APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0018988-73.2006.4.03.6100
RELATOR: Gab. 48 - DES. FED. SOUZA RIBEIRO
APELANTE: TV OMEGA LTDA.
Advogados do(a) APELANTE: ALAN GUSTAVO DE OLIVEIRA - SP237936-A, RIOLANDO DE FARIA GIAO JUNIOR - SP169494-A
APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, INTERVOZES - COLETIVO BRASIL DE COMUNICACAO SOCIAL, CENTRO DE DIREITOS HUMANOS - CDH, ASSOC.DA PARADA DO ORG.DE GAYS, LESB., BISSEX. E TRANSG. DE SAO PAULO, AIESSP - ASSOCIACAO DE INCENTIVO A EDUCACAO E SAUDE DE SAO PAULO, ACAO BROTAR PELA CIDADANIA E DIVERSIDADE SEXUAL - ABCD'S, IDENTIDADE - GRUPO DE ACAO PELA CIDADANIA HOMOSSEXUAL
Advogado do(a) APELADO: FERNANDO DE OLIVEIRA CAMARGO - SP144638-A
Advogado do(a) APELADO: ANA LUISA FERREIRA PINTO - SP345204-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0018988-73.2006.4.03.6100 RELATOR: Gab. 48 - DES. FED. SOUZA RIBEIRO APELANTE: TV OMEGA LTDA. Advogados do(a) APELANTE: ALAN GUSTAVO DE OLIVEIRA - SP237936-A, RIOLANDO DE FARIA GIAO JUNIOR - SP169494-A APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, INTERVOZES - COLETIVO BRASIL DE COMUNICACAO SOCIAL, CENTRO DE DIREITOS HUMANOS - CDH, ASSOC.DA PARADA DO ORG.DE GAYS, LESB., BISSEX. E TRANSG. DE SAO PAULO, AIESSP - ASSOCIACAO DE INCENTIVO A EDUCACAO E SAUDE DE SAO PAULO, ACAO BROTAR PELA CIDADANIA E DIVERSIDADE SEXUAL - ABCD'S, IDENTIDADE - GRUPO DE ACAO PELA CIDADANIA HOMOSSEXUAL Advogado do(a) APELADO: FERNANDO DE OLIVEIRA CAMARGO - SP144638-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Cuida-se de apelação, em ação de rito comum, ajuizada por Tv Ômega Ltda (Rede TV) em face do Ministério Público Federal e outros. Aduz que, em 10/2005, o MPF, junto a um grupo de entidades sem fins lucrativos, aforou a ACP 2005.61.00.024137-3 contra si, João Ferreira Filho (conhecido como João Kleber) e União, apontando violação a direitos fundamentais das pessoas e ofensa à dignidade e sexualidade alheias, que era praticada nos programas “Eu vi na TV” e “Tarde Quente”, nos quadros “Pegadinhas” e “Teste de Fidelidade”. Destaca que o pedido do MPF visou a que os programas não mais fossem transmitidos, fosse exibida programação que promovesse direitos humanos e fosse a União compelida a monitorar a programação da emissora, com imposição de multa, além de pagamento de danos morais e à rescisão do contrato de concessão. Todavia, diante de percalços inerentes, em 15/11/2005, para fins de continuidade de sua programação e para honrar compromissos comerciais, realizou acordo com o MPF, que foi homologado judicialmente. Defende que o enlace se relacionou com a causa de pedir e o pedido, portanto diz respeito aos programas “Tarde Quente” e “Eu vi na TV”, atrações que deixaram de ser veiculadas, portanto as obrigações estatuídas nas alíneas “e” até “j” da cláusula primeira, perderam objeto, já tendo cumprido às demais obrigações. Todavia, aventa ameaça de execução de multa prevista na letra “j”, para toda sua programação, ante declaração de Procurador da República atinente à mudança de horário do programa “Pânico na TV”, alteração esta de ordem interna da emissora, a fim de acatar recomendação de classificação indicativa do programa pelo Ministério da Justiça, debate este tratado em ação própria. Advoga no sentido de que não há cláusula específica estendendo os termos do acordo à integralidade de sua programação, ajuste este inadmissível, porque imporia censura prévia, destacando haver Manual de Classificação indicativa de programação, o que suficiente e tornando imprópria observância de cláusula proibitiva, constante de acordo judicial. Requer, então, o julgamento de procedência do pedido, para que seja declarada são as obrigações assumidas no acordo judicial, feito