APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0001700-69.2008.4.03.6124
RELATOR: Gab. 18 - DES. FED. GISELLE FRANÇA
APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVAVEIS, UNIÃO FEDERAL
APELADO: MARCOS SERGIO BENITEZ GONSALEZ, CESP COMPANHIA ENERGETICA DE SAO PAULO, MUNICIPIO DE SANTA CLARA D'OESTE, RIO PARANÁ ENERGIA S.A
Advogado do(a) APELADO: ADRIANA ASTUTO PEREIRA - SP389401-A
Advogado do(a) APELADO: FRANCISCO PRETEL - SP98141-N
Advogado do(a) APELADO: LEONARDO LIMA CORDEIRO - SP221676-A
Advogado do(a) APELADO: ALEXANDRE ABBY - SP303656-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0001700-69.2008.4.03.6124 RELATOR: Gab. 18 - DES. FED. GISELLE FRANÇA APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVAVEIS, UNIÃO FEDERAL APELADO: MARCOS SERGIO BENITEZ GONSALEZ, CESP COMPANHIA ENERGETICA DE SAO PAULO, MUNICIPIO DE SANTA CLARA D'OESTE, RIO PARANÁ ENERGIA S.A Advogado do(a) APELADO: ADRIANA ASTUTO PEREIRA - SP389401-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O A Desembargadora Federal Giselle França: Trata-se de ação civil pública, ajuizada pelo Ministério Público Federal, objetivando a tutela do meio ambiente e a responsabilização por dano ambiental decorrente de intervenções promovidas em área de preservação permanente - APP, situada no entorno de reservatório artificial ao longo do Rio Paraná (Usina Hidrelétrica de Ilha Solteira), que banha os Estados de São Paulo e de Mato Grosso do Sul. A r. sentença (ID 280919886), considerando o laudo pericial (ID 280919866) que constatou a inexistência de intervenções humanas que impeçam a regeneração natural na APP delimitada à luz do art. 62 da Lei nº 12.651/12 (distância entre o nível máximo operativo normal e a cota maxima maximorum), julgou a ação improcedente, condenando a União ao ressarcimento dos honorários periciais adiantados. Da sentença, submetida ao reexame necessário, apelam o Ministério Público Federal, a União e o IBAMA. O Ministério Público Federal propugna pela anulação da sentença e do laudo pericial que a fundamentou, sustentando que se basearam nas disposições do novo Código Florestal, inaplicável na presente hipótese, sob o argumento de que a propositura desta ação é anterior à sua entrada em vigor, devendo, assim, prevalecer o princípio tempus regit actum. Subsidiariamente, requer a reforma da decisão para condenação solidária de todos os réus à recomposição dos danos ambientais, a serem quantificados na fase de cumprimento de sentença (ID 280919889). A União Federal, por sua vez, pleiteia o afastamento da sua condenação no ressarcimentos dos honorários periciais, ou, subsidiariamente, o rateio dessa despesa com os demais litisconsortes ativos (ID 280919890). Por fim, em seu apelo, o IBAMA argui, preliminarmente, a nulidade da sentença por cerceamento de defesa, alegando que a perícia judicial não respondeu a todos os seus quesitos, bem como a reforma da decisão saneadora, naquilo em que fixou o art. 62 da Lei nº 12.651/12 como marco normativo para o julgamento do feito. No mérito, defende que a delimitação, como APP, da distância entre o nível máximo operativo normal e a cota máxima maximorum, definida pelo art. 62 do novo Código Florestal, aplica-se apenas quanto às ocupações antrópicas (área consolidada) ocorridas até 22/07/2008, data anterior ao início de vigência do Decreto 6.514/2008, ou, subsidiariamente, até 28/05/2012, início da vigência da Lei nº 12.651/12 (ID 280919891). Com contrarrazões (ID’s 280919895, 280919898, 280919904, 280919905 e 280919906). O Ministério Público Federal, em atuação como custos legis, manifesta-se pelo desprovimento dos recursos do MPF e do IBAMA, e pelo provimento parcial do apelo da União (ID 281636890). É o relatório.
