Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5004550-48.2019.4.03.6181

RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS

APELANTE: HIAGO HERIK PACIENCIA SANTOS

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, OPERAÇÃO SAPAJUS

OUTROS PARTICIPANTES:

DENUNCIADO: JAIRO DA SILVA, BARBARA KARINA DO NASCIMENTO OLIVEIRA, LUCAS NUNES FERREIRA, DANIEL ENRIQUE GUERRA, JEANDSON SANTOS DO NASCIMENTO, ROBERTO APARECIDO RODRIGUES, RAFAEL BISPO DA SILVA SANTOS, JORGE PEDRO DA SILVA, JOSE ARNALDO FERREIRA DE SOUZA, FLAVIA DE SOUZA CAMARGO, GENIVAL TRAJANO MONTEIRO, LAUDSON NUNES GALVAO DA CUNHA, DIEGO MENDES DA SILVA GOMES
 

ADVOGADO do(a) DENUNCIADO: THAIS VASCONCELLOS DE SOUZA - SP390821
ADVOGADO do(a) DENUNCIADO: THAIS VASCONCELLOS DE SOUZA - SP390821

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5004550-48.2019.4.03.6181

RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS

APELANTE: HIAGO HERIK PACIENCIA SANTOS

 

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, OPERAÇÃO SAPAJUS

 

OUTROS PARTICIPANTES:

DENUNCIADO: JAIRO DA SILVA, BARBARA KARINA DO NASCIMENTO OLIVEIRA, LUCAS NUNES FERREIRA, DANIEL ENRIQUE GUERRA, JEANDSON SANTOS DO NASCIMENTO, ROBERTO APARECIDO RODRIGUES, RAFAEL BISPO DA SILVA SANTOS, JORGE PEDRO DA SILVA, JOSE ARNALDO FERREIRA DE SOUZA, FLAVIA DE SOUZA CAMARGO, GENIVAL TRAJANO MONTEIRO, LAUDSON NUNES GALVAO DA CUNHA, DIEGO MENDES DA SILVA GOMES
 

ADVOGADO do(a) DENUNCIADO: THAIS VASCONCELLOS DE SOUZA - SP390821
ADVOGADO do(a) DENUNCIADO: THAIS VASCONCELLOS DE SOUZA - SP390821

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS:

Trata-se de recurso de Apelação interposto por HIAGO HERIK PACIENCIA SANTOS (nascido em 21.05.1994) contra a r. sentença (ID n. 152257831 – fls. 01/516 e alterada pelo acolhimento parcial dos Embargos de Declaração no ID n. 152257892- fls. 1/5), proferida pela Exma. Juíza Federal Maria Isabel do Prado (5ª Vara Federal Criminal de São Paulo/SP), que julgou PARCIALMENTE PROCEDENTE a Ação Penal Pública Incondicionada para:

  1. CONDENAR o réu pelos crimes de Associação Criminosa (artigo 288, CP), receptação Qualificada (artigo 180, § 1°, CP), Caça de Animais Silvestres (artigo 29, caput, da Lei 9.605/1998), Comercialização de Animais Silvestres (artigo 29, §1°, inciso III, da Lei 9.605/1998) e Maus-tratos (artigo 32 da Lei 9.605/1998), às penas de 09 (NOVE) ANOS, 05 (CINCO) MESES e 18 (DEZOITO) DIAS DE RECLUSÃO, e 04 (QUATRO) ANOS E 04 (QUATRO) MESES DE DETENÇÃO, EM REGIME INICIAL FECHADO, E PAGAMENTO DE 1791 (MIL SETECENTOS E NOVENTA E UM) DIAS-MULTA NO VALOR UNITÁRIO DE 1/30 DO MAIOR SALÁRIO MÍNIMO VIGENTE NO ANO DE 2018.

  2. ABSOLVER o acusado quanto aos crimes de perigo para vida ou saúde de outrem (art. 132 do CP), falsificação de selo ou sinal público (art. 296 do CP), falsificação de documento particular (art. 299 do Código Penal) e falsidade ideológica (art. 297 do Código Penal), por insuficiência de provas, com fulcro no art. 386, VII, do Código de Processo Penal.

 

Consta da r. denúncia apresentada nos autos originais nº 50000095-40.2019.403.6181 (ID nº 152257632 – fls. 1/44):

(...)

III. PROVAS DA MATERIALIDADE DESEMPENHADAS DAS CONDUTAS CRIMINOSAS

Mediante todo o conjunto probatório idôneo amealhado durante a presente investigação criminal, foi possível comprovar a materialidade autoria dos seguintes crimes cometidos pelos investigados: Crime ambiental contra Fauna, caça de animais silvestres: artigo 29, capuz, Lei 9.605/1998; Crime ambiental contra a Fauna, comercialização de animais silvestres: artigo 29, § 1º. inciso III, da Lei 9.605/1998; Crime Ambiental de Maus-tratos: artigo 32 da Lei 9.605/1998; Crime de receptação qualificada: artigo 180, § 1º. do Código Penal; Crime de perigo para a vida ou saúde de outrem: artigo 132 do Código Penal; Crime de associação criminosa artigo 288 do Código Penal; Crime de falsificação de documento público: artigo 297 do Código Penal; Crime de falsificação de selo ou sinal público: artigo 296 do Código Penal; Crime de falsidade ideológica, art. 299 do Código Penal; e Crime de corrupção de menor: artigo 244-B da Lei Federal 9.069/1990 (ECA), praticados pelos ora denunciados, relacionados a este caso.

Cabe destacar que há nos autos diversas provas da materialidade dos crimes ora apurados, apontando que os envolvidos estavam praticando atividades ilícitas em escalada. Além disso: áudios. comunicações, provas das prisões. possibilitaram. já em um primeiro momento, comprovar a materialidade delitiva.

Da mesma forma, as Interceptações telefônicas dos ora denunciados, realizadas durante as várias etapas investigatórias sigilosas, permitiram. sem sombra de dúvidas, concluir pela veracidade dos fatos inicialmente apontados pelo noticiante Sr. Vílson,  de modo a delimitar a participação de cada denunciado nos ilícitos praticados.

Considerando a elaboração dos respectivos Autos Circunstanciados, ao longo das investigações policiais, não entendemos necessário aqui reproduzir o inteiro teor de seus conteúdos, uma vez que já está presente nos autos mencionados a íntegra dos mesmos. Portanto, tendo em vista o conjunto probatório obtido, presente denúncia privilegia a transcrição apenas dos conteúdos mais relevantes comprovação da materialidade e autoria delitivas. dividindo-os em tópicos para a melhor compreensão do texto.

Há nos autos a prova da detenção do Investigado JAIRO DA SILVA, vulgo "CABRAL" na posse de 66 (sessenta e seis) saguis e 142 (cento quarenta e dois) pássaros silvestres na cidade de Osasco/SP. na data recente de 11/03/2019, conforme Termo Circunstanciado às fls. 14 do Anexo VI da representação da Autoridade Policial, momento em que foi detido junto a outro investigado, GENIVAL TRAJANO MONTEIRO/BOLA.

Ainda, onde consta a Informação de Polícia Judiciária no 094/2019, proveniente da Superintendência Regional da Polícia Federal no Estado de Minas Gerais - MG, narrando envolvimento do investigado HIAGO HERIK PACIENCIA SANTOS, vulgo "HIAGO", na venda de UM macaco na cidade de Belo Horizonte/MG, com fundada suspeita de falsificação de nota fiscal - inclusive se identificando como RICHARD.

Cabe citar que no curso das investigações criminais exsurgiu a notícia de apreensão de 60 (sessenta) pássaros silvestres, araras (02 ameaçadas de extinção), papagaios e curiós: pela Policia Rodoviária Federal. no município de Uruaçu/GO, na data de 01.04.2019, que estavam sendo transportados em veículo automotor, em poder do investigado JORGE PEDRO DA SALVA, de LAUDSON NUNES GALVAO DA CUNHA e de HADASSA MICAELY DE SOUZA SILVA (filha de CABRAL) - Boletim de Ocorrência PRF no ]395939190401212101 -Anexo IX.

Além disso, consta prova documental da apreensão de centenas de animais silvestres em Francisco Morato, na data de 10.10.2018 (Anexo III), a apreensão de um macaco-prego em Jacareí/SP, conforme Termo Circunstanciado no 003/2018(cópia - Apenso II - IPL 001/2019-DELEMAPH-SP(Anexo VII)); a apreensão de um macaco-prego e de arajuba em Jacareí/SP  (Termo Circunstanciado n. 01/2018- DPF/SJK/SP - Apenso I - Anexo VII); "prints" extraídos de redes sociais contendo anúncios de vendas de animais silvestres com fotografias dos animais e telefones dos Investigados (IPL n' 001/2019/DELEMAPH -- oriundo do IPL 001/2019/DELEMAPH -- oriundo do IPL 88/2018/DPF/SÃO JOSE DOS CAMPOS) -- Anexo VIII.

Finalmente, por meio do ofício n. 25/2019- DELEMAPH/DRCOR/SR/PF/SP, a Autoridade Policial apresentou manifestação com os elementos de prova material colhidos por ocasião do cumprimento do mandados de busca e apreensão nas residências dos investigados, que robustecem o quanto alegado pela peça acusatória

(...)

9. HIAGO HERIK PACIENCIA SANTOS/HIAGO

Referente ao investigado HIAGO HERIK PACIENCIA SANTOS, de acordo com a Informação de Polícia Judiciária 007/2019, às fls. 17 do Anexo II, o investigado era desconhecido até então dentro da Operação URUTAU, tendo importantes diálogos interceptados no bojo da Operação SAPAJUS, demonstrando que HIAGO, que por vezes se apresentava como "RICHARD", é bastante atuante no comércio de animais silvestres, bem como na captura destes diretamente na natureza.

Ainda, nas pesquisas utilizando o terminal telefónico identificado como HIAGO, relatadas na Informação de Polícia Judiciária 007/2019, foram identificados diversos anúncios de venda de animais em sítios virtuais. As pesquisas utilizando o terminal telefónico de HIAGO, em 27/02/2019, no sítio virtual "Animais de Estimação", resultaram num total de 06 anúncios ativos, incorrendo na prática criminosa de expor à venda animais silvestres, conforme tipificado no artigo 29, § 1º,  inciso III, da Lei 9.605/1998.

Por fora, cabe destacar o noticiado peia Autoridade Policial no Anexo XI, onde consta a Informação de Polícia Judiciária n. 094/2019, proveniente da Superintendência Regional da Polícia Federal no Estado de Minas Gerais-MG, narrando envolvimento do investigado HIAGO na venda de um macaco na cidade de Belo Horizonte/MG, com fundada suspeita de falsificação de nota fiscal - inclusive se identificando como "RICHARD".

Desta forma, verificamos que HIAGO participa intensamente das práticas criminosas ora investigadas, haja vista os fortes indícios contidos na Informação de Polícia Judiciária 007/2019, demostrando que o investigado faz da mercancia ilegal e do tráfico de animais silvestres como forma de vida.

Constam, ainda. fortes indícios de que HIAGO e CABRAL atuam juntos na caça dos animais comercializados de forma ilegal, conforme consta da Informação de Polícia Judiciária n. 007/2019, vide Anexo VII. A associação entre HIAGO e CABRAL também se demonstra a partir dos autos de apreensão de um macaco-prego em poder de Fátima Aparecida Ribeiro, que teria sido vendido a ela por RAFAEL; que estava acompanhado de HIAGO HERIK PACIENCIA SANTOS, conforme Termo Circunstanciado n 003/2018- 4/DPF/SJK/SP, Apenso II do IPL 01/2019/DELEMAPH/SP (antigo IPL 188/2018- DPF/SJK/SP).

Infere-se, dessa maneira, a existência de uma sucessão de liame subjetivo correspondente a CABRAL com RAFAEL e este, por sua vez, com HIAGO.

Assim sendo, nos termos demonstrados, resta evidente associação criminosa de HIAGO HERIK PACIENCIA SANTOS aos demais investigados, com vínculo de estabilidade e permanência, configuradores do crime de associação criminosa, devendo responder pelas canções cominadas pelo tipo penal descrito no artigo 288 do Código Penal.

Além disso, deverá ser condenado pelas condutas criminosas descritas pelo artigo 132 (crime de perigo para a vida ou saúde de outrem), artigo 180, §1º (crime de receptação qualificada), artigo 296 (crime de falsificação de selo ou sinal público), artigo 298 (crime de falsificação de documento privado) e artigo 299 (crime de falsidade ideológica) do Código Penal. c.c artigo 29, caput e § 1º. Inciso III (adquirir, guardar, ter em cativeiro ou depósito, expor à venda e comercializar animais silvestres) e artigo 32 (crime de maus-tratos) da Lei 9.605/1998, conforme farta prova acostada nos autos e condutas devidamente descritas nesta peça acusatória.

(...)

V. ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA

Por meio de todo o conjunto probatório até então colacionado aos autos, é possível constatarmos que, além dos variados crimes praticados pelos ora denunciados, há veementes indícios da consumação do crime de quadrilha ou bando na forma do artigo 288 do Código Penal.

Vejamos.

Durante as investigações, verificou-se que os investigados se associam, de modo estável, com funções definidas por meio de um pacto informal, voltado à prática de crimes destinados à caça e comercialização de animais silvestres de forma ilegal; falsificação de selos públicos (anilhas);  falsificação de notas fiscais de criadouros autorizados, bem como a venda de documentação falsa para "esquentar" os animais de origem ilícita, além de guardar e ter em cativeiro animais de origem ilícita.

Conforme já tratado acima, no Auto Circunstanciado n. 01/2019, transcrito às fls. 50/52, do Anexo II, foi registrado um importante diálogo entre FLÁVIA e PERNAMBUCO, onde constam fortes indícios de que FLÁVIA e PERNAMBUCO são associados aos demais investigados nas atividades ilícitas voltadas a crimes contra a fauna. Cabe ressaltar ainda que PERNAMBUCO e FLAVIA conversam sobre quase todos os investigados, demonstrando â associação criminosa entro eles. Exemplifica-se:

(...) é, foi ele sim porque eu vou te mandar o áudio que o CABRAL mandou, até mesmo porque chegou lá pro JEAN antes de ontem o saguizinho.(...) Aí quando foi ontem, o CABRAL tava elogiando demais o ALEMÃO, falando pra mim ficar com o ALEMÃO, que o ALEMÃO era muito gente boa, que eu tinha que largar o DIEGO (...)

(...) ah, então, mas o ALEMÃO veio buscar a BARBARA, vendeu tudo do ALEMÃO (...) Eu falei oxe, mas o PERNAMBUCO não tá nem conseguindo entrar em contato com o ALEMÃO, porque o ALEMÃO não tá nem com celular (...)

(....) Se pega do JEAN tinha sido melhor pra você também, antes de passar pro CABRAL (...) Não, eu pego do JEAN. Eu pego do JEAN a noventa (...)

 

Na mesma esteira, em diálogo interceptado na Operação URUTAU, contido na Informação de Polícia Judiciária 007/2019, às fls. 22 do Anexo II, entre os investigados LUCAS e CABRAL, há indicação de que PERNAMBUCO seria um dos principais fornecedores de animais silvestres para LUCAS, além de comentarem sobre a participação de FLAVIA e ALEMÃO no esquema.

Cabe salientar que DIEGO foi identificado como motorista de FLAVIA. Outrossim, conforme consta da Auto Circunstanciado no 03/2018, especialmente às fls. 160/161 do Anexo I, houve registro de comunicação onde JEANDSON/JEAN negocia com um interlocutor com alcunha ALEMÃO, que lhe oferece "verdinhos". Naquele momento foi identificado que o cadastro da linha telefônica usada por ALEMÃO estava em nome de LAUDSON NUNES GALVAO DA CUNHA. Neste diálogo há fortes indícios de que ALEMÃO é fornecedor de animais a JEANDSON.

Novamente, cabe citar que no curso das investigações criminais exsurgiu a notícia de apreensão de 60 (sessenta) pássaros silvestres, araras (02 ameaçadas de extinção), papagaios e curiós. pela Polícia Rodoviária Federal, no município de Uruaçu/GO, na data de 01 .04.2019, que estavam sendo transportados em veículo automotor, em poder do investigado JORGE PEDRO DA SILVA/PERNAMBUCO, de LAUDSON NUNES GALVÃO DA CUNHA/ALEMÃO e de HADASSA MICAELY DE SOUZA SILVA (filha de CABRAL) com seu filho menor -- conforme o Boletim de Ocorrência PRF n. 1395939]90401212101 -Anexo IX.

Essas duas ligações Interceptadas e a notícia da apreensão ocorrida em 01.04.2019, além de serem prova incontestável da associação criminosa, também demonstram, destarte, que os membros da associação criminosa investigada, ainda que reunidos por vezes em células independentes umas das outras, combinam suas atividades por intermédio de frequentes comunicações e mensagens entre si, com vínculos de estabilidade e permanência.

Neste mesmo sentido, outra célula criminosa se comprova com as evidências transcritas no Auto Circunstanciado de n. 02/2019 – Complementar, referente este ao Período de Monitoramento efetuado no presente feito (25/03/2019 a 02/05/2019), momento em que exsurge prova da associação criminosa de CABRAL e BEECK com demais investigados, onde foi destacado o diálogo de CABRAL com um interlocutor identificado como "BOLA", cujo telefone pertence a GENIVAL TRAJANO PONTEIRO, no qual CABRAL pede a BOLA que pegue BÁRBARA nas Malvinas para que juntos façam uma entrega em Mogi.

Em tempo, conforme importantes diálogos interceptados no bojo da Operação SAPAJUS, o investigado HIAGO, que por vezes se apresentava como "RICHARD", é bastante atuante no comércio de animais silvestres, bem como na captura destes diretamente na natureza. Constam, ainda, fortes indícios de que HIAGO e CABRAL possam atuar juntos na caça dos animais comercializados.

Da mesma forma, conforme constou às fls. 26/26 da Informação de Polícia Judiciaria 007/2019. no Anexo II, no segundo áudio interceptado no bojo da Operação SAPAJUS, PERNAMBUCO e JOSÉ ARNALDO FERREIRA DE SOUZA conversam sobre a entrega de animais a PERNAMBUCO, tendo o segundo identificado como aparente fornecedor de animais à PERNAMBUCO.

Ainda, e de acordo com o apurado pela investigação criminal consta dos autos a apreensão de um macaco-prego em poder de Fátima Aparecida Ribeiro, que teria sido vendido a ela por RAFAEL, que estava acompanhado de seu parceiro nas atividades criminosas, o também investigado HIAGO HERIK PACIENCIA SANTOS, conforme Termo Circunstanciado n. 003/2018-4/DPF/SJK/SP, apenso II do IPL 01/2019/DELEMAPH/SP (antigo IPL 1 88/2018-DPF/SJK/SP).

Por derradeiro, outro importante diálogo foi interceptado no período de monitoramento consubstanciado no Auto Circunstanciado n. 02/2019- complementar, em que ROBERTO conversa com um interlocutor identificado como HNI sobre a compra de ararajubas, araras e outras aves. Durante o diálogo, falam mais de uma vez que ALEMÃO é funcionário de PERNAMBUCO. Comentam ainda sobre prisão de ALEMÃO e PERNAMBUCO, ocorrida em Golas, na data de 01.04.2019, mencionada acima, robustecendo a tese da associação criminosa entre os investigados.

Desse modo, há provas suficientes de autoria e materialidade do crime de quadrilha ou bando, sendo que a sequência fática descrita acima demonstra a consumação, seguida do exaurimento, do crime de associação criminosa, praticado pelos envolvidos nos fatos.

A narrativa da denúncia não deixa dúvidas quanto à prática do referido crime de associação criminosa. Há uma sequência de fatos criminosos que se desenvolvem no tempo, de forma coordenada, e praticados por um conjunto uniforme de atores. Os elementos de estabilidade e permanência, nessa situação. são indiscutíveis, com o propósito de praticar vários crimes contra a fauna silvestre. O conjunto dos fatos aqui descritos, em cotejo com os demais elementos dos autos â apontar as condutas ilícitas praticadas pela totalidade dos investigados indica a conclusão de que todos devem responder pelo crime de quadrilha ou bando, na forma do art. 288 do Código Penal.

 

Diante disso, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL denunciou o investigado HIAGO, acerca do qual se trata o presente feito, nos seguintes termos: artigo 29, caput, da Lei 9.605/1998; artigo 29, §1º, inciso III, da Lei 9.605/1998; crime de perigo para vida ou saúde de outrem (artigo 132, CP); crime de receptação qualificada (artigo 180, §§1º, CP); associação criminosa (artigo 288, CP); art. 299 do Código Penal (falsidade ideológica); art. 298 do Código Penal (falsificação do documento particular) e art. 296 do Código Penal (falsificação de selo ou sinal público).

 

A r. denúncia foi recebida em 16.07.2019 (ID nº 152257639 –fls. 1/3).

 

Em 13.09.2019, no ID n. 152257643, o juízo a quo constatou que HIAGO HERIK PACIENCIA SANTOS, com mandado de prisão preventiva pendente de cumprimento, havia sido citado e intimado por edital, não apresentando, entretanto, resposta à acusação. Em sendo assim, diante da impossibilidade de localização do denunciado, procedeu-se o desmembramento do feito original (autos n. 50000095-40.2019.403.6181) com relação a tal réu, determinando-se, com fundamento no artigo 366 do Código de Processo Penal, a suspensão do processo e do prazo prescricional, e dando-se origem ao presente feito (autos n. 5004550-48.2019.403.6181).  

 

Após o cumprimento de mandado de prisão preventiva então em aberto em 13.03. 2020 (ID n. 152257645), foi proferido despacho retomando o curso processual, com abertura de vista à Defensoria Pública da União para a apresentações de resposta à acusação em 25.03.2020 (ID n. 152257667).

 

Processado regularmente o feito, sobreveio a r. sentença, publicada em 24.07.2020 (ID nº 52257831 – fls. 1/516).

 

A Defensoria Pública da União interpôs Embargos de Declaração (152257890- fls. 1/6), os quais foram parcialmente acolhidos (ID n. 152257892- fls. 1/5) apenas para integrar a sentença com o texto que supriu a omissão sobre o pedido de reconhecimento de atenuante referente à alegada confissão espontânea, negando tal pleito, bem como, para retificar e completar o dispositivo, tendo em vista a procedência parcial da ação e o regime inicial fechado para o cumprimento da pena privativa de liberdade, conforme fixado na sentença.

 

Não houve recurso do Ministério Público Federal.

 

A Defensoria Pública da União, em favor de HIAGO, em suas razões de Apelação (ID n. 152257902), sustenta, em síntese: 1) a inépcia da denúncia por ausência de descrição objetiva dos fatos imputados ao réu, com a consequente inviabilidade do exercício de defesa; 2) a nulidade da sentença condenatória por insuficiência de fundamentação; 3) a necessária absolvição quanto aos crimes imputados de maneira geral, por ausência de indícios suficientes de autoria; 4) a absolvição com relação ao delito de associação criminosa pela inexistência de vínculo de permanência e estabilidade; 5) a consunção do delito de receptação qualificada, configurado como mero exaurimento dos delitos anteriores; 6) a absolvição quanto ao delito do art. 32 da Lei de Crimes Ambientais por insuficiência de provas, pela ausência de laudo pericial quanto a esse aspecto e pela não descrição na inicial acusatória; QUANTO À DOSIMETRIA DAS PENAS 7) a fixação da pena-base dos delitos no mínimo legal; 8) o reconhecimento da atenuante da confissão espontânea quanto ao delito do art. 29, § 1º, inciso III, da Lei n. 9.605/1998; 9) o afastamento da causa de aumento do art. 29, § 4º, por ausência de dolo; 10) o afastamento das agravantes do art. 15, a e i, na dosimetria da pena do art. 29, caput, da Lei 9.605/1998; 11) o afastamento da agravante do art. 15, c, no art. 29, § 1º, da Lei 9.605/1998; 12) o afastamento da agravante do art. 15, l, da Lei 9.605/1998 no delito do art. 32 da Lei de Crimes Ambientais; 13) o reconhecimento da confissão espontânea na dosimetria do delito do art. 32 da Lei de Crimes Ambientais; 14) o afastamento da causa de aumento do art. 32, § 2º, da Lei de Crimes Ambientais; 15) a redução da pena de multa cominada ao acusado; 16) a fixação de regime inicial de cumprimento de pena menos gravoso, com o cômputo da detração, e 17) a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos.

 

Contrarrazões do Ministério Público Federal devidamente acostada (ID nº 152257912).

 

A Procuradoria Regional da República, em seu parecer, opina pelo conhecimento e desprovimento do recurso de Apelação, mantendo-se integralmente a sentença condenatória, nos termos em que foi proferida (ID n. 152340976).

 

É o relatório.

À revisão.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5004550-48.2019.4.03.6181

RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS

APELANTE: HIAGO HERIK PACIENCIA SANTOS

 

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, OPERAÇÃO SAPAJUS

 

OUTROS PARTICIPANTES:

DENUNCIADO: JAIRO DA SILVA, BARBARA KARINA DO NASCIMENTO OLIVEIRA, LUCAS NUNES FERREIRA, DANIEL ENRIQUE GUERRA, JEANDSON SANTOS DO NASCIMENTO, ROBERTO APARECIDO RODRIGUES, RAFAEL BISPO DA SILVA SANTOS, JORGE PEDRO DA SILVA, JOSE ARNALDO FERREIRA DE SOUZA, FLAVIA DE SOUZA CAMARGO, GENIVAL TRAJANO MONTEIRO, LAUDSON NUNES GALVAO DA CUNHA, DIEGO MENDES DA SILVA GOMES
 

ADVOGADO do(a) DENUNCIADO: THAIS VASCONCELLOS DE SOUZA - SP390821
ADVOGADO do(a) DENUNCIADO: THAIS VASCONCELLOS DE SOUZA - SP390821

 

 

 

 

V O T O

 

 

O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS:

 

Primeiramente, é importante ressaltar que, nos termos do pleiteado pela Defensoria Pública da União (ID n. 152257901 - Pág. 1), o presente feito (autos nº 5004550 48.2019.4.03.6181) está sendo julgado conjuntamente  com a apelação criminal nº 5000095-40.2019.4.03.6181, uma vez que a presente ação penal é um desmembramento daqueles autos principais e encontram-se ambos na mesma situação processual.

Assim, muitos dos temas ora debatidos, especialmente as preliminares, serão julgados de forma equânime ao procedido nos autos originais, somada à análise pessoal relativa ao presente réu HIAGO HERIK PACIÊNCIA SANTOS.