na ACP 2005.61.00.024137-3, restritas aos programas comandados por João Kleber, quais sejam, “Eu vi na TV” e “Tardes Quentes”, onde veiculados os quadros “Teste de Fidelidade” e “Pegadinhas” ou, alternativamente, circunscritas aos programas existentes à época, não albergando programação posterior. A r. sentença, lavrada sob a égide do CPC/1973, ID 102043591 - Pág. 96, julgou improcedente o pedido, asseverando que a parte autora busca à declaração de quais obrigações assumiu no acordo, portanto desnecessária a utilização de ação rescisória ou anulatória e, embora não seja modificável o pacto, não está impedido o conhecimento da extensão do que lá assumido, resumindo-se a pretensão autoral à declaração de existência ou de inexistência de relação jurídica. Pontuou que as obrigações assumidas têm caráter mandamental, inibitório de conduta futura que se adeque às situações trazidas na petição inicial da ACP como degradantes, assim restaram insertas todas as ofensivas aos homossexuais, afrodescendentes, mulheres, idosos, deficientes, indígenas, crianças ou adolescentes, estando sujeita a parte requerente às consequências do que voluntariamente assumido, não se tratando de interpretação extensiva, mas expressamente lançado cunho exemplificativo, pois considerados os programas “similares”, não se tratando de prévia censura, porque o acordo estabeleceu respeito às diversidades humanas, além de estar a parte requerente livre para judicializar demanda para afastar lesão ou ameaça de lesão, se entender que determinado programa não macula o ser humano. Sujeitou a parte autora ao pagamento de honorários, no importe de 10% sobre o valor dado à causa, a ser repartido igualmente entre os réus. Apelou a parte autora, ID 102043591 - Pág. 111, fundamentando suas razões nas mesmas teses prefaciais. Apresentadas as contrarrazões, ID 102043592 - Pág. 11, 34, 53, sem preliminares, subiram os autos a esta Corte. Petição da Defensoria Pública da União, apontando endereço da ONG Ação Brotar pela Cidadania e Diversidade Sexual – ABCDS, devendo referida entidade ser notificada no local declinado. Manifestou-se o MPF pelo desprovimento ao apelo, ID 281261333. É o relatório.
Advogado do(a) APELADO: ANA LUISA FERREIRA PINTO - SP345204-A
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0018988-73.2006.4.03.6100 RELATOR: Gab. 48 - DES. FED. SOUZA RIBEIRO APELANTE: TV OMEGA LTDA. Advogados do(a) APELANTE: ALAN GUSTAVO DE OLIVEIRA - SP237936-A, RIOLANDO DE FARIA GIAO JUNIOR - SP169494-A APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, INTERVOZES - COLETIVO BRASIL DE COMUNICACAO SOCIAL, CENTRO DE DIREITOS HUMANOS - CDH, ASSOC.DA PARADA DO ORG.DE GAYS, LESB., BISSEX. E TRANSG. DE SAO PAULO, AIESSP - ASSOCIACAO DE INCENTIVO A EDUCACAO E SAUDE DE SAO PAULO, ACAO BROTAR PELA CIDADANIA E DIVERSIDADE SEXUAL - ABCD'S, IDENTIDADE - GRUPO DE ACAO PELA CIDADANIA HOMOSSEXUAL Advogado do(a) APELADO: FERNANDO DE OLIVEIRA CAMARGO - SP144638-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O De início, conforme o ID 102043040 - Pág. 158, 201, 272, foram esgotadas as tentativas de localização da ONG Ação Brotar pela Cidadania e Diversidade Sexual – ABCDS; seguindo o CPC, determinou o E. Juízo de Primeiro Grau a citação por Edital, ID 102043040 - Pág. 308. Neste passo, ao presente momento processual, nenhuma providência incumbe ao Judiciário, cabendo à parte, se assim o desejar, comparecer ao processo e dele tomar conhecimento, recebendo-o no estado em que se encontra. Ademais, não se flagra qualquer tipo de prejuízo, à medida que os litisconsortes foram citados, tendo havido ampla defesa e o exercício do contraditório. No mais, de pleno insucesso o apelo empresarial. De fato, nos termos da petição