Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
3ª Turma

AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5014818-41.2023.4.03.0000

RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS DELGADO

AGRAVANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

AGRAVADO: INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVAVEIS

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
3ª Turma
 

AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5014818-41.2023.4.03.0000

RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS DELGADO

AGRAVANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

 

AGRAVADO: INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVAVEIS

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):

 

Trata-se de agravo interno (art. 1.021 do CPC) interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, contra decisão monocrática (ID 277636641), que, a teor do artigo 932, IV, b, do CPC, julgou extinta a ação civil pública subjacente, sem resolução de mérito, nos termos do artigo 485, inciso VI, do Código de Processo Civil e deu por prejudicada a análise do agravo de instrumento.

 

Em razões recursais (ID 279235216), o agravante alega a sua legitimidade para a propositura da ação civil pública.

 

Com contraminuta (ID 282598586).

 

É o relatório.

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
3ª Turma
 

AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5014818-41.2023.4.03.0000

RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS DELGADO

AGRAVANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

 

AGRAVADO: INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVAVEIS

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):

 

Trata-se de agravo interno, na forma prevista no artigo 1.021 do CPC, cujo propósito é submeter ao órgão colegiado o controle da extensão dos poderes do relator e, bem assim, a legalidade da decisão monocrática proferida.

 

A decisão monocrática recorrida, de minha lavra, foi proferida nos seguintes termos:

 

Trata-se de agravo de instrumento interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL contra decisão proferida, em sede em sede de ação civil pública ajuizada em face do INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVAVEIS - IBAMA, que indeferiu o pleito de liminar requerido para:

 

“requer seja o réu IBAMA proibido de cobrar todas as multas administrativas abertas já aplicadas a pessoas físicas com base na IN IBAMA 10/2012, sendo determinado o refazimento do cálculo de tais multas segundo o disciplinado pela IN Conjunta nº 02/2020”.

 

Alegou a necessidade do recálculo das multas segundo o novo regramento, em suma, porque “a dosimetria prevista na IN IBAMA 10/2012 para multas abertas aplicadas a pessoas físicas é totalmente desproporcional, irrazoável e violadora do princípio da igualdade, sendo flagrantemente inconstitucional, portanto, em situação violadora do princípio da legalidade. Tanto assim o é que foi revogada pelo próprio IBAMA, por meio da IN Conjunta 02/2020, que estabelece dosimetria específica e mais benéfica a pessoas físicas de baixa renda”.

 

Aduziu que “não pretende substituir o valor das multas aplicadas pelo IBAMA sob a égide da IN IBAMA 10/2012 de forma arbitrária, ou com invasão do mérito administrativo da autarquia, como considerou o juiz de primeiro grau. Tudo o que pede o MPF é que tais multas sejam recalculadas - pelo próprio IBAMA - utilizando-se de critérios constitucionais posteriormente estabelecidos - pelo próprio IBAMA. Não há qualquer violação à separação dos poderes no pedido para que o IBAMA deixe de considerar seus critérios inconstitucionais para o arbitramento de uma sanção - revogado pela própria autarquia - e simplesmente refaça o arbitramento através de seus recentes parâmetros, estabelecidos pela autarquia justamente por ter concluído que os anteriores eram totalmente inadequados”.

 

É o relatório. Decido.

 

Trata-se de agravo de instrumento interposto contra decisão que indeferiu pleito liminar formulado pelo Ministério Público Federal em ação civil pública visando à condenação do IBAMA no recálculo de, forma indiscriminada, do valor de multa aplicadas a pessoas físicas com base na Instrução Normativa IBAMA n.º 10/2012, para o fim de aplicar supostos critérios mais benéficos aos infratores ambientais previstos na Instrução Normativa IBAMA n.º 02/2020.

 

Contudo, antes de adentrar ao mérito da medida liminar pretendida, há que se avaliar a própria legitimidade do Ministério Público Federal, dada a natureza dos direitos envolvidos.

