APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0026890-82.2003.4.03.6100
RELATOR: Gab. 48 - DES. FED. SOUZA RIBEIRO
APELANTE: AGENCIA NACIONAL DE VIGILANCIA SANITARIA - ANVISA
Advogado do(a) APELANTE: RODRIGO PEREIRA CHECA - SP186872-A
APELADO: ALL AMERICAN COMERCIO SERVICOS E REPRESENTACOES LTDA
Advogado do(a) APELADO: ADOLPHO HUSEK - SP31576-B
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0026890-82.2003.4.03.6100 RELATOR: Gab. 48 - DES. FED. SOUZA RIBEIRO APELANTE: AGENCIA NACIONAL DE VIGILANCIA SANITARIA - ANVISA Advogado do(a) APELANTE: RODRIGO PEREIRA CHECA - SP186872-A APELADO: ALL AMERICAN COMERCIO SERVICOS E REPRESENTACOES LTDA Advogado do(a) APELADO: ADOLPHO HUSEK - SP31576-B OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de agravo interno interposto pela AGENCIA NACIONAL DE VIGILANCIA SANITARIA - ANVISA em face de decisão monocrática que, nos termos do art. 932 do CPC, negou provimento ao reexame necessário e à apelação. Alega a agravante, em síntese, o não cabimento de decisão nos termos do art. 932 do CPC, bem como pugna pelo conhecimento do apelo: "a legalidade do ato administrativo que indeferiu o pedido de registro do medicamento"; "a impossibilidade de reanálise da discricionariedade técnica da Administração Pública pelo Poder Judiciário (princípio da separação de poderes)"; "a fragilidade do laudo técnico que sustentou a procedência do pedido"; "a inviabilidade de substituição do parecer técnico da equipe da Câmara Técnica em Medicamentos da ANVISA pela análise da perita nomeada" e "o não atendimento das exigências legais para o registro do medicamento". É o relatório.
DECLARAÇÃO DE VOTO A Juíza Federal convocada Diana Brunstein: Com a vênia do ilustre Relator ouso divergir pelas razões que seguem: Busca-se através do presente feito compelir a Agência Regulatória a registrar o medicamento Mandelay. O direito à saúde, tal qual previsto na Constituição, é garantido mediante políticas sociais e econômicas visando à redução dos riscos de doença e acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. As ações e serviços públicos de saúde integram rede regionalizada e hierarquizada, tendo como diretriz a participação da comunidade. Lastreado nesse preceito, a Lei 8080/90 atribui ao órgão de vigilância sanitária competência de controle de bens de consumo que, direta ou indiretamente, estejam relacionadas à saúde, compreendidas todas as etapas e processos da produção ao consumo. Incumbe à Anvisa, nos precisos termos da Lei 9782/99, regulamentar produtos e serviços envolvendo saúde pública. Já a lei 6.360/76, dentre outros temas, trata do registo de medicamentos. Importante lembrar que a Anvisa é dirigida por uma Diretoria Colegiada que se vale de subsídios de Câmaras especializadas. No caso dos autos, a Agência lastreou-se em parecer da Câmara Técnica de Medicamentos – CATEME, instância colegiada, de natureza consultiva, formada por sete membro titulares nomeados a partir de destacada experiência profissional e notório saber nos campos da clínica médica As razões apresentadas pela Ré, agora agravante, para o não registro do produto foram assim formulados na seara administrativa: “Após análise do presente processo, chegamos às seguintes conclusões: (i) o mesmo não atende aos dispositivos da Lei 6.360/76, ao Decreto n° 79.094/77 e às normas específicas para a classe de produtos a que pertence; os dados apresentados não são suficientes para a sustentação do pleito; a sua formulação técnica não se enquadra nos parâmetros pré - estabelecidos para medicamentos da espécie; a proposta de bula e rotulagem, analisada nos seu (posologia e indicação terapêutica), não atende necessários para prestação de informações básicas e Diante dos fatos acima expostos e levando em consideração a manifestação da Câmara Técnica de Medicamentos - CATEME, na área de sua competência em reunião do dia 