inicial da ACP originária, ID 102040519 - Pág. 58, constata-se que o MPF, em sua postulação, teve por base abusos flagrados nos programas “Tarde Quente” e “Eu vi na TV”, onde narradas discriminações em razão de orientação sexual, ofensa à dignidade das pessoas e violência contra a mulher. Note-se, então, que a causa de pedir considerou os fatos, quais sejam, discriminações e violações à dignidade humana, que eram veiculados em mencionadas atrações. Logo, tecnicamente, a causa de pedir, evidentemente, não está limitada aos específicos programas ou a determinado apresentador, mas ao seu conteúdo, ao objeto que nele transmitido. Em outras palavras, teleologicamente abrangeu a ACP a circunstâncias sinalizadas antijurídicas em termos meritórios, não neste ou naquele programa, apresentado por este ou aquele apresentador. Para melhor aclaramento da controvérsia, mister a colação (destaques, ora negritados, externos ao original) das cláusulas entabuladas no acordo e alvo de questionamentos, ID 102040519 - Pág. 117 : “e) se abster de exibir, no quadro "Pegadinhas" ou outro similar, ofensas a homossexuais, afrodescendentes, mulheres, idosos, pessoas com deficiência, Indígenas, crianças a adolescentes; f) se abster de exibir, no quadro "Pegadinhas" ou outro similar, ofensas ou humilhações a pessoas comuns do povo; g) se abster de exibir, no quadro "Pegadinhas" ou outro similar, xingamentos ou palavras de baixo calão; h) se abater de exibir, no quadro "Teste de Fidelidade" ou outro similar, mulheres sendo "testadas" por atores do programa; i) se abster de exibir, no quadro "Teste de Fidelidade" ou outro similar, xingamentos e ofensas morais ou físicas a mulheres, homossexuais, afrodescendentes, idosos, pessoas com deficiência, indígenas, crianças e adolescentes; j) cumprir fielmente a classificação indicativa realizada pelo Departamento de Justiça, Classificação, Títulos e Qualificação - D3CTQ, órgão Integrante da Secretaria Nacional de Justiça;” Com efeito, como ao início destacado, abarcando a causa de pedir às condutas apontadas degradadoras da dignidade humana, não especificamente a determinado programa, que apenas servia para palco da divulgação e disseminação das repulsivas condutas, flagra-se que, no acordo, sabiamente, presente vedação das práticas “contra legem” em programas “similares”, o que sinaliza para elenco exemplificativo. Ora, a tentativa da empresa televisiva, de realizar a exegese no sentido de limitar o acordo, apenas aos programas indicados ou àqueles veiculados ao tempo dos fatos, a desafiar, “data venia”, ao bom senso e à inteligência de todos os participantes desta relação processual, beirando às raias da má-fé, “data venia”. Prosperasse a tese recursal, então teríamos o cenário de que aquela mesma programação pudesse a novamente ser veiculada, mas agora sob novo rótulo, sob novo horário e quiçá até com o mesmo apresentador, então livre estaria a transmissão de todos aqueles tristes episódios vulneradores da dignidade da pessoa humana, nada mais sem sentido. Aliás, tão questionável o ajuizamento desta ação que se põe possível a interpretação de que, então, não possui a Rede TV qualquer compromisso com as normas vigentes, nem com a alteração dos conceitos comportamentais, que hodiernamente permeiam à sociedade. É dizer, se em outros tempos algumas posturas, afirmações, insinuações, brincadeiras e práticas eram aceitas, passou a sociedade e a própria legislação a não mais tolerar a determinadas condutas, porque, de algum modo, houve evolução e compreensão de que tais posicionamentos, enraizados e livremente disseminados, são maléficos ao meio coletivo, porque estimulam violência, segregação, preconceito, machismo e maculam a isonomia com que todas as