 

DA IMPUTAÇÃO

Consta da r. denúncia apresentada nos autos originais nº 50000095-40.2019.403.6181 (ID nº 152257632 – fls. 1/44) que o conjunto probatório amealhado durante a investigação criminal decorrente da unificação das Operações URUTAU e SAPAJUS, teria demonstrado a participação dos investigados JAIRO DA SILVA CABRAL, BARBARA KARINA DO NASCIMENTO OLIVEIRA, LUCAS NUNES FERREIRA, DANIEL HENRIQUE GUERRA, JEANDSON SANTOS DO NASCIMENTO, ROBERTO APARECIDO RODRIGUES, RAFAEL BISPO DA SILVA SANTOS, HIAGO HERIK, JORGE PEDRO DA SILVA, JOSÉ ARNALDO FERREIRA, FLAVIA DE SOUZA CAMARGO, GENIVAL TRAJANO MONTEIRO, LAUDSON NUNES GALVÃO DA CUNHA e DIEGO MENDES DA SILVA GOMES como incursos nos delitos do artigo 29, caput, da Lei 9.605/1998 (caça de animais silvestres); artigo 29, §1º, inciso III, da Lei 9.605/1998 (comercialização de animais silvestres); artigo 32, caput, da Lei 9.605/1998 (maus-tratos); artigo 132 do Código Penal (crime de perigo para vida ou saúde de outrem); artigo 180, §1º, do Código Penal (crime de receptação qualificada); artigo 288 do Código Penal (associação criminosa); art. 299 do Código Penal (falsidade ideológica); art. 298 do Código Penal (falsificação do documento particular) e art. 296 do Código Penal (falsificação de selo ou sinal público). Além de tais delitos imputados a todos, especificamente a JAIRO DA SILVA CABRAL foi imputado o delito do art. 288 do Código Penal, c.c. o artigo 244-B do ECA, além do delito do art. 12 da Lei 10.826/2003 para o acusado ROBERTO APARECIDO RODRIGUES.

As investigações no bojo da denominada Operação URUTAU tiveram início a partir de notícia-crime apresentada por Vilson Carlos Zarembski, criador legalmente autorizado para a venda de animais silvestres, à Promotoria de Justiça da Comarca de Xanxeré/SC, de acordo com a qual um indivíduo não identificado, residente no Estado de São Paulo, de codinome "CABRAL", estaria falsificando notas fiscais de venda de animais, com a utilização indevida da razão social de seu criadouro. A partir disso, então, procederam-se uma série de investigações e diligências, dentre as quais interceptações telefônicas judicialmente autorizadas (subdivididas em 07 períodos).

Ainda na fase inicial das investigações criminais surgiu, então, a notícia da existência de outro inquérito policial (IPL n° 188/2018) instaurado pela Delegacia de Polícia Federal em São José dos Campos/SP, também com 4 períodos de interceptações telefônicas já em andamento e identidade de alvos inquiridos (Operação SAPAJUS), o que levou à unificação das Operações e prosseguimento das investigações e interceptações no bojo da Operação URUTAU. 

A partir da finalização do trabalho investigativo realizado em sede policial, então, constatou-se, segundo a imputação, a atuação dos denunciados acima referidos em associação criminosa voltada para o tráfico ilícito de animais silvestres, com dedicação de maneira contínua e reiterada à caça, manutenção em cativeiro e mercancia de animais capturados na natureza, inclusive com a utilização de notas fiscais de criadouros e anilhas identificadoras falsificadas. De acordo com a inicial acusatória, ainda, os investigados ludibriavam os compradores acerca da origem de tais espécimes, bem como ofereciam risco à vida e saúde de outrem ao manter os animais em cativeiro em condições de higiene inadequadas, configurando também, consequentemente, por tal razão, a submissão de tais espécimes a maus tratos.

Após o recebimento da denúncia nos autos principais em 16.07.2019 (ID nº 152257639 –fls. 1/3), em 13.09.2019, no ID n. 152257643, o juízo a quo constatou que HIAGO HERIK PACIENCIA SANTOS, com mandado de prisão preventiva pendente de cumprimento, havia sido citado e intimado por edital, não apresentando, entretanto, resposta à acusação. Em sendo assim, diante da impossibilidade de localização do denunciado, procedeu-se o desmembramento do feito original (autos n. 50000095-40.2019.403.6181) com relação a tal réu, determinando-se, com fundamento no artigo 366 do Código de Processo Penal, a suspensão do processo e do prazo prescricional, dando origem ao presente feito (autos n. 5004550-48.2019.403.6181).  

O mandado de prisão preventiva então em aberto foi cumprido em 13.03.2020 (ID n. 152257645), quando, então, proferiu-se despacho retomando o curso processual em 25.03.2020, com abertura de vista à Defensoria Pública da União para a apresentações de resposta à acusação e o prosseguimento da ação penal (ID n. 152257667).

Por fim, ainda que não tenha sido levantada pela defesa qualquer irregularidade quanto a esse ponto, mostra-se importante ressaltar que a Defensoria Pública da União, na defesa de HIAGO, teve acesso a todas as peças da investigação para consulta no processo originário (ID n. 152257634), não havendo qualquer prejuízo para o contraditório e ampla defesa quanto a esse aspecto. Como bem explicado sobre o tema pela sentença a quo, “em 09/03/2020, foi certificado pela serventia deste Juízo que a digitalização dos autos principais até a decisão de desmembramento do feito possui 1.364.137 KB e que o aplicativo disponibilizado aos servidores, “PDF SAM”, não suportou esse tamanho de arquivo para redução em tamanhos menores. Considerando o quanto certificado, este Juízo determinou a instrução do processo desmembrado com decisão pela qual se decretou a prisão preventiva; mandado de prisão preventiva; denúncia e respectiva decisão de recebimento; informação de Polícia Judiciária nº 29/2019 informando a não localização do indiciado HIAGO HERIK PACIENCIA SANTOS; despacho pelo qual se determinou a citação editalícia; edital de citação e intimação e a decisão de desmembramento e suspensão do processo e do prazo prescricional, destacando-se que para consulta às demais peças da investigação e do processo, as partes estariam habilitadas nos autos principais (...) Verifica-se que, no processo principal, a Defensoria Pública da União esteve habilitada e com amplo acesso aos autos, atuando na defesa de outros réus.”. Em suas razões de Apelação, a Defensoria Pública da União não apontou qualquer irregularidade em tal acesso e, inclusive, manifestou-se acerca do conteúdo das investigações, a demonstrar-se a regularidade do alcance a tais documentos, incluindo, portanto, tanto os procedimentos relativos à Operação URUTAU (autos n. 0008583-06.2018.403.6181), quanto à Operação SAPAJUS (autos n. 0001667-93.2018.403.6181), com todas as representações, decisões e diálogos relativos às respectivas interceptações telefônicas, bem como demais elementos probatórios colhidos perante a autoridade policial.

Frise-se, ainda, que, considerando-se que tal acesso à defesa do réu HIAGO aos documentos do processo originário deu-se desde a primeira instância, para melhor didática, os elementos probatórios ora mencionados serão referenciados pelos mesmos IDs trazidos pelo juízo a quo, sem qualquer prejuízo à ampla defesa e contraditório, como já anteriormente referenciado.

 

PRELIMINARES

DA ALEGADA INÉPCIA DA DENÚNCIA POR AUSÊNCIA DE INDIVIDUALIZAÇÃO DAS CONDUTAS E DESCRIÇÃO GENÉRICA DOS FATOS

Dispõe o art. 41 do Código de Processo Penal, serem requisitos da inicial acusatória (seja ela denúncia, em sede de ação penal pública, seja ela queixa-crime, em sede de ação penal privada) a exposição do fato criminoso (o que inclui a descrição de todas as circunstâncias pertinentes), a qualificação do acusado (ou dos acusados) ou os esclarecimentos pelos quais se faça possível identificá-lo(s), a classificação do crime e o rol de testemunhas (quando tal prova se fizer necessária) - a propósito: A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas.

Cumpre salientar que a consequência imposta pelo ordenamento jurídico à peça acusatória que não cumpre os elementos anteriormente descritos encontra-se prevista no art. 395 também do Diploma Processual Penal, consistente em sua rejeição (A denúncia ou queixa será rejeitada quando: I - for manifestamente inepta; II - faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal; ou III - faltar justa causa para o exercício da ação penal).

A jurisprudência de nossos C. Tribunais Superiores se mostra pacífica no sentido de que, tendo os ditames insculpidos no art. 41 do Código de Processo Penal, sido respeitados pela denúncia ou pela queixa, impossível o reconhecimento da inépcia - a propósito:

HABEAS CORPUS - JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL CONSOLIDADA QUANTO À MATÉRIA VERSADA NA IMPETRAÇÃO - POSSIBILIDADE, EM TAL HIPÓTESE, DE O RELATOR DA CAUSA DECIDIR, MONOCRATICAMENTE, A CONTROVÉRSIA JURÍDICA - COMPETÊNCIA MONOCRÁTICA DELEGADA PELO ORDENAMENTO POSITIVO BRASILEIRO (RISTF, ART. 192, "CAPUT", NA REDAÇÃO DADA PELA ER Nº 30/2009) - ADOÇÃO DA TÉCNICA DA MOTIVAÇÃO "PER RELATIONEM" - LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DESSA TÉCNICA DECISÓRIA - FUNDAMENTAÇÃO VÁLIDA - ALEGADA INÉPCIA DA DENÚNCIA - INOCORRÊNCIA - OBSERVÂNCIA DOS REQUISITOS FIXADOS PELO ART. 41 DO CPP - PEÇA ACUSATÓRIA QUE ATENDE ÀS EXIGÊNCIAS LEGAIS - SUPOSTA AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA A AÇÃO PENAL - ILIQUIDEZ DOS FATOS - CONTROVÉRSIA QUE IMPLICA EXAME DE MATÉRIA FÁTICO- -PROBATÓRIA - INVIABILIDADE NA VIA SUMARÍSSIMA DO 'HABEAS CORPUS' - RECONHECIMENTO DA PLENA CORREÇÃO JURÍDICA DA DECISÃO AGRAVADA - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO (STF, HC 140629 AgR, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 30/06/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-173 DIVULG 04-08-2017 PUBLIC 07-08-2017) - destaque nosso.

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. INÉPCIA DA INICIAL. SURSIS PROCESSUAL. RECURSO IMPROVIDO. 1. Não se verifica supressão de instância na análise, pelo Tribunal do Estado, de matéria já abordada pelo juízo de primeiro grau. 2. É afastada a inépcia quando a denúncia preencher os requisitos do art. 41 do CPP, com a individualização da conduta do réu, descrição dos fatos e classificação do crime, de forma suficiente para dar início à persecução penal na via judicial, bem como para o pleno exercício da defesa. 3. As disposições veiculadas na Lei nº 10.259/01 não alteraram o patamar do sursis processual, que continua sendo disciplinado pelos preceitos inscritos no art. 89 da Lei nº 9.099. 4. Recurso ordinário improvido (STJ, RHC 28.236/PR, Rel. Min. NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 15/09/2015, DJe 01/10/2015) - destaque nosso.

Dentro desse contexto, a Defensoria Pública da União defende a necessidade de reconhecimento de nulidade desde feito (desde seu nascedouro) sob o argumento de que a denúncia ofertada pelo Ministério Público Federal padeceria de vício insanável consistente na ausência de individualização das condutas imputadas, o que impediria o direito constitucional de defesa ao ofender os postulados da ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal.

Com efeito, em que pese a argumentação tecida, reputo inconsistentes suas alegações na justa medida em que a denúncia ofertada nesta relação processual permite inferir, cabal e corretamente, quais imputações são impingidas a cada um dos codenunciados, incluindo o ora réu HIAGO, além de possibilitar a efetiva compreensão da questão de fundo (com todas as peculiaridades e complexidades que este feito contém).

A esse respeito, a r. inicial acusatória procedeu à descrição da metodologia utilizada nas investigações das Operações URUTAU (IPL 002/2018) e SAPAJUS (IPL 001/2019), com a discriminação das provas da materialidade das condutas desempenhadas pelos acusados dentro da associação criminosa imputada, além da pormenorização da autoria dos denunciados separadamente, exemplificando diálogos que demonstravam a atuação criminosa relacionada a cada um deles e também os crimes a eles atribuídos. 

No caso em concreto, em se tratando de complexo grupo criminoso interligado para o cometimento reiterado de crimes variados, o foco principal da descrição dos fatos na denúncia remeteu ao delito de associação criminosa, tendo sido elaborado um capítulo à parte para pormenorizar de maneira minuciosa o cometimento de tal delito por todos os 14 (quatorze) investigados e, em sequência, a participação individualizada destes em cada um dos outros delitos a que foram acusados como caça e comércio ilegal de animais silvestres, falsificação de anilhas, falsificação de documento particular e falsidade ideológica, entre outros.

Verifica-se, da leitura conjugada dos capítulos relativos a cada um dos acusados somada à leitura do capítulo da associação criminosa comum a todos, que restou devidamente descrito pelo órgão acusatório o efeito cascata da ligação existente entre todos os acusados, bem como a atuação individual de cada um deles na configuração dos delitos perpetrados ao aderirem à reiterada dedicação criminosa conjunta.

Como será visto posteriormente no momento da análise meritória, ainda que conjugados em células e contatos independentes, o Ministério Público Federal descreveu, de forma adequada e suficiente, o papel da atuação de cada um dos agentes, todos a dedicar-se de maneira contínua e reiterada ao cometimento de delitos ambientais, utilizando-se das negociações uns com os outros para, com isso, garantir o abastecimento do mercado ilegal de venda e fornecimento de animais silvestres aos potenciais clientes, de acordo com o estoque de cada um deles.

Vê-se, assim, ser possível extrair-se da denúncia a narrativa da seguinte teia relacional concatenada e o emaranhado de funções existente entre os acusados:

JAIRO CABRAL seria o agente principal e de maior articulação da associação criminosa voltada para o comércio ilícito reiterado de animais silvestres, citando a inicial acusatória a relação deste com BARBARA, GENIVAL, DANIEL, LUCAS, JEANDSON, ROBERTO, JORGE PEDRO, LAUDSON, HIAGO e FLAVIA.

BARBARA KARINA e GENIVAL TRAJANO figurariam no mesmo núcleo criminoso de CABRAL. Enquanto CABRAL seria o responsável pela aquisição, captura e negociação com compradores, BARBARA se encarregaria das entregas e de liberar anúncios para venda dos animais silvestres capturados por CABRAL. GENIVAL, por sua vez, atuaria tão somente como motorista nas entregas das “mercadorias”.

CABRAL, nesse ínterim, adquiriria animais silvestres de FLAVIA DE SOUZA, que também se dedicava à venda de animais silvestres juntamente com seu companheiro DIEGO. Enquanto FLAVIA atuava de forma mais direta nas negociações com os demais investigados e com os potenciais clientes, DIEGO atuaria principalmente como motorista para as entregas negociadas pela companheira. FLAVIA, ainda segundo a inicial acusatória, também adquiria animais do corréu JEANDSON, antes de repassá-los para CABRAL.

O investigado JEANDSON também deteria ligação direta com ROBERTO, LAUDSON e DANIEL HENRIQUE na negociação de animais silvestres. CABRAL e DANIEL HENRIQUE também teriam ligação entre si, inclusive caçando e vendendo animais conjuntamente. DANIEL, além disso, atuava revendendo animais adquiridos de JEANDSON.

ROBERTO, por sua vez, além de ter ligação direta com CABRAL, também forneceria animais silvestres a LUCAS NUNES e JEANDSON.

LUCAS, a seu turno, compraria, além de animais silvestres (mais especificamente primatas), blocos de notas fiscais falsificadas e anilhas de CABRAL, para seu estoque. O estoque de passeriformes de LUCAS, por sua vez, adviria de JORGE PEDRO (vulgo “Pernambuco”), sendo que ambos supostamente teriam trabalhado em conjunto na referida apreensão ocorrida em Francisco Morato.

JORGE PEDRO, em contrapartida, seria um dos principais fornecedores para a rede, existindo citações de ligação deste com FLAVIA, JEANDSON, ROBERTO, CABRAL e DANIEL. Os animais de JORGE PEDRO seriam fornecidos por JOSÉ ARNALDO e também pelo corréu LAUDSON, que trabalharia como funcionário de JORGE PEDRO, atuando como seu  “puxador” de animais silvestres.

Apesar disso, LAUDSON também trabalhava diretamente como fornecedor habitual de animais a JEANDSON, além de vincular-se com BARBARA e CABRAL.

Por fim, CABRAL também teria laços, inclusive caçando juntamente, com HIAGO, que, por sua vez, seria parceiro do acusado RAFAEL, com quem teria vendido supostamente o macaco prego apreendido em Belo Horizonte, conforme referenciado anteriormente.

Vê-se, assim, que, focada a demonstrar a ligação entre os membros da associação criminosa, a inicial acusatória descreveu de forma ampla, pormenorizada e individualizada, a participação e atuação de cada um dos réus nas ações delitivas. A respeito, não se olvida que "nos crimes de autoria coletiva, é prescindível a descrição minuciosa e individualizada da ação de cada acusado, bastando a narrativa das condutas delituosas e da suposta autoria, com elementos suficientes para garantir o direito à ampla defesa e ao contraditório" (HC n. 229.648/RS, Quinta Turma, Rel. Ministra Laurita Vaz, julgado em 10/12/2013, DJe de 3/2/2014). Não fosse suficiente, a respeito de cada um dos acusados, incluindo o ora réu HIAGO, houve a formulação de um capítulo independente, aptos a narrar em quais delitos cada um dos acusados viram-se implicados, bem como os elementos probatórios que levaram à tal conclusão.

Durante toda a inicial acusatória elencam-se diversos diálogos dentre os mais relevantes extraídos das interceptações telefônicas, que, por óbvio, em razão da amplitude dos fatos, não poderiam constar em sua integralidade na exordial acusatória. A não transcrição integral de todas as conversas e circunstâncias flagradas em áudio pelos acusados, entretanto, não impede em absoluto a percepção pormenorizada dos fatos imputados a eles e o apontamento dos elementos de autoria e materialidade, especialmente a se considerar a pretensão da denúncia em demonstrar a dedicação reiterada de incontáveis ações delituosas por cada um dos réus participantes da imputada associação criminosa. 

Acrescente-se, ainda, que o órgão acusatório também faz menção a outros elementos probatórios de autoria e materialidade, como provas documentais de Apreensões anteriores e seus respectivos Boletins de Ocorrência (Anexo VI, Informação de Polícia Judiciária n. 094/2019, Anexo IX, Anexo VIII) a fim de demonstrar “a associação criminosa entre as células criminosas investigadas nesta Operação”. Também são apontados os prints extraídos de redes sociais contendo anúncios de vendas de animais silvestres, com fotografias dos animais e telefones dos investigados, além do Ofício nº 25/2019-DELEMAPH, a constar os elementos de prova material colhidos por ocasião do cumprimento dos mandados de busca e apreensão nas residências dos investigados.

Frise-se, ainda, que, especificamente no que se refere ao corréu HIAGO, o capítulo formulado a seu respeito na inicial acusatória, descriminou de forma suficiente e adequada a correlação de HIAGO com os corréus CABRAL e RAFAEL, além da existência de anúncios de internet relacionados à venda de animais silvestres por HIAGO, trazendo elementos probatórios como o Termo Circunstanciado n 003/2018- 4/DPF/SJK/SP e a Informação de Polícia Judiciária n. 007/2019 Apenso II do IPL 01/2019/DELEMAPH/SP (antigo IPL 188/2018- DPF/SJK/SP).

Dessa forma, verifica-se que, especialmente na análise preliminar de aptidão da denúncia ora pertinente, a descrição do papel de cada um dos acusados dentro da apontada associação criminosa, a ligação entre eles e a imputação individual dos delitos que teriam sido cometidos pelos acusados em tal contexto, mostraram-se perfeitamente adequadas para dar  conhecimento ab initio aos limites dos fatos delituosos aos quais estavam sendo denunciados, proporcionando, assim, a devida defesa técnica ao longo da instrução probatória e afastando a alegação de inépcia da denúncia.

Assim, mostra-se que a denúncia adimple o conteúdo que o Código de Processo Penal exige de tal peça processual, a teor do art. 41 anteriormente transcrito tendo em vista que ela expõe os fatos criminosos (com as circunstâncias pertinentes), qualifica os acusados e classifica os crimes que, em tese, teriam sido perpetrados, sem prejuízo de elencar as testemunhas (obviamente sob a visão do Órgão Acusador) que teriam o objetivo de respaldar a acusação, de modo que ela se coaduna com as conclusões firmadas tanto pelo C. Supremo Tribunal Federal como do C. Superior Tribunal de Justiça (ementas citadas acima) no sentido de que, uma vez cumprido o art. 41 do Código de Processo Penal, apta se mostra a exordial acusatória.

Portanto, completamente impertinente a alegação de que a inicial acusatória teria ofendido, maculado ou dificultado o exercício constitucional do direito de defesa (assegurado a todo e qualquer acusado sob o pálio do devido processo legal e de seus corolários - ampla defesa e contraditório), motivo pelo qual de rigor o rechaçamento da preliminar em comento, cabendo ressaltar, ainda, que, nos termos do entendimento sufragado pelo C. Superior Tribunal de Justiça, ocorre a preclusão da tese de inépcia da denúncia quando ocorre a sobrevinda de sentença penal condenatória que apreciou preliminar de inépcia e a refutou (precisamente o caso dos autos), conforme é possível ser aferido do julgado que segue:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. ALEGAÇÃO DE INÉPCIA DA DENÚNCIA. PRECLUSÃO DA TESE DE DEFESA, ANTE A SUPERVENIÊNCIA DA SENTENÇA CONDENATÓRIA. INSUFICIÊNCIA DE PROVA PARA A CONDENAÇÃO. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. JURISPRUDÊNCIA DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. I. Com a superveniência de sentença condenatória - que considerou apta a denúncia e as provas suficientes para a condenação - resta superada a alegação de inépcia da denúncia, que não teria descrito, suficientemente, o fato delituoso e todas as suas circunstâncias, quanto ao ora paciente. II. Segundo a jurisprudência deste Tribunal, a análise da alegação de insuficiência de provas, para a condenação dos pacientes, não pode ser feita na via estreita do writ, eis que demanda reexame minucioso de matéria fático-probatória, insuscetível de ser realizado, em sede de habeas corpus. III. Agravo Regimental desprovido (AgRg no HC 190.234/RS, Rel. Min. ASSUSETE MAGALHÃES, SEXTA TURMA, julgado em 27/08/2013, DJe 06/05/2014) - destaque nosso.

Ressalte-se que a análise acerca da pertinência das referidas imputações não está sendo analisada neste momento quando da análise da inépcia da denúncia. Por ora, estão sendo tão somente reconhecidas que as condutas foram devidamente descritas e imputadas ao denunciado HIAGO, tendo-se por hígida a inicial acusatória.

 

DA PRELIMINAR DE ARGUIÇÃO DE NULIDADE POR AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO PELO PROVIMENTO JUDICIAL (ART. 93, IX, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL)

A defesa técnica do acusado pleiteia o reconhecimento da nulidade da sentença por ausência de fundamentação e individualização das condutas.

A respeito do tema, tem-se que o art. 93, IX, da Constituição Federal, na redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 30 de dezembro de 2004, impõe aos magistrados o dever de fundamentar todas as decisões proferidas sob pena delas estarem acoimadas de nulidade (Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios: (...) IX - Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação).

Dentro de tal contexto, importante ser dito que o Código de Processo Penal não faz exigências quanto ao estilo de expressão nem impõe que o julgador se prolongue eternamente na discussão de cada uma das linhas de argumentação tecidas pelas partes, mas apenas que sejam fundamentadamente apreciadas todas as questões controversas passíveis de conhecimento pelo julgador naquela sede processual. Em outras palavras, a concisão e a precisão são qualidades, e não defeitos, do provimento jurisdicional exarado. A propósito, o C. Superior Tribunal de Justiça já teve a oportunidade de assentar:

Esta Egrégia Corte não responde a questionário e não é obrigada a examinar todas as normas legais citadas e todos os argumentos utilizados pelas partes e sim somente aqueles que julgar pertinentes para lastrear sua decisão (EDRESP nº 92.0027261, 1ª Turma, rel. Min. Garcia Vieira, DJ 22.03.93, p. 4515) - destaque nosso.

PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AFRONTA AO ART. 619 DO CPP. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. INEXISTÊNCIA. REDISCUSSÃO DO MÉRITO. IMPOSSIBILIDADE. ACÓRDÃO EM CONFORMIDADE COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. SÚMULA 83/STJ. VIOLAÇÃO AO ART. 386, IV E V, DO CPP. ABSOLVIÇÃO. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICA. VEDAÇÃO. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. De acordo com o entendimento jurisprudencial remansoso neste Superior Tribunal de Justiça, os julgadores não estão obrigados a responder todas as questões e teses deduzidas em juízo, sendo suficiente que exponham os fundamentos que embasam a decisão. Incidência do enunciado 83 da Súmula deste STJ. (...) (AgRg no AREsp 462735/MG 2014/0013029-6, T6 - SEXTA TURMA, Rel. Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Julgamento: 18.11.2014, DJe: 04.12.2014) - destaque nosso.

Aliás, o C. Supremo Tribunal Federal já sustentou que a obrigação prevista no art. 93, IX, da Constituição Federal, não impõe que a decisão seja exaustivamente fundamentada, senão que o julgador indique, de forma clara, as razões de seu convencimento - a propósito:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. ART. 5°, XLVI, DA CF. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS 282 E 356/STF. ATENUANTE GENÉRICA. REDUÇÃO DA PENA ABAIXO DO MÍNIMO LEGAL. IMPOSSIBILIDADE. FIXAÇÃO DA PENA. FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO. NULIDADE. ART. 93, IX, DA CF. AUSÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL - TEMA 339. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. (...) III - No julgamento do AI 791.292-QO-RG/PE (Tema 339), relatado pelo Ministro Gilmar Mendes, reconheceu-se a repercussão geral e reafirmou-se a orientação no sentido de que a exigência do art. 93, IX, da Constituição, não impõe seja a decisão exaustivamente fundamentada. O que se busca é que o julgador indique, de forma clara, as razões de seu convencimento. (...) (ARE 1028069 AgR, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 20/02/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-040 DIVULG 01-03-2018 PUBLIC 02-03-2018) - destaque nosso.

In casu, verifica-se, da leitura da sentença condenatória, que o r. juízo sentenciante fundamentou de forma suficiente e individualizada as provas existentes relacionadas ao réu, pormenorizando, inclusive, além dos diálogos das interceptações telefônicas que demonstravam a participação de HIAGO, também as provas extraídas do inquérito policial, como Boletins de Ocorrência, Informações Policiais, Relatórios de Análise das mensagens encontradas nos celulares dos corréus, além dos interrogatórios e depoimentos de testemunhas de defesa e acusação colhidos em sede judicial, em análise concatenada do conjunto probatório existente nos autos.

Inclusive, cabe salientar que a MM. Juíza a quo não condenou o apelante indiscriminadamente por todas as condutas a ele imputada, o que também reforça a constatação de que o trabalho judicante se deu de maneira suficientemente pormenorizada, a depender das provas existentes particularmente ao réu HIAGO.