Advogado do(a) APELADO: FRANCISCO PRETEL - SP98141-N
Advogado do(a) APELADO: LEONARDO LIMA CORDEIRO - SP221676-A
Advogado do(a) APELADO: ALEXANDRE ABBY - SP303656-A
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0001700-69.2008.4.03.6124 RELATOR: Gab. 18 - DES. FED. GISELLE FRANÇA APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVAVEIS, UNIÃO FEDERAL APELADO: MARCOS SERGIO BENITEZ GONSALEZ, CESP COMPANHIA ENERGETICA DE SAO PAULO, MUNICIPIO DE SANTA CLARA D'OESTE, RIO PARANÁ ENERGIA S.A Advogado do(a) APELADO: ADRIANA ASTUTO PEREIRA - SP389401-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O A Desembargadora Federal Giselle França: A presente ação civil pública, ajuizada pelo Ministério Público Federal, tem por objeto a tutela do meio ambiente e a responsabilização por dano ambiental decorrente de intervenções promovidas em área de preservação permanente - APP, situada no entorno de reservatório artificial ao longo do Rio Paraná (Usina Hidrelétrica de Ilha Solteira), que banha os Estados de São Paulo e de Mato Grosso do Sul. DA PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA – CERCEAMENTO DE DEFESA O IBAMA argui, preliminarmente, a nulidade da sentença por cerceamento de defesa, alegando que a perícia judicial não respondeu a todos os seus quesitos. Essa alegação, contudo, não procede, haja vista que o laudo judicial, acostado no ID 280919866, respondeu a cada um dos quesitos apresentados pelo IBAMA na petição ID 280919751. Ademais, conforme bem aduziu o MM. Juízo a quo na sentença, a perícia realizada está em plena consonância com o escopo delimitado nos autos (APP conforme parâmetro definido no art. 62 da Lei nº 12.651/12), descabendo a ampliação do respectivo objeto para além da área fixada. Há que se considerar, nesse aspecto, que, embora devidamente intimadas da decisão saneadora, na oportunidade as partes litigantes não se opuseram devidamente aos seus termos, de modo que qualquer questionamento a respeito está tolhido pela preclusão – fenômeno inclusive alertado, de modo expresso, pelo MM. Juízo. Nesse sentido: “PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. FGTS. PRODUÇÃO DE PROVA PERICIAL. PREJUDICIALIDADE PELA INÉRCIA DA EMBARGANTE. PAGAMENTO. ALEGAÇÕES GENÉRICAS. 1. Oportunizada à embargante depositar os honorários periciais provisórios para iniciar a produção da perícia, à qual se quedou inerte, caracteriza a preclusão frente ao ônus processual que lhe é imposto legalmente. Não caracterização de cerceamento de defesa. (...)” (TRF 3ª Região, Quinta Turma, ApCiv 0006402-54.2003.4.03.6182, j. 06/02/2017, e-DJF3 Judicial 1 DATA:13/02/2017, Rel. Juíza Federal Convocada LOUISE FILGUEIRAS). E nem se diga que a matéria não é passível de preclusão por se tratar de hipótese que, no novo regime processual, não comportaria revisão via agravo de instrumento. Com efeito, a teor de orientação do Superior Tribunal de Justiça, a ação civil pública (Lei Federal nº. 7.347/85) e a ação popular (Lei Federal nº. 4.717/65) compõem o microssistema processual coletivo (STJ, 2ª Turma, REsp 1447774/, j. 21/08/2018, DJe 27/08/2018 SP, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO). No contexto do microssistema processual coletivo, a aplicação do Código de Processo Civil é subsidiária, devendo prevalecer o regramento específico previsto na legislação especial, motivo pelo qual é cabível a interposição do agravo de instrumento para além das hipóteses do artigo 1.015 do Código de Processo Civil. A propósito: “PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AGRAVO INTERNO DO ENTE FEDERATIVO GAÚCHO E DE AUTARQUIA CONTRA SOLUÇÃO UNIPESSOAL DO MINISTRO RELATOR QUE PROVEU RESP DA PARTE ACIONADA POR IMPROBIDADE, PARA DETERMINAR O RETORNO DOS AUTOS AO TRIBUNAL DE ORIGEM, DE MODO A SE ANALISAR O AGRAVO DE INSTRUMENTO. AFIRMAÇÃO DA CORTE GAÚCHA DE QUE O RECURSO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO POSSUI ROL LEGAL TAXATIVO. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA QUE NÃO RECONHECEU NULIDADE PROCESSUAL EM SEDE DE AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CABIMENTO DO RECURSO NA ORIGEM. PREVALÊNCIA DE PREVISÃO CONTIDA NA LEI DA AÇÃO POPULAR SOBRE O ART. 1.015 DO CPC/2015. MICROSSISTEMA DE TUTELA COLETIVA. AGRAVO INTERNO DO ENTE FEDERATIVO E DA AUTARQUIA DESPROVIDO. 1. Muito embora a decisão agravada tenha lançado mão de tese desta Corte Superior, firmada em sistemática repetitiva, de que o rol do art. 1.015 do CPC é de taxatividade mitigada, por isso admite a interposição de agravo de instrumento quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação (REsp. 1.704.520/MT, Rel. Min. NANCY ANDRIGHI, DJe 19.12.2018), na verdade, a espécie cuida de Ação de Improbidade, componente do microssistema de tutela coletiva. 2. Com efeito, em casos tais, deve-se aplicar à Ação de Improbidade o entendimento já adotado para a Ação Popular, como sucedeu no seguinte ilustrativo: a norma específica inserida no microssistema de tutela coletiva, prevendo a impugnação de decisões interlocutórias mediante agravo de instrumento (art. 19 da Lei n. 4.717/65), não é afastada pelo rol taxativo do art. 1.015 do CPC/2015, notadamente porque o inciso XIII daquele preceito contempla o cabimento daquele recurso em outros casos expressamente referidos em lei (AgInt no REsp 1.733.540/DF, Rel. Min. GURGEL DE FARIA, DJe 04.12.2019). 3. Nessas situações, cabe a compreensão estabelecida neste Tribunal Superior de que a ideia do microssistema de tutela coletiva foi concebida com o fim de assegurar a efetividade da jurisdição no trato dos direitos coletivos, razão pela qual a previsão do artigo 19, § 1º, da Lei da Ação Popular ("Das decisões interlocutórias cabe agravo de instrumento") se sobrepõe, inclusive nos processos de improbidade, à previsão restritiva do artigo 1.015 do CPC/2015 (REsp 1.925.492/RJ, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 01.07.2021). 4. Agravo Interno do Ente Federativo e da Autarquia desprovido.” (STJ, 1ª Turma, AgInt nos EDcl no AREsp n. 1.554.380/RS, j. 28/09/2021, DJe de 14/10/2021, rel. Min. MANOEL ERHARDT (Desembargador Convocado do TRF5 – grifei)). Além do mais, a insurgência quanto a utilização dos parâmetros fixados pelo art. 62 da Lei nº 12.651/12 ao caso concreto confunde-se com o mérito e com ele será apreciada. DO MÉRITO: DA DELIMITAÇÃO DA ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE – MARCO TEMPORAL A Constituição Federal, no art. 225, caput e § 1º, inciso III, prescreve que: “Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. § 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: (...) III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;” Nesse cenário é que o conceito de Área de Proteção Permanente – APP foi introduzido na legislação pátria, originalmente pelo art. 1º da MP nº 2.166-67, de 24/08/2001, ao antigo Código Florestal (Lei nº 4.771/1965), e, mais tarde, pelo art. 3º, inciso II, do novo Código Florestal (Lei nº 12.621/2012) - atualmente vigente -, nesses termos: “Art. 3º Para os efeitos desta Lei, entende-se por: (...) II - Área de Preservação Permanente - APP: área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas;” É importante contextualizar que sob a égide do antigo Código Florestal considerava-se APP o espaço de 100 metros ao redor das represas hidrelétricas (art. 2º da Lei nº 4.771/1965, c/c art. 3º, letra b, I, da Resolução/CONAMA nº 04/1985 e art. 3º, inciso I, da Resolução/CONAMA nº 302/2002). No entanto, o novo Código Florestal (Lei nº 12.621/2012) passou a considerar como APP no entorno dos