Conforme disciplinado no artigo 81, parágrafo único, do CDC, os interesses transindividuais se subdividem em: I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato; II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base; e, III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.

 

A Constituição atribui ao Ministério Público caráter de instituição permanente essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (artigo 127). Ainda, reputa ser sua função institucional zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias para sua garantia (artigo 129, II), bem como, promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos (inciso III).

 

A Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei n.º 8.625/93) reitera a incumbência do Ministério Público em promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção, prevenção e reparação dos danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, e a outros interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis e homogêneos (artigo 25, IV, a).

 

No mesmo sentido, o Estatuto do Ministério Público da União (Lei Complementar n.º 75/93) reafirma ser função institucional do órgão a defesa da ordem jurídica, do regime democrático, dos interesses sociais e dos interesses individuais indisponíveis (artigo 5º, I), bem como zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos da União e dos serviços de relevância pública quanto aos princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade e da publicidade (inciso V, a), cumprindo-lhe promover o inquérito civil e a ação civil pública para proteção de interesses individuais indisponíveis, homogêneos, sociais, difusos e coletivos (artigo 6º, VII, d).

 

Dado que não foi atribuído ao Ministério Público, em princípio, a defesa de direitos individuais disponíveis, questiona-se sua legitimidade ad causam.

 

Anoto que a legislação infraconstitucional conferiu, expressamente, a legitimidade ativa para defesa de direitos individuais homogêneos decorrentes das relações de consumo (artigo 82, I, do CDC), das relações no mercado de valores mobiliários danosas, ou potencialmente danosas, a titulares ou investidores (artigo 1º da Lei n.º 7.913/89) e nas relações do sistema financeiro para apuração de responsabilidade de ex-administrador pelos prejuízos causados em caso de intervenção e liquidação extrajudicial de instituição financeira (artigo 46, parágrafo único, da Lei n.º 6.024/74).

 

Revela-se, nas hipóteses tratadas em lei, que a legitimação do Ministério Público está relacionada, em visão macrossistêmica, a interesses de relevância social, como a proteção do mercado consumidor, do sistema financeiro e da ordem econômico-financeira.

 

Embora a expressão “interesses sociais” importe em categoria jurídica de conteúdo aberto, é possível identificar, ainda que genérica ou teoricamente, os principais contornos do conceito, a fim de, no caso concreto, verificar se tratar ou não de interesse social. Num primeiro momento é imperioso diferenciar interesse social de meros interesses individuais coletivamente aglutinados ou de interesses da Administração Pública (entendidos como aqueles limitados à esfera interna do ente público). Após, é imprescindível que esses interesses sociais sejam dotados de relevância, isto é, interesses cuja preservação e tutela sejam consagrados no ordenamento jurídico como importantes ou indispensáveis para garantir a consecução dos objetivos fundamentais do Estado.

 

O e. Supremo Tribunal Federal, didaticamente, no julgamento do Tema de Repercussão Geral n.º 471 (RE n.º 631.111), em que fixada tese quanto à legitimidade do Ministério Público para propor ação civil pública em defesa de interesses de beneficiários do DPVAT, assentou entendimento no sentido de que os direitos individuais disponíveis, ainda que homogêneos, estão, em princípio, excluídos do âmbito da tutela pelo Ministério Público; no entanto, há certos interesses individuais que, quando visualizados em seu conjunto, em forma coletiva e impessoal, têm a força de transcender a esfera de interesses puramente particulares, passando a representar, mais que a soma de interesses dos respectivos titulares, verdadeiros interesses da comunidade, de sorte que a lesão desses interesses individuais acaba não apenas atingindo a esfera jurídica dos titulares do direito individualmente considerados, mas também comprometendo bens, institutos ou valores jurídicos superiores, cuja preservação é cara a uma comunidade maior de pessoas; hipóteses nas quais a tutela jurisdicional desses direitos se reveste de interesse social qualificado, o que legitima a propositura da ação civil coletiva pelo Ministério Público limita à obtenção de provimento judicial genérico sobre o núcleo de homogeneidade dos respectivos direitos transindividuais. Segue a ementa do acórdão:

 

“CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL COLETIVA. DIREITOS TRANSINDIVIDUAIS (DIFUSOS E COLETIVOS) E DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. DISTINÇÕES. LEGITIMAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. ARTS. 127 E 129, III, DA CF. LESÃO A DIREITOS INDIVIDUAIS DE DIMENSÃO AMPLIADA. COMPROMETIMENTO DE INTERESSES SOCIAIS QUALIFICADOS. SEGURO DPVAT. AFIRMAÇÃO DA LEGITIMIDADE ATIVA. 1. Os direitos difusos e coletivos são transindividuais, indivisíveis e sem titular determinado, sendo, por isso mesmo, tutelados em juízo invariavelmente em regime de substituição processual, por iniciativa dos órgãos e entidades indicados pelo sistema normativo, entre os quais o Ministério Público, que tem, nessa legitimação ativa, uma de suas relevantes funções institucionais (CF art. 129, III). 2. Já os direitos individuais homogêneos pertencem à categoria dos direitos subjetivos, são divisíveis, tem titular determinado ou determinável e em geral são de natureza disponível. Sua tutela jurisdicional pode se dar (a) por iniciativa do próprio titular, em regime processual comum, ou (b) pelo procedimento especial da ação civil coletiva, em regime de substituição processual, por iniciativa de qualquer dos órgãos ou entidades para tanto legitimados pelo sistema normativo. 3. Segundo o procedimento estabelecido nos artigos 91 a 100 da Lei 8.078/90, aplicável subsidiariamente aos direitos individuais homogêneos de um modo geral, a tutela coletiva desses direitos se dá em duas distintas fases: uma, a da ação coletiva propriamente dita, destinada a obter sentença genérica a respeito dos elementos que compõem o núcleo de homogeneidade dos direitos tutelados (an debeatur, quid debeatur e quis debeat); e outra, caso procedente o pedido na primeira fase, a da ação de cumprimento da sentença genérica, destinada (a) a complementar a atividade cognitiva mediante juízo específico sobre as situações individuais de cada um dos lesados (= a margem de heterogeneidade dos direitos homogêneos, que compreende o cui debeatur e o quantum debeatur), bem como (b) a efetivar os correspondentes atos executórios. 4. O art. 127 da Constituição Federal atribui ao Ministério Público, entre outras, a incumbência de defender “interesses sociais”. Não se pode estabelecer sinonímia entre interesses sociais e interesses de entidades públicas, já que em relação a estes há vedação expressa de patrocínio pelos agentes ministeriais (CF, art. 129, IX). Também não se pode estabelecer sinonímia entre interesse social e interesse coletivo de particulares, ainda que decorrentes de lesão coletiva de direitos homogêneos. Direitos individuais disponíveis, ainda que homogêneos, estão, em princípio, excluídos do âmbito da tutela pelo Ministério Público (CF, art. 127). 5. No entanto, há certos interesses individuais que, quando visualizados em seu conjunto, em forma coletiva e impessoal, têm a força de transcender a esfera de interesses puramente particulares, passando a representar, mais que a soma de interesses dos respectivos titulares, verdadeiros interesses da comunidade. Nessa perspectiva, a lesão desses interesses individuais acaba não apenas atingindo a esfera jurídica dos titulares do direito individualmente considerados, mas também comprometendo bens, institutos ou valores jurídicos superiores, cuja preservação é cara a uma comunidade maior de pessoas. Em casos tais, a tutela jurisdicional desses direitos se reveste de interesse social qualificado, o que legitima a propositura da ação pelo Ministério Público com base no art. 127 da Constituição Federal. Mesmo nessa hipótese, todavia, a legitimação ativa do Ministério Público se limita à ação civil coletiva destinada a obter sentença genérica sobre o núcleo de homogeneidade dos direitos individuais homogêneos. 6. Cumpre ao Ministério Público, no exercício de suas funções institucionais, identificar situações em que a ofensa a direitos individuais homogêneos compromete também interesses sociais qualificados, sem prejuízo do posterior controle jurisdicional a respeito. Cabe ao Judiciário, com efeito, a palavra final sobre a adequada legitimação para a causa, sendo que, por se tratar de matéria de ordem pública, dela pode o juiz conhecer até mesmo de ofício (CPC, art. 267, VI e § 3.º, e art. 301, VIII e § 4.º). 7. Considerada a natureza e a finalidade do seguro obrigatório DPVAT – Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Via Terrestre (Lei 6.194/74, alterada pela Lei 8.441/92, Lei 11.482/07 e Lei 11.945/09) -, há interesse social qualificado na tutela coletiva dos direitos individuais homogêneos dos seus titulares, alegadamente lesados de forma semelhante pela Seguradora no pagamento das correspondentes indenizações. A hipótese guarda semelhança com outros direitos individuais homogêneos em relação aos quais - e não obstante sua natureza de direitos divisíveis, disponíveis e com titular determinado ou determinável -, o Supremo Tribunal Federal considerou que sua tutela se revestia de interesse social qualificado, autorizando, por isso mesmo, a iniciativa do Ministério Público de, com base no art. 127 da Constituição, defendê-los em juízo mediante ação coletiva (RE 163.231/SP, AI 637.853 AgR/SP, AI 606.235 AgR/DF, RE 475.010 AgR/RS, RE 328.910 AgR/SP e RE 514.023 AgR/RJ). 8. Recurso extraordinário a que se dá provimento.” (STF, Pleno, RE 631111, relator Ministro Teori Zavascki, j. 07.08.2014)