A discussão acerca de se tais provas, de fato, mostraram-se suficientes para embasar a manutenção das condenações na presente Apelação será analisada com rigor no momento da análise meritória de cada um dos delitos remanescentes, porém, por ora, em análise de preliminares, a fundamentação procedida pelo r. juízo sentenciante mostrou-se suficiente e adequada, não sendo capaz de macular a higidez do decisum proferido.

 

DA ABSORÇÃO DO DELITO DE RECEPTAÇÃO (ART. 180, § 1º, DO CÓDIGO PENAL) COMO MERO EXAURIMENTO DOS DELITOS AMBIENTAIS

Com relação ao delito do art. 180, § 1º, do Código Penal, de plano, há que se reconhecer que a imputação de tal crime se trata, nada mais, que mero exaurimento dos delitos ambientais atribuídos ao réu HIAGO, devendo, portanto, ser absorvido por esses últimos, sob pena de incorrer-se em bis in idem.

Ora, segundo a inicial acusatória, a caracterização do crime do art. 180, § 1º, do Código Penal, dar-se-ia pela influência exercida por todos os acusados para que terceiros de boa-fé adquirissem e recebessem coisa que sabe ser proveniente de conduta criminosa, in casu, a captura e guarda ilegal de animais silvestres. Ocorre que, o tráfico ilícito de animais silvestres implica justamente que se crie uma demanda de oferta e procura para que os espécimes possam ser vendidos ilegalmente, sendo parte integrante de tais condutas justamente a venda para terceiros do produto de crime anterior.

Nesse caso, mostra-se absolutamente incabível que o autor ou coautor do crime antecedente figure concomitantemente como sujeito ativo do crime de receptação. Uma vez denunciado pela prática dos crimes ambientais, o ato de influenciar terceiros para a aquisição dos animais silvestres mostra-se como mero exaurimento dos delitos anteriores, constituindo necessariamente como post factum impunível.

Acerca da impossibilidade de o autor ou coautor do crime antecedente figurar como sujeito ativo do crime de receptação em quaisquer de suas modalidades, manifesta-se de forma uníssona a doutrina.

A esse respeito, veja-se lições do jurista Guilherme de Souza Nucci, segundo o qual “o sujeito ativo (do crime de receptação) pode ser qualquer pessoa. O sujeito passivo necessita ser o proprietário ou possuidor da coisa produto de crime. Note-se que o sujeito que foi coautor ou partícipe do delito antecedente, por meio do qual obteve a coisa, não responde por receptação, mas somente pelo que anteriormente cometeu” (Código Penal comentado. 7ª ed., Revista dos Tribunais, pág. 1.215).

Já Cléber Masson ensina que: “a receptação é um crime acessório, de fusão ou parasitário, pois não tem existência autônoma, reclamando a prática de um delito anterior. (...) Sujeito ativo pode ser qualquer pessoa (crime comum), com exceção do autor, coautor ou partícipe do crime antecedente , que somente respondem por tal delito, e não pela receptação" (Direito Penal esquematizado: parte especial. 2a ed., Rio de Janeiro: Método, 2010. Pág. 623 - 635). 

No mesmo sentido, segue a doutrina de Damásio de Jesus:

Qualquer pessoa, salvo o autor, coautor ou partícipe do delito antecedente, pode ser sujeito ativo de receptação. Não se tratando de crime próprio, tendo em consideração que o tipo não faz nenhuma referência à qualidade pessoal do autor, qualquer um pode ser sujeito ativo. Entretanto, cumpre observar que o autor do crime antecedente não pode ser receptador, mesmo que execute o tipo do art. 180 do CP. Isso porque o receptador não pode ter nenhuma participação no delito antecedente. Se isso ocorre, i. e., se participa de qualquer forma da infração penal antecedente, é autor desta e não de receptação (JESUS, Damásio de. Direito penal: parte especial; Dos crimes contra a pessoa e dos crimes contra o patrimônio. 31. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. v. 2, p. 532).

De igual forma, veja-se precedente do E. Tribunal Regional Federal da 4ª Região acerca do tema, in verbis:

Os sujeitos ativos do crime antecedente não podem figurar como autores da receptação, sendo atípica a conduta por se constituir em post factum impunível. (TRF4 - ACR nº 200170080019347 - 7ª Turma - Pub. DJ de 06.09.2006) - destaques nossos.

Assim, no caso em concreto, se o órgão acusatório imputa a HIAGO os crimes ambientais pregressos, não pode ele responder também pelo crime de receptação que tem como objeto o produto do crime antecedente, mostrando-se de rigor o reconhecimento da conduta de “influir para que terceiro de boa fé adquira coisa que sabe ser produto de crime” como mero post factum impunível.                    

 

DA ABSORÇÃO DO DELITO DO ART. 29, CAPUT, DA LEI Nº 9.605/1998 COMO CRIME MEIO DO DELITO DO ART. 29, § 1º, III, DA MESMA LEI

O acusado HIAGO foi condenado concomitantemente quanto ao delito do art. 29, caput, da Lei nº 9.605/1998 e do art. 29, § 1º, III, da mesma Lei.

Como será melhor pormenorizado quando da condenação quanto ao delito do art. 29, § 1º, III, da Lei nº 9.605/1998, o juízo a quo considerou que o vasto conjunto probatório de reiterada atuação voltada para o tráfico configuraria tão somente uma única conduta. Ou seja, não houve o enquadramento no delito do art. 29, §1º, III, da Lei nº 9.605/1998, em um delito distinto por cada momento em que HIAGO foi flagrado negociando animais silvestres, em continuidade delitiva. Ao contrário, o cometimento de tais delitos, em momentos distintos e persistentes no tempo foram considerados todos, em sua unidade, como uma única condenação relativa ao delito do art. 29, § 1º, III, da Lei nº 9.605/1998, incluindo, nesse sentido, todos as etapas que culminariam no comércio ilegal.

O art. 29, caput, e § 1º, III, da Lei nº 9.605/1998, a que foi denunciado o acusado prevê, em sua redação:

Art. 29. Matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, ou em desacordo com a obtida:

Pena - detenção de seis meses a um ano, e multa.

§ 1º Incorre nas mesmas penas:

I - quem impede a procriação da fauna, sem licença, autorização ou em desacordo com a obtida;

II - quem modifica, danifica ou destrói ninho, abrigo ou criadouro natural;

III - quem vende, expõe à venda, exporta ou adquire, guarda, tem em cativeiro ou depósito, utiliza ou transporta ovos, larvas ou espécimes da fauna silvestre, nativa ou em rota migratória, bem como produtos e objetos dela oriundos, provenientes de criadouros não autorizados ou sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente.

Tal tipo penal é um clássico exemplo de tipo penal de ação múltipla, possuindo em sua descrição diversos verbos capazes da caracterização da conduta delituosa. E, em sendo assim, como bem aponta o doutrinador Guilherme de Souza Nucci ao lecionar acerca desse específico crime do art. 29 da Lei de Crimes Ambientais: “as condutas são mistas alternativas, ou seja, o agente pode cometer uma ou várias e responde por um único crime, desde que no mesmo cenário” (Leis penais e processuais penais comentadas/Guilherme de Souza Nucci- 9 ed. rev. atual. e ampl., vol 2, Rio de Janeiro: Forense, 2016).

Diante disso, é o caso de reconhecer-se o princípio da consunção entre os delitos do artigo 29, caput, pelo artigo 29, § 1º, III, da Lei n. 9.605/1998, ensejando a absorção do crime de caça de animais silvestres, por entender que tal delito caracterizou crime-meio, necessário para o cometimento do crime fim (artigo 29, § 1º, III, da Lei nº 9.605/1998).

Isso porque, no caso em concreto, além de tutelarem objetividades jurídicas idênticas (in casu, a fauna silvestre), a conduta de “caçar” foi cometida como parte do iter criminis do “vender” animais silvestres, tendo sido cometidos no mesmo contexto fático e com a mesma finalidade.

Os elementos probatórios existentes, em especial o interrogatório judicial de HIAGO e a Informação de Polícia Judiciaria n. 43/2019 (Fls. 26/41 – ID n. 146584490 dos autos originários) que trouxe foto de HIAGO em caçada, encontrada no celular do codenunciado Jorge Pedro, demonstraram que, de fato, todas as condutas de HIAGO relacionadas à caça foram perpetradas no contexto de traficância, sendo que HIAGO procedia a caça de animais silvestres para sua venda direta no mercado ilegal ou revenda aos associados no tráfico ilícito.

Assim, em se tratando de crime plurissubsistente, nítido se faz que estaria configurado o bis in idem ao condenar HIAGO pela caça, pelo transporte, pela guarda, pela exposição à venda e, posteriormente, pela venda dos mesmos animais silvestres, sendo que foram todos esses atos que, somados, provocaram a consumação delitiva.

Dessa feita, de rigor o acolhimento do princípio da consunção ao caso em concreto mantendo-se tão-somente a incidência do artigo 29, §3º, III, da Lei de Ambiental.

 

ANÁLISE DOS ELEMENTOS PROBATÓRIOS

Como já mencionado anteriormente, as investigações no bojo da denominada Operação URUTAU tiveram início a partir de notícia-crime apresentada por Vilson Carlos Zarembski, criador legalmente autorizado para a venda de animais silvestres, à Promotoria de Justiça da Comarca de Xanxeré/SC, de acordo com a qual um indivíduo não identificado, residente no Estado de São Paulo, de codinome "CABRAL", estaria falsificando notas fiscais de venda de animais, com a utilização indevida da razão social de seu criadouro. A partir disso, então, procederam-se uma série de investigações e diligências, dentre as quais interceptações telefônicas judicialmente autorizadas (subdivididas em 07 períodos).

Ainda na fase inicial das investigações criminais surgiu, então, a notícia da existência de outro inquérito policial (IPL n° 188/2018) instaurado pela Delegacia de Polícia Federal em São José dos Campos/SP, também com 04 períodos de interceptações telefônicas já em andamento e identidade de alvos inquiridos (Operação SAPAJUS), incluindo o réu HIAGO HERIK PACIENCIA SANTOS, o que levou à unificação das Operações e prosseguimento das investigações e interceptações no bojo da Operação URUTAU.

A partir da finalização do trabalho investigativo realizado em sede policial, então, constatou-se, segundo a imputação, a atuação dos denunciados em uma associação criminosa voltada para o tráfico ilícito de animais silvestres, com dedicação de maneira contínua e reiterada à caça, manutenção em cativeiro e mercancia de animais capturados na natureza, inclusive com a utilização de notas fiscais de criadouros e anilhas identificadoras falsificadas. De acordo com a inicial acusatória, ainda, os investigados ludibriavam os compradores acerca da origem de tais espécimes, bem como ofereciam risco à vida e saúde de outrem ao manter os animais em cativeiro em condições de higiene inadequadas, configurando também, consequentemente, por tal razão, a submissão de tais espécimes a maus tratos.

A denúncia foi ofertada e recebida nos autos n. 50000095-40.2019.403.6181 em face de 14 denunciados, dentre os quais, o presente réu HIAGO. Diante da impossibilidade de localização de HIAGO, mesmo após sua citação por edital, o feito foi desmembrado exclusivamente quanto a esse acusado, dando-se origem ao presente feito (autos nº 5004550 48.2019.4.03.6181). Como já mencionado, a Defensoria Pública da União, teve amplo acesso a todos os documentos relacionados à investigação policial e interceptações telefônicas utilizados tanto para a propositura da inicial acusatória, como na análise meritória, tendo sido tal acesso plenamente hígido e acerca do qual, reitere-se, não houve qualquer insurgência.

Com relação aos depoimentos judiciais das testemunhas de acusação ouvidos em juízo, ao contrário, manifestou-se a DPU contrariamente ao possível aproveitamento de prova emprestada dos autos n.50000095-40.2019.403.6181 requerendo que as testemunhas de acusação sejam ouvidas nestes autos, na presença do réu, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, o que foi acolhido pelo r juízo a quo. Determinou-se, então, que, além da juntada aos autos das gravações das oitivas das testemunhas de acusação, a intimação das mesmas testemunhas de acusação para nova oitiva nos presentes autos, as quais serão examinadas em seguida a fim de comprovação da materialidade e autoria delitivas.

 

DOS DEPOIMENTOS E DO INTERROGATÓRIO AMEALHADOS EM JUÍZO NOS PRESENTES AUTOS

Com relação às oitivas EM JUÍZO, procedidas nos presentes autos, a fim de preservar o princípio da celeridade processual, e tendo em vista a ausência de impugnação da defesa, os depoimentos ora transcritos foram retirados da r. sentença monocrática, já que as declarações, colhidas sob o crivo do contraditório, uma vez confrontada a análise direta da prova oral produzida em audiência de instrução e julgamento, através das mídias digitais em que foram gravadas, mostraram-se bem esmiuçadas pelo Magistrado singular.

Inicialmente, colheu-se o depoimento da testemunha de acusação ANNA CRISTINA DE OLIVEIRA CORRÊA, Agente da Polícia Federal, em audiência de instrução ocorrida no dia 29.05.2020 (ID 152257883 – fl. 482), a qual declarou, em síntese, que: “Atuou na investigação decorrente da união das Operações Sapajus e Urutau que ensejou a prisão do réu HIAGO; no decorrer da Operação Urutau, houve uma coincidência, com alvos em comum na Sapajus; HIAGO era inicialmente investigado na SAPAJUS e as investigações continuaram na Urutau; Com o aprofundamento das investigações, identificaram HIAGO como um traficante de animais que se passava por “Richard”, que promovia venda de animais na internet; na deflagração da Operação Urutau, foi encontrada uma foto de uma caçada de HIAGO no telefone de um dos alvos principais da investigação, que era JORGE PEDRO DA SILVA, vulgo PERNAMBUCO; Nas interceptações realizadas na Operação Urutau, não houve ocorrências no telefone de HIAGO; a partir das informações da Sapajus, chegou-se aos perfis de HIAGO em redes sociais, onde ele ofertava macacos-pregos, saguis e tartarugas; na Operação Urutau, os perfis em redes sociais foram monitorados; Não se recorda acerca de falsificação de documentação; Recorda-se sobre informação sobre notas fiscais falsas, em fato ocorrido em Minas Gerais, mas pessoalmente não acompanhou esse trecho da investigação; Quanto ao crime de maus-tratos, recorda-se dos relatórios da Operação Sapajus, onde consta informação de que, por serem os animais muito ariscos, o réu dava a eles Diazepam, deixando os animais atordoados; Não se recorda do fato referente à entrega de um macaco à Sra. Fátima Aparecida Ribeiro; Lembra-se que durante os áudios o corréu JAIRO (CABRAL) comentava sobre as caçadas com outros investigados; Não se recorda do envolvimento de HIAGO com o corréu RAFAEL; Por fim, HIAGO foi identificado na foto de caçada encontrada no celular de PERNAMBUCO porque sua imagem já era conhecida a partir de seus perfis de redes sociais”.

O Agente da Polícia Federal DEMIAN MIKEJEVS CALÇA, ouvido como testemunha de acusação, em audiência de instrução ocorrida no dia 29/05/2020 (ID 152257883 – fls. 481/482), declarou, em síntese, que: “Que as operações Sapajus e Urutau começaram mais ou menos simultaneamente...foram denúncias encaminhadas para cá e para a unidade de São José dos Campos, basicamente sobre as mesmas pessoas e os mesmos crimes, inclusive a maioria das pessoas que eram investigadas na Sapajus, em São José dos Campos, eram residentes em São Paulo e eram as mesmas investigadas na Urutau, e por conta disso, houve a reunião dessas duas operações e a investigação continuou dentro da Operação Urutau, na qual a testemunha participou; O réu HIAGO foi identificado inicialmente na Operação Sapajus, em 2018, e tinha relação com outros envolvidos na Operação Urutau. Na Operação Sapajus, cujos relatórios, produzidos pela Polícia Federal em São José dos Campos foram remetidos à DELEMAPH, houve interceptações telefônicas de Hiago tratando de captura de animais, especialmente primatas, como saguis, macacos e também oferta e comércio de animais; A partir da unificação da investigação com a Operação Urutau, em 2019, foram identificados anúncios de vendas de animais na internet, em nome do HIAGO, que usava o codinome “Richard”; outra conduta apurada foi a falsificação de documentos para o “esquentamento” de animais, como notas fiscais ou GTA, para dar aparência de legalidade; lembra-se da conduta de caça praticada pelo réu, com uma pequena participação de seu namorado (Thaynan), recordando-se de ocasião em que estavam caçando no mato, com uma terceira pessoa; também houve uma conversa do réu HIAGO dizendo que ligaria para o corréu CABRAL, sendo que houve uma tentativa de ligação para o terminal de CABRAL, que estava sendo interceptado, porém, sem completar a chamada; também se recordou que o réu HIAGO falava sobre dopar cerca de cinco filhotes de macacos com o remédio Diazepam; também se recorda de fotos do réu com animais nas redes sociais; recorda-se da ligação que existia entre os corréus HIAGO, CABRAL e PERNAMBUCO, e este último já havia sido alvo de outras investigações pela DELEMAPH; lembra-se que havia algum contato entre PERNAMBUCO e HIAGO, que aquele chamava este de “Apula”, algo assim; No final da operação, foi encontrada no celular de PERNAMBUCO uma foto de HIAGO caçando macacos, utilizando uma rede ou puçá, com uma terceira pessoa não identificada; Apurou-se que o local da caça era na zona norte de São Paulo; Lembra-se de diálogos interceptados entre o réu HIAGO e clientes da venda de animais, inclusive falando que conseguiria documentos; Já na Operação Urutau, foi identificado um site português utilizado por CABRAL, FLÁVIA e outros corréus, para inserção de anúncios de vendas de animais silvestres, onde também foi identificado, a partir do terminal telefônico interceptado de HIAGO, seis anúncios por ele criados e que faziam referência também a outro telefone; o réu HIAGO fez anúncios de vendas de primatas e iguanas; o réu HIAGO, na atividade de vendas de animais silvestres, utilizava o codinome “Richard”, atendia o telefone apresentando-se como “Richard” e, quando reconhecido por algum cliente, continuava a conversa como HIAGO; Apurou-se que essas vendas também ocorriam em grupos de Whatsapp, Instagram e Facebook; O réu HIAGO chegou a ter um Pet Shop em seu nome e um perfil no Facebook chamado “Hiago Herik Exóticos”, com vários anúncios de animais silvestres; Não se recorda da venda de um macaco, pelo réu, em Belo Horizonte, com uso de uma nota fiscal falsa; Não se recorda da relação de HIAGO com o corréu RAFAEL BISPO na venda de um macaco-prego à cliente Fátima Aparecida Ribeiro, como consta de um termo circunstanciado de São José dos Campos; Lembra-se que o foco desses dois réus era a venda de primatas, mas se recorda da relação de HIAGO com os corréus CABRAL e PERNAMBUCO; O réu PERNAMBUCO era um grande fornecedor de animais silvestres, fazendo desde vendas pequenas em feiras, por meio de terceiros ou mesmo diretamente, por telefone, até vendas de grandes quantidades, trazendo para São Paulo animais de outras localidades e fomentando o mercado ilegal de animais silvestres em São Paulo; Foram apreendidas algumas notas fiscais falsas, mas não sabe dizer se o réu HIAGO é responsável por estas que foram apreendidas; Além da interceptação que revelou o uso de remédio para dopar macacos, não se recorda de nenhum outro elemento referente a maus-tratos por parte de HIAGO; O réu HIAGO e os demais corréus promoviam a compra e revenda de animais silvestres entre si; Nas interceptações telefônicas realizadas na Operação Urutau, recorda-se de algum diálogo de CABRAL e outros envolvidos mencionando o nome de HIAGO, sendo possível ter havido a troca de telefones, pois não foi identificado outro terminal telefônico válido em nome do réu ou por ele utilizado; Não se recorda de investigado chamado Bruno; Por fim, não havia nenhuma informações de que HIAGO criava cachorros.

A testemunha de acusação V.C.Z., dono de criadouro de psitacídeos e primatas, ouvido em audiência de instrução ocorrida no dia 29/05/2020 (ID 152257883 – fls. 482/483), manifestou-se no seguinte sentido: “É criador comercial de psitacídeos e primatas, cria araras, papagaios, macacos-prego e saguis. Recebeu, na época, várias denúncias de pessoas informando que determinada pessoa estava falsificando suas notas fiscais. Então, apresentou os prints de tela de Whatsapp e e-mail dessas denúncias e cópias das notas fiscais ao Ministério Público; A maioria das notas falsas eram de macacos-prego e saguis; Recorda-se no nome do corréu CABRAL; Não conhece o réu HIAGO (...)”.

De igual forma, a testemunha de acusação H. C. B., dono de criadouro de psitacídeos e primatas, ouvido em audiência de instrução ocorrida no dia 29/05/2020 (ID 152257883 – fl. 483), declarou, em síntese, que: “É biólogo  responsável técnico de seu próprio criadouro comercial de fauna silvestre, localizado na cidade de Tietê, interior de São Paulo, onde cria somente aves da família dos psitacídeos, que são papagaios, periquitos, maritacas; Não conhece o réu HIAGO; Em meados de outubro de 2018, recebeu contato de uma pessoa que acreditava ser cliente de seu criadouro, referindo-se a uma ave que ele nunca teve em seu criadouro, nem tinha autorização de manejo para aquela espécie. Assim, notou que havia sido emitida uma nota fiscal falsa; Posteriormente, houve outros fatos semelhantes, referentes a pessoas que compraram aves na internet e entraram em contato com seu criadouro; Não possui estrutura física para reprodução de araras, no entanto, houve falsificação de suas notas na venda de araras, pois essas aves são de maior valor e mais procuradas; Também houve notas falsas no Rio de Janeiro, referentes a vendas de tucanos, espécie que nunca criou; As notas falsas de que teve notícia eram todas referentes a vendas de aves; Soube que investigados no Rio de Janeiro tinham contato com investigados de São Paulo e que as notas fiscais foram falsificadas em nome de seu criadouro.

As Testemunhas de defesa ouvidas em juízo (Viviane Passos da Silva e Ryan Rodrigues Pereira), nada trouxeram de relevante que infirmasse a prova acusatória, tendo se limitado a atestar os bons antecedentes do acusado.

No interrogatório de HIAGO HERIK PACIENCIA SANTOS, em audiência de instrução ocorrida no dia 29.05.2020, o réu declarou, em síntese, que: “Mora com seu namorado e seu filho na parte debaixo da casa da testemunha Viviane; Seu dia a dia era trabalho e casa; Quando saía para trabalhar, seu filho ficava com seu companheiro ou com seu pai; Cuida de seus cachorros e tinha dois cavalos; Estudou até a 8ª Série e começou a trabalhar numa empresa de locação imobiliária para eventos. Depois, trabalhou numa empresa de brinquedos infláveis; Quando foi preso, estava trabalhando em entrega de Yakissoba; Não respondeu por outro crime; Conhece o corréu JAIRO DA SILVA, vulgo CABRAL; Em 2018, estava com dinheiro guardado e seu namorado queria comprar um macaco igual ao do cantor Latino. Então, pesquisou no Google “macaco-prego legalizado” e entrou num site, onde conversou com JAIRO e com BÁRBARA KARINA DO NASCIMENTO. Todos diziam que tinham o animal, mas “quando chegava na hora, nada...e eu estava com sete mil reais na mão”, oriundos da venda de cachorros. Continuou as conversas até que um dia apareceu um tal de Bruno afirmando que tinha dois macacos e pedindo nove mil reais nos dois. Então, pagou com sete mil reais mais um cachorro. Marcou encontro na Barra Funda, onde recebeu os dois animais numa caixa. Mas a fêmea, chamada “Pietra”, era arisca e mordeu o rosto de seu namorado; o macho, chamado “Gael”, não. Após dois meses, pediu para Bruno trocar a fêmea, o que foi negado, sendo sugerido que ele vendesse na internet e a documentação seria feita novamente por Bruno. Então HIAGO fez o anúncio no mesmo site, colocando as mesmas descrições. Foi então que uma moça de Minas Gerais efetuou a compra; A documentação foi entregue por Bruno ao réu HIAGO, na Barra Funda. Depois, o réu fez a entrega da macaca à compradora; Outras pessoas, vendo ele com o macaco, também se interessaram e perguntaram onde poderiam comprar; Uma amiga sua queria comprar um macaco; Então, o réu HIAGO fez novos contatos com CABRAL e BÁRBARA, mas eles não tinham macacos. Por isso, ele próprio resolveu caçar macacos na Serra da Cantareira; Afirma que encontrou um bando de macacos, mas não conseguiu pegar; Levou seu macaco junto na caçada e os outros macacos tentavam ir para cima dele, para bater em seu macaco; Então, entrou em contato com PERNAMBUCO para ver se ele arrumava um macaco para sua amiga. Mas não conseguiu obter macaco junto a PERNAMBUCO; Então, entrou naquele site e falou com Bruno, que lhe passou outro documento com outra macaca, que lhe foi entregue na Barra Funda, pelo valor de três mil e oitocentos reais, mais a documentação feita por Bruno; Não conhece o nome completo de Bruno; Posteriormente, tentou novo contato com Bruno, porque um amigo seu comprou um macaco e queria comprar o documento; Não conhece LUCAS NUNES FERREIRA, DANIEL ENRIQUE GUERRA, vulgo GORDÃO, JEANDSON SANTOS DO NASCIMENTO, vulgo JEAN, ROBERTO APARECIDO RODRIGUES, RAFAEL BISPO DA SILVA SANTOS, JOSÉ ARNALDO FERREIRA DE SOUZA, FLÁVIA DE SOUZA CAMARGO, GENIVAL TRAJANO MONTEIRO, vulgo BOLA, DIEGO MENDES DA SILVA GOMES; Conheceu um tal de ALEMÃO, num grupo de Whatsapp formado por pessoas que têm macacos, mas não afirmou ser LAUDSON NUNES GALVÃO DA CUNHA, vulgo ALEMÃO; Quanto à denúncia, confirmou que usava o codinome “Richard” e que criou uma conta e-mail e colocou no site para vender a macaca, com a documentação fornecida por Bruno; Alega que não sabia que a documentação era falsa e que Bruno pediu seus dados para fazer os documentos; Afirmou que no local onde mora todo mundo o chama de “Richard”; Quanto a muitos anúncios de vendas de animais em sítios virtuais relacionados ao seu telefone, respondeu que anunciou a venda da macaca que mencionou, de uma iguana que havia comprado e de uma “Corn Snake”; Quanto ao fato de ter vendido um macaco na cidade de Belo Horizonte com suspeita de nota fiscal falsa, afirmou que vendeu a macaca “Pietra” em Minas Gerais, em local que não se recorda, para onde foi de carro fazer a entrega do animal, entre fevereiro e março de 2018; Negou a acusação de sua participação intensiva em práticas criminosas envolvendo o tráfico ilegal de animais silvestres; Quanto às suas relações comerciais com o corréu CABRAL, afirmou que vendeu um casal de cachorros para ele; Negou que tivesse vendido macaco-prego para CABRAL; Afirmou que quando foi caçar macacos, fez uma chamada de vídeo para CABRAL perguntando-lhe “como que pega?”; Quanto aos crimes de “perigo para a vida ou para a saúde de outrem”, “receptação qualificada”, “falsificação de selo ou sinal público”, “falsificação de  documento particular”, “falsidade ideológica” e os crimes de “adquirir, guardar, ter em cativeiro ou depósito, expor à venda e comercializar animais silvestres” e de maus-tratos, negou a acusação; Afirmou que antes morava com sua mãe e só foi morar com sua avó no final do ano de 2018, após ter vendido a macaca; Sua avó não aceitava que ele tivesse uma cobra, tolerava apenas o macaco, a iguana e dois jabutis; Depois, voltou a morar com sua avó e, posteriormente, morou sozinho; Não se lembra se a documentação fornecida por Bruno tinha indicação de algum viveiro, pois tinha vários papéis, um deles referindo-se a “ algo de trânsito”; Não se lembra do nome da pessoa que comprou a macaca “Pietra”, mas o pagamento foi no valor de quatro mil reais; Quanto aos seis anúncios encontrados pela Polícia Federal, no dia 27/02/2019, afirmou que aquele é pago e ele site colocou crédito de oitenta reais, de modo que o site passou a gerar anúncios sozinhos, no decorrer do tempo; o anúncio expirava e o site gerava um novo anúncio; Questionado sobre o número de seis anúncios, que seriam diversos, com seus dados de anunciante, disse que não se lembra; Alegou que não havia anunciado a venda de nenhum outro animal; Quanto ao fato de dopar macacos com remédio Diazepam, afirmou que falara para ele “Você vai conseguir pegar um macaco desse bravo?”, e ele respondeu “Não sei”, então lhe sugeriram “Tenta dar Diazepam”; Contou que os macacos não desciam para comer na sua mão e, como ele estava com seu macaco “Gael”, eles iam para cima do réu tentando mordê-lo; Duas vezes levou o seu macaco na caçada, soltava-o para subir na árvore e quando o chamava de volta ele sempre descia; Alega que não conseguiu dar o remédio para os macacos, pois quando eles os viam, ficavam agressivos; Alega que conseguiu o Diazepam com um amigo; Não sabe como o vídeo de sua caçada foi parar no celular de PERNAMBUCO; Depois, esclareceu que não mandou vídeo, mas sim foto de sua caçada para o CABRAL, perguntando como deveria fazer para pegá-los, e que ele deve ter repassado a PERNAMBUCO; Não se lembra da venda de um macaco para Fátima Aparecida Ribeiro, que teria sido feita por ele e por RAFAEL BISPO; Não sabe se é ela a que comprou sua macaca em 2018, em Minas Gerais; Alega que não conhece RAFAEL BISPO; Afirmou que tratava seu macaco como gente, usava frauda, tomava leite Nan, Sustagen, Mucilon e gastava mais com o macaco do que com ele e seu filho; Confirma que criou perfis para tentar vender seus animais, a iguana, a “Corn” (cobra) e as tartarugas, mas só conseguiu vender a iguana e a “Corn”, pois tem as tartarugas até hoje; Alega que nunca comprou animais de PERNAMBUCO ou de CABRAL; Alega que apenas vendeu cachorros para o JAIRO (CABRAL); Quanto ao macaco comprado por sua amiga, com sua ajuda, esclareceu que não conseguiu contato com Bruno para obter a documentação”.