11 de março de 2003, sugerimos o INDEFERIMENTO da petição em questão na(s) apresentação(ões) abaixo relacionada(s): 7,5G/100G GEL CT BG PLAS X 28,35G. > REGISTRO DE NOVA INDICAÇÃO TERAPÊUTICA NO PAÍS PRAZO DE VALIDADE DA APRESENTAÇÃO:” E em contestação a parte manifestou-se no sentido que no caso em apreço não foram observadas as exigências contidas na lei 6360/76, conforme indica: “o indeferimento do Registro de medicamento se deu nos estrito limites legais, como se pode verficar: * Art. 12. Nenhum dos produtos de que trata esta Lei, inclusive os importados, poderá ser industrializado, exposto à venda ou entregue ao consumo antes de registrado no Ministério da Saúde. TÍTULO III Do Registro de Drogas, Medicamentos e Insumos Farmacêuticos Art. 16. O registro de drogas, medicamentos e insumos farmacêuticos, dadas as suas características sanitárias, medicamentosas ou profiláticas, curativas, paliativas ou mesmopara fins de diagnóstico, fica sujeito, além do atendimento das exigências regulamentares próprias, aos seguintes requisitos especificos: 1 - que o produto obedeça ao disposto no Art. 5, e seus parágrafos; Redaçõ.o dada pela Lei n°6.480, de 1° de dezembro de 1977) II - que o produto, através de comprovação científica e de análise, seja reconhecido como seguro e eficaz para o uso a que se propõe, e possua a identidade, atividade, qualidade, pureza e inocuidade necessárias; III - tratando-se de produto novo, que sejam oferecidas amplas informações sobre a sua composição e o seu uso, para avaliação desua natureza e determinação do grau de segurança e eficácia necessários; IV - apresentação, quando solicitada, de amostra para análises e experiências que sejam julgadas necessárias pelos órgãos competentes do Ministério da Saúde; V quando houver substância nova na composição do medicamento, entrega de amostra acompanhada dos dados químicos e físico-químicos que a identifiquem; VI - quando se trate de droga ou medicamento cuja elaboração necessite de aparelhagem técnica e especifica, prova de que o estabelecimento se acha devidamente equipado e mantém pessoal habilitado ao seu manuseio ou contrato com terceiros para essa finalidade. Parágrafo único. (Revogado pela Lei n° 6.480, de 10 de dezembro de1977). Art. 17. O registro dos produtos de que trata este Titulo será negado sempre que não atendidas as condições, as exigências e os procedimentos para tal fim previstos em lei, regulamento ou instrução do órgão competente." Assim sendo, tal assertiva não cabe ser discutida na esfera judicial, pois a fundamentação da denegação do pedido de registro se deu nos imites do poder discricionário que é conferido à Administração, conforme se verifica no doc. no 19, de fis. 187: «Comunicamos o indeferimento da solicitação de "registro de nova indicação terapêutica no país»; para o medicamento em epigrafe, com base na análise farmacotécnica: Não foram cumpridas satisfatoriamente as exigências formuladas por esta agência em 09/08/02., quanto ao cumprimento da resolução n' 560, de 2 de abril de 2002, pela não adequação na restrição de uso/venda do produto e também por classificar erroneamente a benzocaina como analgésico não narcótico." Assim, torna-se demonstrado que a denegação do pedido de registro expedido pela ré, em nenhum momento foi despropositado ou além d esua competéncia. Pelo contrário, foi uma decisão amparada nos moldes da legalidade que todo ato administrativo deve conter” Não compete ao Poder Judiciário sobrepor-se aos parâmetros técnicos da agência. Quando do julgamento da ADIN 5.779 observou o Ministro Ricardo Lewandowski que “Conforme o princípio da reserva de administração, o Legislativo não pode revisar atos administrativos do Executivo no estrito desempenho de suas atribuições constitucionais”. Prosseguiu declarando que em caso de abusos, o Congresso tem instrumentos para questionar decisões da Anvisa. O