reservatórios artificiais de água: “Art. 4º (...) III – (...) as áreas (...) na faixa definida na licença ambiental do empreendimento; (Redação dada pela Lei nº 12.727, de 2012). Art. 5º (...) conforme estabelecido no licenciamento ambiental, observando-se a faixa mínima de 30 (trinta) metros e máxima de 100 (cem) metros em área rural, e a faixa mínima de 15 (quinze) metros e máxima de 30 (trinta) metros em área urbana." Outrossim, trouxe disciplina diferenciada para as situações constituídas antes de 24/08/2001 (data da MP nº 2.166-67/2001): “Art. 62. Para os reservatórios artificiais de água destinados a geração de energia ou abastecimento público que foram registrados ou tiveram seus contratos de concessão ou autorização assinados anteriormente à Medida Provisória nº 2.166-67, de 24 de agosto de 2001, a faixa da Área de Preservação Permanente será a distância entre o nível máximo operativo normal e a cota máxima maximorum.” Ressalte-se que a constitucionalidade de diversos dispositivos da Lei nº 12.621/2012 - dentre os quais o supracitado art. 62 - foi ratificada pelo Supremo Tribunal Federal quando do julgamento das ADI’s nºs 4.901/DF, 4.902/DF, 4.903/DF e 4.937/DF, e da ADC nº 42/DF, afastando-se, por conseguinte, a tese de que o novel disciplinamento não alcançaria fatos pretéritos. Esclarecedor, nesse aspecto, o seguinte aresto da Suprema Corte: "EMENTA: DIREITO PROCESSUAL CIVIL E CONSTITUCIONAL. AGRAVO INTERNO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. ADC 42, ADI 4.901, ADI 4.902, ADI 4.903 e ADI 4.937. CONSTITUCIONALIDADE DE DISPOSITIVOS DA LEI 12.651/2012. INEXISTÊNCIA DE QUESTÃO LEGAL OU INFRACONSTITUCIONAL DE CONFLITO DE LEIS NO TEMPO. 1. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento conjunto da ADC 42 e das ADIs 4.901; 4.902; 4.903 e 4.937, Rel. Min. Luiz Fux, analisou a constitucionalidade de dispositivos da Lei 12.651/2012. 2. A não aplicação desses dispositivos, sob o argumento de que o novo código não poderia alcançar fatos pretéritos, resulta esvaziamento da eficácia da referida norma, cuja validade constitucional foi afirmada por este Tribunal. 3. Agravo interno a que se nega provimento.” (STF, 1ª Turma, AgR no REsp 1322337, j. 11/11/2021, DJe – divulg. 26/11/2021, publ. 29/11/2021, Rel. Min. ROBERTO BARROSO) Assim, considerando-se o caráter vinculante do entendimento firmado pelo STF (art. 102, § 2º, da CF), bem como que a concessão da área correspondente à Usina Hidrelétrica de Ilha Solteira foi outorgada à CESP por meio do Decreto nº 67.066, de 17/8/1970, incide, in casu, a circunstância prevista no art. 62 do novo Código Florestal (Lei nº 12.621/2012): “Para os reservatórios artificiais de água destinados a geração de energia ou abastecimento público que foram registrados ou tiveram seus contratos de concessão ou autorização assinados anteriormente à Medida Provisória nº 2.166-67, de 24 de agosto de 2001, a faixa da Área de Preservação Permanente será a distância entre o nível máximo operativo normal e a cota máxima maximorum.”. Pelos mesmos motivos, também não se sustenta o argumento de que a delimitação, como APP, da distância entre o nível máximo operativo normal e a cota máxima maximorum, definida pelo art. 62 do novo Código Florestal, aplica-se apenas para as ocupações antrópicas (áreas consolidadas) ocorridas até 22/07/2008 (data anterior ao início de vigência do Decreto 6.514/2008), ou então, subsidiariamente, até a data de entrada em vigor da Lei nº 12.651/2012. Conforme visto, a legislação é expressa em determinar o marco temporal da MP nº 2.661/2001 como único critério de exceção à regra geral, descabendo ao Poder Judiciário inovar nesse aspecto. Sem reparo, pois, a sentença no ponto em que determina que a extensão da APP no entorno do reservatório da UHE de