 

DA  MANUTENÇÃO DA CONDENAÇÃO PELO DELITO DO ART. 29, § 1º, III, DA LEI 9.605/1998

Diferentemente do que pretendeu aduzir o réu HIAGO em seu interrogatório judicial, sua participação na venda de animais silvestres não se mostrou pontual e limitada à compra e posterior venda de uma macaca fêmea em específico para uso doméstico.

Ao contrário, a dedicação reiterada e contínua do acusado restou amplamente demonstrada pelos elementos probatórios trazidos aos autos, aptos a garantir a manutenção da condenação de HIAGO pelo delito do art. 29, § 1º, III, da Lei nº 9.605/1998.

A esse respeito, a defesa técnica do acusado argumenta que a ausência de apreensão dos animais silvestres supostamente comercializados e a consequente ausência de laudo pericial em crime que deixa vestígios, violaria o disposto no art. 158 do Código de Processo Penal, maculando a configuração da materialidade delitiva.

Ocorre que aludido dispositivo legal deve ser interpretado em conjunto com o princípio do livre convencimento motivado (inteligência do art. 155 CPP) e, no caso em concreto, fato é que a sua ausência não acarreta qualquer prejuízo à apreensão da verdade ou do exercício da ampla defesa, uma vez que o conjunto probatório evidencia de maneira sobrejacente a materialidade e autoria do delito de comércio ilícito de animais silvestres.

Sobre o tema, é importante ressaltar que, mesmo no caso de delitos materiais que exigiriam, a priori, o exame de corpo delito, direto ou indireto (art. 158 do Código de Processo Penal), “não sendo possível o exame de corpo de delito, por haverem desaparecido os vestígios”, excepciona-se tal exigência, nos termos do preconizado pelo art. 167 do CPP, podendo outros tipos de provas, como “a prova testemunhal suprir-lhes a falta”.

Inclusive, a esse respeito, o doutrinador Renato Brasileiro de Lima manifestou-se, aduzindo que, para determinada corrente, a própria expressão “exame de corpo de delito indireto” a que o art. 158 do CPP faz referêncianão é propriamente um exame, mas sim a prova testemunhal ou documental suprindo a ausência do exame direto, em virtude do desaparecimento dos vestígios deixados pela infração penal" (Manual de processo penal: volume único / Renato Brasileiro de Lima. 8. ed. rev., ampl. e atual.  Salvador: Ed. JusPodivm, 2020, p. 721).

No mesmo sentido, diversos entendimentos do C. Superior Tribunal de Justiça também confirmaram a validade, em casos excepcionais, de outras provas aptas a demonstrar a tipicidade da ação delitiva, que não propriamente a apreensão material, in verbis:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. ABSOLVIÇÃO. AUSÊNCIA DE MATERIALIDADE. INOCORRÊNCIA. DESNECESSIDADE DE APREENSÃO DE DROGAS. PRESENÇA DE OUTROS ELEMENTOS QUE EVIDENCIAM OS CRIMES. REVOLVIMENTO DO ACERVO FÁTICO-PROBATÓRIO. INVIÁVEL NA VIA ELEITA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. A consolidada jurisprudência desta Corte Superior de Justiça já se posicionou quanto à desnecessidade de apreensão de drogas para caracterização do crime de tráfico, desde que outros elementos de prova evidenciem a materialidade do ilícito. No caso, as interceptações telefônicas foram decisivas no sentido de desnudar a articulação para a prática dos crimes imputados. Precedentes. 2. Nesse contexto, tendo as instâncias ordinárias decidido pela materialidade do crime de tráfico de drogas de modo fundamentado e consonante com a jurisprudência desta Corte, inviável infirmar tais conclusões, uma vez que demandaria amplo revolvimento de matéria fático-probatória, o que é incompatível com a via estreita do writ. 3. Agravo regimental desprovido. (AgRg no HC n. 733.581/CE, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 13/9/2022, DJe de 21/9/2022)

AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. OPERAÇÃO OSTENTAÇÃO. MATERIALIDADE. PRESCINDIBILIDADE DE APREENSÃO E PERÍCIA. COMPROVAÇÃO POR OUTROS ELEMENTOS DE PROVA. PRECEDENTES. ABSOLVIÇÃO. REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO. PROVIDÊNCIA INVIÁVEL NA VIA ELEITA. AGRAVO IMPROVIDO. 1. A ausência da apreensão da droga não torna a conduta atípica se existirem outros elementos de prova aptos a comprovarem o crime de tráfico (HC 131.455-MT, ReI. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 2/8/2012). 2. Esta Corte Superior possui assente jurisprudência no sentido de considerar prescindível a apreensão da droga na posse do acusado, se a materialidade do crime de tráfico de entorpecentes for evidenciada por outros elementos de prova, como interceptações telefônicas, depoimentos prestados por policiais e provas orais produzidas durante a instrução criminal, especialmente se forem encontrados entorpecentes com outros corréus ou integrantes da organização criminosa, como no caso dos autos. 3. Na hipótese, o Tribunal de origem, a quem cabe a análise das questões fático-probatórias dos autos, reconheceu a existência de elementos de provas suficientes a embasar a condenação do agravante pela prática do crime de tráfico de entorpecentes. A mudança da conclusão alcançada pela Corte local exigiria o reexame das provas, o que é vedado na via do habeas corpus, uma vez que o Tribunal a quo é soberano na análise do acervo de fatos e provas dos autos. 4. Agravo regimental improvido. (AgRg no HC n. 512.140/SC, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 27/8/2019, DJe de 10/9/2019).

HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS E ROUBO MAJORADO. AUSÊNCIA DE EXAME DE CORPO DE DELITO - EXAME DE CONSTATAÇÃO DA DROGA. IMPOSSIBILIDADE. DESAPARECIMENTO DOS VESTÍGIOS DA DROGA. MATERIALIDADE DELITIVA COMPROVADA POR OUTROS ELEMENTOS NOS AUTOS. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. 1. O habeas corpus não pode ser utilizado como substitutivo de recurso próprio, a fim de que não se desvirtue a finalidade dessa garantia constitucional, com a exceção de quando a ilegalidade apontada é flagrante, hipótese em que se concede a ordem de ofício. 2. Em que pese a obrigatoriedade do exame de corpo de delito em todos os crimes que deixarem vestígios (art. 158 CPP), há que considerar a exceção disposta no art. 167 do CPP: Não sendo possível o exame de corpo de delito, por haverem desaparecido os vestígios, a prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta. 3. No caso, como bem explicado na sentença e no acórdão, e ora transcritos no acórdão impetrado (não havendo, assim, supressão de instância como apontou a defesa), os vestígios do crime foram inteiramente consumidos pelo usuário, conforme depoimento prestado por ele mesmo, tanto na fase do inquérito quanto judicial. 4. Dessa maneira, não há que se falar na hipótese de cabimento da revisão criminal, em que a condenação seria contrária a texto expresso da lei penal (art. 621, I CPP - A revisão dos processos findos será admitida: I - quando a sentença condenatória for contrária ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos;), porque não houve violação, como já explicado, ao art. 158 do Código Penal. 5. A ausência da apreensão da droga não torna a conduta atípica se existirem outros elementos de prova aptos a comprovarem o crime de tráfico (HC 131.455-MT, ReI. Mirg 'Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 2/8/2012). 6. Habeas corpus não conhecido. (HC n. 463.822/SC, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 18/9/2018, DJe de 28/9/2018).

Na mesma linha, o Supremo Tribunal Federal também já se manifestou, por diversas vezes, entendendo que a ausência de apreensão e vestígios materiais não seria motivo suficiente para desconfigurar a materialidade delitiva nos casos em que a investigação fosse subsidiada por outros meios de prova, por exemplo, por interceptação telefônica farta de áudios que demonstrassem a existência do delito. Pertinente colacionar-se precedente de Cortes Superiores, inclusive, um deles também relacionado precisamente a delito ambiental do art. 29 da Lei nº 9.605/1998, in verbis:

HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. MATERIALIDADE DELITIVA. NÃO APREENSÃO DA SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE. COMPROVAÇÃO PELAS DEMAIS PROVAS PRODUZIDAS NOS AUTOS. DEPOIMENTOS DE TESTEMUNHAS E INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS. INTELIGÊNCIA DO ART. 167 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. REVOLVIMENTO DE FATOS E PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. 1. A falta de laudo pericial não conduz, necessariamente, à inexistência de prova da materialidade de crime que deixa vestígios, a qual pode ser demonstrada, em casos excepcionais, por outros elementos probatórios constante dos autos da ação penal (CPP, art. 167). Precedentes. 2. A via estreita do habeas corpus não permite refutar o robusto conjunto probatório, colhido sob o crivo do contraditório, que atesta a existência da infração penal. 3. Ordem denegada. (HC 130265, Relator(a): TEORI ZAVASCKI, Segunda Turma, julgado em 31/05/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-120  DIVULG 10-06-2016  PUBLIC 13-06-2016).

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. MATERIALIDADE. COMPROVAÇÃO. PRESCINDIBILIDADE DA APREENSÃO E PERÍCIA. PRECEDENTES. RECURSO DESPROVIDO. 1. Este Tribunal Superior tem precedentes no sentido de considerar prescindível, quando não há apreensão da droga, a elaboração de laudo de constatação para comprovar a materialidade do delito de tráfico de entorpecentes, admitindo-se a deflagração da ação penal e eventual condenação com base em outras provas, como a testemunhal (ut, RHC 38.590/MG, Rel. Ministro JORGE MUSSI, Quinta Turma, DJe 29/10/2013). 2. No caso em análise, não houve a apreensão de droga em poder do acusado, tendo as instâncias ordinárias concluído que a materialidade do delito teria sido demonstrada em provas diversas do laudo toxicológico, quais sejam, interceptações telefônicas, provas documentais e depoimentos das testemunhas. Além do mais, não há dúvidas de que foi encontrada drogas em poder de outros componentes da organização criminosa da qual ele é integrante, o que é suficiente para comprovar a materialidade delitiva do crime de tráfico, consoante pacifica jurisprudência desta Corte. Liame entre os agentes demonstrado (HC 299.133/MG, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 18/10/2016, DJe 08/11/2016). 3. Agravo regimental desprovido. (AgRg no AREsp 963.347/RO, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Quinta Turma, julgado em 14/11/2017, DJe de 24/11/2017).

PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE E CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUÁRIA. MATERIALIDADE DELITIVA. PENA DE DETENÇÃO. 1. O entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) é no sentido de que “a falta de laudo pericial não conduz, necessariamente, à inexistência de prova da materialidade de crime que deixa vestígios, a qual pode ser demonstrada, em casos excepcionais, por outros elementos probatórios constante dos autos da ação penal (CPP, art. 167)” (HC 130.265, Rel. Min. Teori Zavascki). 2. Hipótese em que “a materialidade delitiva, quanto ao delito do art. 29, § 1º, inciso III, da Lei n. 9.605/1998, foi amplamente demonstrada pelo auto de prisão em flagrante, pelo relatório de informação, pelo auto de infração ambiental, bem como pela prova oral colhida ao longo da instrução criminal, evidenciando ‘que o apelante manteve em cativeiro espécimes da fauna silvestre sem licença ou autorização da autoridade ambiental competente”. 3. O STF já decidiu que “[o]corre reformatio in pejus apenas quando, através do recurso manejado pela defesa, há agravamento da situação jurídica” (HC 183.325-AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes). 4. Situação concreta em que a pena privativa de liberdade imposta pelas instâncias precedentes, “em detrimento da pena de multa alternativa”, foi mantida pelo Superior Tribunal de Justiça, com apoio em dados empíricos idôneos, extraídos da prova judicialmente colhida, em especial em razão da existência de circunstâncias judicias já valoradas negativamente pelas instâncias de origem. De modo que não ocorreu reformatio in pejus, bem como não há situação de teratologia ou ilegalidade flagrante. 5. Agravo regimental a que se nega provimento. (HC 202547 AgR, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 16/11/2021, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-233  DIVULG 24-11-2021  PUBLIC 25-11-2021).

In casu, verifica-se que, mesmo em se tratando de infrações que deixam vestígios, a materialidade do delito do art. 29, § 1º, III, da Lei nº 9.605/1998, mostrou-se absolutamente robusta no sentido de que o réu HIAGO perpetrava, de forma reiterada, o tráfico ilícito de animais silvestres, em perfeita cadeia de distribuição com os demais codenunciados na Operação Urutau para abastecimento do mercado ilegal de animais silvestres para clientes interessados em adquirir espécimes sem autorização legal para tanto.

A farta investigação policial, baseada especialmente em longa interceptação telefônica, foi corroborada pelos depoimentos testemunhais e as assertivas do interrogatório judicial do acusado, situação que se amolda perfeitamente ao caso excepcionado pela doutrina e tribunais superiores para que a materialidade possa ser demonstrada por elementos outros que não a apreensão e laudo pericial do objeto delitivo. Assim, os elementos colhidos na presente Operação Urutau mostraram-se plenamente aptos a demonstrar de maneira inequívoca a perpetração reiterada de tráfico ilícito, suprindo a ausência de apreensão dos animais silvestres, a permitir a manutenção da condenação de HIAGO.  

Quanto a esse ponto, a doutrina pondera que: “a interceptação [telefônica] tem se revelado o principal, senão o único meio de prova disponível para a constatação da materialidade de determinados delitos e de sua autoria, principalmente quanto àqueles que não deixam rastros materiais a serem identificados por outros meios. Diante da sofisticação e do profissionalismo de certos criminosos, tal medida tem se mostrado eficiente para a descoberta da materialidade e autoria delitiva” (FREGADOLLI, Luciana. O Direito à Intimidade e a Prova Ilícita. In: CASTRO, Raimundo Amorim de. Provas ilícitas e o sigilo das comunicações telefônicas. 2. ed., Curitiba: Jaruá, 2010, p. 165).

O Supremo Tribunal Federal também já decidiu que, por vezes, as interceptações telefônicas se apresentam como única ferramenta capaz de confirmar "as atividades delituosas que envolvem tráfico de entorpecentes, situação fática excepcional, insuscetível de apuração plena por outros meios" (Inq n. 2.424/RJ, Rel. Ministro Cezar Peluso, Tribunal Pleno, DJe 26/3/2010).

No caso em concreto, frise-se, primeiramente, que, seguindo essa mesma linha de raciocínio, todos os outros 13 (treze) codenunciados foram condenados no bojo dos autos nº 50000095-40.2019.403.6181, tendo sido discriminados os elementos probatórios existentes com relação a cada um deles que comprovavam a atuação reiterada ao tráfico ilícito de animais silvestres e, como será visto posteriormente quando da análise do delito do art. 288 do Código Penal, também a união existente entre eles.

De igual forma, especificamente no que se refere ao réu HIAGO, que se apresenta inicialmente com o nome “Richard”, os diálogos interceptados na Operação Sapajus trouxeram relevantes informações da atuação de traficância de tal acusado, tal como consta na Informação de Polícia Judiciária 007/2019 (fls. 17 do Anexo II). Destaca-se, dentre os principais diálogos apontados:

No 1 º PERÍODO DE MONITORAMENTO, de 19.09.2018 a 03.10.2018, “RICHARD” liga para HNI que, ao que parece, é um de seus fornecedores. “RICHARD” relata que "caiu" e que levaram a sua mercadoria. Ele questiona HNI quanto a este ter "PULA", referindo-se a macacos. HNI fala que não recebeu, assim como Sandra, pois o fornecedor de ambos é o mesmo. Ao final “RICHARD” pede para ser avisado quando HNI tiver saguis.

Em outro diálogo, HNI liga para HIAGO, que se identifica como “RICHARD”. HNI está interessado em adquirir um sagui. “RICHARD” diz que tem desses animais para comércio. HNI demonstra certa preocupação com a regularização do animal. “RICHARD” deixa entender que seus animais são vendidos com nota fiscal e GTA Guia de Trânsito Animal. Segundo “RICHARD”, ele mantém contato com Vilson, do criadouro "Aves do Paraíso".

Em outra conversa, HIAGO e BRUNO comentam sobre animais e vendas. Bruno diz que tem 10 (cobras) twister e quer passar para HIAGO. Falam sobre juntar dinheiro para comprar mercadoria (animais). HIAGO compra sagui por cem reais (R$100,00). Falam o nome Adriana, como sendo alguém que lhes fornece animais. Dizem que os animais vem de fora, em caminhões "tonelada". HIAGO diz que o caminhão já saiu e que alguém lhe disse que haveria uns 200 (duzentos) saguis.

No 2º PERÍODO DE MONITORAMENTO, datado de 27.09.2018 a 05.10.2018, em determinado diálogo, em 02.10.2018, HIAGO, liga para HNI, e diz que encontrou vários filhotes de MACACO-PREGO em um parque, onde haviam se encontrado anteriormente (HIAGO: SABE AQUELE PARQUE ONDE EU TE ENCONTREI? HNI: SEI. HIAGO: TEM UM MONTE DE PREGO BEBÊ. HNI: (ININTELIGÍVEL). HIAGO: EU TÔ AQUI COM ELES AGORA, AGORA. VI. TEM DOIS, Ó: UM, BEBEZINHO, DOIS, TRÊS, QUATRO, CINCO BEBÊS, CINCO BEBÊS; E O RESTO DEVE SER DE CINCO MESES, BEBEZINHO TAMBÉM. TEM MUITO BEBEZINHO, PEQUENO, MUITO. HNI: E AÍ, QUE VOCÊ QUER FAZER? HIAGO: AH, EU QUERIA PEGAR. MAS NÃO TEM COMO EU PEGAR SOZINHO. TEM MUITO”). Ele pede ajuda de HNI para capturar os animais, mas este, ao que parece, não pode. HIAGO diz que vai dar DIAZEPAM para os macacos (“HIAGO: DIAZEPAM. EU VOU CORRER LÁ NA MINHA CASA, VOU BUSCAR ALGUÉM E VOU DAR DIAZEPAM PRA ESSES MACACO AGORA. NOSSA, TEM MUITO, TEM MUITO BEBÊ”). Ao final fala que vai ligar para CABRAL, possivelmente para ajudá-lo na captura (“VOU LIGAR PRO CABRAL AGORA; VOU LIGAR PRO CABRAL AGORA”).

Após esse diálogo, constou no sistema da operadora TIM a tentativa de chamada a partir da linha (11)94904.2720, usada por HIAGO, para a linha interceptada (11)97708.9695, em uso pelo alvo CABRAL.

Em novo diálogo em seguida, HIAGO, que se identifica inicialmente como “RICHARD”, fala para HNI que está na mata caçando macacos. HNI se oferece para ajudá-lo a pegar os animais e HIAGO diz que CABRAL vai ajudá-lo (“HIAGO: ESCUTA, O CABRAL TÁ VINDO ME AJUDAR.AGORA”). HIAGO fala que com cinco macacos consegue uns vinte mil. HIAGO também fala que tem cinco saguis (“HIAGO: FILHA, EU TÔ DURO, DURO, DURO, DURO. MAS TEM MACACO, GRAÇAS A DEUS. HNI: ENTÃO, ENTÃO É O DE MENOS. HIAGO: NA MINHA CASA TEM CINCO SAGUI, QUE EU BUSQUEI HOJE CEDO”).

Em outro diálogo em 03.10.2018, HIAGO conversa com Bruno. Bruno está interessado em pessoa que possa entregar um SAGUI para ele em Santos/SP. HIAGO diz que tem uma pessoa que pode realizar a tarefa. Posteriormente, HIAGO pergunta a bruno se ele conhece pessoas interessadas em macaco prego, informando que o valor do animal é R$ 2.000,00. HIAGO diz que estava com os macacos ontem na mata, local que parece ser conhecimento de Bruno. HIAGO fala que não vai dopar os animais, mas vai usar "arminha de choque" para capturar os animais. Em razão da explicitude e crueldade de referido diálogo, segue sua transcrição integral, in verbis:

“(...) Hiago - eu não tava com os macacos ontem, fio?!

Bruno - você?

Hiago - é, eu na mata com os macacos e eles comendo na minha mão, Bruno.

Bruno - puta, mano! Lá no mesmo lugar onde você pegou o...

Hiago - ahan! Só que agora tem muitos bebês.

Bruno - agora vai... agora é dopar eles...

Hiago - não, é arminha de choque e (ininteligível). O menino tá vindo pra me ajudar.

Bruno - arminha de choque?

Hiago - é.

Bruno - dá uns...

Hiago - taser.

Bruno - caralho! Dispara o bagulho...

Hiago - aí desmaia e pega. (...)”

 

No 3º PERÍODO DE MONITORAMENTO, de 19.10.2018 a 28.10.2018, HIAGO, que se identifica como “RICHARD”, negocia sagui com HNI, e diz que a entrega ocorre no terminal rodoviário do TIETÊ.

Outros diálogos deste período indicam uma extração ilegal de macacos de área de mata situada na região norte de São Paulo, conforme aponta o sistema de localização do sistema Vigia da Operadora Tim para as chamadas envolvendo o terminal móvel (11) 94904-2720 de HIAGO HERIK. Através de uma verificação do extrato da linha (11) 95379-6200, pertencente ao investigado Thaynan Mesquita, namorado de HIAGO, verificou-se o registro de uma mensagem recebida que indicaria que este se encontrava na mesma região de ERB do terminal pertencente ao investigado HIAGO HERIK no ínterim da coleta. O áudio flagra o exato momento em que HIAGO se encontra, supostamente, na companhia de Thaynan fazendo a captura ilegal de macacos da mata. É possível ouvir o comparsa que estava com HIAGO dizendo: “Aquele é pequeno.”; demonstrando que os animais em tenra idade eram os preferidos desses criminosos.

Em outro diálogo também resta demonstrado o comércio de animais recém nascidos por parte de HIAGO. HIAGO conversa com pessoa de nome Tainá, que diz ser filha de Rosangela. HIAGO reconhece Rosangela como sendo a mulher do sagui. Tainá diz que conversou com uma amiga bióloga e ela falou que o sagui teria que amamentar até os seis meses e que, por conta disso, não teria desenvolvido as pernas o suficiente e, daí, fica perdendo o equilíbrio. HIAGO fica de passar na casa dela para ver o macaco.

Por fim, em outra conversa interceptada consta que HNI alega estar indo até (FRANCISCO) MORATO para separar uns negócios lá (buscar animais) e HIAGO pede para HNI lhe trazer uma arupemba. HIAGO comenta que os macacos estão morrendo tudo. Frise-se que, como bem demonstrado nos autos nº 50000095-40.2019.403.6181, a casa com centenas de animais silvestres que gerou a apreensão de Francisco Morato estava relacionada aos acusados JORGE PEDRO “PERNAMBUCO” e LUCAS (Anexo III -ID n. 146584434 dos autos originais- BO 2018.10100105702).

Além de tais diálogos interceptados na Operação SAPAJUS, outros elementos de prova mostraram-se relevantes. Na Informação de Polícia Judiciária 007/2019 (fls. 17 do Apenso II), consta a identificação de 06 (seis) anúncios de venda de animais silvestres de forma ilegal elaborados por HIAGO em sítios virtuais. Igualmente, na INFORMAÇÃO DE POLÍCIA JUDICIÁRIA 043/2019 (Fls. 26/41 – ID n. 146584490 dos autos originais), acerca da análise de dados que foram extraídos do celular de JORGE PEDRO “PERNAMBUCO”, consta registro de uma foto do apelante HIAGO durante uma caçada, em consonância com o teor acima referido.  

Frise-se, ademais, que as testemunhas de acusação ouvidas perante o juízo (Agente da Polícia Federal DEMIAN MIKEJEVS CALÇA e ANNA CRISTINA DE OLIVEIRA CORRÊA) confirmaram de forma convincente e categórica o teor da investigação policial, em especial advindo do conteúdo da interceptação telefônica, reiterando a dedicação de HIAGO, juntamente com os demais codenunciados, de forma reiterada ao comércio ilícito de animais silvestres, em especial na caça dos referidos espécimes.

