Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma

REMESSA NECESSÁRIA CÍVEL (199) Nº 5001382-03.2023.4.03.6115

RELATOR: Gab. 04 - DES. FED. AUDREY GASPARINI

PARTE AUTORA: LUIS FERNANDO DA SILVA

Advogado do(a) PARTE AUTORA: JOHNNYS GUIMARAES OLIVEIRA - PB20631-A

PARTE RE: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma
 

REMESSA NECESSÁRIA CÍVEL (199) Nº 5001382-03.2023.4.03.6115

RELATOR: Gab. 04 - DES. FED. AUDREY GASPARINI

PARTE AUTORA: LUIS FERNANDO DA SILVA

Advogado do(a) PARTE AUTORA: JOHNNYS GUIMARAES OLIVEIRA - PB20631-A

PARTE RE: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

 Trata-se de mandado de segurança objetivando o saque do valor integral dos valores vinculados à conta do FGTS do impetrante bem como dos depósitos futuros, tendo em vista doença grave de seus filhos menores de idade.

A sentença proferida no Id. 283032388 julgou parcialmente procedente o pedido, concedendo em parte a segurança.

Subiram os autos por força do reexame necessário.

Id. 283230683, manifestou-se o representante do MPF de 2ª Instância pela inexistência de interesse público a justificar a intervenção.

É o relatório.

 

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma
 

REMESSA NECESSÁRIA CÍVEL (199) Nº 5001382-03.2023.4.03.6115

RELATOR: Gab. 04 - DES. FED. AUDREY GASPARINI

PARTE AUTORA: LUIS FERNANDO DA SILVA

Advogado do(a) PARTE AUTORA: JOHNNYS GUIMARAES OLIVEIRA - PB20631-A

PARTE RE: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

 

 

Debate-se nos autos sobre a legalidade do ato da autoridade impetrada que indeferiu pedido de utilização do saldo existente em conta vinculada ao FGTS para as despesas decorrentes de tratamento médico para transtorno do espectro autista - TEA (F 84.0), doença de que padece o filhos menores da parte impetrante de acordo com a inicial e documentos acostados.

Requerer autorização para levantamento dos depósitos já realizados bem como dos futuros.

A sentença proferida concluiu pela procedência em parte  do pedido:

“...Do caso concreto

O impetrante busca o levantamento por conta da doença diagnosticada em seus filhos menores.

Juntou aos autos relatórios médicos que comprovam que seus filhos, de fato, foram diagnosticados com Transtorno do Espectro Autista (CID 10: F84), cf. Ids 293223655 e 293223656. Juntou, também, encaminhamento médico para sua filha Alice para acompanhamento de psicologia, terapia ocupacional e fonoaudiologia (Id 293223662). Comprovou, ainda, valores depositados em sua conta de FGTS.

Com natureza jurídica positivada no texto constitucional como direito do trabalhador (art. 7º, III, da Constituição de 1988), o saldo das contas vinculadas do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) é essencialmente construído por contribuições obrigatórias (não tributárias) depositadas mensalmente pelo empregador na Caixa Econômica Federal (CEF).

Desde sua criação pela Lei nº 5.107/1966, depois pela Lei nº 7.839/1989 e, agora, pela Lei nº 8.036/1990, o montante depositado em conta vinculada do FGTS tem múltiplas finalidades sociais, especialmente dar amparo financeiro ao trabalhador (em situações tais como desemprego involuntário) e criar volume de recursos para financiar políticas públicas em diversas áreas (a exemplo de financiamentos habitacionais, saneamento e infraestrutura socioeconômica).

Em razão dessas finalidades sociais que harmonizam pretensões privadas com objetivos públicos, as hipóteses de liberação do saldo das contas vinculadas do FGTS foram elencadas pelo art. 20 da Lei nº 8.036/1990.