pessoas devem ser tratadas, independentemente de sua opção sexual, de sua raça, cor, etnia, religião ou qualquer distinção prejudicial. Então, de uma só vez, busca a parte apelante passar por cima da Lei Maior e de todo um ordenamento jurídico que tem por escopo reparar aos multifários problemas sociais vividos em Brasil e a proteger aos grupos hipossuficientes, alvo de segregação, tanto quanto reverbera desrespeito à coletividade dos telespectadores, afinal, se exitosa a demanda, tornaria a empresa a produzir programas apelativos, visando (de novo, “data venia) exclusivamente ao sensacionalismo barato e, consequentemente, à audiência instantânea – o que atrai a vorazes patrocinadores, sem preocupação com o conteúdo nem com a ética, mas que pensam exclusivamente no lucro advindo da exposição, e também gerando ganhos à parte autora – de um público, lamentavelmente, despido de cultura e que, inconscientemente, absorve conteúdo misógino, preconceituoso e estimulador de práticas prejudicais à convivência (já difícil) das pessoas no meio social, este extremamente violento, egoísta e praticamente indiferente quanto à busca por finalidades comuns, benéficas ao bem estar geral. Desta forma, não se há de falar em interpretação “extensiva” do acordo, porque entabulado dentro das raias da causa de pedir e do pedido da ACP, devendo a Rede TV observância àqueles termos, sob pena das sanções ali previstas. Ademais, a concessão para a exploração do serviço de telecomunicação, a que faz jus o polo autor, deve, nos termos das normas de regência, ser exercida com obediência às leis do País, assim a empresa deve se preocupar com a qualidade dos conteúdos que produz e veicula, sob pena de ser responsabilizada pelos excessos e desandos que praticar. Por fim, não se há de falar em censura prévia, porque atuou o MPF sobre fato concreto, tanto que, voluntariamente, aderiu a Rede Tv àqueles termos propostos, reconhecendo, assim, a existência de conteúdo impróprio, o que, aliás, acobertado pela “res judicata”, ponto pacífico, não comportando qualquer tipo de “arrependimento posterior”, experimentando a empresa as consequências da incauta produção de atrações violadoras de basilares preceitos atrelados à dignidade da pessoa humana, de índole constitucional. Além disso, como bem sentenciado, para cada situação específica, em que entender a empresa inocorrer vulneração aos princípios em pauta, poderá acessar o Judiciário, para debater lesão ou ameaça de lesão a direito que vindique possuir, art. 5º, inciso XXXV, CF. Sobretudo, reitere-se que o bom senso e o dever ético-moral da própria pessoa jurídica a balizar o escorreito caminho de seus passos, com imparcialidade jornalística e entretenimento de qualidade ao público, tudo a demandar estruturação, bons profissionais e estudo do competitivo mercado onde milita. Pertinente o registro, de saída, de que a obediência da empresa televisiva aos regramentos de programação indicativa, do Ministério da Justiça ou de qualquer órgão estatal que trate da matéria, a se conjugar com aquilo que objeto do retratado acordo com o MPF, um fato a não excluir ao outro, portanto harmônicas as previsões, não havendo de se falar em “bis in idem”. Ausentes honorários recursais, por sentenciada a causa sob a égide do CPC anterior, EDcl no AgInt no REsp 1573573/RJ, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 04/04/2017, DJe 08/05/2017. Por conseguinte, em âmbito de prequestionamento, refutados se põem os demais ditames legais invocados em polo vencido, que objetivamente a não socorrerem, com seu teor e consoante este julgamento, ao mencionado polo (artigo 93, IX, CF). Ante o exposto, pelo improvimento à apelação, tudo na forma retro estabelecida. É como voto.
