
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0901778-18.2005.4.03.6100
RELATOR: Gab. 19 - DES. FED. VALDECI DOS SANTOS
APELANTE: ELETROPAULO METROPOLITANA ELETRICIDADE DE SAO PAULO S.A., AGENCIA NACIONAL DE ENERGIA ELETRICA - ANEEL
Advogados do(a) APELANTE: ALEXANDRE DE MENDONCA WALD - SP107872-A, ANTONIO ALBERTO RONDINA CURY - SP356143-A, MARIA AUGUSTA DA MATTA RIVITTI - SP113154-A, MARIANA TAVARES ANTUNES - SP154639-A, PAMELA SILVEIRA LEITE - SP285778
APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0901778-18.2005.4.03.6100 RELATOR: Gab. 19 - DES. FED. VALDECI DOS SANTOS APELANTE: ELETROPAULO METROPOLITANA ELETRICIDADE DE SAO PAULO S.A., AGENCIA NACIONAL DE ENERGIA ELETRICA - ANEEL Advogados do(a) APELANTE: ALEXANDRE DE MENDONCA WALD - SP107872-A, ANTONIO ALBERTO RONDINA CURY - SP356143-A, MARIA AUGUSTA DA MATTA RIVITTI - SP113154-A, MARIANA TAVARES ANTUNES - SP154639-A, PAMELA SILVEIRA LEITE - SP285778 APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Retornaram aos autos a este Tribunal após julgamento proferido pelo STJ (ID 263561842, 26 de 37) que deu provimento ao recurso especial quanto à preliminar de ofensa ao art. 535 do CPC/1973, reconhecendo a necessidade de reapreciação dos embargos de declaração opostos na origem, apreciando-se expressamente os pontos sobre os quais se referiu aquela decisão no parágrafo 16: 16. A concessionária recorrente aponta contradição e omissão do acórdão recorrido, que, não obstante a oposição dos Embargos Declaratórios, teria deixado de apreciar os seguintes temas: A ação civil pública, com pedido de tutela antecipada, foi ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL em face da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) e da Eletropaulo Metropolitana de Eletricidade de São Paulo S/A, com o objetivo de ser reconhecida a ilegalidade da cobrança de faturas de energia elétrica fundadas em cláusulas abusivas de Termos de Confissão de Dívidas e Declarações de Espontaneidade, bem como serem devolvidos, em dobro, os valores indevidamente cobrados. Relatou o Ministério Público haver a Eletropaulo, com fulcro no art. 205 do Código Civil, adotado procedimentos de cobrança (i) de débitos prescritos há mais de 5 anos, bem como (ii) de débitos de terceiros estranhos à relação contratual, sob pena de suspensão do fornecimento de energia elétrica. Sustenta, à luz dos princípios que regem as relações de consumo (Lei nº 8.078/90), a ilegalidade da Declaração de Espontaneidade e do Termo de Confissão de Dívida aos quais estão sujeitos os consumidores cobrados, considerando a abusividade da cláusula de renúncia ao prazo prescricional (aposta na declaração) e da cláusula que prevê a assunção de dívida não contraída pelo confitente (inscrita no termo de confissão) para ensejar a responsabilidade por fato de terceiros. Pede, com base na abusividade das cláusulas essenciais dos Termos de Confissão de Dívidas e Declarações de Espontaneidade, a condenação da Eletropaulo nas obrigações: (a) de fazer, consistente em observar o prazo prescricional de 90 (noventa) dias; e (b) de devolver aos usuários, em 60 dias, os valores indevidamente cobrados, calculados em dobro, nos termos do disposto no art. 42 do Código de Defesa do Consumidor. Requer, ainda, seja a ANEEL compelida a fiscalizar a atividade da concessionária no cumprimento dos deveres judicialmente impostos. Deferida, em parte, a liminar para determinar à ANEEL a fiscalização das cobranças irregulares, inclusive quanto à forma de atualização dos valores, e à Eletropaulo, a disponibilização dos documentos de confissão de dívida firmados e o envio de correspondência informando aos consumidores a existência da presente ação (fls. 600/605). A Eletropaulo contestou o feito às fls. 543/598 e a ANEEL, às fls. 517/532. A sentença (ID 263561836, 268 de 306) julgou parcialmente procedente o pedido de devolução dos valores indevidamente cobrados, declarou extinto o processo sem resolução do mérito quanto ao dever de observância do prazo