pois o edital previu o controle da autodeclaração por meio de comissão de heteroidentificação, cujo critério de seleção é o da fenotipia (aparência). 11 – Improcedência, também, do pedido sucessivo, qual seja, o de manutenção do impetrante na listagem da ampla concorrência, posto que, segundo o edital, há um quantitativo máximo de candidatos previstos para figurar na respectiva listagem que, no caso da opção exercida pelo impetrante (Ênfase 14: Engenharia de Equipamentos – Mecânica) é de 568, inferior à classificação por ele alcançada (1.292ª colocação). 12 – Recurso não provido. (TRF 3ª Região, 3ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5002516-13.2023.4.03.6100, Rel. Desembargador Federal NERY DA COSTA JUNIOR, julgado em 23/10/2023, Intimação via sistema DATA: 25/10/2023 – destaquei). “ADMINISTRATIVO. AÇÃO ORDINÁRIA. CONCURSO PÚBLICO. COTAS RACIAIS. AUTODECLARAÇÃO. PREVISÃO NO EDITAL DE POSTERIOR HETEROIDENTIFICAÇÃO BASEADO NO FENÓTIPO. LEGALIDADE. APELAÇÃO DO AUTOR IMPROVIDA. - Na hipótese, o apelante pleiteia reserva de uma vaga destinada a negros e pardos, no concurso do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, especialidade oficial de justiça avaliador. Consta que a comissão de avaliação da veracidade de sua declaração não o considerou negro, em razão de seu fenótipo. - É pacífico na jurisprudência desta E. Corte e dos Tribunais Superiores que a atuação do Poder Judiciário em certames seletivos e concursos públicos deve se restringir ao controle da legalidade e da observância das regras contidas no respectivo edital. Não cabe ao Judiciário, na hipótese, substituir-se à Administração nos critérios de seleção. - No presente caso, o item 6 do Edital n. 01/2018 de concurso público do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região tratou da reserva de vagas aos candidatos negros e determinou, como critério, além da autodeclaração, a convocação “antes da homologação do resultado final do concurso público, por meio de Edital específico, para avaliação da veracidade de sua declaração por Comissão a ser instituída pela Fundação Carlos Chagas.” - Houve procedimento administrativo para verificação da veracidade da autodeclaração de se tratar de candidato preto ou pardo, consistente em avaliação por Comissão de Avaliação, conforme o item 6.15.1 e seguintes do edital. Ou seja, havia previsão editalícia para a verificação posterior. - Assim, não se vislumbra ilegalidade no indeferimento da condição de candidato negro. - Apelação improvida”. (TRF 3ª Região, 4ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5017541-90.2019.4.03.6105, Rel. Desembargador Federal MONICA AUTRAN MACHADO NOBRE, julgado em 03/11/2022, DJEN DATA: 08/11/2022 – destaquei). “PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. SISTEMA DE COTAS. CRITÉRIO DE AVALIAÇÃO FENOTÍPICA. LEGALIDADE. NÃO ENQUADRAMENTO DO CANDIDATO NOS REQUISITOS PARA INCLUSÃO NA LISTA DE COTAS RACIAIS. PREVISÃO NO EDITAL. 1. “A concessão ou manutenção da gratuidade de justiça depende da comprovação da precariedade da situação econômico-financeira da parte, já que é relativa a presunção de veracidade da declaração de miserabilidade (hipossuficiência." (AgInt no AREsp 1825363/RJ, rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, DJe 25/02/2022. 2. Indeferimento do pedido de justiça gratuita formulado em sede recursal. Os documentos apresentados demonstram apenas os gastos do autor e não sua hipossuficiência econômica em arcar com as custas processuais (já recolhidas) e honorários advocatícios na hipótese de manutenção da sentença de improcedência. 3. O Edital que regula o concurso público "sub judice" prevê a adoção do critério de fenotipia ou seja, a manifestação visível das características físicas da pessoa , para a seleção de candidatos autodeclarados negros (pretos ou pardos), estabelecendo que a autodeclaração étnico-racial deve ser aferida por uma Comissão de Verificação. 4. Observa-se que, no preenchimento de vagas da cota questionada, o edital adotou critério misto, baseado tanto na autodeclaração do candidato, quanto na avaliação por comissão de heteroidentificação, sujeita ainda à comissão recursal para a avaliação do enquadramento do candidato na categoria a que se refere o edital do concurso público. 5. O fato de o candidato ter sido enquadrado em uma determinada cota, garantido acesso à reserva de vagas em outro concurso público, segundo regras do respectivo edital e avaliação realizada por comissão designada para aquele concurso, não gera direito adquirido à mesma condição ou resultado para vincular qualquer outro concurso público, ainda que do mesmo órgão ou instituição. 