cuidado e segurança com os fármacos produzidos e postos à disposição da população é incumbência da agência reguladora, que realiza avaliação com base em metodologia científica, internacionalmente aceita. Não é demais lembrar as pressões sofridas pela agência para aprovação de medicamentos. Relembre-se o caso da fosfoetanolamina, ocasião onde o Professor Doutor Raul Cutait escreveu em artigo na Folha de São Paulo de 19/05/2016: “Para se ter ideia da complexidade do processo de avaliação de qualquer medicamento, basta atentar para os números do National Cancer Institute dos Estados Unidos. Mais de US$ 5 bilhões são investidos anualmente em pesquisas, especialmente em novos medicamentos contra o câncer, mas pouquíssimos são autorizados para uso clínico. A consistente metodologia científica é a melhor garantia de que as pessoas não serão enganadas por tratamentos pouco ou nada eficazes, bem como de que os recursos econômicos, intelectuais e de atendimento não serão desperdiçados. No Brasil, vive-se hoje uma situação ímpar. A substância química fosfoetanolamina ganhou legalmente o status de medicamento que pode ser usado contra o câncer, acredito eu que em função da vontade de nossos legisladores e do Poder Executivo de ajudar pacientes que buscam alternativas para as doenças. Eis, portanto, uma história bastante repetida ao longo do tempo: centenas de tratamentos oferecidos com promessas” –indevidas em função de desconhecimento científico, má-fé ou mesmo escusos motivos financeiros. E por trás de todo esse processo, sempre ela, a esperança!” - Câncer Esperança e Ciência. Se para questões de menor impacto social o STF já decidiu não competir ao Poder Judiciário substituir a banca examinadora para reexaminar o conteúdo das questões e os critérios de correção utilizados, salvo ocorrência de ilegalidade ou inconstitucionalidade (Tema 485 STF) não há como se compelir a Anvisa a proceder registro de medicamento que não passou em seu crivo técnico. No máximo poderia pretender a parte comercializar o produto sem esse registro e constando na embalagem que o produto não obteve aprovação do órgão sanitário. Ademais, conforme já decidido pelo STF: “A regulação promovida pela Anvisa fundamenta-se, especialmente para o caso dos medicamentos, na dificuldade de acesso, por parte dos consumidores, de informações relevantes para a própria definição de mercado. Assim, ao normatizar as regras de segurança, qualidade e eficácia, a agência garante a participação de empresas e consumidores no mercado de medicamentos em condições mais equilibradas. Além disso, porque não raro as empresas que produzem os medicamentos possuem monopólio sobre a propriedade intelectual ou sobre outro aspecto relevante do mercado, a Anvisa busca também corrigir outras falhas de mercado. Observe-se, portanto, que as competências desempenhadas pela agência decorrem, em verdade, do próprio texto constitucional e visam a assegurar a efetividade do direito à saúde.” (ADI 5.501). Por essas razões, acolho o agravo interno para dar provimento à apelação e reformar a sentença, invertendo o ônus da sucumbência, nos termos da fundamentação. É como voto.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0026890-82.2003.4.03.6100
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V O T O
O agravo interposto não merece acolhimento.
Considerando que as razões ventiladas no presente recurso são incapazes de infirmar a decisão impugnada, vez que ausente qualquer ilegalidade ou abuso de poder, submeto o seu teor à apreciação deste colegiado:
"Trata-se de reexame necessário e apelação interposta pela AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA em face da r. sentença que, em ação ordinária, julgou procedente a ação, confirmando a tutela antecipada anteriormente deferida, para determinar que a ré adote as providencias cabíveis para o registro do produto MANDELAY.