Ilha Solteira a ser considerada nesses autos é a prevista no artigo 62 da Lei nº 12.651/2012. DA INEXISTÊNCIA DE DANO AMBIENTAL A presente ação civil pública é apenas uma entre as mais de 500 ajuizadas pelo Ministério Público Federal, no período de 2008 a 2012, relacionadas à ocupação antrópica da APP no entorno da Usina Hidrelétrica de Ilha Solteira. E, apesar da similitude de objeto sugerir, em linha de princípio, o julgamento conjunto dos feitos, referida providência não se mostrou adequada em razão da existência de diversas propriedades, distintos proprietários e circunstâncias específicas de ocupação da APP, cujos danos ambientais consolidados podem diferir entre si. Afastado, assim, o risco de "generalização" da prestação jurisdicional. Nesse cenário, o MM. Juízo a quo determinou a produção de prova técnica a fim de verificar a existência, na área delimitada, da alegada intervenção danosa ao meio ambiente. Com efeito, a perícia técnica produzida nestes autos concluiu, in verbis, que "não foram encontradas intervenções humanas que impeçam a regeneração natural no local auto de infração" (ID 280919866, p. 9). Portanto, a sentença de improcedência da ação merece ser mantida. DOS HONORÁRIOS PERICIAIS Correta também a r. sentença ao condenar a União ao ressarcimento dos honorários periciais adiantados pelos corréus, pois em conformidade com o entendimento firmado pelo STJ no julgamento do REsp nº 1.253.844/SC (Tema 510): ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ADIANTAMENTO DE HONORÁRIOS PERICIAIS. NÃO CABIMENTO. INCIDÊNCIA PLENA DO ART. 18 DA LEI N. 7.347/85. ENCARGO TRANSFERIDO À FAZENDA PÚBLICA. APLICAÇÃO DA SÚMULA 232/STJ, POR ANALOGIA. Importa anotar, a título de arremate, que, recentemente, ao apreciar hipótese idêntica à presente, esta Sexta Turma confirmou a improcedência da ação, como se observa do seguintes aresto: "DANO AMBIENTAL NA ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE NO ENTORNO DO RESERVATÓRIO DA USINA HIDRELÉTRICA DE ILHA SOLTEIRA: ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal objetivando a reparação de dano ambiental na área de preservação permanente (APP) do entorno da Usina Hidrelétrica (UHE) de Ilha Solteira em Santa Albertina/SP, que adentra o imóvel que outrora pertenceu a Paulo Eduardo Mota e desde 28/5/2009 pertence a Maurício da Silva, por omissão da Companhia Energética de São Paulo (CESP), na qualidade de concessionária da UHE de Ilha Solteira, da União Federal, na qualidade de poder concedente e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), na qualidade de executor da Política Nacional do Meio Ambiente. No decorrer da instrução, a União Federal e o IBAMA foram transferidos para o polo ativo e a empresa Rio Paraná Energia S/A passou a integrar o polo passivo. O feito foi julgado improcedente, motivando a apelação do Ministério Público Federal, da União Federal e do IBAMA. CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO CONFIGURADO: a perícia técnica deferida nos autos teve por objetivo a delimitação da APP no imóvel em questão, nos termos do disposto no artigo 62 do Lei nº 12.651/2012, e a verificação da existência de intervenção humana que impedisse a regeneração da vegetação nativa. E todos os quesitos apresentados pelo IBAMA foram respondidos no laudo pericial, se relativos ao objetivo da perícia. Ademais, ...não há cerceamento de defesa quando o julgador, ao constatar nos autos a existência de provas suficientes para o seu convencimento, indefere pedido de produção de prova. Cabe ao juiz decidir, motivadamente, sobre os elementos necessários à formação de seu entendimento, pois, como destinatário da prova, é livre para determinar as provas necessárias ou indeferir as inúteis ou protelatórias... (STJ - AgInt no AREsp 