prescricional, declarou a nulidade dos Termos de Confissão de Dívida e julgou procedente o pedido de fiscalização do cumprimento da condenação pela ANEEL. Fixada multa diária em R$ 10.000,00, em caso de descumprimento do dispositivo da sentença. Custas processuais devidas pela Eletropaulo. Decisão mantida em julgamento de embargos de declaração (ID 263561836, 298 de 306). Em apelação, a Eletropaulo pleiteou (i) a anulação da sentença, por ser extra petita, no que tange à invalidação dos Termos de Confissão de Dívida, ou, alternativamente, o reconhecimento da inépcia da inicial por ausência de formulação desse pedido na inicial; (ii) a extinção do processo sem resolução de mérito, com fulcro na existência de acordo firmado em ação ajuizada perante a Justiça Estadual, no descabimento da ação civil pública e na ilegitimidade ativa ad causam; (iii) a extinção do processo com resolução do mérito, declarando-se improcedentes os pedidos, ou, caso mantida a sentença, (iv) a redução da multa diária fixada em primeiro grau jurisdicional. Em seu apelo, a ANEEL alegou ser parte ilegítima para figurar no pólo passivo do feito e, no mérito, pugnou pela reforma da sentença no ponto em que fora condenada na obrigação de fiscalizar a concessionária. Com contrarrazões do parquet aos recursos de apelação da Eletropaulo e da ANEEL, os autos foram remetidos a esta Corte. O Ministério Público Federal opinou pela manutenção da sentença. Esta Sexta Turma proferiu acórdão que, por unanimidade, deu parcial provimento à remessa oficial e negou provimento às apelações interpostas, com a seguinte ementa (ID 263561838, 208 de 405): PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA - ENERGIA ELÉTRICA - MINISTÉRIO PÚBLICO - LEGITIMIDADE ATIVA EXTRAORDINÁRIA - ANEEL - LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM - DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS - DÍVIDAS DE TERCEIROS - TERMOS DE CONFISSÃO DE DÍVIDA - PREVISÃO DE SUSPENSÃO DO FORNECIMENTO - ABUSIVIDADE DA COBRANÇA - RELAÇÃO DE CONSUMO - CONFIGURAÇÃO - ART. 42, P.U., CDC - INCIDÊNCIA. Em embargos de declaração (ID 263561838, 237 de 405), a Eletropaulo defendeu o descabimento da ação civil pública para a anulação de termos de confissão de dívida por alegada coação e devolução de valores. Alegou ter o acórdão desconsiderado o disposto nos artigos 467, 471 e 474 do CPC e 5°, XXXVI, da CF/88. Defendeu não ter sido observado o fato de não existir pedido expresso de nulidade de termos de confissão de dívida e, ainda, de não se aplicar, na espécie, as disposições do CDC. Prosseguiu, para destacar, não ter sido abordado o fato de que a prestação do serviço de distribuição de energia elétrica pressupõe a contrapartida tarifária determinada pelo órgão regulador, de modo que o não pagamento da tarifa afeta o equilíbrio econômico-financeiro da concessão e a prestação do serviço adequado. Alegou, por fim, ser excessivo o valor da multa imposta, sendo necessário ser analisada à luz do disposto nos artigos 5°, LIV, § 2°, XXII e XXIV, da CF/88 e 126, 461, § 6°, do CPC. A ANEEL opôs embargos de declaração (ID 263561838, 249 de 405) aduzindo omissão em quanto à sua função de autarquia normatizadora, a afastar sua responsabilidade pelos atos materiais praticados pelas concessionárias. Requereu a apreciação da matéria, inclusive para fins de pré-questionamento. Esta Sexta Turma proferiu acórdão proferido que rejeitou os embargos de declaração (ID 263561838, 263 de 405). A Eletropaulo Metropolitana Eletricidade de São Paulo S/A (ID 263561838, 313 de 405) interpôs recurso especial sustentando a reforma do acórdão para se aplicarem: A) os arts. 131, 165, 458 e 535 do Código de Processo Civil, anulando-se o v. acórdão que manteve contradições e omissões, para que outro seja proferido, ou caso assim não se entenda; B) os arts. 1°, 5°, I, 6°, VII, "c" e "d" da LC 75/93, 1°, II, IV, da Lei n° 7.347/85, 2°, § 3°, 3°, 81, 82, I e 95 da Lei n° 8.078/90, 1°, 2°, 3°da Lei n° 9.427/96 e 6° da Lei n° 8.987/95, reconhecendo-se