6. Em cada situação, deve ser verificado o cumprimento ou não dos requisitos de cada edital para a avaliação da adequação do procedimento para avaliação do candidato. Na avaliação fenotípica do candidato, não é avaliada sua origem genética, até porque, o preconceito e a discriminação existentes na sociedade não têm origem em diferenças de genótipo humano, mas sim em elementos fenotípicos (de aparência) de indivíduos e grupos sociais. 7. Tendo o edital adotado o critério do fenótipo, com aplicação estrita e de acordo com as regras do próprio edital do concurso, não cabe ao Poder Judiciário se imiscuir no mérito administrativo da decisão proferida pela banca julgadora. 8. O Supremo Tribunal Federal já decidiu sobre o não cabimento de revisão judicial de critério subjetivo de resultado de prova, que originariamente cabe à banca (AI 80.5328 AgR, relatora Ministra Cármen Lúcia, julgado em 25/09/2012, Acórdão Eletrônico DJe-199 Divulg 09/10/2012, publicado 10/10/2012. 9. Assinale-se que não se pode fazer prevalecer em favor de um candidato regra distinta da aplicada a todos os demais, em conformidade do edital do concurso, a violar os princípios da segurança jurídica, legalidade e isonomia, que orientam o acesso a cargos públicos. 10. Não obstante conste em documentos oficiais do apelante sua cor como parda ou se em outro concurso público teve confirmada sua autodeclaração racial, a comissão avaliadora questionada não se vincula a documento algum, parecer opinativo ou reconhecimento pretérito, podendo exercer livremente seu juízo técnico no caso concreto. 11. Ao magistrado cabe decidir acerca das diligências necessárias à formação do seu convencimento, considerando que ele é o destinatário final da instrução probatória, tendo sido oportunizado as partes a juntada de provas e manifestação sobre elas. 12. Respeitadas as previsões editalícias e ser o procedimento de heteroidentificação constitucional não se verifica afronta alguma à dignidade da pessoa humana, à garantia ao contraditório e à ampla defesa do apelante, estando ausente suposta ilegalidade capaz de macular o ato administrativo, porquanto a comissão responsável, afastou o enquadramento do candidato na cor parda, para os fins da lei nº 12.711/12. 13. Consigne-se que a sentença de procedência proferida no procedimento comum cível nº 5002793-68.2019.4.03.6100, a que se reporta o apelante, foi reformada por este Tribunal em julgamento ocorrido em 15/03/2022, DJEN: 18/03/2022. 14. Merece acolhida o recurso adesivo para majorar a verba honorária diante do baixo valor atribuído à causa (R$ 1.000,00), aplicando-se à hipótese a regra inserta no § 8º do art. 85 do Código de Processo Civil vigente para condenar o autor ao pagamento de honorários advocatícios fixados em R$ 1.000,00 (mil reais), com atualização a partir desta data, nos termos do Manual de Procedimentos para Cálculos da Justiça Federal, montante adequado à complexidade da causa e a remunerar de forma justa e digna o trabalho desempenhado pelo procurado. 15. Apelação improvida e recurso adesivo provido”. (TRF 3ª Região, 6ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5001638-30.2019.4.03.6100, Rel. Desembargador Federal MAIRAN GONCALVES MAIA JUNIOR, julgado em 29/08/2022, Intimação via sistema DATA: 30/08/2022 – destaquei). Por derradeiro, há de pontuar-se que, ao ver do verbete 625 da Súmula do e. STF, quando a problematização deduzida na sede mandamental passa a recair sobre matéria fática e esta for considerada imprescindível à lide, fica inibida automaticamente a outorga da ordem. Nesse exato sentido, precedente do e. STF, do qual extraio o seguinte fragmento: “(…) 18. Daqui se concluir, então, que o deslinde da controvérsia exige mesmo dilação probatória, incomportável na via processualmente acanhada do mandado de segurança, segundo a mais firme jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal. (...) 19. No ponto, cabe lembrar que, a teor da Súmula 625/STF, "controvérsia sobre matéria de direito não impede concessão de mandado de segurança". Logo, a contrario sensu, a controvérsia sobre matéria de fato - quando necessária ao desfecho da causa - representa, sim, empecilho ao deferimento da ordem requestada. Sendo este, patentemente, o caso dos autos.” (RMS 26.199, rel. min. Ayres Britto, 1ª T, j. 27-3-2007, DJE 8 4-5-2007.)” Ante o exposto, DENEGO A SEGURANÇA vindicada pelo impetrante. Não há condenação em honorários advocatícios, a teor do art. 25 da Lei nº 12.016/2009. É como voto.