Advogado do(a) APELADO: ANA LUISA FERREIRA PINTO - SP345204-A
E M E N T A
AÇÃO DE RITO COMUM – CONSTITUCIONAL – ACORDO REALIZADO PELA REDE TV COM O MPF, EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA, VISANDO A COIBIR A VEICULAÇÃO DE PROGRAMAÇÃO VIOLADORA DE PRECEITOS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA – CAUSA DE PEDIR E PEDIDO OBSERVADOS NO PACTO, QUE TEM NATUREZA EXEMPLIFICATIVA, VEDANDO ÀQUELAS PRATICAS EM PROGRAMAS “SIMILARES” E NÃO APENAS NAQUELES ONDE FOI FLAGRADA, AO TEMPO DOS FATOS, CONDUTA ANTIJURÍDICA – INEXISTÊNCIA DE CENSURA PRÉVIA – COEXISTÊNCIA DAQUELES MANDAMENTOS COM AS REGULAÇÕES EMANADAS DO MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E DEMAIS ÓRGÃOS ESTATAIS REGULADORES – IMPROCEDÊNCIA AO PEDIDO – IMPROVIMENTO À APELAÇÃO DA EMPRESA TELEVISIVA
1 - Conforme o ID 102043040 - Pág. 158, 201, 272, foram esgotadas as tentativas de localização da ONG Ação Brotar pela Cidadania e Diversidade Sexual – ABCDS; seguindo o CPC, determinou o E. Juízo de Primeiro Grau a citação por Edital, ID 102043040 - Pág. 308.
2 - Ao presente momento processual, nenhuma providência incumbe ao Judiciário, cabendo à parte, se assim o desejar, comparecer ao processo e dele tomar conhecimento, recebendo-o no estado em que se encontra.
3 - Não se flagra qualquer tipo de prejuízo, à medida que os litisconsortes foram citados, tendo havido ampla defesa e o exercício do contraditório.
4 - Nos termos da petição inicial da ACP originária, ID 102040519 - Pág. 58, constata-se que o MPF, em sua postulação, teve por base abusos flagrados nos programas “Tarde Quente” e “Eu vi na TV”, onde narradas discriminações em razão de orientação sexual, ofensa à dignidade das pessoas e violência contra a mulher.
5 - Note-se, então, que a causa de pedir considerou os fatos, quais sejam, discriminações e violações à dignidade humana, que eram veiculados em mencionadas atrações.
6 - Logo, tecnicamente, a causa de pedir, evidentemente, não está limitada aos específicos programas ou a determinado apresentador, mas ao seu conteúdo, ao objeto que nele transmitido.
7 - Teleologicamente abrangeu a ACP a circunstâncias sinalizadas antijurídicas em termos meritórios, não neste ou naquele programa, apresentado por este ou aquele apresentador.
8 - Para melhor aclaramento da controvérsia, mister a colação (destaques, ora negritados, externos ao original) das cláusulas entabuladas no acordo e alvo de questionamentos, ID 102040519 - Pág. 117 (vide inteiro teor).
9 - Como ao início destacado, abarcando a causa de pedir às condutas apontadas degradadoras da dignidade humana, não especificamente a determinado programa, que apenas servia para palco da divulgação e disseminação das repulsivas condutas, flagra-se que, no acordo, sabiamente, presente vedação das práticas “contra legem” em programas “similares”, o que sinaliza para elenco exemplificativo.
10 – A tentativa da empresa televisiva, de realizar a exegese no sentido de limitar o acordo, apenas aos programas indicados ou àqueles veiculados ao tempo dos fatos, a desafiar, “data venia”, ao bom senso e à inteligência de todos os participantes desta relação processual, beirando às raias da má-fé, “data venia”.
11 - Prosperasse a tese recursal, então teríamos o cenário de que aquela mesma programação pudesse a novamente ser veiculada, mas agora sob novo rótulo, sob novo horário e quiçá até com o mesmo apresentador, então livre estaria a transmissão de todos aqueles tristes episódios vulneradores da dignidade da pessoa humana, nada mais sem sentido.