1682003/PR, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 08/02/2021, DJe 23/02/2021). Matéria preliminar afastada. SITUAÇÃO FÁTICA: O caso dos autos diz respeito à APP do reservatório da UHE de Ilha Solteira, em Santa Albertina/SP, que adentra o imóvel que outrora pertenceu a Paulo Eduardo Mota e desde 28/5/2009 pertence a Maurício da Silva situado no lote 5/quadra 1 do loteamento “Pontal das Araras”, com área total de 1.842,52 metros quadrados metros quadrados. NOVO CÓDIGO FLORESTAL: o Ministério Público Federal, com base no princípio do tempus regit actum, defende que a extensão da APP no entorno do reservatório da UHE de Ilha Solteira a ser considerada nesses autos é de 100 metros, a partir do seu nível máximo normal, em conformidade com a Lei 4.771/65, que encerrava o antigo Código Florestal, a Resolução CONAMA nº 4/1985 e a Resolução CONAMA nº 302/2002. Durante a tramitação dessa ação civil pública foi promulgada a Lei nº 12.651/2012, que traz o novo Código Florestal, alterando substancialmente a legislação afeta ao tema, com especial destaque aos seus artigos 4º, III, 5º e 62. É sabido que o STF reconheceu a constitucionalidade desses dispositivos legais no julgamento da ação declaratória de constitucionalidade nº 42, além de afastar a aplicação automática do princípio da vedação do retrocesso para anular opções validamente eleitas pelo legislador (STF - ADC 42, Relator(a): LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 28/02/2018, publicado em 13/08/2019). Cuida-se de decisão vinculante e cogente. É o que se depreende do recente julgamento da reclamação nº 38.764 pelo STF, onde foi cassada a decisão proferida em sede de apelação por esse TRF3R, nos autos da ação civil pública nº 0002737-88.2008.4.03.6106, que privilegiou o princípio do tempus regit actum para afastar a incidência do artigo 62 da Lei nº 12.651/2012 (STF - Rcl 38764/SP, Relator(a): Min. EDSON FACHIN, julgamento em 28/05/2020, publicado em 17/06/2020). DELIMITAÇÃO DA EXTENSÃO DA APP AO TEOR DO ARTIGO 62 DA LEI Nº 12.651/2012 MANTIDA: nesse contexto, o Juízo a quo acertadamente rejeitou a aplicação do princípio do tempus regit actum defendido pelo Ministério Público Federal e determinou que a extensão da APP no entorno do reservatório da UHE de Ilha Solteira a ser considerada nesses autos é a prevista no artigo 62 da Lei nº 12.651/2012. Precedentes dessa Corte (TRF 3ª Região, 3ª Turma, ApCiv 0030711-17.2015.4.03.9999, Rel. Desembargador Federal NELTON AGNALDO MORAES DOS SANTOS, julgado em 11/11/2021; 2ª Seção, AR 5020192-48.2017.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal ANTONIO CARLOS CEDENHO, julgado em 06/05/2021; ApCiv 0011307-97.2007.4.03.6106, 6ª Turma, Rel. Desembargador Federal DIVA PRESTES MARCONDES MALERBI, julgado em 30/04/2021). APP EM ÁREA CONSOLIDADA: o artigo 62 do novo Código Florestal, inserto na Seção II – Das Áreas Consolidadas em Área de Preservação Permanente, dentro do Capítulo XIII – Disposições Transitórias, diz respeito à APP em área consolidada, onde já existe ocupação/atividade antrópica estabelecida. E esse é justamente o caso dessa ação civil pública, pois Maurício da Silva comprovou que adquiriu o imóvel em 2009, em cadeia sucessória, no loteamento que há muito já estava formado, sujeito a lançamento de IPTU desde 9/2/2004. Acrescente-se que o Juízo a quo, ao afastar a tramitação conjunta das 501 ações civis públicas que objetivam a reparação de dano ambiental na APP do entorno da UHE de Ilha Solteira, privilegiou o exame individualizado de cada uma das situações postas, o que – per si – afasta o risco de “generalização” aventado pelo IBAMA e pela União Federal. INEXISTÊNCIA DE DANO AMBIENTAL: a perícia técnica realizada entre 2 e 10/12/2021 verificou, a partir de equipamentos topográficos, geodésicos