Muito embora a situação retratada nos autos não se amolde, com perfeição, a nenhuma das situações abstratamente descritas no referido dispositivo legal e, também, na hipótese prevista no item 2.15 do manual de movimentação do FGTS (possibilidade de saque do Transtorno do Espectro Autista – TEA de grau severo (nível 3), o levantamento dos valores depositados em conta vinculada ao FGTS se revela viável, uma vez que a jurisprudência dos tribunais pátrios tem conferido uma interpretação extensiva ao dispositivo legal em comento, em atendimento a princípios constitucionais, em especial os direitos fundamentais à vida, saúde e à dignidade da pessoa humana.

Aliás, o transtorno do espectro autista é condição que desde 2012 se tornou objeto de política nacional específica, sendo a pessoa portadora de tal transtorno considerada pessoa com deficiência para todos os efeitos legais, independentemente de alterações em leis específicas. Eis o teor da lei vigente – Lei 12.764/2012:

Art. 1º Esta Lei institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista e estabelece diretrizes para sua consecução.

§ 1º Para os efeitos desta Lei, é considerada pessoa com transtorno do espectro autista aquela portadora de síndrome clínica caracterizada na forma dos seguintes incisos I ou II:

I - deficiência persistente e clinicamente significativa da comunicação e da interação sociais, manifestada por deficiência marcada de comunicação verbal e não verbal usada para interação social; ausência de reciprocidade social; falência em desenvolver e manter relações apropriadas ao seu nível de desenvolvimento;

II - padrões restritivos e repetitivos de comportamentos, interesses e atividades, manifestados por comportamentos motores ou verbais estereotipados ou por comportamentos sensoriais incomuns; excessiva aderência a rotinas e padrões de comportamento ritualizados; interesses restritos e fixos.

§ 2º A pessoa com transtorno do espectro autista é considerada pessoa com deficiência, para todos os efeitos legais.

§ 3º Os estabelecimentos públicos e privados referidos na Lei nº 10.048, de 8 de novembro de 2000, poderão valer-se da fita quebra-cabeça, símbolo mundial da conscientização do transtorno do espectro autista, para identificar a prioridade devida às pessoas com transtorno do espectro autista.         (Incluído pela Lei nº 13.977, de 2020). (grifei)

 

A lei não faz distinção entre os níveis de autismo, ou seja, para a lei um grau leve de autismo não é menos grave ou menos significativo do que um grau mais severo.

Outrossim, prevê referida lei (art. 2º, III) que “a atenção integral às necessidades de saúde da pessoa com transtorno do espectro autista, objetivando o diagnóstico precoce, o atendimento multiprofissional e o acesso a medicamentos e nutrientes;

Logo é de se concluir, inclusive por ser notório, que pessoas portadoras do transtorno do espectro autista necessitam em maior ou menor grau de tratamento especializado e acompanhamento com profissionais diversos, de modo que a doença deve, a meu ver, ser equiparada a doença grave para fins da Lei n. 8.036/90.

Aliás, há diversos julgados a respeito da possibilidade de levantamento de valores de FGTS em decorrência de doenças consideradas graves, não elencadas no rol legal, inclusive com autismo:

APELAÇÃO. LEVANTAMENTO DO SALDO DE CONTA VINCULADA AO FGTS. AUTISMO E TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA. DOENÇA GRAVE NÃO PREVISTA EXPRESSAMENTE PELA LEI N. 8.036/1990. POSSIBILIDADE. INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA. TUTELA AO DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE DO TITULAR DA CONTA. RECURSO PROVIDO.

1. O FGTS, conforme se infere da jurisprudência deste Tribunal, possui natureza alimentar, tendo como objetivo assegurar ao trabalhador o mínimo de dignidade - princípio maior do ordenamento constitucional pátrio - nos momentos de maiores dificuldades (desemprego, doença grave, etc):

2. O artigo 20 d Lei 8.036/90 elenca quais são as hipóteses autorizadoras da movimentação do saldo do FGTS. Nesse cenário, constata-se que o artigo 20 da Lei 8.036/90 não pode ser interpretado de maneira restritiva, mas sim de forma teleológica, juntamente com o artigo 6º da Constituição Federal, que alça a saúde ao patamar de direito constitucional social e fundamental.