a ilegitimidade do Ministério Público e o não cabimento da ação civil pública em tela; C) os arts. 2°, 128, 267, V, 460, 467, 471 e 474 do CPC, reconhecendo-se que o acordo perante a esfera estadual abrangeu todo o objeto litigioso desta ação, que, portanto, deve ser extinta sem resolução do mérito; D) os arts. 2°, 125, I, 128, 286, 293, 460 do CPC, arts. 166 c/c 168, 169, 171, II, 172 a 175, 177 do Código Civil, art. 51, § 2° da Lei n° 8.078/90, anulando-se ou reformando-se o v. acórdão que proferiu julgamento extra petita, ao reconhecer de oficio a nulidade de cláusula contratual, e, consequentemente, dos Termos de Confissão de Dívida; E) os arts. 125, I, 126, 131, 333, 458 do Código de Processo Civil, arts. 6°, §§ 1° e 3°, 7°, 9°, § 2° e 10 da Lei n° 8.987/95, 1°, 2°, 3°, I, IV, XIX, 14, 17 da Lei n°9.427/96, 4°, XVIII e 14 do Decreto n°2.335/97 e art. 24 da Lei n°10.848/2004, reconhecendo-se a higidez dos Termos de Confissão de Dívida em que livremente se pactuou a assunção de débitos que apenas formalmente se encontravam em nome de terceiros, mas que eram de responsabilidade do contratante, bem como a possibilidade legal de se condicionar a continuidade do fornecimento à quitação de débitos pendentes; F) os arts. 1° e 19 da Lei n° 4.717/65, 81 da Lei n°8.078/90, 125, I, 126, 128, 460 e 475 do Código de Processo Civil, reconhecendo-se a inviabilidade de se invocar a existência de reexame necessário no caso em tela, que não versa dano ao erário, e, consequentemente, agravar-se a condenação da Recorrente; G) os arts. 42, pár. único da Lei n° 8.078/90, 113, 172, 174, 175, 422, 876, 877 e 884 do Código Civil e 126 do Código de Processo Civil, reconhecendo-se o descabimento da devolução de valores, mormente em dobro, eis que não configurada a má-fé da concessionária; H) os arts. 126, 644, pár. único c/c 461, § 6° do Código de Processo Civil, reduzindo-se o valor da multa diária. A Eletropaulo Metropolitana Eletricidade de São Paulo S/A (ID 263561838, 350 de 405) interpôs recurso extraordinário, em virtude de ter o v. acórdão violado os arts. 1°, 2°, 5°, caput, II, XXII, XIV, XXXII, XXXV, XXXVI, LIV, LV, § 2°, 21, XII, "b", 22, IV, 37, caput, XXI, 93, IX, 127, 129, III, 170, caput, V, 175, parágrafo único, I, III, IV, da Constituição Federal. A ANEEL interpôs recurso especial (ID 263561838, 393 de 405) para obter a reforma do acórdão recorrido, a fim de se reconhecer a ilegitimidade passiva da ANEEL para figurar nos feitos em que se questiona atos materiais de cobrança das concessionárias, mesmo que com base em atos normativos desta Agência Reguladora ou, ainda que se considere a Agência parte legítima a figurar no polo passivo da demanda, para que se reconheça que não houve inércia desta autarquia na fiscalização dos atos da concessionária de energia elétrica. Contrarrazões do MPF ao recurso especial (ID 263561840, 6 de 147), e ao recurso extraordinário (ID 263561840, 28 de 147). A Vice Presidência admitiu o recurso especial (ID 263561840, 50, 53 de 147), e não admitiu o recurso extraordinário (ID 263561840, 57 de 147). A Eletropaulo Metropolitana Eletricidade de São Paulo S/A apresentou agravo contra decisão que não admitiu o Recurso Extraordinário (ID 263561840, 63, 70 de 147). Contrarrazões do MPF ao agravo (ID 263561840, 107, 129 de 147). A Vice Presidência não conheceu do agravo interno (ID 263561840, 134 de 147). Eletropaulo Metropolitana Eletricidade de São Paulo S/A opôs embargos de declaração (ID 263561840, 137 de 147) contra decisão que não conheceu do agravo interno interposto em face da não admissão do recurso extraordinário interposto. A Vice Presidência rejeitou os embargos de declaração (ID 263561840, 143 de 147). A representante da Procuradoria Geral da República (ID 263561842, 8 de 37) manifestou-se pelo parcial conhecimento do recurso especial da Eletropaulo e, na parte conhecida, pelo seu não provimento, e pelo não provimento do recuso especial da ANEEL. Foi proferida a supra citada decisão do STJ. É o relatório.