 

Nessa ótica, não reconheço interesse social qualificado, de especial relevância, na defesa dos direitos individuais homogêneos aqui tratados.

 

A presente ação de natureza coletiva trata de interesses individuais homogêneos, pois decorrem de origem comum, de natureza divisível, cuja titularidade é atribuível a indivíduos juridicamente certos, isto é, decorrem, em comum, da forma de fixação das multas efetivamente aplicadas, num determinado espaço de tempo, a pessoas físicas por prática de infração ambiental, as quais levam em conta fatores específicos para cada infração in concreto.

 

Não apenas se trata de interesses individuais homogêneos, como também de natureza disponível, haja vista que a eventual revaloração da multa aplicada ao infrator ambiental não se insere entre os consabidos direitos indisponíveis.

 

Ressalta-se que embora tenha buscado justificar sua atuação “pois a autarquia federal estabeleceu uma política ambiental inconstitucional que fere o princípio da dignidade humana e direitos da personalidade, agredindo especificamente pessoas hipossuficientes” (ID 70107716, p. 3, dos autos originários), o pleito formulado na presente ação civil pública se deu de forma indistinta, com relação a quaisquer pessoas físicas, hipossuficientes ou não, de sorte que o IBAMA seja “proibido de cobrar todas as multas administrativas abertas já aplicadas a pessoas físicas com base na IN IBAMA 10/2012” (g.n.).

 

Tampouco se mostra efetiva distinção de relevância para a sociedade como um todo, ao se justificar que “o que se defende com a presente ação, portanto, não são meros direitos patrimoniais disponíveis dos autuados, mas sim seus direitos fundamentais, relativos à igualdade e à dignidade da pessoa humana, e nesse sentido são patentes a legitimidade do Ministério Público Federal e o acerto da via processual escolhida, a ação civil pública, para a defesa de tais direitos” (ID 70107716, p. 4), isto porque o eventual excesso sancionatório a algumas pessoas físicas – infratoras ambientais específicas e determináveis – poderia ser revisto, administrativa ou judicialmente, bastando que tais pessoas físicas assim se manifestassem no procedimento administrativo ou em ação judicial individual.