12 - Tão questionável o ajuizamento desta ação que se põe possível a interpretação de que, então, não possui a Rede TV qualquer compromisso com as normas vigentes, nem com a alteração dos conceitos comportamentais, que hodiernamente permeiam à sociedade.
13 - Se em outros tempos algumas posturas, afirmações, insinuações, brincadeiras e práticas eram aceitas, passou a sociedade e a própria legislação a não mais tolerar a determinadas condutas, porque, de algum modo, houve evolução e compreensão de que tais posicionamentos, enraizados e livremente disseminados, são maléficos ao meio coletivo, porque estimulam violência, segregação, preconceito, machismo e maculam a isonomia com que todas as pessoas devem ser tratadas, independentemente de sua opção sexual, de sua raça, cor, etnia, religião ou qualquer distinção prejudicial.
14 - Então, de uma só vez, busca a parte apelante passar por cima da Lei Maior e de todo um ordenamento jurídico que tem por escopo reparar aos multifários problemas sociais vividos em Brasil e a proteger aos grupos hipossuficientes, alvo de segregação, tanto quanto reverbera desrespeito à coletividade dos telespectadores, afinal, se exitosa a demanda, tornaria a empresa a produzir programas apelativos, visando (de novo, “data venia) exclusivamente ao sensacionalismo barato e, consequentemente, à audiência instantânea – o que atrai a vorazes patrocinadores, sem preocupação com o conteúdo nem com a ética, mas que pensam exclusivamente no lucro advindo da exposição, e também gerando ganhos à parte autora – de um público, lamentavelmente, despido de cultura e que, inconscientemente, absorve conteúdo misógino, preconceituoso e estimulador de práticas prejudicais à convivência (já difícil) das pessoas no meio social, este extremamente violento, egoísta e praticamente indiferente quanto à busca por finalidades comuns, benéficas ao bem estar geral.
15 - Não se há de falar em interpretação “extensiva” do acordo, porque entabulado dentro das raias da causa de pedir e do pedido da ACP, devendo a Rede TV observância àqueles termos, sob pena das sanções ali previstas.
16 - A concessão para a exploração do serviço de telecomunicação, a que faz jus o polo autor, deve, nos termos das normas de regência, ser exercida com obediência às leis do País, assim a empresa deve se preocupar com a qualidade dos conteúdos que produz e veicula, sob pena de ser responsabilizada pelos excessos e desandos que praticar.
17 - Não se há de falar em censura prévia, porque atuou o MPF sobre fato concreto, tanto que, voluntariamente, aderiu a Rede Tv àqueles termos propostos, reconhecendo, assim, a existência de conteúdo impróprio, o que, aliás, acobertado pela “res judicata”, ponto pacífico, não comportando qualquer tipo de “arrependimento posterior”, experimentando a empresa as consequências da incauta produção de atrações violadoras de basilares preceitos atrelados à dignidade da pessoa humana, de índole constitucional.
18 - Como bem sentenciado, para cada situação específica, em que entender a empresa inocorrer vulneração aos princípios em pauta, poderá acessar o Judiciário, para debater lesão ou ameaça de lesão a direito que vindique possuir, art. 5º, inciso XXXV, CF.
19 - Reitere-se que o bom senso e o dever ético-moral da própria pessoa jurídica a balizar o escorreito caminho de seus passos, com imparcialidade jornalística e entretenimento de qualidade ao público, tudo a demandar estruturação, bons profissionais e estudo do competitivo mercado onde milita.
20 - Pertinente o registro, de saída, de que a obediência da empresa televisiva aos regramentos de programação indicativa, do Ministério da Justiça ou de qualquer órgão estatal que trate da matéria, a se conjugar com aquilo que objeto do retratado acordo com o MPF, um fato a não excluir ao outro, portanto harmônicas as previsões, não havendo de se falar em “bis in idem”.
21 - Ausentes honorários recursais, por sentenciada a causa sob a égide do CPC anterior, EDcl no AgInt no REsp 1573573/RJ, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 04/04/2017, DJe 08/05/2017.
22 – Improvimento à apelação. Improcedência ao pedido.