Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Turmas Recursais dos Juizados Especiais Federais Seção Judiciária de Mato Grosso do Sul
1ª Turma Recursal da Seção Judiciária de Mato Grosso do Sul

RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 5005233-17.2022.4.03.6202

RELATOR: 1º Juiz Federal da 1ª TR MS

RECORRENTE: MARCOS PAULO FERREIRA

Advogados do(a) RECORRENTE: CHARLES EULER DA SILVA SA - MS24507-A, JAYSON FERNANDES NEGRI - MS11397-S, JEFFERSON FERNANDES NEGRI - SP162926-A

RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

RELATÓRIO

Dispensado o relatório (artigo 38 da Lei 9.099/95 c.c. artigo 1º da Lei 10.259/2001).

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
JUIZADO ESPECIAL FEDERAL  DA 3ª REGIÃO
TURMAS RECURSAIS DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE MATO GROSSO DO SUL

 

RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 5005233-17.2022.4.03.6202

RELATOR: 1º Juiz Federal da 1ª TR MS

RECORRENTE: MARCOS PAULO FERREIRA

Advogados do(a) RECORRENTE: CHARLES EULER DA SILVA SA - MS24507-A, JAYSON FERNANDES NEGRI - MS11397-S, JEFFERSON FERNANDES NEGRI - SP162926-A

RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

Tempestividade

O recurso é próprio e tempestivo, devendo ser conhecido.

Mérito

Trata-se de recurso interposto pela parte autora em face da sentença que julgou improcedente o pedido de concessão do benefício assistencial devido à pessoa com deficiência (BPC/LOAS), em razão do não preenchimento do requisito impedimento de longo prazo.

Alega, em síntese, que o conjunto probatório demonstra uma condição de total vulnerabilidade e impedimento em condições de igualdade ao exercício de atividade laboral que possa lhe garantir subsistência.

Sem contrarrazões.

 

Pois bem.

 

A sentença merece reforma.

Como é cediço, para ser contemplado(a) com o benefício em tela, previsto no art. 20, Lei 8742/92 (LOAS), devem ficar comprovados os requisitos relativos à condição de deficiente e à vulnerabilidade social.

De acordo com o laudo médico pericial (ID 276077973 PJe), a parte autora apresenta MONOVISÃO, VISÃO OD: 20/20( 100%),  VISAO OLHO ESQUERDO : SEM PERCEPÇÃO LUMINOSA DUVIDOSA (comprovado por laudo oftalmológico).

No entanto, consigno que o contido no laudo médico pericial deve ser visto em cotejo com todo o conjunto probatório. E este, claramente, indica que se trata de pessoa com deficiência (cegueira em um dos olhos), o que representa barreira suficiente para impedir a interação e participação na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. Especialmente se, somado a isso, for considerado que a parte autora apresenta baixa escolaridade (ensino fundamental incompleto).

Nesse passo, destaca-se o seguinte entendimento doutrinário, que labora efetivamente em favor da concessão do benefício à parte autora:

“Desde a vigência da Lei nº 12.470, de 31/08/2011, que alterou a regra do art. 20, §2º, da Lei nº 8.742/93, o conceito de pessoa com deficiência se distingue do conceito de incapacidade laboral. É equivocado, portanto, analisar-se o direito ao benefício assistencial mediante investigação da existência ou não da incapacidade.

De um lado, o paradigma da incapacidade laboral pode prejudicar irremediavelmente o acesso de algumas pessoas ao benefício, especialmente crianças e adolescentes, às quais sequer é permitido o exercício de atividade remunerada. Uma criança de dois anos de idade, com deficiência ou não, não tem condições de exercer uma atividade laboral.

Por outro lado, lentes da incapacidade laboral propiciam uma certa confusão entre institutos e campos de proteção da seguridade social. Imagine-se uma incapacidade laboral altamente transitória, decorrente de uma crise lombar ou psiquiátrica, com duração de trinta dias. Fosse a pessoa segurada da previdência social, cumpriria o requisito específico para a concessão do auxílio-doença. Mas o pressuposto de fato para a concessão do benefício assistencial é outro, que não se confunde com a incapacidade laboral e, por tal razão, caso acima não ensejaria a proteção assistencial.

Com efeito, para fins de concessão de benefício assistencial, a pergunta a ser feita não é se o interessado pode ou não trabalhar, mas se ele pode ou não ter comprometida sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, como resultado de impedimentos orgânicos de longo prazo em interação com barreiras pessoais, sociais e ambientais’ (Compêndio de Direito Previdenciário – Curitiba: Alteridade, 2018. p. 326).”

 

Não requer muito esforço argumentativo a tarefa de explicar que uma pessoa de baixa escolaridade e cegueira monocular preenche o requisito legal relativo à deficiência, nos termos retro especificados.