Some-se a isso, que, ainda que tenha tentado imprimir uma pontualidade e insucesso à caça de macacos, em seu interrogatório judicial, houve, por parte de HIAGO, a confirmação de que tentou caçar macacos na Serra da Cantareira, zona norte da cidade de São Paulo, confirmando, por conseguinte, o teor das interceptações de diálogos entre ele e CABRAL. Em interrogatório, o réu afirmou que perguntou a CABRAL como deveria caçar animais silvestres e lhe enviou fotos da caçada, as quais provavelmente teriam sido repassadas ao codenunciado JORGE PEDRO.

Além disso, como bem apontado pelo r. juízo sentenciante, a título elucidativo acerca da reiteração da atuação contínua de HIAGO, é válido ressaltar que também consta dos autos que, segundo o Termo Circunstanciado Nº003/2018-4-DPF/SJC/SP, Apenso II do IPL 01/2019/DELEMAPH/SP (antigo IPL 188/2018-4-DPF/SJC/SP), o macaco-prego apreendido em poder de FÁTIMA APARECIDA RIBEIRO foi adquirido de RAFAEL BISPO DA SILVA SANTOS, acompanhado por seu comparsa HIAGO, o qual, na verdade, seria HIAGO HERIK PACIÊNCIA SANTOS (cf. Anexo VII). Outrossim, notícia que aportou na DELEMAPH/DRCOR/SR/PF/SP na data de 06.05.2019 registra o envolvimento do acusado HIAGO HERIK PACIÊNCIA SANTOS na venda de um macaco na cidade de Belo Horizonte, MG, com fundada suspeita de falsificação de nota fiscal, o que é objeto de Inquérito Policial na SR/PF/SP (cf. Anexo XI).

DESSA FORMA, vê-se que está devidamente comprovada a autoria e materialidade do delito do art. 29, § 1º, III, da Lei n. 9.605/1998, demonstrando-se, de forma inequívoca pelos elementos probatórios apresentados, que HIAGO se dedicava de forma recorrente e contínua ao comércio ilícito de animais silvestres como forma de vida.

Acerca do tema, tem se manifestado a doutrina em relação a veemente proibição de comercialização por parte da lei ambiental, conforme a lição de Luiz Regis Prado: “No artigo 29,§ 1º, III, o legislador de 1998 coibiu uma das formas mais perniciosas de degradação faunística: o comércio ilegal. Com efeito, o tráfico de animais silvestres constitui atualmente o terceiro maior do mundo, sendo inferior apenas ao tráfico de drogas e de armas” (Direito Penal do Ambiente, 5ª. ed. rev., São Paulo: RT, 2013, pág. 189).

 

DA MANUTENÇÃO DA CONDENÇÃO DE HIAGO PELO DELITO DE ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA (ART. 288, DO CÓDIGO PENAL)

PREMISSAS TEÓRICAS

O crime de associação para cometimento de crimes encontra tipificação no art. 288, caput, do Código Penal, que contém a seguinte redação:

Associação Criminosa

Art. 288. Associarem-se 3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes: (Redação dada pela Lei nº 12.850, de 2013)

Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos. (Redação dada pela Lei nº 12.850, de 2013)

Parágrafo único. A pena aumenta-se até a metade se a associação é armada ou se houver a participação de criança ou adolescente. (Redação dada pela Lei nº 12.850, de 2013)

Do cotejo da atual prescrição normativa com a anterior ao tempo dos fatos subjacentes ao feito, extrai-se que a associação para o cometimento de crimes permaneceu incriminada, sendo que atualmente bastam três indivíduos, e não mais quatro, para perfazer o quantitativo mínimo de agentes criminosos associados entre si.

Como requisito implícito do tipo, a conjugação de esforços objetivando a prática delitiva deve retratar um vínculo estável e permanente entre pelo menos três agentes (redação vigente ao tempo dos fatos narrados), imbuídos do propósito de agirem concertadamente para o cometimento de uma série indeterminada de crimes (na acepção formal do termo).

Importante ter presente, inclusive, que o delito de associação criminosa possui momento consumativo dissociado dos crimes visados, na medida em que se caracteriza como delito de perigo e formal, bastando para a sua compleição que ocorra a mera reunião criminosamente ordenada do grupo independentemente da efetiva consumação dos crimes acordados, como crime de perigo tipificado para a proteção da paz pública (STJ, HC 200.444/RJ, Rel. Min. Nefi Cordeiro, 6ª T. DJe 17.03.2015).

Comumente, a configuração do crime de associação criminosa revela-se claramente a partir da detecção de uma estrutura minimamente organizada, com distribuição de tarefas ou escalonamento de funções entre os seus integrantes, viabilizando assim o escopo delitivo comum que permeia todos os agentes envolvidos.

DA CARACTERIZAÇÃO DA ATUAÇÃO DOS ACUSADOS EM ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA

A i. defesa do acusado pleiteia pela absolvição do réu em relação ao delito do art. 288, do Código Penal, alegando a inexistência de vínculo de permanência e estabilidade com os demais corréus que integram a associação criminosa.

Não lhe assiste razão.

Como já mencionado anteriormente quando da condenação de  HIAGO como incurso no  delito do art. 29, § 1º, III, da Lei nº9.605/1998, restou amplamente demonstrado que o réu se dedica ao comércio ilícito de animais silvestres de forma contínua e como forma de vida.

Assim, para a configuração e condenação do réu também quanto ao delito do art. 288 do Código Penal resta perquirir-se se também restou devidamente configurada a união de esforços de HIAGO com os demais codenunciados em uma associação voltada para a prática de crimes, em estabilidade e permanência.

Como bem apontado pela inicial acusatória, em uma leitura conjugada entre os capítulos de cada um dos acusados somada à leitura do capítulo da associação criminosa comum a todos, restou devidamente constatado o efeito cascata da ligação existente entre todos os acusados, passível de configurar a associação criminosa entre eles.

Ainda que conjugados em células e contatos independentes, demonstrou-se, de forma inequívoca, o papel da atuação de cada um dos agentes, todos a dedicar-se de maneira contínua e reiterada ao cometimento de delitos ambientais, utilizando-se das negociações uns com os outros para, com isso, garantir o abastecimento do mercado ilegal de venda de animais silvestres e o fornecimento de animais aos potenciais clientes, de acordo com o estoque de cada um deles.

A esse respeito, o delito de associação criminosa não exige que cada um dos acusados esteja diretamente unido a todos os demais membros, sendo suficiente a demonstração da interligação, ainda que indireta e em cascata, entre eles, em um movimento uno com objetivo comum de cometimento de delitos. Tal caracterização descreve precisamente o que ocorria no caso em exame.

 A esse respeito, frise-se, de plano, que todos os demais 13 (treze) codenunciados foram condenados em primeira instância nos autos nº 50000095-40.2019.403.6181 e, no voto de tais autos ora julgado em conjunto, também houve a manutenção de suas condenações. Cabe, assim, ao presente voto, apenas investigar se HIAGO também fazia parte da grande associação uma e não esporádica comprovadamente existente entre os demais denunciados.

Em respeito ao princípio do contraditório e ampla defesa, ora colaciono os elementos probatórios acostados naqueles autos acerca da comprovação da associação criminosa existente entre os demais 13 (treze) codenunciados nos autos nº 50000095-40.2019.403.6181, antes de adentrar no mérito da aderência de HIAGO à mesma, pertinente ao presente feito, in verbis:

A testemunha de acusação ANNA CRISTINA DE OLIVEIRA CORRÊA, Agente da Polícia Federal (doc. 21995358, pg.02), declarou a simbiose de atuação criminosa entre os acusados. Alegou, para tanto, em síntese, que: “ (...) a Operação Urutau apurou ilícitos envolvendo animais silvestres e exóticos pela WEB onde várias condutas criminosas eram executadas para conseguir esse intento, desde falsificação e utilização de selos falsos, tais como anilhas, introdução de microchips; falsificação e utilização de notas fiscais de criadouros, extração e captura de animais na natureza, transporte, manutenção e venda de animais em cativeiro em condições bastante precárias, sem contar os maus tratos, sem contar toda a parte de “esquentamento” por parte desses bichos; era uma associação que havia entre diversos elementos que praticavam essas condutas; Que a testemunha trabalhou em toda a investigação (...); Que o período de interceptação durou quase um ano (...); Que a testemunha não teve nenhum contato com os réus antes da presente audiência; Que havia alguns núcleos que se mantinham com certa estabilidade, ou seja, alguns forneciam animais para distribuidores que faziam a revenda; Que, no entanto, alguns tinham uma espécie de simbiose, ou seja, quando um precisava e não tinha, o outro fornecia; Que os distribuidores, junto com os revendedores procuravam sempre manter essa parte de documentação falsa; Que havia um pequeno núcleo que caçava, trazia de outros Estados e fazia a distribuição para revendedores e para distribuidores diretos; Que, pelo que pudemos apurar durante essas diligências de inteligência e também de ocorrências onde foram feitas abordagens era uma prática de que semanalmente havia chegadas para 03 ou 04 elementos do grupo cerca de 600 animais dentre psitacídeos e passeriformes, semanalmente; Quanto à parte de primatas, observava-se um comércio regular de cinco primatas por semana, no mínimo”.

No mesmo sentido, as declarações da testemunha de acusação do Agente da Polícia Federal DEMIAN MIKEJEVS CALÇA (doc. 21995358, pg.04) que atestou o caráter uno e cooperativo do grupo criminoso, apesar de suas divisões em células menores mais entrosadas e com hierarquia definida, in verbis: “Que se trata de um grupo que comercializava uma quantidade muito grande de animais; Que eles vendiam em grandes e pequenas quantidades; Que eles capturavam, transportavam; Que cada um dos investigados desenvolviam todas essas fases dos crimes que estavam sendo investigados; Que havia muito contato entre eles; Que quase todos já foram pegos juntos em tempos passados e durante a operação alguns deles também foram presos; Que eles têm uma relação de comércio mas não é uma relação muito fiel pois eles também seguiam os interesses próprios; Que, quando um era preso pedia advogado para outra pessoa; Que eles trocavam informações sobre possíveis clientes, possíveis fornecedores; Que conversavam sobre anilhas, documentos fiscais falsificados; Que se algum deles precisasse de um documento um pedia para outro do grupo; Que no grupo havia alguns principais e outros que trabalhavam junto aos principais; Que existia uma relação mais fiel entre esses grupos menores; Que existia hierarquia entre um alvo principal e um alvo secundário; Que, por exemplo, o Diego seria o braço direito da Flávia; o Cabral com a Bárbara; o Jorge Pernambuco com o Alemão; o próprio Cabral com o Genivaldo Bola, que era o motorista; (...) Que algumas vezes eles eram o comerciante final, ou seja, eles faziam anúncio na internet, em grupos de WhatsApp, Facebook, onde acontece muito dessas ofertas; Que existia uma situação que alguém precisava de um animal para concretizar uma venda ou porque morreu um bicho que ele já tinha vendido por exemplo e ele precisava de outro para substituir ou para realizar uma nova venda e procurava um animal específico; Que havia casos em que eles programavam viagens juntos para captura e transporte em conjunto; Que também existia uma relação entre eles para trazer mercadoria e ser depois dividida; Que, como já foi dito, entre todos não existia uma hierarquia, não existia chefe; Que não foi identificado se havia uma pessoa responsável pela parte financeira; Que o JORGE PERNAMBUCO foi preso salvo engano em Goiás com o ALEMÃO e a filha do CABRAL; Que o próprio CABRAL foi preso junto com a ADRIANA, que não foi alvo da operação; Que agora me veio à cabeça esses dois casos; Que, pelo que analisamos da operação, a FLÁVIA seria a responsável principal por esse pequeno núcleo e o DIEGO fazia as entregas para ela, mas eles trabalhavam juntos e foram presos na mesma residência no dia da operação; Que não chegou ao conhecimento do depoente que eles eram casados; (...) Que era um grupo único no sentido de que todos ali trabalhavam cooperativamente, mas a base mais firme deles eram vários pequenos grupos”.

A mesma conclusão extrai-se das interceptações telefônicas, que demonstraram, de forma ampla e indene de dúvidas, a coletividade da empreitada criminosa, interligada em uma grande associação una e não esporádica.

Durante as interceptações telefônicas, os acusados são flagrados negociando entre si em diversas oportunidades. Inclusive, em vários dos diálogos, os corréus aparecem fazendo planos conjuntos de viagens para compra e caça de animais. Nas conversas também é possível verificar-se várias demonstrações de intimidade e confiança entre os acusados, seja pelo linguajar utilizado, seja pela negociação de valores devidos ou pela forma de pagamento, vendendo até mesmo “fiado” uns para os outros, com absoluta segurança e estabilidade nas negociações procedidas entre si.

Por exemplo, no diálogo 05 do AC 01/2018, CABRAL e DANIEL tratam da venda de dois macacos prego por mil e quinhentos reais cada, que chegarão na quinta feira vindos de ônibus. CABRAL comenta que pagará ao coletador o valor de um mil e trezentos reais. Os macacos serão vendidos a DANIEL, que o revenderá para um cliente. Com o dinheiro da venda, CABRAL e DANIEL planejam fazer uma viagem para comprar mais animais, a demonstrar, a união de esforços e, inclusive, de planejamento entre ambos. No mesmo diálogo, CABRAL e DANIEL também citam JEAN e ROBERTO como fornecedores contumazes de animais silvestres, e demonstram poder de negociação do valor “feito” por tais réus na venda, evidenciando também a interligação próxima e de confiança entre todos.

JEANDSON também aparece no diálogo 14 do AC 02/2018, comentando sobre negociação com CABRAL, e, no diálogo 15 do mesmo AC, em negociação direta com o corréu LAUDSON, seu fornecedor de animais. JEANDSON também recebia animais fornecidos por ROBERTO, como se extrai do Diálogo 30 do AC 01/2018 e Diálogo 21 do AC 01/2019. JEANDSON também negocia diretamente com LUCAS, referindo-se a si mesmo como “amigo do CABRAL” para identificar-se e ganhar confiança na negociação ilegal (diálogo 20 do AC 02/2019).

No Diálogo 07 do AC 01/2019, ROBERTO conversa com LUCAS demonstrando reiteração e intimidade nos negócios ilícitos (“L- Fala pra mim, os negão chegou aqui, to com quatrocentos aqui. Você não ajeita pra nós passar isso aí pra alguém não? R- Ó eu e meu sobrinho ia pegar uns cem e eles pegou lá e eu não sei como tá lá de bicho. Aí eu vou ver com outro amigo meu se ele pega (...) e te dou retorno”).

No diálogo 15 do AC 02/2019, LUCAS conversa com cliente e, questionado se conseguia vender arara azul, LUCAS recomenda o “trabalho” de DANIEL e RAFAEL ao comprador, também a demonstrar ligação próxima e societária com tais réus.

Por sua vez, nos diálogos 17, 18, 19, 20 do AC 01/2018, LUCAS comenta com HNI que “caiu a casa minha lá em Morato lá” e pede a HNI um advogado bom para os “quatro moleque lá” e que “pegaram setecentos e oitenta papagaios”. Como já mencionado anteriormente, os animais apreendidos na residência de Francisco Morato (Anexo III -ID n. 146584434- BO 2018.10100105702) seriam de responsabilidade conjunta de LUCAS com o corréu JORGE PEDRO, tudo a demonstrar a relevância e a união entre os acusados.

No Diálogo 08 do AC03/2018, HNI avisa para CABRAL que chegarão mais peças e que encontrou um amigo dele agora, no caso, o corréu LUCAS, a demonstrar a proximidade entre ambos.

Outros diálogos também evidenciam a proximidade entre CABRAL e LUCAS. No Diálogo 13 do AC 03/2018, LUCAS e CABRAL conversam sobre cliente de LUCAS que quer uma fêmea de macaco para revender para cliente de São José do Rio Preto. LUCAS se irrita com a reclamação do cliente para CABRAL e ameaça matá-lo (“L- Ô mano, eu vou catar ele e vou mandar matar ele pra você ver quem que é eu CABRAL. Eu vou mostrar. Ó, meu, aqui é prego batido, ponta virada, moço. Quer atravessar eu nas ideia, eu mando subir o vapor rapidinho”). CABRAL propõe então que LUCAS pegue um macaco com ele e leve para o cliente, a fim de apaziguar os problemas, o que é combinado para o dia seguinte, de acordo com o diálogo 14.

 No dia 14.12.2018, CABRAL combina a entrega de seis macacos prego para LUCAS e negociam o preço a ser cobrado (“C- Do tamanho dela pra baixo. E é uma coisa que eu vou falar pra você velho. Esses bicho é bom de trabalhar. Agora muitas vezes não tem muito valor porque todo mundo tem, mas esses negócio em janeiro, não tem conversa nenhuma. Em janeiro, eu já cheguei a vender por três conto sem papel e com documento a turma paga quatro conto, três e meio, preço final né. (...) Esse papel é bom. É do homi lá. É o mesmo que ele usa”). LUCAS e JAIRO também fazem planos para alugarem um carro e buscarem araras em Tocantins em janeiro de 2019, demonstrando intimidade de tratamento (“meu patrão”, “meu guerreiro”, “meu primo”) e atuação conjunta (“L- Não, mano azul eu arrumo. Eu só preciso de um chip lá mano. Arrumo que nós dois ganha dinheiro, po. Eu ponho você na fita comigo. Nós racha meio a meio essa porra”.) Por fim, CABRAL e LUCAS comentam também sobre o corréu PERNAMBUCO e sobre o preço que ele estaria oferecendo uma arara tricolor.

No diálogo 19 do AC 03/2018, CABRAL está indo para o Paraná caçar macacos prego. LUCAS avisa que já tem cliente querendo os macacos prego, a demonstrar a regularidade das revendas e negociações efetuadas. Ambos falam que pegaram uma carga de Araras Canindé de PERNAMBUCO a diferentes preços (“L- Ó, vou falar pra você porque você é meu truta, mano. Ele te passou a quanto a Canindé? Trezentos, né?”) e que LAUDSON atua juntamente com PERNAMBUCO, como sua mula (“L- É o ALEMÃO que traz bicho pra ele”; “C- O ALEMÃO puxa mercadoria, mas o dinheiro é tudo do PERNAMBUCO (...) o PERNAMBUCO arruma o carro, arruma o dinheiro e compra os bichos, aí o ALEMÃO tem muitos conhecimentos, aí o ALEMÃO vai e busca pro PERNAMBUCO. Vai lá e pega e ganha comissão, mas é tudo do PERNAMBUCO”). 

No Diálogo 01 do AC 02/2019, CABRAL conversa com LUCAS sobre o abastecimento do mercado, demonstrando a intimidade entre os delinquentes (irmão, patrão, parceiro, “veinho”), bem como ciência sobre os passos negociais entre os núcleos criminosos, como datas de viagens, recebimento das “mercadorias”, e inclusive, com o compartilhamento de veículos entre LUCAS, CABRAL e BARBARA, em um clara demonstração de atuação conjunta e concatenada da associação criminosa. In verbis:

C- O patrão

L- fala meu patrão, cê tá bom?

C- Bom?

L- Bom. O meu irmão, fala pra mim: Ocê num, cê não conseguiu falar lá com o parceiro lá né?

C- Não consegui não, ele não tá nem atendendo mano

L- Então acho que ele não tem nada né mano.

C-É, ele falou que quando chegar ele vai me avisar e ofereceu aqui, perguntou quantas peças eu queria, mas eu não sei o que aconteceu que não chegou Canindé em São Paulo pra ninguém, mano.

L- Não chegou, não chegou...

C- Chegou não mano.

L- Eu vou... não chegou nada. Eu vou ter que devolver o dinheiro dos cara mano

C-É, você devolve e pede um pouquinho de paciência pra turma aí né veio. Porque na hora que chegar em São Paulo, nós pega né, veinho.

L- É, então, você vai viajar quando?

C-Eu vou viajar final de semana, sexta feira.

L- Sexta?

C- Sexta, é...

L- Aí você volta?

C- A, assim que eu pegar lá, eu já volto direto por aí pra ver o negócio do carro.

L- Eu já mandei fazer o documento.

C- Beleza, eu já volto por aí na volta.

L- Eu já mandei licenciar. Três dias tá na mão, aí cê já pode ir embora com ele rodando

C- Aí é bom, eu saio com ele andando já, não tenho medo de perder.

L- Aí cê vem de uber até aqui, daqui cê monta no carro e vai embora...

C- É, é. Tendeu. Ou vai eu e a Barbara aí. Quando chegar aí a Barbara leva um e eu levo o outro.

L- Também, também, ela dirige?

C- Ela é habilitada.

L- A, então fechou. Então beleza.

C- Qualquer Canindé que chegar aqui em São Paulo eu te ligo.

L- Tá bom, meu irmão.

C- Não chegou Canindé pra ninguém, pra ninguém, mano. Macaco não tem aqui, nem sagui nem nada.

L- A, o PERNAMBUCO mandou foto, mandou um vídeo pra mim agora.

C- De qual?

L- De uns prego aí, tá com quatro prego lá

C- Mas que tamanho?

L- Médio, mansinho

C- Manso, mando o vídeo pra mim pra mim ver o tamanho

L- Vou mandar aí peraí.

No Diálogo 04 do AC 02/2019, LUCAS conversa com seu pai sobre compra de macaco de PERNAMBUCO ou de CABRAL para revenda, demonstrando intimidade negocial com ambos, tanto para pedir descontos, como para troca por outros animais silvestres, tudo a demonstrar o elo de confiança existente entre os réus (“L- Eu liguei pro PERNAMBUCO agora, pra ver se ele dava um descontinho no prego lá pra mim (...) o CABRAL tem um prego macho e pra mim era melhor né pai, nem que eu tenha que gastar cem pra ir na casa do CABRAL eu trocava com ele nessas ararinha né”).

Igualmente, a relação de CABRAL e sua família com PERNAMBUCO também se mostrou estreita e reiterada. No diálogo 01  do AC 01/2019 (data de 27.03.2019), CABRAL pergunta por Alemão (LAUDSON) e Pernambuco (JORGE PEDRO). Sua filha Hadassa Micaely vai viajar com LAUDSON e um “rapaz de antes”. CABRAL diz que a polícia civil esteve ontem por duas vezes em Arujá para cumprir mandado de busca e apreensão e não encontrou nada porque os bichos estão aí (local de onde fala Micaely). Posteriormente, durante essa viagem realizada por PERNAMBUCO, ALEMÃO e Hadassa, ocorreu uma abordagem realizada pela Polícia Rodoviária Federal no município de Uruaçu/GO, em 01.04.2019, pelo transporte de araras, papagaios e passeriformes (BO n. 1395939190401212101).

O núcleo criminoso formado por BARBARA, CABRAL e GENIVAL também se evidenciou por diversos diálogos já mencionados e especialmente pelo teor da INFORMAÇÃO DE POLÍCIA JUDICIÁRIA 41/2019 relacionada à análise de mensagens de Whatsapp de BARBARA.  Como se extrai das mensagens, CABRAL se mostrava hierarquicamente superior aos demais; BARBARA era seu braço direito mais operacional, procedendo as negociações com clientes, cuidando dos animais e fazendo anúncios e notas fiscais; ao passo que GENIVAL atuava, principalmente, na entrega dos animais (Diálogo 02 do AC 02/2019), mas também com certa autonomia de atuação.

O mesmo documento (INFORMAÇÃO DE POLÍCIA JUDICIÁRIA 41/2019), além de apoiar a conclusão com relação a tal núcleo criminoso, também evidenciou o contato com os demais corréus. O referido relatório conclui que, dentre as mensagens existentes no aplicativo Whatsapp de BARBARA BEECK, foram encontrados diversos diálogos que indicam o intenso contato com vários compradores e fornecedores, como os corréus JEANDSON, LUCAS, HIAGO, JORGE PEDRO e RAFAEL.

A título exemplificativo, em conversas com o investigado JEANDSON, BARBARA negocia a compra e retirada de saguis com JEAN, reiterando, mais de uma vez, que trabalha com CABRAL e que já teria ido várias vezes com CABRAL retirar animais silvestres com JEAN em sua casa de rações.

Das conversas estabelecidas entre BARBARA e CABRAL, no dia 07.05.2019, CABRAL avisa que JEAN tem saguis disponíveis e pede para BARBARA BEECK chamar o BOLA para irem buscar. CABRAL passa orientações para escolher quatro saguis, os mais saudáveis, sendo duas fêmeas, e diz que já combinou o preço por R$ 90,00 cada um.

Em 10.05.2019, BARBARA reclama que os saguis de JEAN estariam com imunidade baixa e que as bactérias da casa em que mantém os animais estariam contaminando os animais.

Em 13.05.2019, CABRAL envia um vídeo com saguis para BARBARA, dizendo que seriam animais de JEAN. CABRAL sugere que iria pedir ao BOLA para pegar dinheiro com ele e depois buscar BARBARA para comprarem os quatro saguis e um jabuti de JEAN.

BARBARA também mantém contato com o investigado LUCAS sobre a entrega de animais silvestres. BARBARA comenta sobre negócios com araras, e LUCAS pede para BARBARA e CABRAL arrumarem macacos para ele.

Em 12.04.2019, CABRAL envia mensagem para BARBARA ir com BOLA na casa de LUCAS, em Vinhedo/SP, para levar duas araras que seriam trocadas por um cachorro.

Em outra conversa entre BARBARA e CABRAL, no dia 06.05.2019, CABRAL menciona que LUCAS teria conhecimento de uma rota com ônibus para o tráfico de animais silvestres, com valor de R$ 1.000,00 o transporte do Pará para São Paulo, a demonstrar também a confiança entre os réus, inclusive, com o compartilhamento das melhores estratégias para que o negócio criminoso prospere.

RAFAEL também mantém conversas com BARBARA sobre negociação de araras, macacos e compra de anilhas. Em conversa no dia 13.04.2019, RAFAEL pergunta a BARBARA se já chegou sua anilha de 20mm que teria encomendado com CABRAL há mais de mês. BARBARA diz que CABRAL avisou que a anilha de RAFAEL chegaria neste mesmo dia e depois, às 12h56, BARBARA envia um áudio para RAFAEL avisando que já estava na porta da casa dele, provavelmente para fazer a entrega da anilha.

Em 18.05.2019, novamente, há intensa troca de mensagens em que RAFAEL negocia com BARBARA a compra de um filhote de macaco prego por R$ 1500,00, com vídeos enviados do animal que, segundo BARBARA, estaria “mansinho” por se tratar de um bebê.

Nas diversas conversas entre BARBARA e CABRAL, há também referência ao investigado JORGE PEDRO quando, em 10.05.2019, envia para BEECK um áudio de PERNAMBUCO em que oferece seis animais silvestres, possivelmente saguis.