(i) à contradição em se afirmar a legitimidade do MPF para a defesa de direitos difusos e coletivos e o caráter genérico da sentença em ação civil, e, ao mesmo admitir-se o cabimento da defesa pelo parquet, via ação civil pública, de direitos individuais disponíveis;
(ii) ao descabimento da ação civil pública para ressarcimento individual e a inviabilidade de devolução de valores contratados, mormente quando não se pode caracterizar como coação o exercício regular de um direito previsto em lei(suspensão de fornecimento em caso de inadimplemento de faturas de energia elétrica);
(iii) à afirmação de não incidência da súmula n° 381/STJ,que veda o reconhecimento de oficio de cláusulas contratuais, quando esta é justamente a hipótese dos autos;
(iv) à contradição em se determinar a anulação dos TCDs com base no art. 51, § 2° do CDC, quando esse dispositivo determina exatamente a preservação de contrato caso reconhecida como abusiva cláusula que não se configure essencial à avença, como aquela impugnada que prevê o corte de energia (já que, como visto, esta possibilidade decorre da lei e sequer precisaria estar prevista);
(v) quais seriam os "pedidos de cumprimento de obrigações alheias ao termo de ajustamento na esfera estadual" a ensejar a continuidade da ação e não a sua extinção sem julgamento de mérito nos termos do art. 267, V do CPC;
(vi) à omissão quanto à distinção entre nulidade e anulabilidade dos atos jurídicos,especialmente relevante no caso em tela, pois a alegada coação, que precisaria ser provada, - e, portanto, não poderia ser conhecida de oficio -, enseja anulação,com efeitos ex nunc, e não nulidade;
(vii) à inexistência de elementos idênticos e qual o dano ao erário a ensejar a analogia com a ação popular, e, portanto, justificar a remessa necessária no caso em tela;
(viii) à inexistência de má-fé a ensejar a devolução em dobro dos valores da energia elétrica inadimplida, conforme entende este e. STJ. (fls. 4.074).
1. A Lei Complementar nº 75/93, em seu artigo 6º, ao disciplinar a organização e atribuições do Ministério Público da União, deixa clara a vocação institucional do órgão ministerial para a defesa de direitos metaindividuais, dentre eles os direitos sociais, difusos, coletivos e homogêneos, mediante propositura de ação civil pública.
2. Cabimento da ação civil pública na defesa de direitos individuais homogêneos dos consumidores, à luz do disposto no art. 81, parágrafo único e inciso III, da Lei nº 8.078/90.
3. Insubsistente o argumento de nulidade da sentença por ser extra petita, dada a ausência de requerimento do Ministério Público para a invalidação dos Termos de Confissão de Dívida firmados pela Eletropaulo. Sem embargo de ter sido efetivamente levantada pelo Ministério Público a invalidade das cláusulas contratuais abusivas, a declaração dessa nulidade consiste em matéria de ordem pública que deve ser reconhecida de ofício, à luz das regras dos arts. 166 c/c 168, do Código Civil.