e aerofotogramétricos, que a APP do reservatório da UHE de Ilha Solteira, nos termos do artigo 62 da Lei nº 12.651/2012, compreende uma faixa entre 328 e 329 metros dentro da cota de desapropriação. E que no imóvel do corréu inexiste qualquer intervenção humana que impeça a regeneração da vegetação nativa na APP. HONORÁRIOS PERICIAIS: sem reparo a condenação da União Federal ao ressarcimento dos honorários periciais adiantados pelo corréu, conforme Tema 510 do STJ (STJ - AgInt no RMS n. 66.296/RJ, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 29/8/2022, DJe de 23/9/2022; REsp n. 1.253.844/SC, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, julgado em 13/3/2013, DJe de 17/10/2013). SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA. RECURSOS DESPROVIDOS." (TRF 3ª Região, 6ª Turma, ApelRemNec nº 0000806-25.2010.4.03.6124, j. 06/10/2023, DJEN DATA: 10/10/2023, Rel. Juíza Federal Convocada DIANA BRUNSTEIN) Ante o exposto, rejeito a preliminar e, no mérito, nego provimento às apelações e à remessa necessária. É o voto.
Advogado do(a) APELADO: FRANCISCO PRETEL - SP98141-N
Advogado do(a) APELADO: LEONARDO LIMA CORDEIRO - SP221676-A
Advogado do(a) APELADO: ALEXANDRE ABBY - SP303656-A
1. Trata-se de recurso especial em que se discute a necessidade de adiantamento, pelo Ministério Público, de honorários devidos a perito em Ação Civil Pública.
2. O art. 18 da Lei n. 7.347/85, ao contrário do que afirma o art. 19 do CPC, explica que na ação civil pública não haverá qualquer adiantamento de despesas, tratando como regra geral o que o CPC cuida como exceção. Constitui regramento próprio, que impede que o autor da ação civil pública arque com os ônus periciais e sucumbenciais, ficando afastada, portanto, as regras específicas do Código de Processo Civil.
3. Não é possível se exigir do Ministério Público o adiantamento de honorários periciais em ações civis públicas. Ocorre que a referida isenção conferida ao Ministério Público em relação ao adiantamento dos honorários periciais não pode obrigar que o perito exerça seu ofício gratuitamente, tampouco transferir ao réu o encargo de financiar ações contra ele movidas. Dessa forma, considera-se aplicável, por analogia, a Súmula n. 232 desta Corte Superior ("A Fazenda Pública, quando parte no processo, fica sujeita à exigência do depósito prévio dos honorários do perito"), a determinar que a Fazenda Pública ao qual se acha vinculado o Parquet arque com tais despesas. Precedentes: EREsp 981949/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 24/02/2010, DJe 15/08/2011; REsp 1188803/RN, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 11/05/2010, DJe 21/05/2010; AgRg no REsp 1083170/MA, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 13/04/2010, DJe 29/04/2010; REsp 928397/SP, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 11/09/2007, DJ 25/09/2007 p. 225; REsp 846.529/MS, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, julgado em 19/04/2007, DJ 07/05/2007, p. 288.
4. Recurso especial parcialmente provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ n. 8/08.
(STJ - REsp n. 1.253.844/SC, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, julgado em 13/3/2013, DJe de 17/10/2013)
E M E N T A
CONSTITUCIONAL – PROCESSUAL CIVIL - AMBIENTAL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – USINA HIDRELÉTRICA DE ILHA SOLTEIRA – APP NO ENTORNO DO LAGO ARTIFICIAL – INTERVENÇÃO ANTRÓPICA - INOCORRÊNCIA DE CERCEAMENTO DE DEFESA – INCIDÊNCIA DO ART. 62 DA LEI Nº 12.651/2012 (NOVO CÓDIGO FLORESTAL) – PERÍCIA TÉCNICA REALIZADA NA ÁREA DELIMITADA COMO APP - NÃO CONSTATAÇÃO DO ALEGADO DANO AMBIENTAL – PRELIMINARES REJEITADAS – DESPROVIMENTO DA REMESSA NECESSÁRIA E DAS APELAÇÕES – SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA.