Alega a parte apelante, em síntese, "a legalidade do ato administrativo que indeferiu o pedido de registro do medicamento"; "a impossibilidade de reanálise da discricionariedade técnica da Administração Pública pelo Poder Judiciário (princípio da separação de poderes)"; "a fragilidade do laudo técnico que sustentou a procedência do pedido"; "a inviabilidade de substituição do parecer técnico da equipe da Câmara Técnica em Medicamentos da ANVISA pela análise da perita nomeada" e "o não atendimento das exigências legais para o registro do medicamento".
Com as contrarrazões, vieram os autos a essa Corte.
É o relatório.
Decido.
O presente caso comporta julgamento nos termos do art. 932 do CPC, que confere ao Relator poderes para, monocraticamente, negar e dar provimento aos recursos.
Na eventual mácula da decisão singular, não fica prejudicado o princípio da colegialidade, pois a Turma pode ser provocada a se manifestar por meio do recurso de agravo interno (AgInt no AREsp n. 1.524.177/SP, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 9/12/2019, DJe de 12/12/2019).
Não se vislumbra nulidade de quaisquer atos processuais, nem tampouco fundamentos de mérito para a reforma do julgado de primeiro grau - uma vez que o r. decisum a quo fora proferido dentro dos ditames legais atinentes à espécie.
Há que, de fato, se desprover a presente apelação, mantendo-se hígida a r. sentença monocrática em referência por seus fundamentos, os quais tomo como alicerce da presente decisão, pela técnica per relationem.
O C. Superior Tribunal de Justiça permite a adoção dessa técnica:
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA. 1. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. ACÓRDÃO RECORRIDO QUE SE AMPARA NOS FUNDAMENTOS DELINEADOS NA SENTENÇA. POSSIBILIDADE. FUNDAMENTAÇÃO PER RELATIONEM. SÚMULA 83/STJ. 2. ALEGAÇÃO DE PRÁTICA DE VENDA CASADA. NÃO COMPROVAÇÃO. SÚMULA 7/STJ. 3. RESTITUIÇÃO EM DOBRO. TRIBUNAL DE ORIGEM QUE AFIRMOU INEXISTIR A NECESSÁRIA MÁ-FÉ. ARGUMENTO DO ACÓRDÃO RECORRIDO NÃO IMPUGNADO NAS RAZÕES DO RECURSO ESPECIAL. SÚMULA 283/STF. 4. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. 1. Nos termos da jurisprudência desta Corte Superior, é admitido ao Tribunal de origem, no julgamento da apelação, utilizar, como razões de decidir, os fundamentos delineados na sentença (fundamentação per relationem), medida que não implica em negativa de prestação jurisdicional, não gerando nulidade do acórdão, seja por inexistência de omissão seja por não caracterizar deficiência na fundamentação. Precedentes. Súmula 83/STJ. 2. A modificação da conclusão delineada no acórdão recorrido - no sentido de não estar comprovada a venda casada, por parte da instituição financeira - demandaria necessariamente o revolvimento dos fatos e das provas dos autos, atraindo, assim, o óbice disposto na Súmula 7 do STJ. 3. É inadmissível o recurso especial nas hipóteses em que o acórdão recorrido assenta em mais de um fundamento suficiente (de não comprovação da má-fé imprescindível ao acolhimento do pedido de repetição de indébito em dobro) e o recurso não abrange todos eles. Aplicação do enunciado n. 283 da Súmula do STF. 4. Agravo interno desprovido. ..EMEN:
(AINTARESP - AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL - 1467013 2019.00.71109-4, MARCO AURÉLIO BELLIZZE, STJ - TERCEIRA TURMA, DJE DATA:12/09/2019 ..DTPB:.)
Eis o teor da r. sentença de origem, verbis:
“VISTOS.
A autora, acima nomeada e qualificada nos autos, propõe a presente ação ordinária, com pedido de tutela antecipada, em face da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, com o fito de obter o registro do produto Mandelay, fabricado por Majestic Drug Company Inc., perante a ANVISA a fim de que seja permitida sua comercialização.