4. A Lei nº 9.427/96, ao disciplinar o regime das concessões de serviços de energia elétrica, criou a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) com a finalidade de regular o serviço concedido e fiscalizar permanentemente sua prestação. Legitimidade passiva ad causam da ANEEL.
5. A lide versa sobre interesses de natureza homogênea de origem comum, considerada a relação jurídica de consumo decorrente de pactos de adesão impostos unilateralmente pela Eletropaulo, não estando descaracterizada essa condição pela dedução do pedido de devolução dos valores de contas de luz vencidas. Outrossim, conforme se depreende da legislação reguladora do setor energético, a prestação de serviço de fornecimento de energia elétrica tem caráter essencial, configurando sua contratação relação de consumo regida pela Lei nº 8.078/90.
6. Presente, in casu, a lógica intrínseca às relações de consumo, subordinadas que estão a vetores dogmáticos construídos para contornar um modelo no qual o desequilíbrio entre as partes se traduz na hipossuficiência dos usuários (consumidores), na imposição unilateral de regras contratuais, na ausência de opção de escolha da empresa fornecedora e na total dependência do serviço, em razão de seu caráter essencial.
7. Nesse contexto, a suspensão da prestação em caso de inadimplência, embora legalmente prevista e admitida pelos Tribunais nacionais, deve ser realizada com parcimônia, evitando, tanto quanto possível, a penalização de terceiros estranhos à relação de consumo vigente à época do inadimplemento. Entendimento consolidado no C. STJ a ilegitimidade do "corte no fornecimento de serviços públicos essenciais quando derive de débitos consolidados pelo tempo ou referentes a consumo de usuário anterior do imóvel" (RESP 201101826993, MIN. HERMAN BENJAMIN).
8. Procedência do pedido de aplicação da penalidade inscrita no parágrafo único do artigo 42 do Código de Defesa do Consumidor, porquanto as razões justificadoras da conduta adotada pela Eletropaulo não ostentam o caráter de "engano justificável". Cabível a devolução em dobro dos valores indevidamente cobrados de terceiros estranhos à relação de consumo. Precedentes do STJ: AGARESP 201303766933; AGARESP 201303763268.
9. À ANEEL incumbe a fiscalização da produção, transmissão, distribuição e comercialização de energia elétrica, nos termos da Lei nº 9427/96.
10. A teor do artigo 3º, inciso VI, da Lei nº 9427/96, a ANEEL sucedeu a União Federal na gestão dos contratos de concessão ou de permissão de serviços públicos de energia elétrica e de concessão de uso de bem público, incumbindo-lhe, outrossim, fiscalizar as empresas concessionárias, prerrogativa inerente ao poder concedente, anteriormente desempenhadas pela União Federal.
11. Mantida a multa diária fixada em R$ 10.000,00 (dez mil reais), à vista da inegável relevância social do serviço prestado, bem como da extensão do dano decorrente de eventual descumprimento da ordem judicial exarada em defesa da gama de consumidores atendidos.