3. Por tais razões, independentemente de se aferir se o fundista ou seu familiar está em estágio terminal, pode o magistrado ordenar o levantamento do saldo da conta do FGTS mesmo fora das hipóteses previstas no art. 20 da Lei n. 8.036/90, desde que tal liberação tenha como finalidade atender à necessidade social premente, sobretudo em hipóteses em que se busca resguardar a saúde de membro da família da parte autora, assegurando-lhe melhor qualidade de vida, logo um bem jurídico constitucionalmente tutelado.

4. A jurisprudência pátria vem decidindo a favor do levantamento do saque do FGTS em diversos casos de pessoas diagnosticadas autismo e Transtorno do Espectro Autista. Precedentes.

5. Apelação provida.

(TRF 3ª Região, 2ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5002204-31.2019.4.03.6115, Rel. Desembargador Federal LUIZ PAULO COTRIM GUIMARAES, julgado em 25/02/2021, Intimação via sistema DATA: 01/03/2021)

 

PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO ADMINISTRATIVO. LIBERAÇÃO DO SALDO DA CONTA VINCULADA AO FGTS. DOENÇA GRAVE DO FUNDISTA. ROL DO ART. 20 DA LEI 8.036/90. EXEMPLIFICATIVO. POSSIBILIDADE DE LIBERAÇÃO DO SALDO DA CONTA VINCULADA.

1. Nos termos do artigo 20 da Lei n.º 8.036/90, dentre as hipóteses previstas para levantamento do saldo da conta vinculada do trabalhador no FGTS, encontra-se o acometimento de doenças graves ao titular da conta ou a dependente seu, restringido-se aos casos de neoplasia maligna (inc. XI), portador do vírus HIV (inc. XIII) e de estágio terminal em razão de doença grave (inc. XIV).

2. Em que pese o transtorno do espectro autista não esteja dentre as doenças elencadas na Lei n.º 8.036/90, equipara-se, igualmente, às moléstias graves, por exigir acompanhamento multiprofissional constante, o que autoriza a liberação do saldo do FGTS.

3. O E. STJ e esta Corte possuem entendimento consolidado de que o rol é meramente exemplificativo, e não taxativo, podendo albergar outras patologias que não estejam expressamente nele previstas.

(TRF4, AC 5007490-38.2021.4.04.7102, TERCEIRA TURMA, Relator ROGERIO FAVRETO, juntado aos autos em 07/06/2022)

 

ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. LEVANTAMENTO DE VALORES DEPOSITADOS NA CONTA VINCULADA DO FGTS. SAQUE ACIMA DO LIMITE DA MP Nº 946, DE 07/04/2020. SITUAÇÃO EXCEPCIONAL

1. No contexto dos autos, que envolve a comprovação do diagnóstico do filho do impetrante, indicando transtorno de espectro autista, sem etiologia definida, e semi-dependente nas atividades diárias e necessita de educação especial institucionalidade ou projeto de inclusão (CID 10 F 84.0), o qual não consta do artigo 35, inciso XV, do Decreto no 99.684/1990, que discrimina as doenças consideradas graves, autorizou, corretamente, o levantamento do FGTS, o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana se sobrepõe às hipóteses legais de saque do FGTS, autorizando aplicação analógica das hipóteses legais de saque do FGTS ligadas a quadros de saúde do titular ou de seus dependentes (art. 20, incisos XI, XIII e XIV, da Lei nº 8.036/90).

2. Sentença mantida em remessa necessária.

(TRF4 5012758-85.2021.4.04.7001, TERCEIRA TURMA, Relatora MARGA INGE BARTH TESSLER, juntado aos autos em 03/05/2022)

No caso concreto, registro inexistir controvérsia quanto ao diagnóstico, nem quanto à necessidade de atendimento por equipe multidisciplinar, tendo a autoridade impetrada se limitado a justificar o indeferimento do levantamento na ausência de expressa previsão legal o que, como se percebe dos fundamentos aqui expostos, não pode constituir óbice ao levantamento.

Portanto, encontrando-se presente hipótese excepcional que autoriza o saque dos valores depositados na conta vinculada ao FGTS, é de rigor o julgamento de procedência da pretensão deduzida na peça inicial.