1 – Não procede a alegação do IBAMA de nulidade da sentença por cerceamento de defesa, haja vista que o laudo judicial respondeu a cada um dos quesitos que apresentou, sendo que a perícia realizada está em plena consonância com o escopo delimitado nos autos (APP conforme parâmetro definido no art. 62 da Lei nº 12.651/12), descabendo a ampliação do respectivo objeto para além da área fixada.
2 – Também não há que se falar em nulidade ou cerceamento de defesa porquanto as partes litigantes, devidamente intimadas da decisão saneadora, na oportunidade não se opuseram devidamente aos seus termos, de modo que qualquer questionamento a respeito está tolhido pela preclusão – fenômeno inclusive alertado, de modo expresso, pelo MM. Juízo a quo -. Com efeito, a teor de orientação do Superior Tribunal de Justiça, a ação civil pública (Lei Federal nº. 7.347/85) e a ação popular (Lei Federal nº. 4.717/65) compõem o microssistema processual coletivo (STJ, 2ª Turma, REsp 1447774/, j. 21/08/2018, DJe 27/08/2018 SP, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO), sendo que a aplicação do Código de Processo Civil é subsidiária, devendo prevalecer o regramento específico previsto na legislação especial, motivo pelo qual é cabível a interposição do agravo de instrumento para além das hipóteses do artigo 1.015 do Código de Processo Civil.
3 - Considerando-se o caráter vinculante do entendimento firmado pelo STF quando do julgamento das ADI’s nºs 4.901/DF, 4.902/DF, 4.903/DF e 4.937/DF, e da ADC nº 42/DF, bem como que a concessão da área correspondente à Usina Hidrelétrica de Ilha Solteira foi outorgada à CESP por meio do Decreto nº 67.066, de 17/8/1970, incide, in casu, a circunstância prevista no art. 62 do novo Código Florestal (Lei nº 12.621/2012): “Para os reservatórios artificiais de água destinados a geração de energia ou abastecimento público que foram registrados ou tiveram seus contratos de concessão ou autorização assinados anteriormente à Medida Provisória nº 2.166-67, de 24 de agosto de 2001, a faixa da Área de Preservação Permanente será a distância entre o nível máximo operativo normal e a cota máxima maximorum.”.
4 - Também não se sustenta o argumento de que a delimitação, como APP, da distância entre o nível máximo operativo normal e a cota máxima maximorum, definida pelo art. 62 do novo Código Florestal, aplica-se apenas para as ocupações antrópicas (áreas consolidadas) ocorridas até 22/07/2008 (data anterior ao início de vigência do Decreto 6.514/2008), ou então, subsidiariamente, até a data de entrada em vigor da Lei nº 12.651/2012, porquanto a legislação é expressa em determinar o marco temporal da MP nº 2.661/2001 como único critério de exceção à regra geral, descabendo ao Poder Judiciário inovar nesse aspecto.
5 - A perícia técnica produzida nestes autos concluiu, in verbis, que "não foram encontradas intervenções humanas que impeçam a regeneração natural no local auto de infração", de modo que a sentença de improcedência da ação merece ser mantida.
6 - Correta também a r. sentença ao condenar a União ao ressarcimento dos honorários periciais adiantados pelos corréus, pois em conformidade com o entendimento firmado pelo STJ no julgamento do REsp nº 1.253.844/SC (Tema 510).
7 – Jurisprudência da Sexta Turma em hipótese idêntica à presente (TRF 3ª Região, 6ª Turma, ApelRemNec nº 0000806-25.2010.4.03.6124, j. 06/10/2023, DJEN DATA: 10/10/2023, Rel. Juíza Federal Convocada DIANA BRUNSTEIN).
8 – Preliminar rejeitada. Desprovimento das apelações e da remessa necessária.