Alega, em apertada síntese, que, após cumprir diversas exigências formuladas pela ANVISA, esta indeferiu o pedido ante o parecer desfavorável ao registro do referido medicamento apresentado pela CATEME (Câmara Técnica de Medicamentos), por não ter enviado nenhum trabalho científico sério, publicado em revista de impacto, que comprovasse ser o mesmo plenamente seguro e eficaz. Contudo, informa ter demonstrado que o medicamento Mandelay preenche todos os requisitos necessários para o seu registro, propugnando que o princípio ativo benzocaína é utilizado em uma infinidade de medicamentos nacionais.
A inicial veio instruída com documentos e as custas foram recolhidas (fls.16/476).
A análise do pedido de tutela antecipada foi postergada para após a vinda da contestação (fls.479).
A União Federal apresentou contestação, argüindo, preliminarmente, o não preenchimento dos requisitos necessários à concessão de antecipação da tutela. No mérito, alega, em síntese, que o indeferimento do registro do medicamento se deu nos estritos limites legais. Alega, ainda, que a denegação do pedido não pode ser discutida na esfera judicial, pois sua fundamentação se deu nos limites do poder discricionário que é conferido à Administração (fls.483/491).
Réplica às fls.497/511.
A análise do pedido de tutela antecipada foi condicionada para após a realização de perícia técnica, para constatação de ser o medicamento seguro e eficaz (fls.512/513).
Foi realizada a perícia, cujo laudo foi apresentado às fls. 530/544, sobre o qual se manifestaram as partes às fls. 552/554 e 556.
O pedido de tutela antecipada foi deferido (fls.557/559).
A ré, por seu procurador, informou a interposição de agravo de instrumento, sob o nº 2004.03.00.053774-6, contra a decisão que deferiu o pedido de tutela antecipada (fls.568).
Foi juntada por linha a petição de n. 2004.000336335-1 (fls.582).
A autora, por seu procurador, informou que a ANVISA aplicou multa de R$ 50.000,00 por ela ter divulgado a decisão deste Juízo na internet (fls.600/601).
Foi requerida a juntada do processo administrativo nº 25351.022060/2003-85 (fls.613/656).
Ofício do e. TRF 3º Região informando o indeferimento do pedido de efeito suspensivo requerido no " Pedido de Suspensão de Liminar n. 2743 - SP - registro n. 2005.03.00.089991-1" (fls.659/662).
O e. TRF 3º Região encaminhou cópia da decisão proferida no agravo de instrumento nº 2004.03.00.053774-6 que negou o efeito suspensivo pleiteado (fls.663/666).
A autora ofereceu memorial (fls.675/689).
A União Federal, por seu procurador federal, narra que a autora notícia fatos que servem mais para confundir do que para esclarecer a causa, bem como esclareceu que a decisão judicial foi integralmente cumprida (fls.703).
É o relatório.
Fundamento e Decido.
A empresa autora requereu à Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA registro do produto Mandelay para que pudesse comercializá-lo em todo território nacional.
Como se sabe, a ANVISA exerce o poder de polícia sanitária sobre os medicamentos de um modo geral, portanto, todo registro deve observar as normas por ela editadas, especialmente, quando se trata de produto destinado ao consumo humano, não configurando exigência nesse sentido abuso de poder.
Nestes casos, o Poder Judiciário só pode se manifestar no que pertine à legalidade do ato, sendo-lhe vedado pronunciar-se sobre a conveniência ou a oportunidade do ato administrativo (mérito administrativo).
No entanto, parte da Doutrina e da Jurisprudência admite que o Poder Judiciário possa controlar o mérito do ato administrativo (conveniência e oportunidade) sempre que, no uso da discricionariedade admitida legalmente, a Administração Pública agir contrariamente aos primados da proporcionalidade e da razoabilidade.
Isso se dá porque, ao extrapolar os limites da razoabilidade, a Administração acaba violando a própria legalidade, que, por sua vez, deve pautar a atuação do Poder Público, segundo ditames constitucionais, notadamente do art. 37, caput, da Constituição Federal.