Atendida a finalidade social do Fundo e atento aos princípios da dignidade da pessoa humana e o direito à saúde, devem os valores da conta vinculada ser liberados, de modo a fazer frente às despesas decorrentes da doença que possuem os filhos da parte impetrante.

Não há impedimento na Lei 8.036/90 para saque por motivo de doença, previsto no art. 20, mesmo havendo cessão/alienação, sendo necessário apenas que se faça o devido abatimento dos valores cedidos/alienados à Instituição Financeira, com os encargos devidos, tanto que a CEF já pontuou que em caso de determinação judicial "as contratações de alienação fiduciária deverão ser quitadas" (v. Id 296397025, pág. 12).

Por fim, entendo que os valores até aqui depositados na conta vinculada, com os abatimentos referidos no parágrafo anterior, devem ser liberados, eis que presentes os requisitos legais para a sua concessão. No entanto, quanto ao pedido de autorização de levantamento dos depósitos vindouros, entendo que não é o caso de deferimento no bojo desta ação, eis que, além de evento condicional – demonstração de que a parte autora continuará a receber depósitos fundistas, por seu empregador - trata-se de pedido incerto, não admitido pelo ordenamento pátrio.

3 - Dispositivo

Ante o exposto, CONCEDO EM PARTE A SEGURANÇA, e julgo extinto o processo, com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, para condenar a Caixa Econômica Federal na obrigação de proceder à liberação dos valores existentes, em nome do impetrante, em sua conta vinculada de FGTS até a data desta sentença, após abatidos os valores cedidos/alienados, na forma da fundamentação. Prazo: 15 dias, sob pena de multa diária”.

 

De saída, esclareço que entendo necessária a produção de prova pericial a fim de se comprovar a doença indicada pela parte impetrante. 

Os documentos carreados aos autos que atestam a doença, produzidos unilateralmente pela parte, não são suficientes para embasar o pedido, na medida em que deveriam ser submetidos ao crivo da ampla defesa, inclusive com a produção de prova em sentido contrário.

Não obstante, é assente o entendimento desta Segunda Turma quanto à possibilidade de análise do pedido de liberação do saldo do FGTS para tratamento de doença, inclusive em sede de mandado de segurança. Confira-se:

                                           

                                                               
REMESSA NECESSÁRIA. FUNDO DE GARANTIA DO TEMPO DE SERVIÇO - FGTS. LEVANTAMENTO DO SALDO PARA TRATAMENTO DE DOENÇA DE DEPENDENTE. TRANSTORNO DO ESPECTRO DO AUTISMO. DOENÇA GRAVE. POSSIBILIDADE. HIPÓTESE NÃO ELENCADA NO ART. 20 DA LEI N. 8.036/90. ROL NÃO TAXATIVO. FINALIDADE SOCIAL DA NORMA. POSSIBILIDADE. 
- A jurisprudência tem firmado entendimento no sentido de que, em se tratando de doença grave e havendo necessidade da importância depositada no FGTS, o trabalhador tem direito ao levantamento do saldo, ainda que não se trate de doença expressamente prevista na legislação. Precedentes. 
- O STJ possui entendimento jurisprudencial consolidado no sentido de que o rol das hipóteses de movimentação da conta de FGTS, estabelecido no art. 20 da Lei nº 8.036/90, é exemplificativo. Precedente: STJ, 3ª Turma, REsp 1.083.061, Rel. Min. MASSAMI UYEDA, DJE 7.4.2010. 
- Na hipótese dos autos, a filha do casal (titulares da conta fundiária) é portadora do “Transtorno do Espectro do Autismo”, surgindo, assim, o direito ao levantamento do saldo do FGTS, a fim de que seja assegurado acesso ao valor depositado para fazer frente às despesas com o tratamento e à aquisição dos medicamentos. 
- Tratando-se de mandado de segurança, não cabem honorários advocatícios, ex vi do art. 25 da Lei 12.016/2009 e da Súmula nº 105 do STJ. 
- Remessa oficial não provida. 
(TRF 3ª Região, 2ª Turma, RemNecCiv - REMESSA NECESSÁRIA CÍVEL - 5000340-29.2023.4.03.6143, Rel. Desembargador Federal RENATA ANDRADE LOTUFO, julgado em 21/09/2023, Intimação via sistema DATA: 26/09/2023);
                                        