(TRF3, APELAÇÃO CÍVEL - 1537484, ApCiv 0901778-18.2005.4.03.6100, DESEMBARGADOR FEDERAL MAIRAN MAIA, SEXTA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:18/09/2015)
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0901778-18.2005.4.03.6100 RELATOR: Gab. 19 - DES. FED. VALDECI DOS SANTOS APELANTE: ELETROPAULO METROPOLITANA ELETRICIDADE DE SAO PAULO S.A., AGENCIA NACIONAL DE ENERGIA ELETRICA - ANEEL Advogados do(a) APELANTE: ALEXANDRE DE MENDONCA WALD - SP107872-A, ANTONIO ALBERTO RONDINA CURY - SP356143-A, MARIA AUGUSTA DA MATTA RIVITTI - SP113154-A, MARIANA TAVARES ANTUNES - SP154639-A, PAMELA SILVEIRA LEITE - SP285778 APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Os embargos de declaração são cabíveis para corrigir eventual erro material, contradição, obscuridade ou omissão do acórdão (artigo 1022 do Código de Processo Civil). Por força do quanto determinado na decisão proferida pelo STJ, passo a analisar com minúcias as razões apresentadas em embargos de declaração, elencadas no parágrafo 16 daquela decisão. (i) à contradição em se afirmar a legitimidade do MPF para a defesa de direitos difusos e coletivos e o caráter genérico da sentença em ação civil, e, ao mesmo admitir-se o cabimento da defesa pelo parquet, via ação civil pública, de direitos individuais disponíveis; O acórdão embargado, de maneira exaustiva, apontou os fundamentos legais que atribuem ao Ministério Público a legitimidade para ajuizar ações em defesa de direitos coletivos, difusos e individuais homogêneos. A já surrada tese de ilegitimidade do MPF para tutelar direitos individuais disponíveis, há muito foi derrubada pela jurisprudência pátria quando presente relevante interesse social. A hipótese dos autos, que envolve prática abusiva cometida por concessionária de energia elétrica contra seus consumidores, incluindo ameaças de corte irregular no fornecimento de energia, bem absolutamente essencial para vida moderna, tornam inequívoca a presença de relevante interesse social. Não há que se falar em caráter "genérico" da decisão, uma vez que, ao se considerar a imensa gama de consumidores de que dispõe a embargante, seria impraticável exigir que o Ministério Público identificasse previamente todos os casos de abuso como requisito para o ajuizamento da ação, sob pena de restringir gravemente ou mesmo inviabilizar a tutela do direito, para além de ofender o princípio da isonomia. Não suficiente, é de se destacar como corriqueira a possibilidade de execução individual de sentença coletiva no âmbito da tutela processual dos direitos difusos e coletivos, ocasião em que a concessionária pode exercer sem qualquer restrição seu direito de defesa, apontando, por exemplo, eventual inadequação da pretensão vis a vis a coisa julgada. Tais constatações, em conjunção com os fundamentos do acórdão impugnado, apontam que a tese foi ventilada por razões meramente protelatórias pela concessionária embargante. (ii) ao descabimento da ação civil pública para ressarcimento individual e a inviabilidade de devolução de valores contratados, mormente quando não se pode caracterizar como coação o exercício regular de um direito previsto em lei (suspensão de fornecimento em caso de inadimplemento de faturas de energia elétrica); Não há que se falar em exercício regular de direito quando o "contrato" foi entabulado com evidente vício de vontade, consistente no "reconhecimento" de dívida com renúncia à prescrição e assunção de dívida de terceiros, sob pena de corte do fornecimento de energia. É de se destacar que os consumidores, enquanto partes hipossuficientes, não obtém qualquer vantagem com o alardeado contrato que não seja pura e simplesmente desvencilhar-se da coação exercida pela embargante. A concessionária abusou de seu pretenso direito por força de sua própria negligência consistente em não cobrar tempestivamente seus créditos, assim como não realizar a cobrança de quem efetivamente deu causa ao inadimplemento de obrigação que não se caracteriza como propter rem. (iii) à afirmação de não incidência da súmula n° 381/STJ,que veda o reconhecimento de oficio de cláusulas contratuais, quando esta é justamente a hipótese dos autos; Não há que se falar em aplicação da Súmula 381 do STJ ao caso dos autos, seja pela óbvia razão de que a tese encampada pela Corte Superior restringe-se a contratos bancários, como já destacado no acórdão impugnado, seja porque não se verifica, no caso dos autos, qualquer indício de "ativismo judicial" consistente no reconhecimento de ofício de nulidades sequer remotamente ventiladas pelos autores. Ao contrário, o acórdão tem fundamentação cristalina e exemplar em diversos dispositivos do código de defesa do consumidor. Tampouco a ação foi ajuizada pela lógica de certa litigância de massa, em que argumentos são empilhados