Nesse sentido, o e. TRF 1º Região já teve a oportunidade de se manifestar:
ADMINISTRATIVO. MÉRITO DO ATO ADMINISTRATIVO. POSSIBILIDADE DE ANÁLISE PELO JUDICIÁRIO. PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. PRESUNÇÃO RELATIVA DE LEGITIMIDADE. REGISTRO NO MINISTÉRIO DA AGRICULTURA. LATICÍNIO. ROTULAGEM. REGULARIDADE COMPROVADA. 1. Os atos praticados pelo Executivo no exercício do poder de polícia, ainda que sejam discricionários, devem respeitar os princípios estatuídos na Constituição, explícitos e implícitos, tais como as máximas da proporcionalidade e da razoabilidade, elevadas à categoria de superprincípios pela doutrina pátria moderna e pelo Supremo Tribunal Federal. 2. A presunção de legitimidade dos atos administrativos é presunção relativa de veracidade, legalidade e adequação ao interesse público, passível de desconstituição caso haja prova em contrário. 3. Auto de infração baseado na comercialização de produto por empresa sem o devido registro no DIPOA/MA, bem como na falta de registro do rótulo respectivo no mesmo órgão, lavrado em data posterior à expedição do registro da nova razão social da empresa, quando se encontrava em situação regular. 4. Apelação e remessa oficial a que se nega provimento. (APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA - 199934000156517 - JUIZ FEDERAL MARK YSHIDA BRANDAO (CONV.) - DJ DATA: 25/01/2008 P. 316)
De um exame da petição inicial e dos documentos que a acompanham, em cotejo com a argumentação feita pela ré na sua contestação, entendeu-se impossível verificar ter sido exaustivamente demonstrado que o produto MANDELAY preenche todos os requisitos necessários ao registro, em razão de sua qualidade, pureza e inocuidade, na forma como propugnado pela autora, sem que fosse realizada perícia técnica para constatação de ser o medicamento Mandelay plenamente seguro e eficaz.
Realizada a perícia técnica, a ilustre Perita nomeada concluiu que "após a apreciação do Processo Consultado: 2003.61.00.026890-4 seguindo as exigências contidas no Despacho publicado no Diário Oficial de 11/03/2004, para constatação de ser o medicamento MANDELAY plenamente seguro e eficaz, e, após a realização de perícia técnica efetuada, nos termos deste LAUDO TÉCNICO, concluímos que o produto MANDELAY, fabricado por MAJESTIC DRUG COMPANY INC., New York, USA., atende aos Requisitos Essenciais de Segurança e Eficácia de Fármacos aplicáveis ao produto, estabelecidos pela Legislação pertinente as quais visam garantir a saúde humana".
E, mais adiante, ao afirmar, mais uma vez, que o medicamento atende aos Requisitos Essenciais de Segurança e Eficácia de Fórmulas aplicáveis ao produto, esclareceu que atende também aos da "Monografia Final publicada pela FDA que estabelece as condições sob as quais produtos e medicamentos para dessensibilização genital masculina (produtos para ejaculação precoce) para venda sem receita médica e para que sejam reconhecidos como seguros e eficientes."
Restou consignado, também, a regularidade do processo de fabricação e da política de controle de qualidade.
Ademais, afirmou, ainda, que "O exame dos documentos as fls.222/256 e 296/307, juntados pela autora, confirma que esta apresentou toda a documentação exigida para registro do produto MANDELAY pela ANVISA, conforme legislação vigente. Cada um destes documentos está identificados com a numeração constante do Manual de Procedimentos da ANVISA: de Docs. 01 até 09, e Docs.: A, B e C. Para análise pela ANVISA, todos esses documentos identifica-se com o nº do Processo Administrativo para Registro nº. 25351-036454/01-32".
Vale dizer, o laudo técnico elaborado pelo perito designado por este Juízo atesta que o medicamento MANDELAY atende a todos os requisitos essenciais de segurança e eficácia de fármacos aplicáveis ao produto, previstos no artigo 16, inciso II, da Lei nº 6.360/76.