 
AGRAVO DE INSTRUMENTO.  MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. FUNDO DE GARANTIA DO TEMPO DE SERVIÇO. LEVANTAMENTO DE SALDO DE CONTA VINCULADA. DOENÇA GRAVE NÃO ELENCADA EXPRESSAMENTE NO ART. 20 DA LEI Nº 8.036/1990. POSSIBILIDADE.
- O FGTS tem múltiplas finalidades sociais, especialmente dar amparo financeiro ao trabalhador (em situações tais como desemprego involuntário) e criar volume de recursos para financiar políticas públicas em diversas áreas (p. ex., financiamentos habitacionais, saneamento e infraestrutura socioeconômica). Em razão disso, o ordenamento jurídico tem delimitado a movimentação do FGTS mediante listas positivadas em atos normativos.
- As hipóteses tratadas no art. 20 da Lei nº 8.036/1990 devem ser interpretadas restritivamente (vale dizer, trata-se de lista taxativa), devendo ser cumpridas pela CEF. Porque essas hipóteses de saque foram abstratamente positivadas, pelo titular da competência normativa, dentro de limites da discricionariedade concedidos pela ordem jurídica, o Poder Judiciário também deve respeitá-las, contudo, harmonizando aspectos particulares que os autos revelem, podendo avaliar, no caso concreto, se há justificativas jurídicas igualmente protegidas pelo Estado de Direito que permitam saques pelo trabalhador.
- O caso sub judice cuida de situação concreta na qual é juridicamente legítimo o saque do FGTS, porque o motivo do pleito emerge como motivo equivalente àqueles descritos no art. 20 da Lei nº 8.036/1990, conciliando os mesmos propósitos individuais e públicos. Nessas circunstâncias, é presumível que o levantamento pelo trabalhador atenda aos melhores propósitos do FGTS.
- Pela documentação acostada aos autos do Mandado de Segurança, conforme revela pesquisa realizada no sistema PJ-e de Primeiro Grau, verifica-se que a autora é titular de conta vinculada ao FGTS em relação a qual pede levantamento, bem como comprova que seu filho é portador de transtorno do espectro autista (CID F 84.0).
- Agravo de instrumento provido. Agravo interno prejudicado.
(TRF 3ª Região, 2ª Turma, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 5004052-26.2023.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal JOSE CARLOS FRANCISCO, julgado em 24/08/2023, Intimação via sistema DATA: 28/08/2023).
                                        

Assim, ressalvado meu entendimento pessoal, no caso, não há que se falar em produção de prova pericial porquanto esta Turma entende cabível a apreciação do pedido de liberação do saldo do FGTS quando este se encontra plenamente demonstrado nos autos através da juntada de prova documental inequívoca, a qual dispensa dilação probatória.

Com efeito, a enumeração do artigo 20, da Lei nº 8.036/1990 não é taxativa, permitindo interpretação extensiva a hipóteses não elencadas diante do alcance social da norma e, portanto, em casos excepcionais é possível a liberação do saldo do FGTS para situações não previstas no mencionado dispositivo legal. 

Neste sentido, destaco precedentes:

 

ADMINISTRATIVO. FGTS. LEVANTAMENTO. ART. 20 DA LEI Nº 8.036/91. ROL NÃO-TAXATIVO.

1. É cediço que, ao aplicar a lei, o julgador não deve restringir-se à subsunção do fato à norma, mas sim, estar atento aos princípios maiores que regem o ordenamento e aos fins sociais a que a lei se dirige (art. 5.º, da Lei de Introdução ao Código Civil).

2. Ao instituir o sistema do FGTS, o legislador pátrio teve por meta garantir ao trabalhador o direito a uma espécie de poupança forçada, da qual ele pudesse lançar mão em situações difíceis, como na perda do emprego, em caso de doença grave, ou até para adquirir a moradia própria, mediante o Sistema Financeiro de Habitação.