de maneira genérica e reproduzidos em série, sem apreço pela análise prévia dos casos concretos por patronos displicentes, como é comum em muitas ações que envolvem contratos bancários, contexto que pode ter justificado a edição do enunciado sumular. (iv) à contradição em se determinar a anulação dos TCDs com base no art. 51, § 2° do CDC, quando esse dispositivo determina exatamente a preservação de contrato caso reconhecida como abusiva cláusula que não se configure essencial à avença, como aquela impugnada que prevê o corte de energia (já que, como visto, esta possibilidade decorre da lei e sequer precisaria estar prevista); A embargante limita suas alegações à primeira parte do art. 51, § 2º do CDC, quando o acórdão claramente se baseia na parte final do parágrafo. A concessionária, em verdade, não aponta omissão, contradição ou qualquer outro vício no julgado, mas somente registra sua insurgência contra a fundamentação adotada, além da corriqueira intenção de protelar o encerramento da ação. (v) quais seriam os "pedidos de cumprimento de obrigações alheias ao termo de ajustamento na esfera estadual" a ensejar a continuidade da ação e não a sua extinção sem julgamento de mérito nos termos do art. 267, V do CPC; O acórdão impugnado reconheceu a existência de coisa julgada no tocante ao prazo prescricional para cobrança retroativa de faturas de energia elétrica. Ademais, o Termo de Ajustamento de Conduta fala em abstenção de realização de cobranças administrativas reconhecidas como ilícitas, deixando de abordar, no entanto, o dever de restituir os valores cobrados indevidamente e já recebidos, o que justificou o prosseguimento da ação e seu parcial provimento em relação à concessionária. (vii) à inexistência de elementos idênticos e qual o dano ao erário a ensejar a analogia com a ação popular, e, portanto, justificar a remessa necessária no caso em tela; O microssistema legal de proteção aos interesses ou direitos coletivos envolve dispositivos da Lei de Ação Popular, Lei da Ação Civil Pública, Lei de Improbidade Administrativa e do Código de Defesa do Consumidor, por isso "a supressão de lacunas legais deve ser, a priori, buscada dentro do próprio microssistema" (REsp 1.447.774/SP, Rel. Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 21/8/2018, DJe 27/8/2018), não se exigindo que a aplicação analógica do art. 19 da Lei 4.717/65 às ações civis públicas ocorra exclusivamente nas hipóteses em que se discute dano ao erário público. (viii) à inexistência de má-fé a ensejar a devolução em dobro dos valores da energia elétrica inadimplida, conforme entende este e. STJ. Os fundamentos do acórdão impugnado, bem como aqueles adotados na presente decisão, apontam que a conduta da concessionária, nem sequer remotamente, justifica-se por mero equívoco, não tendo se pautado pelo princípio da boa-fé objetiva. Atente à concessionária, no seguir do processo, para o teor do art. 1.026, § 2º do CPC. Ante o exposto, por força da decisão proferida pelo STJ, conheço dos embargos de declaração para suprir as omissões apontadas, rejeitando no mérito suas razões reiteradas, negando-lhes efeitos infringentes, na forma da fundamentação acima. É o voto.
E M E N T A
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. NOVO JULGAMENTO DETERMINADO PELO STJ. PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ENERGIA ELÉTRICA. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE ATIVA EXTRAORDINÁRIA. DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. DÍVIDAS DE TERCEIROS. TERMOS DE CONFISSÃO DE DÍVIDA. PREVISÃO DE SUSPENSÃO DO FORNECIMENTO. ABUSIVIDADE DA COBRANÇA. RELAÇÃO DE CONSUMO. CONFIGURAÇÃO. ART. 42, P.U., CDC. INCIDÊNCIA.
I - O acórdão embargado, de maneira exaustiva, apontou os fundamentos legais que atribuem ao Ministério Público a legitimidade para ajuizar ações em defesa de direitos coletivos, difusos e individuais homogêneos. A já surrada tese de ilegitimidade do MPF para tutelar direitos individuais disponíveis, há muito foi derrubada pela jurisprudência pátria quando presente relevante interesse social.
II - A hipótese dos autos, que envolve prática abusiva cometida por concessionária de energia elétrica contra seus consumidores, incluindo ameaças de corte irregular no fornecimento de energia, bem absolutamente essencial para vida moderna, tornam inequívoca a presença de relevante interesse social.
III - Não há que se falar em caráter "genérico" da decisão, uma vez que, ao se considerar a imensa gama de consumidores de que dispõe a embargante, seria impraticável exigir que o Ministério Público identificasse previamente todos os casos de abuso como requisito para o ajuizamento da ação, sob pena de restringir gravemente ou mesmo inviabilizar a tutela do direito, para além de ofender o princípio da isonomia.