Nesse particular, há que se destacar que o aludido artigo 16 da Lei nº 6.360/76, com a redação dada pela Lei nº 10.742/03, não estabelece, como requisito necessário à concessão do registro, a publicação, em revista de impacto, de trabalho científico fundamentado acerca do produto, conforme exigido pela CATEME.
Por tudo isso, resta extreme de dúvida que nada impede o registro, pela ré, do medicamento MANDELAY, conforme postulado pela autora.
Diante do exposto, julgo PROCEDENTE a ação, confirmando a tutela antecipada anteriormente deferida, para determinar que a ré adote as providencias cabíveis para o registro do produto MANDELAY.
Oficie-se ao (à) Exmo. (a) Senhor (a) Desembargador (a) Federal relator (a) do Agravo de Instrumento n. 2004.03.00.053774-6, dando-lhe ciência da presente decisão.
Condeno a União Federal ao reembolso das custas processuais e ao pagamento de honorários advocatícios, arbitrados, por força do disposto no art. 20, 3º e 4º, do Código de Processo Civil, em R$5.000,00 (cinco mil reais).
Oportunamente, subam os autos ao egrégio Tribunal Regional Federal da 3º Região para o reexame necessário.
P. R. I..”
O parecer do perito judicial deve ser acolhido, tendo em vista sua equidistância das partes e, consequentemente, sua imparcialidade na elaboração do laudo e, ainda, diante da conclusão de que ele observou as normas legais pertinentes ao caso concreto.
Nesse sentido, trago à colação os seguintes julgados, in verbis:
FGTS. EXPURGOS INFLACIONÁRIOS. EXECUÇÃO. CÁLCULOS. DIVERGÊNCIA ENTRE AS PARTES. CONTADORIA JUDICIAL. ÓRGÃO QUE GOZA DE FÉ PÚBLICA. PARECER CONTÁBIL. SALDO REMANESCENTE. RECURSO IMPROVIDO. I. A jurisprudência já se posicionou no sentido de que havendo divergência entre o exequente e a Caixa Econômica Federal - CEF, não há óbice para que os autos sejam remetidos ao contador judicial, que é um auxiliar do Juízo e que não está adstrito a qualquer das partes. Até mesmo porque o juiz não é um especialista em cálculos. II. Dessa forma, é perfeitamente possível que se determine a remessa dos autos ao Contador do Juízo, a fim de que, de acordo com o seu parecer, possa o julgador formar o seu convencimento. III. In casu, os autos foram remetidos por este Relator à Seção de Cálculos Judiciais, o que resultou na elaboração do parecer contábil. IV. Com efeito, ao apurar os cálculos elaborados pelas partes, o contador judicial conclui pela existência de saldo remanescente no valor de R$ 9.394,09 (nove mil trezentos e noventa e quatro reais e nove centavos) a título de diferenças devidas aos coautores e R$ 939,42 (novecentos e trinta e nove reais e quarenta e dois centavos) a título de honorários advocatícios, totalizando em R$ 10.333,51 (dez mil trezentos e trinta e três reais e cinquenta e um centavos). V. Assim sendo, em razão do atendimento aos parâmetros da coisa julgada e da clareza do laudo pericial, adoto os cálculos elaborados pela contadoria judicial, órgão que goza de fé pública. VI. Esta C. Corte assim já decidiu: "(...) Ressalte-se que a Contadoria Judicial é órgão que goza de fé pública, não havendo dúvida quanto à sua imparcialidade e eqüidistância das partes" (TRF3º, 2ª Turma, AC 2004.61.06.000436-3, Rel.Des. Fed.Cecília Mello, DJU 02. 05. 08, p.584). VII. Portanto, considerando que a CEF informou sua concordância com os cálculos efetuados, depositando, inclusive, os valores referentes às diferenças apontadas pelo auxiliar do juízo, deverá ser mantida a r. sentença proferida pelo juízo de primeiro grau. VIII. Apelação a que se nega provimento.