3. A jurisprudência do STJ tem admitido a liberação do saldo do FGTS em hipótese não elencada na lei de regência, mas que se justifica, por serem o direito à vida, à saúde e à dignidade do ser humano garantias fundamentais asseguradas constitucionalmente.

4. Recurso especial improvido.

(REsp 757.197/RS, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 09/08/2005, DJ 19/09/2005, p. 310);

 

FGTS. LEVANTAMENTO DOS SALDOS DE FGTS. TRATAMENTO DE MOLÉSTIA GRAVE, NÃO ELENCADA NO ART. 20, XI, DA LEI Nº 8.036/90. POSSIBILIDADE.

1. A enumeração do art. 20, da Lei 8.036/90, não é taxativa, admitindo-se, em casos excepcionais, o deferimento da liberação dos saldos do FGTS em situação não elencada no mencionado preceito legal, como no caso dos autos. Precedentes.

2. Ao aplicar a lei, o julgador se restringe à subsunção do fato à norma. Deve atentar para princípios maiores que regem o ordenamento jurídico e aos fins sociais a que a lei se destina (art. 5º, da Lei de Introdução ao Código Civil).

3. Possibilidade de liberação do saldo do FGTS não elencada na lei de regência, mas que se justifica, por ser o direito à vida, à saúde e à dignidade do ser humano garantia fundamental assegurada constitucionalmente.

4. In casu, o recorrido ajuizou ação ordinária com pedido de tutela antecipada, objetivando o levantamento do seu saldo da conta vinculada ao FGTS, para atender à necessidade grave de sua mãe, portadora de Hiperinsuflação Pulmonar, Artéria Aorta Alongada e Depressão Profunda, necessitando dos respectivos valores para tratamento, tendo em vista o alto custo dos medicamentos necessários, e o fato de o autor estar desempregado.

6. Agravo regimental a que se nega provimento.

(AgRg nos EDcl no REsp 644.557/RS, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 21/06/2005, DJ 01/08/2005, p. 329);                           

                                   
ADMINISTRATIVO. FUNDO DE GARANTIA DO TEMPO DE SERVIÇO - FGTS. LEVANTAMENTO DO SALDO. TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA. HIPÓTESE NÃO ELENCADA NO ART. 20 DA LEI N. 8.036/90. FINALIDADE SOCIAL DA NORMA E DIREITO À SAÚDE. POSSIBILIDADE. ESCOLHA DA SISTEMÁTICA DO SAQUE ANIVERSÁRIO. IRRELEVANTE. APELAÇÃO NÃO PROVIDA.
- O rol de hipóteses que autorizam o levantamento do saldo depositado na conta vinculada, previsto no art. 20 da Lei n° 8.036/1990, deve ser interpretado à luz da finalidade social do FGTS, nos termos do art. 5º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro, e do direito constitucional à saúde do titular da conta e de seus dependentes.
- A jurisprudência firmou entendimento no sentido de que, em se tratando de doença grave, e havendo necessidade da importância depositada no FGTS, o trabalhador tem direito ao levantamento do saldo, ainda que não se trate de doença expressamente prevista na legislação. Precedentes.
- A opção pela sistemática do Saque Aniversário não configura óbice ao saque nas hipóteses de doença grave, haja vista que, consoante dispõe o artigo 20-A, §2º, II, da Lei nº 8.036/1990, tal modalidade não excepciona o saque por motivo de doença.
- Apelação não provida.
(TRF 3ª Região, 2ª Turma, ApelRemNec - APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA - 5011682-25.2021.4.03.6105, Rel. Desembargador Federal LUIZ PAULO COTRIM GUIMARAES, julgado em 13/07/2023, Intimação via sistema DATA: 14/07/2023);

 