 

Ao contrário, tenho que a atuação do MPF no caso concreto vai de encontro a uma de sua função institucionais mais relevantes e expressamente previstas na Carta, qual seja, a proteção do meio ambiente, na exata medida em que postula, ultimamente, a aplicação de norma jurídica posterior, mais benéfica, em favor de infratores ambientais pessoas físicas, de forma indistinta.

 

Não é demais lembrar que a suposta norma abusiva da autarquia vigeu por quase dez anos sem qualquer oposição do órgão ministerial, na defesa, aí sim, de interesses difusos relativos à coletividade indivisível de pessoas sujeitas a eventuais sanções ambientais.

 

A pretensão de legitimação extraordinária - ou autônoma, prevista no direito alemão, como preferem alguns - para defesa de interesses individuais homogêneos de um número certo e determinado de pessoas físicas às quais foram aplicadas multas por infração ambiental em um determinado espaço de tempo, em que vigente a IN BAMA n.º 10/2012, traz similitude com a pretensão de natureza tributária deduzida em defesa de contribuintes, visando questionar a constitucionalidade ou legalidade de tributo, à qual o e. STF reconheceu a ausência de legitimidade do Ministério Público (Tema de Repercussão Geral n.º 645).

 

Portanto, reputo induvidosa a ilegitimidade processual e, consequentemente, recursal do agravante.

 

Sacramentada a inviabilidade da ação civil pública, dada a ilegitimidade ativa, de rigor sua extinção, sem resolução de mérito, nos termos do art. 485, IV e VI, do Código de Processo Civil. 

 

E assim decido, considerado o efeito translativo do recurso, a autorizar o conhecimento, inclusive de ofício, de questão de ordem pública, mesmo em sede de agravo de instrumento. 

 

No ponto, confira-se precedente do c. Superior Tribunal de Justiça: 

 

“PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973. APLICABILIDADE. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC. INOCORRÊNCIA. AGRAVO DE INSTRUMENTO. EFEITO TRANSLATIVO DOS RECURSOS. POSSIBILIDADE. TOMBAMENTO. AFETAÇÃO DO BEM AO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E CULTURAL. PROVISÓRIO. MEDIDA ACAUTELATÓRIA. PRECÁRIA. DEFINITIVO. CONCLUSÃO DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. INSCRIÇÃO NO LIVRO DO TOMBO. RELAÇÃO DE PREJUDICIALIDADE. INTERESSE DE AGIR. AUSÊNCIA. RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO. 

(...) 

III – É possível a aplicação, pelo Tribunal, do efeito translativo dos recursos em sede de agravo de instrumento, extinguindo diretamente a ação independentemente de pedido, se verificar a ocorrência de uma das causas referidas no art. 267, § 3º, do Código de Processo Civil de 1973, atual art. 485, § 3º, do Código de Processo Civil de 2015. 

(...) 

VIII – Recurso Especial improvido”. 

(STJ, REsp nº 1.584.614/CE, Rel. Min. Regina Helena Costa, 1ª Turma, DJe 07/11/2018). 

 

Ante o exposto, a teor do artigo 932, IV, b, do CPC, julgo extinta a ação civil pública subjacente, sem resolução de mérito, nos termos do artigo 485, inciso VI, do Código de Processo Civil e dou por prejudicada a análise do presente agravo de instrumento

 

 Sem condenação em honorários advocatícios, na forma do artigo 18 da Lei n.º 7.347/1985.” 

 

Não demonstrado qualquer equívoco, abuso ou ilegalidade na decisão recorrida, de rigor sua manutenção.

 

Ante o exposto, nego provimento ao agravo interno.

 

É como voto.



E M E N T A

 

AGRAVO INTERNO. CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. NATUREZA DISPONÍVEL. AUSÊNCIA DE RELEVÂNCIA SOCIAL. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. ILEGITIMIDADE PROCESSUAL ATIVA. EXTINÇÃO DO PROCESSO SUBJACENTE SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. EFEITO TRANSLATIVO RECURSAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO PREJUDICADO. RECURSO DESPROVIDO.