IV - Não suficiente, é de se destacar como corriqueira a possibilidade de execução individual de sentença coletiva no âmbito da tutela processual dos direitos difusos e coletivos, ocasião em que a concessionária pode exercer sem qualquer restrição seu direito de defesa, apontando, por exemplo, eventual inadequação da pretensão vis a vis à coisa julgada.
V - Tais constatações, em conjunção com os fundamentos do acórdão impugnado, apontam que a tese foi ventilada por razões meramente protelatórias pela concessionária embargante.
VI - Não há que se falar em exercício regular de direito quando o "contrato" foi entabulado com evidente vício de vontade, consistente no "reconhecimento" de dívida com renúncia à prescrição e assunção de dívida de terceiros, sob pena de corte do fornecimento de energia. É de se destacar que os consumidores, enquanto partes hipossuficientes, não obtém qualquer vantagem com o alardeado contrato que não seja pura e simplesmente desvencilhar-se da coação exercida pela embargante.
VII - A concessionária abusou de seu pretenso direito por força de sua própria negligência consistente em não cobrar tempestivamente seus créditos, assim como não realizar a cobrança de quem efetivamente deu causa ao inadimplemento de obrigação que não se caracteriza como propter rem.
VIII - Não há que se falar em aplicação da Súmula 381 do STJ ao caso dos autos, seja pela óbvia razão de que a tese encampada pela Corte Superior restringe-se a contratos bancários, como já destacado no acórdão impugnado, seja porque não se verifica, no caso dos autos, qualquer indício de "ativismo judicial" consistente no reconhecimento de ofício de nulidades sequer remotamente ventiladas pelos autores. Ao contrário, o acórdão tem fundamentação cristalina e exemplar em diversos dispositivos do código de defesa do consumidor.
IX - Tampouco a ação foi ajuizada pela lógica de certa litigância de massa, em que argumentos são empilhados de maneira genérica e reproduzidos em série, sem apreço pela análise prévia dos casos concretos por patronos displicentes, como é comum em muitas ações que envolvem contratos bancários, contexto que pode ter justificado a edição do enunciado sumular.
X - A embargante limita suas alegações à primeira parte do art. 51, § 2º do CDC, quando o acórdão claramente se baseia na parte final do parágrafo. A concessionária, em verdade, não aponta omissão, contradição ou qualquer outro vício no julgado, mas somente registra sua insurgência contra a fundamentação adotada, além da corriqueira intenção de protelar o encerramento da ação.
XI - O acórdão impugnado reconheceu a existência de coisa julgada no tocante ao prazo prescricional para cobrança retroativa de faturas de energia elétrica. Ademais, o Termo de Ajustamento de Conduta fala em abstenção de realização de cobranças administrativas reconhecidas como ilícitas, deixando de abordar, no entanto, o dever de restituir os valores cobrados indevidamente e já recebidos, o que justificou o prosseguimento da ação e seu parcial provimento em relação à concessionária.
XII - O microssistema legal de proteção aos interesses ou direitos coletivos envolve dispositivos da Lei de Ação Popular, Lei da Ação Civil Pública, Lei de Improbidade Administrativa e do Código de Defesa do Consumidor, por isso "a supressão de lacunas legais deve ser, a priori, buscada dentro do próprio microssistema" (REsp 1.447.774/SP, Rel. Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 21/8/2018, DJe 27/8/2018), não se exigindo que a aplicação analógica do art. 19 da Lei 4.717/65 às ações civis públicas ocorra exclusivamente nas hipóteses em que se discute dano ao erário público.
XIII - Os fundamentos do acórdão impugnado, bem como aqueles adotados na presente decisão, apontam que a conduta da concessionária, nem sequer remotamente, justifica-se por mero equívoco, não tendo se pautado pelo princípio da boa-fé objetiva.
XIV - Atente à concessionária, no seguir do processo, para o teor do art. 1.026, § 2º do CPC.
XV - Por força da decisão proferida pelo STJ, embargos de declaração conhecidos para suprir as omissões apontadas, rejeitadas no mérito suas razões reiteradas, negados os efeitos infringentes requeridos.