O corréu HIAGO, acerca do qual o presente feito foi desmembrado, também aparece nos diálogos entre CABRAL e BARBARA. Em 04.05.2019, CABRAL envia para BARBARA uma foto recebida de HIAGO de um macaco prego com as seguintes mensagens “O HIAGO pegou hoje num pico. Ele falou que tem uns 12 desse tamanho”, indicando ser HIAGO caçador e fornecedor de animais a CABRAL e BARBARA.

É de se ressaltar, pela leitura conjugada dos diálogos e mensagens anteriores, restar evidente que, apesar de aparentemente concorrentes, em realidade, há um intento de proteção mútua entre os acusados, atuando todos no melhor interesse conjunto de manter o mercado ilegal de animais silvestres abastecido e, assim, lucrando com a ação delitiva uns dos outros.

Tal conclusão também é reforçada pelo diálogo 03 do AC 02/2019. Após prisão em flagrante de CABRAL e GENIVAL em Osasco/SP, em 11.03.2019, na posse de 66 (sessenta e seis) saguis e 142 (cento e quarenta e dois) pássaros silvestres (Termo Circunstanciado às fls. 14 do Anexo VI), CABRAL trava diálogo com a pessoa de nome Adriana, com quem teria trabalhado juntamente nessa “leva” de animais silvestres. Na conversa, CABRAL comenta a interligação entre os traficantes de animais silvestres, demonstrando o interesse comum entre todos, como, por exemplo, no aviso para bloqueio dos celulares quando da prisão de algum deles, além do fornecimento constante de animais silvestres para abastecimento do mercado e dos clientes individuais de cada um, em um trabalho em equipe e de codependência (“C-eu não quero nada de ruim contra você. Quero ver você trabalhando, e até então, que nem eu falo direto, eu preciso de pessoas pra me fornecer mercadoria”; “eu falei até pra mulher confiar em você, você tem que ter uma pessoa de confiança; Que ela não trabalha com pessoa errada, ela não trabalha. O PERNAMBUCO pode oferecer cinquenta mil, por exemplo, ela não vende mercadoria pra ele, nem em dinheiro a vista, tá me entendendo? Pra ele, pra JEAN, por exemplo, ela não trabalha”). Por fim, Adriana comenta ainda sobre a interligação com PERNAMBUCO, JOSÉ ARNALDO e JEAN, citando que, no dia em que foi presa com PERNAMBUCO, “os homi pegou uns recibos dentro da casa do PERNAMBUCO em nome da mulher de ARNALDO, lá de Minas Gerais, e aí quando a gente saiu da delegacia, antes deu chegar aqui, PERNAMBUCO me mandou o áudio do marido da mulher falando assim a Adriana caiu também, porque eu fiquei sabendo que ela tava com uns da minha mulher e tal, o JEAN falou que ela tava com esses recibo”. Diante disso, CABRAL responde que “se a gente comprovar esse bolo podre no meio da gente, tem como os pessoal dá mó atenção, tá entendendo? ”.

Tais mencionados recibos entre PERNAMBUCO e JOSÉ ARNALDO, além de constarem nos autos na INFORMAÇÃO DE POLÍCIA JUDICIÁRIA N. 43/2019, também apareceram no Diálogo 15 do AC 02/2019 e na INFORMAÇÃO DE POLÍCIA JUDICIÁRIA 42/2019 (fls. 16/33- ID n. 146584495 e 1/9- ID n. 146584496), que traz as trocas de mensagem de Whatsapp de José Arnaldo e Pernambuco, com diversos registros de conversas realizadas pelo aplicativo WhatsApp entre os investigados, no período de 05.03.2019 a 23.05.2019, a demonstrar o forte vínculo no cometimento de crimes ambientais. As mensagens também evidenciam que LAUDSON trabalha conjuntamente com PERNAMBUCO, como seu funcionário.

Inclusive, a esse respeito, no diálogo 24 do AC 02/2019 ROBERTO conversa com HNI sobre a prisão de PERNAMBUCO e LAUDSON, ocorrida em Uruaçu/Goiás. Durante o diálogo, comentam mais de uma vez que LAUDSON é funcionário de JORGE PEDRO e sobre as anteriores passagens policiais de LAUDSON e JORGE PEDRO (“R-O Alemão tem doze rolos, parece, os cara puxaram lá. Tem porte, tem tráfico, tem... ih, tem muito BO, tem muito artigo. E o cara também, e o patrão dele também po. O patrão dele não podia nem sair do Estado, porque ele tem liberdade provisória, ele não podia nem sair de São Paulo. É doido da cabeça. Eu, uma época que eu fiquei nessa situação aí não viajava não, moço. Viajava, mas não... Onde ia a mercadoria eu não ia não, eu ia em outro carro. (...) E o ALEMÃO não tinha nem dez dias que tinha saído, moço.”)

Outro núcleo associativo refere-se ao casal FLAVIA e DIEGO, que atuavam em firme sociedade entre si (diálogos 26 e 27 do AC 02/2019), mas também em constante comércio com os demais réus.

Inclusive, merece especial atenção o diálogo travado entre FLAVIA e PERNAMBUCO, no qual tais réus debatem, com intimidade e recorrência de contato, sobre quase todos os investigados, fazendo menção expressa a LAUDSON, JEANDSON, DIEGO, BARBARA e CABRAL, demonstrando a associação criminosa de suprimento de animais silvestres entre todos eles. Em razão de sua importância, tal diálogo merece sua transcrição integral, in verbis:

 “ F- Oh, deixa eu te falar. É, foi ele sim porque eu vou te mandar o áudio que o CABRAL mandou, até mesmo porque chegou lá pro JEAN antes de ontem o saguizinho, e eu que ia pegar, né? Aí como não deu pra mim pegar, porque eu tava bem doente, o CABRAL foi lá e pegou com ele. Aí o CABRAL ia me passar um pouquinho a mais né? Um valor um pouquinho a mais, aí eu concordei, eu ia pegar com o CABRAL. Aí quando foi ontem, o CABRAL tava me elogiando demais o ALEMÃO, falando pra mim ficar com o ALEMÃO, que o ALEMÃO era muito gente boa, que eu tinha que largar do DIEGO, porque o CABRAL não gosta do DIEGO né? E tava elogiando muito o ALEMÃO pra mim, aí até então tudo bem, né? Porque ele não gosta do DIEGO, tudo bem. Aí eu peguei, beleza, nem levei em consideração. Aí quando foi hoje eu falei, oh CABRAL, não deu pra mim ir buscar hoje, mas amanhã eu busco, porque meu carro não tá muito bom. Aí ele falou ‘ah, então, mas o ALEMÃO veio buscar, a BARBARA vendeu tudo pro ALEMÃO. Eu falei, oxe, mas o PERNAMBUCO não tá nem conseguindo entrar em contato com o ALEMÃO, porque o ALEMÃO não tá nem com celular, e o ALEMÃO foi aí buscar animais com você? Aí ele virou e falou assim: ‘veio, buscou, mas ele busca pra revenda’. Aí eu falei, oxe, eu não entendi nada agora. Ele falou assim: é mais.... Eu peguei e falei, nossa que bonito hein, então ele tá passando a perna no PERNAMBUCO? Falei mesmo. Aí ele pegou e falou assim: ‘oxe, você conhece só um ALEMÃO?’ Aí eu falei, você não vem com historinha não porque o outro ALEMÃO que mexia com bicho eu conheço, e ele não mexe mais com bicho, eu falei pro CABRAL. Aí ele pegou e falou assim: ‘ah tá bom’. Porque ele quis depois distorcer o que ele falou, entendeu? Mas é o ALEMÃO sim. É o ALEMÃO sim que comprou com ele sagui.

PE- É, pois é. Como é que pode, o ALEMÃO tá fazendo um negócio desse? Eu to sem saber como tá funcionando a coisa, porque...

F- Eu vou te mandar até o print, o áudio, mas você não conta que fui eu, porque eu não quero problema pra minha cabeça.

PE- Não, não, pode fiar sossegada, que eu não vou falar nada não.

F- Mas só pra você saber em quem você confia, viu oh PERNAMBUCO! Porque, igual eu te mandei no áudio aí, entendeu? Você, você... eu vi que você, você é homem, né? Você é uma pessoa correta nos seus negócios, quem não foi mulher fui eu, só que eu sou mulher pra assumir meus erros, entendeu? Só que eu também não acho certo as pessoas ficar passando a perna nos outros, entendeu? Só to dando um toque assim, abrindo seu olho, porque às vezes você quer ajudar as pessoas, e as pessoas não merecem, entendeu Pernambuco?

(...)

PE- Eu to falando com uns cara na favela onde o ALEMÃO tá, os cara falou que ele não tá aparecendo lá. Quando foi agora de noite, o cara mandou um áudio pra mim, que diz que ele saiu de lá falando que ia pra Francisco Morato”. Se ele tá vinda pra Morato, ele tá vindo pra cá!

F- (...) Ele é assim, ó. Ele busca mercadoria pra você, certo? Aí vamos supor, ele arruma uma pessoa aqui, que vamos supor, ele fala que morreu no meio do caminho cinco peça, vamo falar cinco peça, aí a pessoa pega essas cinco peça, tipo, quando tiver entrando aqui em São Paulo. Aí ele desviou essas cinco peça, certo? E ele vai falar que morreu, só que na verdade ele passou pra pessoa. (...) Eu acho assim, eu consigo ganhar meu dinheiro comprando, eu não preciso fazer esse tipo de atitude com os outros, entendeu?

(...)

PE- Não é (uma pessoa confiável). Eu sei. O CABRAL também, ele pediu cinco mil pro CABRAL. Eu fiquei sabendo disso aí tudo.

F- Você acha que eu dou, PERNAMBUCO, 3500 na mão de uma pessoa que usa crack, mano? Quem me garante que o dinheiro volta, filho?

PE- É, no dia que a polícia que pegou ele lá, o policial pegou ele lá. O policial mandou tudo pra mim os áudios dele. O policial mandou, só que eu peguei meu telefone e desliguei, porque ele tava preso né. O policial falou assim, dois dias depois que eu liguei o telefone. Ele falou pra mim oh “tá os áudios aqui do ALEMÃO”, tudo, mandou tudo pra mim. Tudo que foi bagaceira que tinha no celular dele, o polícia mandou pra mim. Falou pra mim, tá vendo, esse cara aqui não é confiável. Mandei ele pra cadeira porque o carro era roubado, mas eu não ia prender ele não, mas não é confiável não. Falou pra mim, agora é eu e você, você ficou dois dias com o telefone desligado, eu quero o acerto. Eu quero trinta mil, eu falei pra ele que trinta mil eu não tenho. Aí ele falou “o seu sobrinho falou que ia dar trinta mil quando a gente soltasse ele, a gente soltou, a gente sabe que ele não tem dinheiro, mas o cara que deu sua cabeça aqui, quem te caguetou, a pessoa que caguetou, não falou o cara, falou que você pagava. Eu falei, pois vou pagar de que jeito? Eu caí em dezembro e me lasquei, duas vezes no mesmo mês. Vocês sabem disso daí, que se vocês puxar aí vocês vão ver. O cara falou “não, a gente já tem tudo aqui levantado sua ficha, a gente sabe tudo”. Aí mandou o áudio dele, ele pedindo cinco mil pro CABRAL, mandou tudo, esse negócio das araras que era pra desviar no caminho, tem outras coisas também....

(...)

F- E se eu te falar outra coisa você vai desacreditar, sabe o que o ALEMÃO teve coragem de falar aqui dentro da minha casa, mano? Me senti até tirada, falou “se aquele dia lá, eu tivesse chegado lá, entendeu, e você não tivesse com aquele bunda mole daquele DIEGO eu tinha até deixado pra lá das aves das arara pra receber depois, mas quando eu vi aquele pangaré lá com você eu já fiquei fudido e já quis mesmo o dinheiro ou as arara”!

(...) F- Eu vou te mandar o áudio, pera ai. Oh, assim, “a BARBARA vendeu a cento e cinquenta reais para o ALEMÃO, ele compra pra revender”

(...) PE- Eu acho que o CABRAL deu uma aumentada no valor porque...

F- Pode ser que ele aumentou o valor, entendeu? Mas que ele falou que foi pro ALEMÃO, ele falou, eu vou até te mandar o print.

PE- Ele tava passando pra você a quanto, a cento e quanto?

F- A cento e cinquenta!

PE- Pra você?

F- Pra mim a cento e cinquenta. Porque ele pagou noventa com o JEAN.

PE-Ele deve, ele deve ter pagado, ele deve ter vendido por... Tinha que ter pegado do JEAN direto, tinha sido melhor.

F- Não, do JEAN é noventa.

PE- Se pega do JEAN tinha sido melhor pra você também, antes de passar pro CABRAL.

F- Não, eu pego do JEAN. Eu pego do JEAN a noventa.

PE- Pois é, ele pode ter vendido pro ALEMÃO de cento e vinte, cento e trinta, uma coisa assim.

No diálogo 16 do AC 02/2019, também relativo à conversa de PERNAMBUCO, dessa vez com MNI, comenta-se sobre o fornecimento de animais a outros traficantes como JEAN, ROBERTO, LUCAS, JOSÉ ARNALDO e DANIEL HENRIQUE DOS SANTOS, demonstrando a ciência acerca da atividade dos demais para abastecimento do mercado de animais silvestres.

A INFORMAÇÃO DE POLÍCIA JUDICIÁRIA N. 44/2019 (fls. 26/38- ID n. 146584494,  e 1/15- ID n. 146584495) acerca dos materiais encontrados nos celulares dos acusados, também corrobora a ligação dos acusados, fazendo-se relevante os seguintes achados no celular de JORGE PEDRO (contatos salvos de CABRAL, FLAVIA, HIAGO, JEANDSON, LUCAS e RAFAEL), e de DIEGO (Contatos salvos de FLAVIA, BARBARA e JEANDSON, com vários SMS com Flavia acerca da venda de “prego”, jaguaritica, arara).

Some-se, ainda, a existência de diversas outras apreensões pregressas dos acusados flagrados na prática de tráfico ilícito de animais silvestres, muitas das vezes mancomunados entre si, com a atuação de integrantes dos mais diversos núcleos, tudo a demonstrar a constância da prática delitiva ao longo do tempo, e também o entrosamento entre os réus, comprovando, dessa forma, a existência de uma associação criminosa estável e permanente entre esses.

No Anexo III (ID n. 146584434), por exemplo, consta o Boletim de Ocorrência 2018.10100105702, referente à apreensão de centenas de animais silvestres, em Francisco Morato, a qual, como já referido, tinha como responsáveis os corréus LUCAS e JORGE PEDRO.

No Anexo VI (ID n. 146584438), consta o IPL 002/201, com a apreensão de 02 (dois) macacos prego e 01 ararajuba, relacionados aos corréus RAFAEL e HIAGO (desmembrado) em Belo Horizonte/MG, em 15.06.2018.

No Anexo IX (ID n. 14658440), a seu turno, consta o Boletim de Ocorrência relativo à apreensão de 60 pássaros em 01.04.2019, tendo como responsáveis os corréus LAUDSON e JORGE PEDRO.

Por fim, nas fls. 4/12 (ID n. 146584632), consta Relatório de apuração de diversas infrações administrativas ambientais do IBAMA em nome de JOSÉ ARNALDO. 

Inclusive, no que tange ao conteúdo dos interrogatórios dos acusados, apesar de estes terem aduzido não fazerem parte de uma associação criminosa, o relato policial de JORGE PEDRO dá conta exatamente desse efeito cascata de venda e revenda entre os acusados para o abastecimento do mercado ilícito, apto a caracterizar a presente associação (“Que conhece ROBERTO DOS SANTOS, ele traz passarinhos de Goiás para vender em São Paulo, vende nos grupos; Que ele traz araras, papagaios; Que já encontrou pessoalmente com ele, mas tem mais contato via telefone, mas não sabe ao certo se esse continua traficando animais; Que LAUDSON é de São Paulo e traz animais do Pará, curió e arara; (...) Que FLÁVIA é mulher de DIEGO MENDES e moram em Santo André; Que os encontrou em Francisco Morato, vendendo macacos prego e os trazem do interior de São Paulo; Que todos eles vendem animais em grupos de whats e na internet; (...) Que nunca caçou animais silvestres, apenas revendia; Que vendia os pássaros uriatã e pintassilgo; Que nessa semana pegou esses pássaros com o LAUDSON; Que pagou R$20, e R$30,00 e vende por R$30,00; Que já pegou macaco com a FLÁVIA há uns quinze dias atrás por R$1500,00 e revendeu por R$2000,00 para alguém do grupo; Que tem tempo que não vende papagaio e que adquiria com ROBERTO; Que adquiria arajuba com ROBERTO e com LAUDSON mas agora está fora de época”).

Verifica-se, assim, que a atuação interligada e em rede dos investigados foi narrada pela inicial acusatória e devidamente comprovada pelos elementos probatórios acima mencionados no seguinte sentido:

JAIRO CABRAL era o agente principal e de maior articulação da associação criminosa voltada para o comércio ilícito reiterado de animais silvestres.

BARBARA KARINA e GENIVAL TRAJANO figuravam no mesmo núcleo criminoso de CABRAL. CABRAL era o responsável pela aquisição, captura e negociação com compradores, ao passo que BARBARA se encarregava das entregas, de negociar com clientes e de liberar anúncios para venda dos animais silvestres capturados por CABRAL. GENIVAL, por sua vez, atuava principalmente como motorista nas entregas das “mercadorias”, tendo, entretanto, também certa autonomia de atuação e negociação de animais.

Outro importante núcleo referia-se à FLAVIA DE SOUZA, que também se dedicava à venda de animais silvestres, juntamente com seu companheiro DIEGO. Enquanto FLAVIA atuava de forma mais direta nas negociações com os demais investigados, DIEGO atuaria principalmente como motorista para as entregas negociadas pela companheira, além de realizar os anúncios online para venda a potenciais clientes. FLAVIA, como se depreendeu dos elementos probatórios, ostentava relação de proximidade com JORGE PEDRO e LAUDSON, e também adquiria animais do corréu JEANDSON, antes de repassá-los para CABRAL e BARBARA. 

As conversas de Whatsapp constantes no celular de BARBARA também evidenciam suas negociações frequentes e íntimas com JEANDSON, LUCAS, RAFAEL, JORGE PEDRO e HIAGO.

JEANDSON também detinha ligação direta com ROBERTO, CABRAL, LAUDSON, LUCAS e DANIEL HENRIQUE na negociação de animais silvestres. CABRAL e DANIEL HENRIQUE também tinham ligação entre si, inclusive caçando e vendendo animais conjuntamente.

ROBERTO, por sua vez, além de ter ligação direta com CABRAL e DANIEL, também forneceria animais silvestres a JEANDSON e LUCAS NUNES, com quem aparentava ostentar bastante intimidade.

LUCAS, a seu turno, era um importante e central traficante dentro do esquema criminoso. Além de animais silvestres (mais especificamente primatas), LUCAS também comprova blocos de notas fiscais falsificadas e anilhas de CABRAL e BARBARA, para seu estoque. O estoque de passeriformes de LUCAS, a seu turno, advinha de JORGE PEDRO (vulgo “Pernambuco”). Com ambos, LUCAS detinha relação de proximidade, demonstrando liberdade de negociação de preços e até mesmo formulando planos conjuntos de viagens e depósito para aquisição e guarda de mercadorias. LUCAS também demonstra relação com os réus DANIEL e RAFAEL, inclusive recomendando seus “serviços” a potencial cliente que lhe procura na busca por adquirir animal silvestre.

JORGE PEDRO, em contrapartida, tinha como funcionário para atuar como seu “puxador” de animais o corréu LAUDSON, que, por outro lado, também trabalhava como fornecedor direto de animais a JEANDSON. JORGE PEDRO também adquiria animais de JOSÉ ARNALDO e diretamente de CABRAL., além de ter proximidade com a corré FLAVIA, e também existir referência de JORGE PEDRO com ROBERTO, DANIEL, HIAGO, LUCAS e RAFAEL.

Especificamente quanto ao réu HIAGO, inicialmente desconhecido na Operação URUTAU, tem-se que o acusado teve seus diálogos interceptados na Operação SAPAJUS, revelando sua atuação no comércio ilegal de animais silvestres e na captura direta na natureza. Os depoimentos judiciais das testemunhas de acusação, em conjunto com as evidências dos diálogos e pesquisas em seu terminal telefônico, além dos anúncios ilegais de venda de animais, reforçam sua participação ativa e contínua nos crimes ambientais, bem como o envolvimento na associação criminosa identificada pela Operação URUTAU.

A esse respeito, os diálogos interceptados, já referidos na condenação de HIAGO no delito do art. 29, § 1º, III, da Lei 9.605/1998, apontam que HIAGO detinha ligação estreita com CABRAL na caça de animais silvestres, e também com o codenunciado JORGE PEDRO PERNAMBUCO.

Segundo consta da Informação de Polícia Judiciária 007/2019 (fls. 17 do Anexo II), no 2º PERÍODO DE MONITORAMENTO da Operação Sapajus, relativo às datas de 27.09.2018 a 05.10.2018, em determinado diálogo, em 02.10.2018, HIAGO, liga para HNI, e diz que encontrou vários filhotes de MACACO-PREGO em um parque, onde haviam se encontrado anteriormente (HIAGO: SABE AQUELE PARQUE ONDE EU TE ENCONTREI? HNI: SEI. HIAGO: TEM UM MONTE DE PREGO BEBÊ. HNI: (ININTELIGÍVEL). HIAGO: EU TÔ AQUI COM ELES AGORA, AGORA. VI. TEM DOIS, Ó: UM, BEBEZINHO, DOIS, TRÊS, QUATRO, CINCO BEBÊS, CINCO BEBÊS; E O RESTO DEVE SER DE CINCO MESES, BEBEZINHO TAMBÉM. TEM MUITO BEBEZINHO, PEQUENO, MUITO. HNI: E AÍ, QUE VOCÊ QUER FAZER? HIAGO: AH, EU QUERIA PEGAR. MAS NÃO TEM COMO EU PEGAR SOZINHO. TEM MUITO”). Ele pede ajuda de HNI para capturar os animais, mas este, ao que parece, não pode. HIAGO diz que vai dar DIAZEPAM para os macacos (“HIAGO: DIAZEPAM. EU VOU CORRER LÁ NA MINHA CASA, VOU BUSCAR ALGUÉM E VOU DAR DIAZEPAM PRA ESSES MACACO AGORA. NOSSA, TEM MUITO, TEM MUITO BEBÊ”). Ao final fala que vai ligar para CABRAL, possivelmente para ajudá-lo na captura (“VOU LIGAR PRO CABRAL AGORA; VOU LIGAR PRO CABRAL AGORA”).

Após esse diálogo, constou no sistema da operadora TIM a tentativa de chamada a partir da linha (11)94904.2720, usada por HIAGO, para a linha interceptada (11)97708.9695, em uso pelo alvo CABRAL.

Em novo diálogo em seguida, HIAGO, que se identifica inicialmente como “RICHARD”, fala para HNI que está na mata caçando macacos. HNI se oferece para ajudá-lo a pegar os animais e HIAGO diz que CABRAL vai ajudá-lo (“HIAGO: ESCUTA, O CABRAL TÁ VINDO ME AJUDAR.AGORA”). HIAGO fala que com cinco macacos consegue uns vinte mil. HIAGO também fala que tem cinco saguis (“HIAGO: FILHA, EU TÔ DURO, DURO, DURO, DURO. MAS TEM MACACO, GRAÇAS A DEUS. HNI: ENTÃO, ENTÃO É O DE MENOS. HIAGO: NA MINHA CASA TEM CINCO SAQUI, QUE EU BUSQUEI HOJE CEDO”).

Por fim, em outra conversa interceptada consta que HNI alega estar indo até (FRANCISCO) MORATO para separar uns negócios lá (buscar animais) e HIAGO pede para HNI lhe trazer uma arupemba. HIAGO comenta que os macacos estão morrendo tudo. Frise-se que, como bem demonstrado nos autos nº 50000095-40.2019.403.6181, a casa com centenas de animais silvestres que gerou a apreensão de Francisco Morato estava relacionada aos acusados JORGE PEDRO “PERNAMBUCO” e LUCAS (Anexo III -ID n. 146584434 dos autos originais- BO 2018.10100105702).

Outros elementos probatórios também demonstram a interligação de HIAGO dentro da associação criminosa através de sua união com CABRAL, BARBARA e PERNAMBUCO. A esse respeito, veja-se a INFORMAÇÃO DE POLÍCIA JUDICIÁRIA 41/2019 relacionada à análise de mensagens de Whatsapp de BARBARA (Fls. 2/58-146584530, 1/50- ID n. 14658431 e 1/23- ID n. 146584532 dos autos principais). Em tal relatório, HIAGO aparece nos diálogos entre CABRAL e BARBARA. Em 04.05.2019, CABRAL envia para BARBARA uma foto recebida de HIAGO de um macaco prego com as seguintes mensagens “O HIAGO pegou hoje num pico. Ele falou que tem uns 12 desse tamanho”. Frise-se que a data de tal assertiva, juntamente com a análise da data do monitoramento anteriormente referido em que HIAGO chamava CABRAL para ajudá-lo a caçar macacos, ainda em outubro de 2018, deixa evidente que a interligação societária e colaborativa entre ambas perdurava ao longo do tempo de forma perene.

Igualmente, além do diálogo relativo à Francisco Morato, a INFORMAÇÃO DE POLÍCIA JUDICIÁRIA 043/2019 (Fls. 26/41 – ID n. 146584490 dos autos originais), acerca da análise de dados que foram extraídos do celular de JORGE PEDRO “PERNAMBUCO” trouxe registro de uma foto do apelante HIAGO durante uma caçada, em consonância com o teor acima referido. Ainda, a INFORMAÇÃO DE POLÍCIA JUDICIÁRIA N. 44/2019 (fls. 26/38- ID n. 146584494,  e 1/15- ID n. 146584495) acerca dos materiais encontrados nos celulares dos acusados, evidencia o contato de HIAGO salvo no celular de JORGE PEDRO.

Não fosse suficiente, tais ligações com PERNAMBUCO e CABRAL foram também confirmadas pelo conteúdo dos depoimentos das testemunhas de acusação ouvidas em juízo. Colheu-se do depoimento de ANNA CRISTINA DE OLIVEIRA CORRÊA, Agente da Polícia Federal, que “na deflagração da Operação Urutau, foi encontrada uma foto de uma caçada de HIAGO no telefone de um dos alvos principais da investigação, que era JORGE PEDRO DA SILVA, vulgo PERNAMBUCO”. E, ainda, segundo o agente da Polícia Federal DEMIAN MIKEJEVS CALÇA, ouvido como testemunha de acusação, “o réu HIAGO foi identificado inicialmente na Operação Sapajus, em 2018, e tinha relação com outros envolvidos na Operação Urutau. Recorda-se da ligação que existia entre os corréus HIAGO, CABRAL e PERNAMBUCO, e este último já havia sido alvo de outras investigações pela DELEMAPH; lembra-se que havia algum contato entre PERNAMBUCO e HIAGO, que aquele chamava este de “Apula”, algo assim. (...) No final da operação, foi encontrada no celular de PERNAMBUCO uma foto de HIAGO caçando macacos, utilizando uma rede ou puçá, com uma terceira pessoa não identificada. O réu HIAGO e os demais corréus promoviam a compra e revenda de animais silvestres entre si; Nas interceptações telefônicas realizadas na Operação Urutau, recorda-se de algum diálogo de CABRAL e outros envolvidos mencionando o nome de HIAGO, sendo possível ter havido a troca de telefones, pois não foi identificado outro terminal telefônico válido em nome do réu ou por ele utilizado”.