IMPETRADO: PRESIDENTE DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3º REGIÃO
DECLARAÇÃO DE VOTO DO DES. FEDERAL JOHONSOM di SALVO
VICE-PRESIDENTE
Assim como o r. Relator, rejeito a alegação de decadência, na especificidade do caso.
No tema de fundo, a impetração não tem boa sorte.
Além da exauriente fundamentação exarada com a erudição de costume pelo d. Relator, o caso efetivamente confronta jurisprudência recentíssima do STJ sobre o tema, que segue:
ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO. RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. SISTEMA DE COTAS. CRITÉRIO DE AVALIAÇÃO FENOTÍPICA. LEGALIDADE. NÃO ENQUADRAMENTO DE CANDIDATO NOS REQUISITOS PARA INCLUSÃO NA LISTA DE COTAS RACIAIS. PREVISÃO NO EDITAL. NÃO COMPETE AO PODER JUDICIÁRIO SUBSTITUIR A BANCA EXAMINADORA. PROVIMENTO NEGADO.
1. Cuida-se de mandado de segurança impetrado contra ato atribuído ao Secretário de Administração e ao Secretário da Fazenda Pública, ambos do Estado da Bahia, consistente na exclusão da parte do concurso público para provimento de cargos de Auditor Fiscal / Tecnologia da Informação, regido pelo Edital SAEB/01/2019.
2. O entendimento desta Corte Superior é firme no sentido de que o critério de orientação para a confirmação do direito à concorrência especial há de fundar-se no fenótipo e não meramente no genótipo, na ancestralidade do candidato.
3. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é rigorosamente torrencial e uniforme quanto à obrigatoriedade de seguir-se fielmente as disposições do edital como garantia do princípio da igualdade, sem que isso signifique submissão alguma às exigências de ordem meramente positivistas.
4. É firme a jurisprudência desta Corte Superior de que não compete ao Poder Judiciário substituir a banca examinadora para reexaminar o conteúdo das questões e os critérios de correção utilizados, salvo ocorrência de ilegalidade ou de inconstitucionalidade (Aglnt nos EDcl no RMS 53.448/SC, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 6/6/2022, DJe de 10/6/2022; AgInt no RMS n. 49.239/MS, relatora Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, julgado em 20/10/2016, DJe de 10/11/2016).
5. Agravo interno a que se nega provimento.
(AgInt nos EDcl no RMS n. 69.978/BA, relator Ministro Paulo Sérgio Domingues, Primeira Turma, julgado em 23/10/2023, DJe de 25/10/2023.)
O critério de orientação para a confirmação do direito à concorrência especial há de fundar-se no fenótipo e não meramente no genótipo, na ancestralidade do candidato (AREsp n. 1.407.431/RS, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 14/5/2019, DJe de 21/5/2019.), de modo que é descabido o uso do mandado de segurança para elucidar questão similar à deduzida neste “mandamus”, confira-se: AgInt no RMS n. 61.579/RS, relatora Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, julgado em 27/6/2022, DJe de 1/7/2022. - AgInt no RMS n. 66.917/RS, relator Ministro Manoel Erhardt (Desembargador Convocado do TRF5), Primeira Turma, julgado em 19/10/2021, DJe de 22/10/2021.