(AC 00392367020004036100, DESEMBARGADOR FEDERAL VALDECI DOS SANTOS, TRF3 - PRIMEIRA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:05/07/2017 ..FONTE_REPUBLICACAO:.)
PROCESSO CIVIL. FGTS. EXECUÇÃO. CORREÇÃO MONETÁRIA. PARECER ELABORADO PELA CONTADORIA JUDICIAL EM CONFORMIDADE COM A DECISÃO JUDICIAL. CÁLCULOS E CRÉDITOS DA CEF CORRETOS. IMPUGNAÇÃO INCONSISTENTE E GENÉRICA DOS CÁLCULOS DA CEF. RECURSO DESPROVIDO. 1. O laudo da Contadoria Judicial observou os preceitos do título executivo judicial ao analisar os cálculos apresentados pelas partes, motivo pelo qual deve ser mantido o parecer técnico do auxiliar do juízo, sobretudo porque, contrariamente ao sustentado pelos exequentes, o laudo concluiu que a CEF cumpriu o aresto exequendo. 2. O parecer do contador judicial deve ser acolhido, tendo em vista sua equidistância das partes e, consequentemente, sua imparcialidade na elaboração do laudo e, ainda, diante da presunção de que observou as normas legais pertinentes ao caso concreto. 3. Além disso, os apelantes cingiram-se a sustentar a existência de erro no crédito realizado pela CEF e nos cálculos, sem apresentar qualquer planilha de cálculo, deixando de apontar de forma precisa onde está o suposto erro material nos referidos créditos e cálculos. 4. Dessa forma, não tendo a parte credora se desincumbido do ônus de demonstrar as incorreções nas quais incidiu a devedora ao dar cumprimento à obrigação de fazer constante do título executivo judicial, deve ser mantida a sentença extintiva da execução, porquanto não se admite impugnação genérica. 5. Recurso de apelação desprovido.
(AC 02029662719954036104, DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO FONTES, TRF3 - QUINTA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:16/05/2017 ..FONTE_REPUBLICACAO:.)
Irreprochável, portanto, o r. decisum de origem, por resolver adequadamente toda a controvérsia, bem analisando toda a prova produzida e aplicando a legislação incidente à espécie.
Ante o exposto, nego provimento ao reexame necessário e à apelação.
Publique-se. Intimem-se."
Assim, não vislumbro qualquer vício a justificar a reforma da decisão ora agravada.
Diante do exposto, voto por negar provimento ao agravo interno interposto.
E M E N T A
CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. ANVISA. REGISTRO DE MEDICAMENTO. DIREITO À SAÚDE. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. LEI 6.360/76. APELAÇÃO PROVIDA. INVERSÃO DO ÔNUS DE SUBUMBÊNCIA.
O direito à saúde, tal qual previsto na Constituição, é garantido mediante políticas sociais e econômicas visando à redução dos riscos de doença e acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
As ações e serviços públicos de saúde integram rede regionalizada e hierarquizada, tendo como diretriz a participação da comunidade.
A Lei 8080/90 atribui ao órgão de vigilância sanitária competência de controle de bens de consumo que, direta ou indiretamente, estejam relacionadas à saúde, compreendidas todas as etapas e processos da produção ao consumo.
Incumbe à Anvisa, nos precisos termos da Lei 9782/99, regulamentar produtos e serviços envolvendo saúde pública.
A Lei 6.360/76, dentre outros temas, trata do registo de medicamentos.
Não compete ao Poder Judiciário sobrepor-se aos parâmetros técnicos da agência. Princípio de Reserva da Administração. Precedentes Adin 5.779 Tema 485 STF
O cuidado e segurança com os fármacos produzidos e postos à disposição da população é incumbência da agência reguladora, que realiza avaliação com base em metodologia científica, internacionalmente aceita.
Agravo interno acolhido para dar provimento à apelação e reformar a sentença, invertendo o ônus da sucumbência.