E para lançar pá de cal sobre o assunto, a Lei 14.126, de 22 de março de 2021, dispôs que: “Art. 1º: Fica a visão monocular classificada como deficiência sensorial, do tipo visual, para todos os efeitos legais.”.

Vale salientar, que a parte autora, nascido em 05/10/1969, atualmente com 54 anos, não possui emprego e sobrevive com parcos recursos, conforme documenta o laudo socioeconômico (ID 276077972 PJe).

Examinando-se o referido laudo, é de se concluir que também a renda per capita familiar o(a) credencia para receber o benefício assistencial. A parte autora reside sozinha, não possui renda, recebe auxílio Brasil e ajuda de parente e/ou vizinho.

Assim, o que se extrai da análise do laudo médico e do laudo social é suficiente para sustentar a concessão do benefício à parte autora, não sendo o caso de prevalecer a afirmação do perito, no sentido de que a enfermidade, embora presente, não impede o(a) autor(a) de realizar suas atividades.

Ademais, nesse caso, o fato de o benefício poder ser revisto, caso saia dos limites estabelecidos por esta decisão, labora em favor de sua concessão à requerente.

O julgador não está adstrito à citada afirmação do laudo, sobretudo diante da confirmação do perito, quanto à condição de saúde do(a) autor(a). A análise quanto ao preenchimento das condições legais para obtenção do benefício extrapola a função do expert, sendo tal análise de atribuição do magistrado.

Some-se a isso a situação de hipossuficiência socioeconômica constatada, levando ao preenchimento do segundo requisito.

Com efeito, em relação a este último aspecto, como já afirmado, está confirmado, pelo laudo socioeconômico, o preenchimento do requisito relativo à inexistência de renda suficiente ao sustento da parte autora.

Assim, a renda per capita familiar da parte autora atende ao limite autorizativo de ½ do salário mínimo vigente à época do laudo socioeconômico, em apreço.

O E. STF, no julgamento dos RE 567.985 e RE 580.963, reconheceu a viabilidade de concessão do benefício assistencial, mesmo se superado o limite de ¼ do salário-mínimo por cabeça, previsto na Lei nº 8.742/93, desde que, no caso concreto, de forma fundamentada, o juízo se baseie em provas, admitidas em direito, que demonstrem a miserabilidade do requerente.

Outrossim, as informações constantes no Cadastro Único em 26/10/2022 já demonstravam a condição de hipossuficiência da parte autora (ID 276077963, pág. 14 PJe).

Desse modo, uma vez verificada a presença dos requisitos legais, a sentença deve ser reformada.

 

Saliente-se, ainda, que o benefício em questão é passível de revisão a cada 2 (dois) anos, nos termos do artigo 21 da Lei 8.742/93, para avaliação da continuidade das condições que lhe deram origem, oportunidade nas quais a autarquia previdenciária poderá reexaminar a situação de hipossuficiência do(a) requerente, caso saia dos padrões estabelecidos nesta decisão, e até mesmo angariar provas que justifiquem a suspensão do benefício, ônus do qual não se desincumbiu neste processo.

Valores eventualmente recebidos na via administrativa a título do mesmo benefício ou de benefício inacumulável deverão ser descontados no cálculo do quantum debeatur, em observância ao disposto no artigo 20, § 4º da Lei 8.742/93.

 

No tocante à data de início do benefício, é de rigor que este retroaja à data de entrada do requerimento na via administrativa, qual seja 03/08/2022.

 

Com estas considerações, voto por dar provimento ao recurso da parte autora, a fim de reformar a sentença, para determinar a concessão do benefício de amparo social (LOAS) desde a data do requerimento administrativo, com incidência, sobre os valores atrasados, juros e correção monetária conforme determina o Manual de Orientação para Procedimentos de Cálculos da Justiça Federal e suas atualizações.

Considerando a fundamentação acima, bem assim o caráter alimentar do benefício ora reconhecido e que eventual recurso a ser interposto não terá efeito suspensivo, ANTECIPO OS EFEITOS DA TUTELA, nos termos do art. 4º da Lei nº 10.259/2001, para determinar ao INSS que implante o benefício de amparo social, em favor da parte autora, no prazo de 15 (quinze) dias, observando ainda o prazo de 45 dias para o primeiro pagamento (art. 41-A, § 5º, da Lei nº 8.213/91). Oficie-se à Gerência Executiva do INSS para cumprimento.

Sem condenação em honorários, pois não há recorrente vencido, nos termos do artigo 55 da Lei n. 9.099/95.

Custas na forma da lei.

 

É o voto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



Dispensada a redação de ementa nos termos do artigo 13, §3º, da Lei 9.099/95, aplicável aos Juizados Especiais Federais por força do disposto no artigo 1º da Lei 10.259/2001.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Primeira Turma Recursal da Seção Judiciária de Mato Grosso do Sul decidiu, por unanimidade, dar provimento ao recurso da parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.