Vê-se, assim, ser possível extrair-se a teia relacional concatenada e o emaranhado de funções existente entre HIAGO com os demais acusados, apta a configurar a atuação conjunta de quadrilha ou bando. Os diversos atos ilícitos perpetrados ao longo das apurações e explicados pormenorizadamente quando da análise do art. 29, § 1º, III, da Lei nº 9.605/1998 constituem partes concatenadas de um intrincado mercado ilícito de animais silvestres para o qual os agentes, acusados, ora concorrem, ora competem para a venda com o cliente final, ora convergindo entre os indivíduos ocupantes de cada um dos papeis necessários à ativação do mercado, unindo-se, todos, no interesse de fazer prosperar o comércio ilegal com o qual se beneficiavam financeiramente, seja na ponta vendedora, seja na ponta compradora, seja, ainda, na intermediação escusa.

Ademais, a permanência e estabilidade dos vínculos associativos ora constatados depreende-se justamente das incessantes iniciativas de continuar interagindo no mercado de compra e venda de animais silvestres, nutrindo a confiança de que os participantes continuariam a atuar para a subsistência do comércio ilegal.

A esse respeito, rememore-se que a perfectibilização do tipo não requer uma espécie de filiação associativa formalizada, bastando a solidez estrutural capaz de diferenciar o arranjo coordenado de agentes de um mero concurso eventual e de depreender-se a intenção de perenidade, ainda que apoiada em liame associativo rudimentar.

Destarte, diversamente do quanto sustentado pela defesa, o caráter associativo decorre de os agentes estarem à disposição recíproca para colaborarem no abastecimento e comércio ilegal de animais silvestres, confiando uns nos outros que desempenhariam o seu papel no arranjo delituoso.

Não é necessário para a configuração típica do crime de associação criminosa que todos os agentes se conheçam entre si ou saibam as funções que competem a cada qual, sendo certo que até mesmo a fungibilidade entre diversos cooperadores das operações relacionadas ao tráfico ilícito de animais silvestres constitui fator de otimização dos esforços para o sucesso da empreitada criminosa. 

É de se ressaltar, ainda, que, nesse contexto, se sobressaiu a figura comum de JAIRO, vulgo CABRAL, pelas amplas conexões com fornecedores e pela confiança, intimidade e proximidade que vários comparsas nele depositam, tendo sido demonstrado que o ora réu HIAGO detinha elo próximo e de ajuda mútua com CABRAL.

Há que se concluir, portanto, pela existência de uma única associação criminosa, composta por núcleos ora associativos, ora concorrenciais, mas sempre dispostos a contribuir para a prosperidade do mercado de animais silvestres, de sorte que todos os condenados pela r. sentença concorreram para o mesmo delito de associação criminosa, insculpido no art. 288, caput, do Código Penal.

Mantida, portanto, a condenação de HIAGO quanto ao delito do art. 288 do Código Penal.

 

DA MANUTENÇÃO DA CONDENAÇÃO QUANTO AO DELITO DE MAUS TRATOS (ART. 32, CAPUT, DA LEI DE CRIMES AMBIENTAIS)

A Defensoria Pública da União impugna a condenação do réu HIAGO quanto ao delito de maus tratos. Não lhe assiste razão.

Primeiramente, é importante apontar que, tal como entendido no delito do art. 29, § 1º, III, da Lei nº 9.605/1998, não existe óbice para que a ausência de apreensão de animais e consequentemente a ausência de laudo pericial gere a configuração da materialidade do delito do art. 32 da Lei de Crimes Ambientais (TRF-3 - ApCrim: 00081275620184036181 SP, Relator: Desembargador Federal FAUSTO MARTIN DE SANCTIS, Data de Julgamento: 28/01/2022, 11ª Turma, Data de Publicação: DJEN DATA: 03/02/2022).

Entretanto, para que a suposta obrigatoriedade do exame pericial quanto a crimes que deixam vestígios (art. 158 do Código de Processo Penal) seja mitigada pela interpretação conjunta com o princípio do livre convencimento motivado (inteligência do art. 155, CPP), sem qualquer prejuízo à apreensão da verdade ou do exercício da ampla defesa, é necessário que o conjunto probatório evidencie de maneira sobrejacente a materialidade e autoria do delito de maus tratos, o que se coaduna com a situação do acusado HIAGO.

Apesar de não ter havido apreensão em flagrante do acusado no comércio ilícito de animais silvestres, existem diálogos em que HIAGO expressamente relatam a morte e adoecimento dos animais capturados durante suas atividades criminosas, justamente em razão da submissão destes a maus tratos, com absoluta naturalização quanto à morte dos espécimes. Ainda, os métodos de caça de animais perpetrados por HIAGO também configuraram demonstração nítida do caráter mercadológico, cruel e sádico no trato dos animais.

A exemplo disso, pode ser citado o trecho de um diálogo interceptado, no qual o réu descreve o uso de uma arma de choque (taser) como forma utilizada para caça de animais:

“(...) Hiago - eu não tava com os macacos ontem, fio?!

Bruno - você?

Hiago - é, eu na mata com os macacos e eles comendo na minha mão, Bruno.

Bruno - puta, mano! Lá no mesmo lugar onde você pegou o...

Hiago - ahan! Só que agora tem muitos bebês.

Bruno - agora vai... agora é dopar eles...

Hiago - não, é arminha de choque e (ininteligível). O menino tá vindo pra me ajudar.

Bruno - arminha de choque?

Hiago - é.

Bruno - dá uns...

Hiago - taser.

Bruno - caralho! Dispara o bagulho...

Hiago - aí desmaia e pega. (...)”

Também merece destaque, o fato de o acusado ministrar aos animais DIAZEPAM (substância encontrada no rol da LISTA DE SUBSTÂNCIAS PSICOTRÓPICAS SUJEITAS A NOTIFICAÇÃO DE RECEITA “B”, conforme Portaria nº 344, de 12 de maio de 1988, do Ministério da Saúde, que aprova o Regulamento Técnico sobre substâncias e medicamentos sujeitos a controle especial) para dopar os primatas, tornando-os mais suscetíveis à caçada, conforme restou demonstrado no diálogo acima referido no 2º Período de Monitoramento da Operação Sapajus e na Informação de Polícia Judiciária n. 34/2018 (fls. 76/77vº - ID 18014661).

Tal fato se complementa com o depoimento judicial do réu HIAGO, que admitiu que lhe fora sugerida a ideia de utilizar Diazepam para efetuar a caça de animais hostis, tendo conseguido obter a substância com um amigo.  Vide o trecho do depoimento judicial do réu a seguir:

“ (...) falara para ele “Você vai conseguir pegar um macaco desse bravo?”, e ele respondeu “Não sei”, então lhe sugeriram “Tenta dar Diazepam”; Contou que os macacos não desciam para comer na sua mão e, como ele estava com seu macaco “Gael”, eles iam para cima do réu tentando mordê-lo; Duas vezes levou o seu macaco na caçada, soltava-o para subir na árvore e quando o chamava de volta ele sempre descia; (...) Alega que conseguiu o Diazepam com um amigo. ”

Por fim, tem-se o outro registro de interceptação de um diálogo, em que HIAGO conversa com HNI a respeito da morte de diversos macacos, e debocha “(...) vê se manda os mais saudável, hein! ” (ID 152257831 - fls. 115/117):

“(...) Hiago: Os macaco tá morrendo tudo. Vê se manda os mais saudável, hein! Já morreu quatro.

HNI: Nossa! Como? (falam ao mesmo tempo)

Hiago: Na mão do cliente.

HNI: Ah não. Então tá morrendo na mão dos cliente, porque eles não sabe cuidar, filho.

Hiago: É. Isso que eu falei pra eles.

HNI: Oxi. Porque na sua mão, não morre não. Entendeu?

Hiago: Na minha mão não morre.... Na minha mão morreu só um, porque a caixa estava muito fechada. ”

Por fim, importante destacar que a configuração do presente delito engloba muito mais que o eventual ferimento ou mutilação dos espécimes, incluindo, também o abuso e maus tratos aos animais, o que restou amplamente demonstrado nos autos, inclusive, comprovado indubitavelmente pela conclusão de peritos certificados. Nesse sentido, válida a transcrição de fundamentação irretocável constante em precedente do E. Tribunal Regional Federal da 4ª Região acerca do delito de maus tratos (TRF-4 - ACR: 50199016620144047100 RS 5019901-66.2014.4.04.7100, Relator: JOÃO PEDRO GEBRAN NETO, Data de Julgamento: 07/10/2020, OITAVA TURMA- destaque nosso). In verbis:

A conduta adotada pelo agente, como se vê, enquadra-se perfeitamente no conceito de maus-tratos. Por maus tratos não se entende apenas a imposição de ferimentos, crueldades ou afrontas físicas. Maus tratos é sinônimo de tratamento inadequado do animal, segundo as necessidades específicas de cada espécie. É o que foi feito pelo acusado, que manteve 469 aves confinadas em pequenas gaiolas dentro do porta-malas do seu veículo, durante uma longa viagem interestadual entre Piracicaba/SP e Porto Alegre/RS.

DESSA FORMA, evidente de maneira inequívoca a existência da materialidade do delito de maus tratos e a autoria, sendo de rigor, assim, a manutenção de condenação de HIAGO quanto ao delito do art. 32 da Lei 9.605/1998.

 

DA DOSIMETRIA DA PENA DO RÉU HIAGO HERIK PACIÊNCIA SANTOS

 

Do art. 29, § 1º, III, Lei 9.605/1998

PRIMEIRA FASE

Levando-se em consideração as circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal, bem como o artigo 6º, incisos I, II e III da Lei nº 9.605/1998, o juízo a quo fixou a pena-base em 11 (onze) meses de detenção, considerando como negativas as circunstâncias da culpabilidade, conduta social, personalidade do agente, motivos do crime, circunstâncias e consequências do crime

No caso do presente delito ambiental, tem-se que devem ser afastadas as considerações da personalidade do agente e motivos do crime como deletérios.

O fato considerado pelo r. juízo a quo de que os crimes cometidos buscavam lucro fácil e eram motivados pela ganância, no caso específico do delito do art. 29, § 1º, III, da Lei 9.605/1998 mostra-se ínsito ao tipo penal. Justamente a prática reiterada de crimes de “venda e exposição à venda” de animais silvestres, tipificado no presente delito torna a finalidade lucrativa necessariamente subjacente, o que configuraria bis in idem o aumento de pena por tal motivação gananciosa na presente dosimetria de pena. Portanto, afastadas as vetoriais negativas relacionadas aos motivos do crime e a personalidade do agente.

Ao contrário, cabível a manutenção das demais circunstâncias consideradas, nos seguintes termos:

Culpabilidade: Existem nos autos provas que indicam que o acusado perpetrava sua conduta criminosa de forma habitual e por um vasto lapso temporal.  Contata-se, ainda, que o réu HIAGO participava ativamente em várias etapas do iter criminis, que abrangem desde a caça até a comercialização, compra e revenda, armazenamento, manutenção em depósito, exposição à venda e venda de espécimes da fauna silvestre.

Conduta social: Como bem apontado pela sentença a quo, está registrado nos autos que o réu HIAGO HERIK PACIÊNCIA SANTOS é proprietário da empresa HIAGO HERIK PACIENCIA SANTOS PET, inscrita no CNPJ 28276783/0001-50. Tal feito potencializa o envolvimento de atividades ilícitas com o mal-uso da pessoa jurídica e sua função social, em detrimento do meio ambiente. Portanto, conclui-se que sua conduta social também merece alta reprovação.

Circunstâncias do crime: Tem-se que, nos termos do fundamentado pelo r. juízo a quo, restou comprovado que o delito era praticado através de ambientes digitais que envolviam redes sociais como o Facebook e sites como htpps://animais-estimacao.com (Brasil), com amplo e fácil acesso, inclusive, no estrangeiro, justificando, assim, uma reprovação severa.

Consequências do crime: as consequências extrapenais dos crimes cometidos por HIAGO no âmbito da venda de animais silvestres foram graves, ao considerar-se o sofrimento individual aos espécimes comercializados, além do dano causado as espécies pela retirada e não retorno ao seu hábitat natural.

A propósito, acerca dos direitos dos animais em específico, é preconizado pela Declaração Universal dos Direitos dos Animais, proclamada pela Unesco em sessão realizada em Bruxelas em 27 de janeiro de 1978, em seu artigo 2º que:

“ a) Cada animal tem o direito ao respeito.

b) A espécie humana, enquanto espécie animal, não pode atribuir-se o direito de exterminar os outros animais ou explorá-los, violando este direito. Ela tem o dever de colocar a sua consciência a serviço dos outros animais.

c) Cada animal tem o direito à consideração, à cura e à proteção da espécie humana”.

Além disso, o artigo 4º prevê, in verbis:

“a) Cada animal que pertence a uma espécie selvagem tem o direito de viver livre no seu ambiente natural terrestre, aéreo e aquático, e tem o direito de reproduzir-se.

 b) A privação da liberdade, ainda que para fins educativos, é contrária a este direito. ”

Diante do exposto, vê-se que referidas circunstâncias judiciais do artigo 59 foram devidamente fundamentadas pelo r. juízo sentenciante, e, portanto, merecem ser mantidas.

Frise-se que, no caso específico dos crimes previstos na Lei 9.605/1998, além das circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal, o art. 6º da referida Lei prevê que “a gravidade do fato, tendo em vista os motivos da infração e suas consequências para a saúde pública e para o meio ambiente” merecem especial atenção e, consequentemente, apenação mais rigorosa, especialmente a se considerar os fins e bens jurídicos tutelados que pretendeu ofertar o legislador, o que justifica a maior  discricionariedade do juízo ao dosar a pena para tais crimes.

Mantidas, portanto, 04 (quatro) circunstâncias e afastada tão somente 02 (duas) delas (motivos do crime e personalidade do agente) mostra-se adequado que a reprimenda seja fixada acima do mínimo legal, devendo, entretanto, restar abaixo do fixado pelo r. juízo sentenciante.

Assim sendo, entende-se adequado o patamar de 10 (dez) meses de detenção e ao pagamento de 16 (dezesseis) dias-multa.

SEGUNDA FASE

Na segunda fase da dosimetria, o juízo a quo reconheceu as circunstâncias agravantes previstas na Lei nº 9.605/1998 enquadradas no seu artigo 15, alíneas a (para obter ganho financeiro) e c (afetar de maneira grave ao meio ambiente), acrescendo-se a pena intermediária em 2/6 (dois sextos). A pena intermediária, entretanto, permaneceu fixada no máximo de 01 (um) ano de detenção, em obediência à súmula 231 do STJ.

De plano, tal como procedido com relação à circunstância de motivos do crime, afasta-se a agravante prevista na alínea a, do artigo 15, da Lei nº 9.605/1998 (para obter ganho financeiro), uma vez que o objetivo de ganho financeiro é ínsito ao tipo penal previsto no artigo 29, § 1º, inciso III, da Lei de Crimes Ambientais.

Ao contrário, assiste razão a r. Magistrada em aplicar a agravante do artigo 15, alínea c, da Lei 9.605/1998, ao considerar-se o impacto ecológico-ambiental causado pela venda ilegal de animais silvestres de forma massiva, o que, além do sofrimento individual aos espécimes comercializados já mencionado anteriormente, resulta invariavelmente também na alteração na população de animais e desequilíbrio de todo o ecossistema, para essa e futuras gerações. A grande quantidade e variedade de animais afetados, coloca em risco e insegurança de extinção a diversas espécies.

No que se refere às atenuantes, consigna-se que merece acolhida a aplicação da atenuante da confissão espontânea, uma vez que, além de facilitar a apuração dos fatos, a assunção de responsabilidade pelo crime, por aquele que tem a seu favor o direito constitucional a não se auto incriminar, revela a consciência do descumprimento de uma norma social, de suas consequências e de um desejo de colaborar com a Justiça, devendo ser devidamente recompensada. Nesse sentido, julgados abaixo transcritos:

APELAÇÃO CRIMINAL. ARTIGO 334, §1º, ALÍNEAS 'B' E 'D' DO CÓDIGO PENAL (REDAÇÃO ANTERIOR À LEI 13.008/2014). GRANDE QUANTIDADE DE CIGARROS. ARTIGO 59 DO CÓDIGO PENAL. CIRCUNSTÂNCIAS DO CRIME. AUMENTO DA PENA. CONFISSÃO ESPONTÂNEA . INCIDÊNCIA. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. 1. A sentença recorrida condenou ADI PEDRO MIERRO pelo cometimento da conduta descrita no artigo 334, §1º, alíneas 'b' e 'd' do Código Penal (redação anterior à Lei 13.008/2014), à pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de reclusão em regime aberto. A pena privativa de liberdade foi substituída por 2 (duas) penas restritivas de direitos, a saber: (i) prestação pecuniária a ser revertida para entidade filantrópica definida pelo juízo das execuções penais, no valor correspondente à metade da fiança prestada, e (ii) prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, pelo mesmo período da pena corporal substituída, a ser cumprida em entidade pública ou privada, a ser designada pelo juízo das execuções penais, em audiência admonitória, em regime de oito horas semanais. O apelo insurge-se quanto à dosimetria da pena. (...) 5. Atenuante da confissão espontânea deve ser reconhecida. a súmula 545 do E. STJ determina que, 'quando a confissão for utilizada para a formação do convencimento do julgador, o réu fará jus à atenuante prevista no artigo 65, III, d, do Código Penal'. Mesmo em caso de autuação em flagrante delito a confissão espontânea do réu utilizada como argumento da sentença e meio de convicção do magistrado deve servir para fins de circunstância atenuante. Isso porque, o ato de confessar, de um lado revela o desejo do acusado em colaborar com a Justiça e, por outro, facilita a apuração dos fatos dos autos. Mesmo em caso de flagrante delito, certas potenciais dúvidas acerca dos fatos podem ser sanadas mediante a confissão do réu. Precedentes. Ausentes causas de aumento ou diminuição da pena, fixação no patamar de 2 (dois) anos, 7 (sete) meses e 20 (vinte) dias de reclusão em regime aberto (§2º e §3º do artigo 33 do Código Penal). (...) 8. Execução provisória da pena. Independentemente da pena cominada, deve ser determinada a execução provisória da pena decorrente de acórdão penal condenatório, proferido em grau de apelação (STF, HC 126.292). 9. Apelação parcialmente provida. (g.n.) (Ap. 00063543320114036112, Relator Desembargador Federal José Lunardelli, 11ª Turma, v.u., e-DJF3: 20.04.2018)

PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. ART. 334, §1º, ALÍNEA B, DO CÓDIGO PENAL (REDAÇÃO ANTERIOR). CONTRABANDO. CIGARROS. MATERIALIDADE E AUTORIA INCONTROVERSOS. DOSIMETRIA DA PENA. PENA-BASE REFORMADA. ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA . APLICÁVEL. AGRAVANTE PREVISTA NO ART. 62, INC. IV. DO CÓDIGO PENAL. INAPLICÁVEL. RECURSO DA ACUSAÇÃO PROVIDO EM PARTE. 1. A materialidade e a autoria delitivas não foram objeto de recurso e restaram devidamente comprovadas nos autos pelos Auto de Prisão em Flagrante Delito, Auto de Apresentação e Apreensão, ofício da Receita Federal e Laudos Periciais, assim como oitivas das testemunhas e do próprio recorrido. 2. Dosimetria da pena. Pena-base reformada. Conforme bem fundamentado pelo Juízo a quo, as circunstâncias do crime recomendam a fixação da pena-base acima do mínimo legal, porém reputo diminuto o acréscimo, considerando a grande quantidade de cigarros apreendidos, qual seja, 395.000 (trezentos e noventa e cinco mil) maços. 3. Não há que se aplicar a agravante prevista no art. 62 IV, do Código Penal, relativa à prática do delito em virtude de pagamento ou promessa de recompensa, pois a obtenção de lucro ou vantagem já se encontra implícita no tipo penal referente ao contrabando, de sorte que sua aplicação implicaria em bis in idem. 4. O acusado faz jus à incidência da atenuante da confissão , pois, a despeito de ter sido preso em flagrante , confessou a autoria dos fatos a si imputados. 4. Pena definitiva fixada em 01 (um) ano e 03 (três) meses de reclusão. 5. Regime de cumprimento da pena privativa de liberdade mantido no aberto, nos termos do art. 33, §2º, do Código Penal. 6. Pena privativa de liberdade substituída, nos termos do art. 44, do Código penal, por duas penas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade, pelo prazo da pena substituída, e prestação pecuniária no valor fixado na r. sentença, qual seja, 12 (doze) parcelas de R$ 100,00 (cem reais) cada. 7. Recurso provido em parte (Ap. 00001860820124036006, Relator Desembargador Federal Paulo Fontes, 5ª Turma, v.u., e-DJF3: 28.09.2017).

In casu, HIAGO reconheceu, ainda que de maneira parcial, a caça e venda ilícita de animais silvestres, por meio de anúncios na internet, fazendo jus à atenuante do art. 65, III, d, do Código Penal.

Compensando-se a agravante mantida com atenuante ora reconhecida, tem-se que a pena intermediária resta mantida no patamar de 10 (dez) meses de detenção e ao pagamento de 16 (dezesseis) dias-multa.

TERCEIRA FASE

Na terceira fase da dosagem da pena, a r. sentença monocrática reconheceu a causa de aumento prevista no inciso I, do § 4º, do artigo 29, da Lei nº 9.605/98, o que exasperou a pena do réu pela metade.

Levando em consideração que os animais vitimados pelas condutas do réu estão listados na Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies da Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção – CITES, mostra-se justificado o aumento de metade da pena.

Diante disto, fixa-se a pena no patamar de 01 (um) ano e 03 (três) meses de detenção, além do pagamento de 24 (vinte e quatro) dias-multa, cada um no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos.

 

Da associação criminosa (art. 288 do Código Penal)

PRIMEIRA FASE

Levando-se em consideração as circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal, o juízo a quo fixou a pena-base em 02 (dois) anos e 08 (oito) meses e 18 (dezoito) dias de reclusão, considerando como negativas as circunstâncias da culpabilidade, conduta social, personalidade do agente, motivos do crime, circunstâncias e consequências do crime

A despeito do pleito defensivo de redução da pena-base, tem-se que devem ser afastadas somente a consideração da personalidade do agente, da conduta social e dos motivos do crime como deletérios.

O fato considerado pelo r. juízo a quo de que a formação de uma associação criminosa voltada para o tráfico ilícito de animais silvestres buscava lucro fácil mostra-se ínsito aos tipos penais relacionados. Uma vez que a associação criminosa se formou justamente para a prática reiterada de crimes de “venda e exposição à venda” de animais silvestres, tipificado no artigo 29, § 1º, inciso III, da Lei de Crimes Ambientais, assim como procedido na dosimetria de referido delito, torna-se a finalidade lucrativa necessariamente subjacente, o que configuraria bis in idem o aumento de pena por tal motivação gananciosa na presente dosimetria de pena. Portanto, afastadas as vetoriais negativas relacionadas aos motivos do crime e personalidade do agente.

Já em relação a conduta social, tem-se que a argumentação trazida pelo r. juízo sentenciante com relação a esse crime em específico mostrou-se excessivamente genérica. Sua “dedicação assídua ao tráfico” será sopesada no vetor relacionado à sua culpabilidade e, ademais, não foi possível extrair do arcabouço probatório existente qualquer circunstância relacionada à conduta social do acusado que a desborde do normal no âmbito da associação criminosa. A consideração relativa ao uso de sua loja de PetShop, com CNPJ devidamente constituído, não foi sopesada pelo juízo a quo nesse crime, não podendo, portanto, ser ora considerada, sob pena de reformatio in pejus. Deve, portanto, ser afastada a vetorial negativa relacionada à conduta social.

Ao contrário, existe fundamentação adequada e suficiente para a manutenção das demais circunstâncias consideradas, nos seguintes termos:

Culpabilidade: Neste tópico, tem-se que os autos do processo contêm provas suficientes de que a associação criminosa em questão ostentava prática extremamente ativa, com a prática de inúmeros crimes contra a fauna, “causando a morte de muitos desses animais, bem como promovendo a venda dos animais sobreviventes e maltratados”. A rede delitiva mostrava-se bastante estruturada, formada entre 13 (treze) pessoas, que não permitiam o desabastecimento do mercado ilegal de espécimes, sendo que referida prática afetava a existência de espécies de animais de categoria vulnerável, como: papagaio verdadeiro, arara-vermelha, macaco-sagui, arara-azul, macaco-prego, ararajuba, sagui tufo-branco, duas das quais, (arara-azul e ararajuba) estão ameaçadas de extinção.

Com relação à atuação específica de HIAGO, como já citado anteriormente, é evidente que o acusado aparece em negociações de animais silvestres e interligação direta com três membros da associação (CABRAL, BÁRBARA e JORGE PEDRO), tudo a demonstrar o intenso envolvimento do acusado em atividades ilícitas, que desborda do inerente ao tipo penal e merece maior reprovação. Além disso, HIAGO participava de várias etapas do iter criminis, desde a caça até a comercialização direta e indireta dos animais. Portanto, justifica-se uma reprovação severa.

Circunstâncias do crime: Tem-se comprovado que os delitos perpetrados pela associação criminosa, era praticado com abrangência interestadual, tendo sido efetuadas atividades ligadas ao comércio ilícito de animais silvestres em outros estados da federação além de São Paulo, como o estado do Rio de Janeiro (Diálogo 03 do Auto Circunstanciado N. 03/2018), Tocantins (Diálogos 15 e 36 do Auto Circunstanciado n. 04/2018), Goiás (Diálogo 12 do Auto Circunstanciado n. 01/2019 e Diálogo 24 do AC 02/2019) e Minas Gerais (Diálogo 22 e 35  do Auto Circunstanciado n. 04/2018, Diálogo 04 do Auto Circunstanciado n. 01/2019). Assim, assiste razão o juízo a quo ao considerar a abrangência interestadual para majorar a presente pena.

Consequências do crime: como bem apontado pelo r. juízo sentenciante e já fundamentado pormenorizadamente nos delitos anteriores, as consequências extrapenais dos crimes cometidos por HIAGO no bojo da associação criminosa foram graves, ao considerar-se o impacto ecológico-ambiental causado pela venda ilegal de animais silvestres de forma massiva, o que, além do sofrimento individual aos espécimes comercializados, resulta invariavelmente também na alteração na população de animais e desequilíbrio de todo o ecossistema. A grande quantidade e variedade de animais afetados, coloca em risco e insegurança de extinção a diversas espécies, incluindo espécies de animais silvestres raras, e afetando não apenas as gerações presentes, mas também as futuras (inteligência do art. 225, caput, da CF).