1. Conforme disciplinado no artigo 81, parágrafo único, do CDC, os interesses transindividuais se subdividem em: I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato; II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base; e, III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.

2. A Constituição atribui ao Ministério Público caráter de instituição permanente essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (artigo 127). Ainda, reputa ser sua função institucional zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias para sua garantia (artigo 129, II), bem como, promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos (inciso III).

3.  A Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei n.º 8.625/93) reitera a incumbência do Ministério Público em promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção, prevenção e reparação dos danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, e a outros interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis e homogêneos (artigo 25, IV, a). No mesmo sentido, o Estatuto do Ministério Público da União (Lei Complementar n.º 75/93) reafirma ser função institucional do órgão a defesa da ordem jurídica, do regime democrático, dos interesses sociais e dos interesses individuais indisponíveis (artigo 5º, I), bem como zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos da União e dos serviços de relevância pública quanto aos princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade e da publicidade (inciso V, a), cumprindo-lhe promover o inquérito civil e a ação civil pública para proteção de interesses individuais indisponíveis, homogêneos, sociais, difusos e coletivos (artigo 6º, VII, d).

4. Dado que não foi atribuído ao Ministério Público, em princípio, a defesa de direitos individuais disponíveis, questiona-se sua legitimidade ad causam.

5. A legislação infraconstitucional conferiu, expressamente, a legitimidade ativa para defesa de direitos individuais homogêneos decorrentes das relações de consumo (artigo 82, I, do CDC), das relações no mercado de valores mobiliários danosas, ou potencialmente danosas, a titulares ou investidores (artigo 1º da Lei n.º 7.913/89) e nas relações do sistema financeiro para apuração de responsabilidade de ex-administrador pelos prejuízos causados em caso de intervenção e liquidação extrajudicial de instituição financeira (artigo 46, parágrafo único, da Lei n.º 6.024/74). Revela-se, nas hipóteses tratadas em lei, que a legitimação do Ministério Público está relacionada, em visão macrossistêmica, a interesses de relevância social, como a proteção do mercado consumidor, do sistema financeiro e da ordem econômico-financeira.

6. Embora a expressão “interesses sociais” importe em categoria jurídica de conteúdo aberto, é possível identificar, ainda que genérica ou teoricamente, os principais contornos do conceito, a fim de, no caso concreto, verificar se tratar ou não de interesse social. Num primeiro momento é imperioso diferenciar interesse social de meros interesses individuais coletivamente aglutinados ou de interesses da Administração Pública (entendidos como aqueles limitados à esfera interna do ente público). Após, é imprescindível que esses interesses sociais sejam dotados de relevância, isto é, interesses cuja preservação e tutela sejam consagrados no ordenamento jurídico como importantes ou indispensáveis para garantir a consecução dos objetivos fundamentais do Estado.

7. O e. Supremo Tribunal Federal, didaticamente, no julgamento do Tema de Repercussão Geral n.º 471 (RE n.º 631.111), em que fixada tese quanto à legitimidade do Ministério Público para propor ação civil pública em defesa de interesses de beneficiários do DPVAT, assentou entendimento no sentido de que os direitos individuais disponíveis, ainda que homogêneos, estão, em princípio, excluídos do âmbito da tutela pelo Ministério Público; no entanto, há certos interesses individuais que, quando visualizados em seu conjunto, em forma coletiva e impessoal, têm a força de transcender a esfera de interesses puramente particulares, passando a representar, mais que a soma de interesses dos respectivos titulares, verdadeiros interesses da comunidade, de sorte que a lesão desses interesses individuais acaba não apenas atingindo a esfera jurídica dos titulares do direito individualmente considerados, mas também comprometendo bens, institutos ou valores jurídicos superiores, cuja preservação é cara a uma comunidade maior de pessoas; hipóteses nas quais a tutela jurisdicional desses direitos se reveste de interesse social qualificado, o que legitima a propositura da ação civil coletiva pelo Ministério Público limita à obtenção de provimento judicial genérico sobre o núcleo de homogeneidade dos respectivos direitos transindividuais.