FUNDO DE GARANTIA DO TEMPO DE SERVIÇO. FINALIDADE SOCIAL DA NORMA: PROTEÇÃO SOCIAL. SAQUE-ANIVERSÁRIO. LEI N. 13.932/2019. TRATAMENTO DE DOENÇA. FILHO DIAGNOSTICADO COM TRANSTORNO DO ESPECTRO DO AUTISMO -TEA. POSSIBILIDADE. ART. 20 DA LEI N. 8.036/90. ROL NÃO TAXATIVO. APELAÇÃO DA CEF IMPROVIDA. 
- A Lei n. 13.932/2019 instituiu a modalidade de saque-aniversário do FGTS e o seu art. 20 determina que o titular do FGTS poderá fazer a opção da seguinte forma: a) saque-rescisão e b) saque-aniversário. 
- A liberação do saldo total do FGTS foi requerida pelos seguintes motivos: a) antes de ser desligado da empresa, na qual trabalhava, aderiu ao saque-aniversário, na forma da Lei; b) atualmente está desempregado desde o dia 15/09/2021; c) sustentou que o titular da conta do FGTS que adere ao saque-aniversário pode retirar uma parte do saldo até 2 (dois) meses após o mês de aniversário, mas perde o direito à retirada do saldo total de sua conta do FGTS, no caso de demissão sem justa causa, denominado saque-rescisão; d) seu filho menor impúbere foi diagnosticado com Transtorno do Espectro Autista (TEA) e e) as hipóteses de levantamento do FGTS, previstas no art. 20 da Lei n. 8.036/90, não são taxativas. 
- A jurisprudência tem firmado entendimento no sentido de que, em se tratando de doença grave e havendo necessidade da importância depositada no FGTS, o trabalhador tem direito ao levantamento do saldo, ainda que não se trate de doença expressamente prevista na legislação. Precedentes. 
- O STJ possui entendimento jurisprudencial consolidado no sentido de que o rol das hipóteses de movimentação da conta de FGTS, estabelecido no art. 20 da Lei nº 8.036/90, é exemplificativo. Precedente: STJ, 3ª Turma, REsp 1.083.061, Rel. Min. MASSAMI UYEDA, DJE 7.4.2010. 
- Na hipótese dos autos, o filho do titular da conta fundiária é portador do Transtorno do Espectro do Autismo, surgindo, assim, o direito ao levantamento do saldo do FGTS, a fim de que seja assegurado acesso ao valor depositado para fazer frente às despesas com o tratamento e à aquisição dos medicamentos. 
- Registre-se que a opção pela modalidade saque-aniversário não cria óbice ao levantamento do saldo de FGTS, no caso de grave enfermidade do titular da conta ou dependente. A respeito: TRF3, 2ª T., AC n. 5000851-60.2022.4.03.6111, Des. Fed. Luiz Paulo Cotrim Guimarães, j. 29/03/2023, DJEN 03/04/2023.
- Honorários advocatícios majorados, nos termos do art. 85, § 2º, do CPC, para o fim de acrescer 1% (um por cento) sobre o valor fixado na r. sentença, ID  273581672.                                              
- Apelação improvida. Honorários Majorados.  
 
(TRF 3ª Região, 2ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5002020-29.2021.4.03.6140, Rel. Desembargador Federal RENATA ANDRADE LOTUFO, julgado em 06/09/2023, DJEN DATA: 13/09/2023);
 
                                        

DIREITO ADMINISTRATIVO. REEXAME NECESSÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. LEVANTAMENTO DO SALDO DE CONTA VINCULADA AO FGTS. DOENÇA GRAVE NÃO PREVISTA EXPRESSAMENTE PELA LEI N. 8.036/1990. POSSIBILIDADE. INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA. TUTELA AO DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE DO TITULAR DA CONTA. REEXAME NECESSÁRIO DESPROVIDO.

1. A Lei nº 8.036/1990 elenca quais são as hipóteses autorizadoras da movimentação do saldo do FGTS. In casu, a autoridade impetrada negou o levantamento dos valores encontrados na conta vinculada ao FGTS do impetrante ao argumento de que a doença de que padecia o titular – insuficiência cardíaca – não estava prevista como uma daquelas que aptas a permitir a liberação dos montantes.