Diante do exposto, vê-se que 03 (três) das circunstâncias judiciais do artigo 59 foram devidamente fundamentadas pelo r. juízo sentenciante, e, portanto, merecem ser mantidas.

Apesar disso, verifica-se que o quantum utilizado pelo juízo a quo para o aumento de cada um dos vetores mostrou-se exacerbado e deve ser, portanto, reduzido para o acréscimo de 1/6 (um sexto) a partir da pena mínima, usualmente utilizado pela jurisprudência desta E. 11ª Turma e das Cortes Superiores. Dessa forma, fixada a pena-base em 01 (um) ano e 06 (seis) meses de reclusão.

SEGUNDA FASE

Na segunda fase da dosimetria, não foram constatadas circunstâncias agravantes ou atenuantes.

Diante disso, fixa-se a pena no patamar de 01 (um) ano e 06 (seis) meses de reclusão.

TERCEIRA FASE

Na terceira fase da dosagem da pena, não foram constatadas causas de aumento e de diminuição.

Diante disso, fixa-se a pena no patamar de 01 (um) ano e 06 (seis) meses de reclusão.

 

Do art. 32, caput, da Lei 9.605/1998

PRIMEIRA FASE

Levando-se em consideração as circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal, bem como o artigo 6º, incisos I, II e III da Lei nº 9.605/1998, o juízo a quo fixou a pena-base em 11 (onze) meses de detenção, considerando como negativas as circunstâncias da culpabilidade, conduta social, personalidade do agente, motivos do crime, circunstâncias e consequências do crime

Os motivos do crime, voltados à busca de lucro fácil e motivados pela ganância, apesar de não serem ínsitos ao tipo penal, serão considerados na segunda fase da dosimetria da pena, quando da aplicação da agravante do art. 15, alínea a, da Lei 9.605/1998, razão pela qual devem ser afastados na primeira fase, sob pena de bis in idem.

Com relação à personalidade, a fundamentação trazida pelo r. juízo sentenciante nesse aspecto mostrou-se excessivamente genérica para aferição específica da personalidade do agente.

Quanto às demais circunstâncias consideradas, existe fundamentação adequada e suficiente para sua manutenção, nos seguintes termos:

Culpabilidade: Existem nos autos provas que indicam que o acusado perpetrava os maus tratos de forma habitual e com intensidade de dolo acima do usual para o tipo penal.

A esse respeito, merecem destaque os diálogos em que o réu expressamente relata o falecimento dos animais capturados durante suas atividades criminosas, justamente em razão da submissão destes a maus tratos, como o acondicionamento de um animal em uma “caixa fechada”, com absoluta naturalização quanto à “perda” de suas “mercadorias”, em demonstração nítida do caráter mercadológico, cruel e sádico no trato dos animais.

Em outro diálogo interceptado, o réu descreve o uso de uma arma de choque (taser) como forma utilizada para caça de animais, tamanha a brutalidade dos maus tratos praticados:

“(...) Hiago - eu não tava com os macacos ontem, fio?!

Bruno - você?

Hiago - é, eu na mata com os macacos e eles comendo na minha mão, Bruno.

Bruno - puta, mano! Lá no mesmo lugar onde você pegou o...

Hiago - ahan! Só que agora tem muitos bebês.

Bruno - agora vai... agora é dopar eles...

Hiago - não, é arminha de choque e (ininteligível). O menino tá vindo pra me ajudar.

Bruno - arminha de choque?

Hiago - é.

Bruno - dá uns...

Hiago - taser.

Bruno - caralho! Dispara o bagulho...

Hiago - aí desmaia e pega. (...)”

Também merece destaque o fato de o acusado ministrar aos animais DIAZEPAM, substância encontrada no rol da LISTA DE SUBSTÂNCIAS PSICOTRÓPICAS SUJEITAS A NOTIFICAÇÃO DE RECEITA “B”, conforme Portaria nº 344, de 12 de maio de 1988, do Ministério da Saúde, que aprova o Regulamento Técnico sobre substâncias e medicamentos sujeitos a controle especial.

Diante desses fatos, conclui-se que o réu merece uma condenação severa.

Conduta social: Como bem apontado pela sentença a quo, está registrado nos autos que o réu HIAGO HERIK PACIÊNCIA SANTOS é proprietário da empresa HIAGO HERIK PACIENCIA SANTOS PET, inscrita no CNPJ 28276783/0001-50. Tal feito potencializa o envolvimento de atividades ilícitas com o mal-uso da pessoa jurídica e sua função social, em detrimento do meio ambiente. Portanto, conclui-se que sua conduta social também merece alta reprovação.

Circunstâncias do crime: Nos termos do apontado pelo juízo a quo, as circunstâncias de cometimento de maus tratos merecem maior reprovação, uma vez que foram cometidos em contexto de traficância de animais silvestres. Diferente seria a hipótese em que os maus tratos tivessem se operado “tão somente” em contexto de guarda de animal doméstico. Como bem fundamentado, além do sofrimento inerente à retirada de seu habitat natural, os animais foram submetidos a tratamentos degradantes, justificando, assim, uma reprovação severa. Ademais, o juízo a quo apontou, de forma pertinente, que os animais maltratados eram ofertados também através de ambientes digitais que envolviam redes sociais como o Facebook e sites como htpps://animais-estimacao.com (Brasil), com amplo e fácil acesso, inclusive, no estrangeiro, justificando, assim, uma reprovação severa.

Consequências do crime: as consequências extrapenais dos crimes cometidos por HIAGO no âmbito da venda de animais silvestres foram graves, ao considerar-se o sofrimento individual aos espécimes comercializados, além do dano causado as espécies pela retirada e não retorno ao seu hábitat natural.

A propósito, acerca dos direitos dos animais em específico, é preconizado pela Declaração Universal dos Direitos dos Animais, proclamada pela Unesco em sessão realizada em Bruxelas em 27 de janeiro de 1978, em seu artigo 2º que:

“ a) Cada animal tem o direito ao respeito.

b) A espécie humana, enquanto espécie animal, não pode atribuir-se o direito de exterminar os outros animais ou explorá-los, violando este direito. Ela tem o dever de colocar a sua consciência a serviço dos outros animais.

c) Cada animal tem o direito à consideração, à cura e à proteção da espécie humana”.

Além disso, o artigo 4º prevê, in verbis:

“a) Cada animal que pertence a uma espécie selvagem tem o direito de viver livre no seu ambiente natural terrestre, aéreo e aquático, e tem o direito de reproduzir-se.

 b) A privação da liberdade, ainda que para fins educativos, é contrária a este direito. ”

Diante do exposto, vê-se que referidas circunstâncias judiciais do artigo 59 foram devidamente fundamentadas pelo r. juízo sentenciante, e, portanto, merecem ser mantidas.

Frise-se que, no caso específico dos crimes previstos na Lei 9.605/1998, além das circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal, o art. 6º da referida Lei prevê que “a gravidade do fato, tendo em vista os motivos da infração e suas consequências para a saúde pública e para o meio ambiente” merecem especial atenção e, consequentemente, apenação mais rigorosa, especialmente a se considerar os fins e bens jurídicos tutelados que pretendeu ofertar o legislador, o que justifica a maior  discricionariedade do juízo ao dosar a pena para tais crimes.

Mantidas, portanto, 04 (quatro) circunstâncias e afastada tão somente 02 (duas) delas (motivos do crime e personalidade do agente) mostra-se adequado que a reprimenda seja fixada acima do mínimo legal, devendo, entretanto, restar abaixo do fixado pelo r. juízo sentenciante.

Assim sendo, entende-se adequado o patamar de 10 (dez) meses de detenção e ao pagamento de 33 (trinta e três) dias-multa.

SEGUNDA FASE

Na segunda fase da dosimetria, o juízo a quo reconheceu as circunstâncias agravantes previstas na Lei nº 9.605/1998, enquadrando-se no seu artigo 15, alíneas a (para obter ganho financeiro) e l (no interior do espaço territorial especialmente protegido), acrescendo-se a pena intermediária em 2/6 (dois sextos).

Mantida a agravante do artigo 15, alínea a (para obter vantagem pecuniária), da Lei 9.605/1998, uma vez que os maus tratos aos animais silvestres se deram em contexto de traficância ilegal, com o fim de comercializar a obter lucro às custas do sofrimento individual e coletivo dos espécimes.

Também merece ser mantida a agravante prevista ao art. 15, alínea l (no interior do espaço territorial especialmente protegido), uma vez que algumas das práticas de caça em condições de maus tratos aos animais silvestres se deram em área de proteção ambiental (Parque Estadual da Cantareira), como admitido pelo próprio acusado em seu interrogatório judicial.

Inexistentes circunstâncias atenuantes.

Mantido o reconhecimento de duas agravantes, a pena base é acrescida de 2/6 (dois sextos), elevando a pena intermediária ao patamar máximo previsto, em respeito à Súmula 231 do Superior Tribunal de Justiça, de 01 (um) ano de detenção, bem como ao pagamento de 40 (quarenta) dias-multa.

TERCEIRA FASE

Na terceira fase da dosagem da pena, a r. sentença monocrática reconheceu a causa de aumento prevista no § 2º, do artigo 32, da Lei nº 9.605/98, que exasperou a pena do réu em 1/3 (um terço).

Levando em consideração que se tem o registro nos autos de que ocorriam, inclusive com frequência e absoluta naturalidade por parte do réu HIAGO, mortes de animais em decorrência das condutas praticadas, é justificado o aumento de 1/3 (um terço) da pena.

A título exemplificativo, veja-se que, no trecho a seguir (ID 152257831 - fls. 115/117), HIAGO conversa com HNI a respeito da morte de diversos macacos, e debocha “(...) vê se manda os mais saudável, hein! ”:

“(...) Hiago: Os macaco tá morrendo tudo. Vê se manda os mais saudável, hein! Já morreu quatro.

HNI: Nossa! Como? (falam ao mesmo tempo)

Hiago: Na mão do cliente.

HNI: Ah não. Então tá morrendo na mão dos cliente, porque eles não sabe cuidar, filho.

Hiago: É. Isso que eu falei pra eles.

HNI: Oxi. Porque na sua mão, não morre não. Entendeu?

Hiago: Na minha mão não morre.... Na minha mão morreu só um, porque a caixa estava muito fechada. ”

Diante disso, fixa-se a pena no patamar de 01 (um) ano e 04 (quatro) meses de detenção, além do pagamento de 53 (cinquenta e três) dias-multa, cada um no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos.

 

DO CONCURSO MATERIAL

Mantido o concurso material entre os delitos cometidos pelo réu HIAGO, nos termos do art. 69 do Código Penal, tem-se o seguinte resultado final: 01 (um) ano e 06 (seis) meses de reclusão, e 02 (dois) anos e 07 (sete) meses de detenção, além do pagamento de 77 (setenta e sete) dias-multa, cada um no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos.

 

DO REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO DE PENA

O regime inicial de cumprimento de pena a ser reconhecido deve ser o regime SEMIABERTO ante a pena definitiva estabelecida e circunstâncias do caso concreto (04 anos e 01 mês de pena privativa de liberdade), nos termos do art. 33, § 2º, alínea "b", e § 3º do Código Penal. Entretanto, considerando-se a detração de que trata o artigo 387, §2º, do Código de Processo Penal, introduzido pela Lei 12.736/2012, verifica-se que, descontado o período entre o cumprimento da prisão preventiva e a data do alvará de soltura clausulado (13.03. 2020-ID n. 152257645), a pena remanescente diminui a patamar inferior a 04 (quatro) anos de reclusão, permitindo-se, assim, a fixação de regime inicial ABERTO de cumprimento para HIAGO.  

 

DA SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE

Ausentes os requisitos previstos no art. 44 do Código Penal, incabível a substituição da pena privativa de liberdade de HIAGO por penas restritivas de direitos.

 

DISPOSITIVO

Ante o exposto, voto por DAR PARCIAL PROVIMENTO à Apelação interposta pela Defensoria Pública da União em favor de HIAGO HERIK PACIÊNCIA SANTOS para absorver o delito do art. 180, §1º, do Código Penal, como mero exaurimento dos delitos ambientais e absorver o crime do art. 29, caput, da Lei nº 9.605/1998 como crime meio do delito do art. 29, § 1º, III, da mesma Lei. Mantida a condenação do réu pelos delitos do artigo 29, § 1º, III, Lei nº 9.605/1998; da associação criminosa (artigo 288 do Código Penal) e do artigo 32, caput, Lei n° 9.605/1998. Reconhecido o concurso material entre tais delitos, nos termos do art. 69 do Código Penal, tem-se o seguinte resultado final: 01 (um) ano e 06 (seis) meses de reclusão, e 02 (dois) anos e 07 (sete) meses de detenção, além do pagamento de 77 (setenta e sete) dias-multa, cada um no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos. O regime inicial de cumprimento de pena a ser reconhecido deve ser o regime ABERTO, uma vez operada a detração penal.  

 

É o voto.

Comunique-se o Juízo das Execuções Criminais.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

 

 

PENAL. PROCESSUAL PENAL. OPERAÇÃO URUTAU E OPERAÇÃO SAPAJUS. ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA VOLTADA PARA O TRÁFICO ILÍCITO DE ANIMAIS SILVESTRES. PRELIMINARES. DO AFASTAMENTO DA ALEGAÇÃO DE INÉPCIA DA DENÚNCIA POR AUSÊNCIA DE INDIVIDUALIZAÇÃO DAS CONDUTAS E DESCRIÇÃO GENÉRICA DOS FATOS. DA AUSÊNCIA NULIDADE POR AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO PELO PROVIMENTO JUDICIAL (ART. 93, IX, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL). MÉRITO. DA ABSORÇÃO DO DELITO DE RECEPTAÇÃO (ART. 180, § 1º, DO CÓDIGO PENAL) COMO MERO EXAURIMENTO DOS DELITOS AMBIENTAIS. DOS DELITOS AMBIENTAIS. ART. 29, § 1º, III, DA LEI Nº 9.605/1998. MANUTENÇÃO DA CONDENAÇÃO DE HIAGO. DA ABSORÇÃO DO DELITO DO ART. 29, CAPUT, DA LEI Nº 9.605/1998 COMO CRIME MEIO DO DELITO DO ART. 29, § 1º, III, DA MESMA LEI. DO DELITO DE MAUS TRATOS PREVISTO NO ART. 32 DA LEI N. 9.605/1998. MANUTENÇÃO DA CONDENAÇÃO. DA MANUTENÇÃO DA CONDENAÇÃO DO CRIME DE ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA (ART. 288, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL). DOSIMETRIAS DAS PENAS. REGIME INICIAL SEMIABERTO. DETRAÇÃO. REGIME INICIAL ABERTO. APELAÇÃO DEFENSIVA PARCIALMENTE PROVIDA. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA.

- DA ALEGADA INÉPCIA DA DENÚNCIA POR AUSÊNCIA DE INDIVIDUALIZAÇÃO DAS CONDUTAS E DESCRIÇÃO GENÉRICA DOS FATOS. A denúncia ofertada nesta relação processual permite inferir, cabal e corretamente, quais imputações são impingidas a cada um dos corréus, além de possibilitar a efetiva compreensão da questão de fundo (com todas as peculiaridades e complexidades que este feito contém).  A esse respeito, a r. inicial acusatória procedeu à descrição da metodologia utilizada nas investigações das Operações URUTAU (IPL 002/2018) e SAPAJUS (IPL 001/2019), com a discriminação das provas da materialidade das condutas desempenhadas pelos acusados dentro da associação criminosa imputada, além da pormenorização da autoria dos denunciados separadamente, exemplificando diálogos que demonstravam a atuação criminosa relacionada a cada um deles e também os crimes a eles atribuídos.  No caso em concreto, em se tratando de complexo grupo criminoso interligado para o cometimento reiterado de crimes variados, o foco principal da descrição dos fatos na denúncia remeteu ao delito de associação criminosa, tendo sido elaborado um capítulo à parte para pormenorizar de maneira minuciosa o cometimento de tal delito por todos os 14 (quatorze) investigados e, em sequência, a participação individualizada destes em cada um dos outros delitos a que foram acusados como caça e comércio ilegal de animais silvestres, falsificação de anilhas, falsificação de documento particular e falsidade ideológica, entre outros.  Assim, mostra-se que a denúncia adimple o conteúdo que o Código de Processo Penal exige de tal peça processual, a teor do art. 41 anteriormente transcrito tendo em vista que ela expõe os fatos criminosos (com as circunstâncias pertinentes), qualifica os acusados e classifica os crimes que, em tese, teriam sido perpetrados, sem prejuízo de elencar as testemunhas (obviamente sob a visão do Órgão Acusador) que teriam o objetivo de respaldar a acusação, de modo que ela se coaduna com as conclusões firmadas tanto pelo C. Supremo Tribunal Federal como do C. Superior Tribunal de Justiça (ementas citadas acima) no sentido de que, uma vez cumprido o art. 41 do Código de Processo Penal, apta se mostra a exordial acusatória.

- DA PRELIMINAR DE ARGUIÇÃO DE NULIDADE POR AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO PELO PROVIMENTO JUDICIAL (ART. 93, IX, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL). O Código de Processo Penal não faz exigências quanto ao estilo de expressão nem impõe que o julgador se prolongue eternamente na discussão de cada uma das linhas de argumentação tecidas pelas partes, mas apenas que sejam fundamentadamente apreciadas todas as questões controversas passíveis de conhecimento pelo julgador naquela sede processual. Em outras palavras, a concisão e a precisão são qualidades, e não defeitos, do provimento jurisdicional exarado. Da leitura da sentença condenatória extrai-se que o r. juízo sentenciante fundamentou de forma suficiente e individualizada as provas existentes relacionadas aos réus, pormenorizando, inclusive, além dos diálogos das interceptações telefônicas que demonstravam a participação de cada um deles, também as provas extraídas do inquérito policial, como laudos periciais, Boletins de Ocorrência e Autos de Apreensões, além dos interrogatórios e depoimentos de testemunhas de defesa e acusação colhidos em sede judicial, em análise concatenada do conjunto probatório existente nos autos. Inclusive, cabe salientar que a MM. Juíza a quo não condenou os apelantes indiscriminadamente por todas as condutas a eles imputadas, o que também reforça a constatação de que o trabalho judicante se deu de maneira suficientemente pormenorizada, a depender das provas existentes relacionadas a cada um dos réus particularmente. 

- DA ABSORÇÃO DO DELITO DE RECEPTAÇÃO (ART. 180, § 1º, DO CÓDIGO PENAL) COMO MERO EXAURIMENTO DOS DELITOS AMBIENTAIS. Segundo a inicial acusatória, a caracterização do crime do art. 180, § 1º, do Código Penal, dar-se-ia pela influência exercida por todos os acusados para que terceiros de boa-fé adquirissem e recebessem coisa que sabem ser proveniente de conduta criminosa, in casu, a captura e guarda ilegal de animais silvestres. Ocorre que o tráfico ilícito de animais silvestres implica justamente que se crie uma demanda de oferta e procura para que os espécimes possam ser vendidos ilegalmente, sendo parte integrante de tais condutas justamente a venda para terceiros do produto de crime anterior. Nesse caso, mostra-se absolutamente incabível que o autor ou coautor do crime antecedente figure concomitantemente como sujeito ativo do crime de receptação. Uma vez denunciado pela prática dos crimes ambientais, o ato de influenciar terceiros para a aquisição dos animais silvestres mostra-se como mero exaurimento dos delitos anteriores, constituindo necessariamente como post factum impunível.

-DA ABSORÇÃO DO DELITO DO ART. 29, CAPUT, DA LEI Nº 9.605/1998 COMO CRIME MEIO DO DELITO DO ART. 29, § 1º, III, DA MESMA LEI. É o caso de reconhecer-se o princípio da consunção entre os delitos do artigo 29, caput, pelo artigo 29, § 1º, III, da Lei n. 9.605/1998, ensejando a absorção do crime de caça de animais silvestres, por entender que tal delito caracterizou crime-meio, necessário para o cometimento do crime fim (artigo 29, § 1º, III, da Lei nº 9.605/1998). Isso porque, no caso em concreto, além de tutelarem objetividades jurídicas idênticas (in casu, a fauna silvestre), a conduta de “caçar” foi cometida como parte do iter criminis do “vender” animais silvestres, tendo sido cometidos no mesmo contexto fático e com a mesma finalidade. Em se tratando de crime plurissubsistente, nítido se faz que estaria configurado o bis in idem ao condenar HIAGO pela caça, pelo transporte, pela guarda, pela exposição à venda e, posteriormente, pela venda dos mesmos animais silvestres, sendo que foram todos esses atos que, somados, provocaram a consumação delitiva.

- DOS DELITOS AMBIENTAIS. ART. 29, § 1º, III, DA LEI Nº 9.605/1998. Mesmo em se tratando de infrações que deixam vestígios, a materialidade do delito do art. 29, § 1º, III, da Lei nº 9.605/1998, mostrou-se absolutamente robusta no sentido de que o réu HIAGO perpetrava, de forma reiterada, o tráfico ilícito de animais silvestres, em perfeita cadeia de distribuição com os demais codenunciados na Operação Urutau para abastecimento do mercado ilegal de animais silvestres para clientes interessados em adquirir espécimes sem autorização legal para tanto. A farta investigação policial, baseada especialmente em longa interceptação telefônica, foi corroborada pelos depoimentos testemunhais e as assertivas do interrogatório judicial do acusado, situação que se amolda perfeitamente ao caso excepcionado pela doutrina e tribunais superiores para que a materialidade possa ser demonstrada por elementos outros que não a apreensão e laudo pericial do objeto delitivo. Assim, os elementos colhidos na presente Operação Urutau mostraram-se plenamente aptos a demonstrar de maneira inequívoca a perpetração reiterada de tráfico ilícito, suprindo a ausência de apreensão dos animais silvestres, a permitir a manutenção da condenação de HIAGO.  

- DA MANUTENÇÃO DA CONDENÇÃO DE HIAGO PELO DELITO DE ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA (ART. 288, DO CÓDIGO PENAL). Vê-se ser possível extrair-se a teia relacional concatenada e o emaranhado de funções existente entre HIAGO com os demais acusados, apta a configurar a atuação conjunta de quadrilha ou bando. Os diversos atos ilícitos perpetrados ao longo das apurações e explicados pormenorizadamente quando da análise do art. 29, § 1º, III, da Lei nº 9.605/1998 constituem partes concatenadas de um intrincado mercado ilícito de animais silvestres para o qual os agentes, acusados, ora concorrem, ora competem para a venda com o cliente final, ora convergindo entre os indivíduos ocupantes de cada um dos papeis necessários à ativação do mercado, unindo-se, todos, no interesse de fazer prosperar o comércio ilegal com o qual se beneficiavam financeiramente, seja na ponta vendedora, seja na ponta compradora, seja, ainda, na intermediação escusa. Ademais, a permanência e estabilidade dos vínculos associativos ora constatados depreende-se justamente das incessantes iniciativas de continuar interagindo no mercado de compra e venda de animais silvestres, nutrindo a confiança de que os participantes continuariam a atuar para a subsistência do comércio ilegal. Há que se concluir, portanto, pela existência de uma única associação criminosa, composta por núcleos ora associativos, ora concorrenciais, mas sempre dispostos a contribuir para a prosperidade do mercado de animais silvestres, de sorte que todos os condenados pela r. sentença concorreram para o mesmo delito de associação criminosa, insculpido no art. 288, caput, do Código Penal.

- DA MANUTENÇÃO DA CONDENAÇÃO QUANTO AO DELITO DE MAUS TRATOS (ART. 32, CAPUT, DA LEI DE CRIMES AMBIENTAIS). Apesar de não ter havido apreensão em flagrante do acusado no comércio ilícito de animais silvestres, existem diálogos em que HIAGO expressamente relatam a morte e adoecimento dos animais capturados durante suas atividades criminosas, justamente em razão da submissão destes a maus tratos, com absoluta naturalização quanto à morte dos espécimes. Ainda, os métodos de caça de animais perpetrados por HIAGO também configuraram demonstração nítida do caráter mercadológico, cruel e sádico no trato dos animais.

- DA DOSIMETRIA DA PENA DO RÉU HIAGO HERIK PACIÊNCIA SANTOS. Mantido o concurso material entre os delitos cometidos pelo réu HIAGO, nos termos do art. 69 do Código Penal, tem-se o seguinte resultado final: 01 (um) ano e 06 (seis) meses de reclusão, e 02 (dois) anos e 07 (sete) meses de detenção, além do pagamento de 77 (setenta e sete) dias-multa, cada um no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos.

- DO REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO DE PENA. O regime inicial de cumprimento de pena a ser reconhecido deve ser o regime SEMIABERTO ante a pena definitiva estabelecida e circunstâncias do caso concreto (04 anos e 01 mês de pena privativa de liberdade), nos termos do art. 33, § 2º, alínea "b", e § 3º do Código Penal. Entretanto, considerando-se a detração de que trata o artigo 387, §2º, do Código de Processo Penal, introduzido pela Lei 12.736/2012, verifica-se que, descontado o período entre o cumprimento da prisão preventiva e a data do alvará de soltura clausulado (13.03. 2020-ID n. 152257645), a pena remanescente diminui a patamar inferior a 04 (quatro) anos de reclusão, permitindo-se, assim, a fixação de regime inicial ABERTO de cumprimento para HIAGO.  

- DA SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE. Ausentes os requisitos previstos no art. 44 do Código Penal, incabível a substituição da pena privativa de liberdade de HIAGO por penas restritivas de direitos.

- DISPOSITIVO. Apelação defensiva parcialmente provida. Sentença condenatória parcialmente reformada.

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Décima Primeira Turma, por unanimidade, decidiu DAR PARCIAL PROVIMENTO à Apelação interposta pela Defensoria Pública da União em favor de HIAGO HERIK PACIÊNCIA SANTOS para absorver o delito do art. 180, §1º, do Código Penal, como mero exaurimento dos delitos ambientais e absorver o crime do art. 29, caput, da Lei nº 9.605/1998 como crime meio do delito do art. 29, § 1º, III, da mesma Lei. Mantida a condenação do réu pelos delitos do artigo 29, § 1º, III, Lei nº 9.605/1998; da associação criminosa (artigo 288 do Código Penal) e do artigo 32, caput, Lei n° 9.605/1998. Reconhecido o concurso material entre tais delitos, nos termos do art. 69 do Código Penal, tem-se o seguinte resultado final: 01 (um) ano e 06 (seis) meses de reclusão, e 02 (dois) anos e 07 (sete) meses de detenção, além do pagamento de 77 (setenta e sete) dias-multa, cada um no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos. O regime inicial de cumprimento de pena a ser reconhecido deve ser o regime ABERTO, uma vez operada a detração penal, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.