8. Nessa ótica, não se reconhece interesse social qualificado, de especial relevância, na defesa dos direitos individuais homogêneos aqui tratados.

9. No caso concreto, trata-se de ação civil pública ajuizada pelo MPF visando à condenação do IBAMA no recálculo, de forma indiscriminada, do valor de multas aplicadas a pessoas físicas com base na Instrução Normativa IBAMA n.º 10/2012, para o fim de aplicar supostos critérios mais benéficos aos infratores ambientais previstos na Instrução Normativa IBAMA n.º 02/2020

10. Trata-se de interesses individuais homogêneos, pois decorrem de origem comum, de natureza divisível, cuja titularidade é atribuível a indivíduos juridicamente certos, isto é, decorrem, em comum, da forma de fixação das multas efetivamente aplicadas, num determinado espaço de tempo, a pessoas físicas por prática de infração ambiental, as quais levam em conta fatores específicos para cada infração in concreto. Não apenas se trata de interesses individuais homogêneos, como também de natureza disponível, haja vista que a eventual revaloração da multa aplicada ao infrator ambiental não se insere entre os consabidos direitos indisponíveis.

11. Ressalta-se que embora o MPF tenha buscado justificar sua atuação, o pleito formulado na presente ação civil pública se deu de forma indistinta, com relação a quaisquer pessoas físicas, hipossuficientes ou não. Tampouco se mostra efetiva distinção de relevância para a sociedade como um todo, isto porque o eventual excesso sancionatório a algumas pessoas físicas – infratoras ambientais específicas e determináveis – poderia ser revisto, administrativa ou judicialmente, bastando que tais pessoas físicas assim se manifestassem no procedimento administrativo ou em ação judicial individual.

12. A atuação do MPF no caso concreto vai de encontro a uma de suas funções institucionais mais relevantes e expressamente previstas na Carta, qual seja, a proteção do meio ambiente, na exata medida em que postula, ultimamente, a aplicação de norma jurídica posterior, mais benéfica, em favor de infratores ambientais pessoas físicas, de forma indistinta.

13. Não é demais lembrar que a suposta norma abusiva da autarquia vigeu por quase dez anos sem qualquer oposição do órgão ministerial, na defesa, aí sim, de interesses difusos relativos à coletividade indivisível de pessoas sujeitas a eventuais sanções ambientais.

14. A pretensão de legitimação extraordinária - ou autônoma, prevista no direito alemão, como preferem alguns - para defesa de interesses individuais homogêneos de um número certo e determinado de pessoas físicas às quais foram aplicadas multas por infração ambiental em um determinado espaço de tempo, em que vigente a IN BAMA n.º 10/2012, traz similitude com a pretensão de natureza tributária deduzida em defesa de contribuintes, visando questionar a constitucionalidade ou legalidade de tributo, à qual o e. STF reconheceu a ausência de legitimidade do Ministério Público (Tema de Repercussão Geral n.º 645).

15. Portanto, induvidosa a ilegitimidade processual e, consequentemente, recursal do agravante.

16. Sacramentada a inviabilidade da ação civil pública, dada a ilegitimidade ativa, de rigor sua extinção, sem resolução de mérito, nos termos do art. 485, IV e VI, do Código de Processo Civil. 

17. Incidência do efeito translativo do recurso, a autorizar o conhecimento, inclusive de ofício, de questão de ordem pública, mesmo em sede de agravo de instrumento. Precedentes.

18. Não demonstrado qualquer equívoco, abuso ou ilegalidade na decisão recorrida, de rigor sua manutenção.

19. Agravo interno desprovido.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Terceira Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo interno, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.