2. Ocorre que a jurisprudência dos tribunais pátrios tem firmado entendimento na linha de que, em se cuidando de uma doença grave, e havendo necessidade de se utilizar os valores depositados em conta vinculada ao FGTS, o trabalhador teria direito ao levantamento da soma, ainda que a doença não encontrasse expressa previsão na normativa de regência do FGTS. Vale dizer: o rol do art. 20 da Lei n. 8.036/1990 não seria marcado pela sua taxatividade, mas pela possibilidade de ser interpretado extensivamente (TRF-3, AC n. 0000743-04.2012.4.03.6003/MS, Rel. Des. Fed. Hélio Nogueira, Primeira Turma, j. 10.04.2018).

3. Outra não poderia ser a posição assumida pela jurisprudência, pois em tais hipóteses há de se tutelar o direito fundamental à saúde do titular da conta vinculada ao FGTS. De nada adiantaria resguardar o trabalhador com a previsão de uma conta fundiária se, de outro lado, as somas ali depositadas não pudessem ser utilizadas para ampará-lo em problemas graves de saúde. No caso dos autos, a gravidade da doença do impetrante está atestada por diversos documentos médicos que foram trazidos aos autos. De outro passo, a dificuldade financeira para custear o tratamento médico de que necessita também é evidente, como demonstrado pelos extratos de suas contas bancárias e pela sua declaração do IR, com o que a sentença deve ser integralmente mantida.

4. Reexame necessário a que se nega provimento.

(TRF 3ª Região, 1ª Turma, RemNecCiv - REMESSA NECESSÁRIA CÍVEL - 5006611-02.2018.4.03.6120, Rel. Desembargador Federal WILSON ZAUHY FILHO, julgado em 24/10/2019, Intimação via sistema DATA: 06/11/2019).

                                 

No caso dos autos observa-se que foram juntados relatórios médicos dos quais constam que os filhos da parte requerente são portadores de Transtorno do Espectro Autista (F84), conforme ID’s 283032345 e 283032346 e que necessitam de acompanhamento com Psicologia e Terapia Ocupacional de Fonoaudiologia (ID 283032354).  Portanto, comprovada hipótese de doença grave de que está acometida dependente da parte impetrante e se depara analogia com as causas que possibilitam o levantamento do saldo do FGTS por motivos de tratamento médico enumeradas no artigo 20 da Lei nº 8036/90, ressaltando-se que citado dispositivo legal faz referência ao “trabalhador ou qualquer de seus dependentes”.

Anoto que o emprego da analogia pressupõe o elemento de semelhança relevante, a nota comum entre os fatos devendo ser aquela pela lei considerada como determinante da norma no caso expressamente previsto, nas hipóteses legais vislumbrando-se o elemento de gravidade do estado de saúde de dependente de trabalhador optante a determinar a autorização de levantamento do FGTS, elemento este que se apresenta na espécie tratada nos autos.

Por estes fundamentos, nego provimento à remessa oficial, nos termos supra.

 

É como voto.



E M E N T A

 

MANDADO DE SEGURANÇA. FGTS. LEVANTAMENTO DE SALDO. ROL LEGAL NÃO TAXATIVO.

I - Entendimento pacificado nesta Segunda Turma, no sentido de ser cabível a apreciação do pedido de liberação do saldo do FGTS quando este se encontra plenamente demonstrado nos autos através da juntada de prova documental inequívoca. Caso em que, ressalvado entendimento pessoal desta Relatora, se reconhece a dispensa no caso de prova pericial.

II - Presente no caso concreto o pressuposto de semelhança relevante, é de se admitir o emprego da analogia, vislumbrando-se na hipótese fática o mesmo elemento de gravidade do estado de saúde de dependente da parte impetrante contemplado pela norma positivada a determinar a autorização de levantamento do FGTS.

III - Hipótese de doença grave de que está acometida dependente da parte impetrante e se depara analogia com as causas que possibilitam o levantamento do saldo do FGTS por motivos de tratamento médico enumeradas no artigo 20 da Lei nº 8036/90, ressaltando-se que citado dispositivo legal faz referência ao “trabalhador ou qualquer de seus dependentes”.

IV – Remessa oficial desprovida.

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Segunda Turma decidiu, por unanimidade, negar provimento ao reexame necessário, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.