Acompanho integralmente o excelente voto apresentado.
E M E N T A
CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. COTAS RACIAIS. CONCURSO PÚBLICO PARA PROVIMENTO DE CARGOS DE JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO. DECADÊNCIA QUE SE AFASTA. IMPUGNAÇÃO DIRIGIDA À PRODUÇÃO DE EFEITOS CONCRETOS PELO EDITAL. PROBLEMATIZAÇÃO DA AUTODECLARAÇÃO REALIZADA PELO CANDIDATO. LEGITIMIDADE DA CRIAÇÃO DE COMISSÃO DE HETEROIDENTIFICAÇÃO E DO CRITÉRIO DE FENOTIPIA PARA AVALIAÇÃO DA APLICAÇÃO DA AÇÃO AFIRMATIVA. INEXISTÊNCIA DE PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA EM PROL DO ALEGADO PELO IMPETRANTE. SEGURANÇA DENEGADA.
- O impetrante não impugna o Edital do XX Concurso para Provimento de Cargos de Juiz Federal Substituto e Juíza Federal Substituta da 3ª Região abstratamente considerado, mas a produção de seus efeitos no plano concreto. Considerada a data da divulgação do resultado definitivo do procedimento de heteroidentificação dos candidatos/candidatas que concorrem às vagas reservadas para pessoas negras, em que não confirmada a autodeclaração do autor, vislumbra-se a contemporaneidade do “writ”. Preambular destacada pelo MPF rejeitada.
- Descabida a alegação da ausência de previsão legal para a instituição de comissão de heteroidentificação em concurso para provimento do cargo público. A adoção dos sistemas de autoidentificação e/ou de heteroidentificação é legítima, para eventualmente justificar a exclusão do candidato do certame ou a anulação do ato de sua nomeação no cargo disputado, desde que se observem a dignidade pessoal dos candidatos e o contraditório e a ampla defesa,
- No caso, o edital de abertura do concurso, que é a lei do certame e vincula tanto a Administração quanto os candidatos, previu a comissão de heteroidentificação e o critério fenotípico para o ingresso no sistema de cotas raciais no concurso para provimento de cargo de juiz federal substituto e juíza federal substituta, no âmbito da Terceira Região.
- O impetrante teve conhecimento pleno do referido edital e deixou de questionar, a tempo e modo, quaisquer de seus dispositivos. A ineficácia de alguma norma editalícia exclusivamente em relação ao impetrante denotaria tratamento privilegiado, com violação à isonomia.
- À luz do edital de abertura do concurso e do previsto no Estatuto da Igualdade Racial (Lei 12.288/2010), a alegada ancestralidade do impetrante não tem o condão de modificar o que foi decidido pela Turma Recursal da Comissão de Heteroidentificação.
- Quanto à insistência do impetrante em que apresenta características fenotípicas compatíveis à sua autodeclaração como pardo, considere-se que os atos administrativos gozam de presunção de veracidade e legitimidade, inexistindo nos elementos suficientes a infirmar a conclusão da Turma Recursal da Comissão de Heteroidentificação. A própria análise da compleição do demandante, conforme fotografia do candidato obtida em sítio eletrônico e trazida à baila na decisão liminarmente proferida, não milita em favor da tese que advoga.
- Inexiste, pois, prova pré-constituída capaz de prontamente evidenciar a afirmada violação do direito líquido e certo do impetrante. Restaria ao vindicante trilhar o caminho da produção de provas para denotar a plausibilidade do direito que sustenta, constituindo, contudo, noção sabida a de que a ação mandamental inadmite dilação probatória. Precedentes.
- Quando a problematização deduzida na ação mandamental passa a recair sobre matéria fática e esta for considerada imprescindível à lide, inibida fica a outorga da ordem. Súmula STF 625, “a contrario sensu”.
- Ordem denegada.