RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (426) Nº 5008580-58.2021.4.03.6181
RELATOR: Gab. 43 - DES. FED. ALI MAZLOUM
RECORRENTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
RECORRIDO: AUDIR SANTOS MACIEL, HARRY SHIBATA
Advogados do(a) RECORRIDO: JOSE ANTONIO IVO DEL VECCHIO GALLI - SP35479-A, MILTON GUILHERME ROSSI MENDONCA - SP267931-A
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RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (426) Nº 5008580-58.2021.4.03.6181 RELATOR: Gab. 43 - DES. FED. ALI MAZLOUM RECORRENTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP RECORRIDO: AUDIR SANTOS MACIEL, HARRY SHIBATA Advogados do(a) RECORRIDO: JOSE ANTONIO IVO DEL VECCHIO GALLI - SP35479-A, MILTON GUILHERME ROSSI MENDONCA - SP267931-A ORIGEM: 1ª VARA FEDEDERAL CRIMINAL DE SÃO PAULO/SP R E L A T Ó R I O Trata-se de recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público Federal (MPF) contra decisão do Juízo da 1ª Vara Federal Criminal de São Paulo (ID 269613580), que, por entender que os fatos foram anistiados, com fundamento nos incisos II e III do artigo 395 do CPP, c.c. o art. 1º, e §1º, da Lei n. 6.683/79, § 1º do art. 4º da EC 26/85, e ainda, o § 3º do art. 10 da Lei n. 9.882/99, e a ADPF n° 153 - STF, rejeitou a denúncia oferecida pelo MPF contra AUDIR SANTOS MACIEL e HARRY SHIBATA, pela prática, em tese, do crime de homicídio (art. 121, §2º, inc. I, III e IV, c/c os arts. 29 e 13, §2º, todos do Código Penal) de José Maximimino de Andrade Neto no ano de 1975, ocorrido nas dependências do DOI-CODI, em São Paulo. Em razões recursais (ID 269613584), o Ministério Público Federal requereu a reforma da decisão que rejeitou a denúncia por entender não cabível a aplicação da anistia no presente caso e, por conseguinte, pugnou pelo recebimento da peça acusatória. São estes os fundamentos do pedido: (a) configuração de crime contra a humanidade ou delito de lesa-humanidade, em contexto de sistemático e generalizado ataques cometidos por agentes da ditadura militar contra parcela da população brasileira, não se aplicando ao caso o critério “quantitativo”, relacionado ao número de mortos e desaparecidos, conforme fundamentou a decisão recorrida; (b) não incidência da Lei de Anistia em relação aos recorridos no caso concreto, uma vez que os crimes cometidos por agentes da repressão ditatorial brasileira já eram, no início da execução delitiva, qualificados como crimes contra a humanidade, razão pela qual devem incidir sobre eles as consequências jurídicas decorrentes da subsunção às normas cogentes de direito internacional, inclusive a insuscetibilidade de concessão de anistia e a imprescritibilidade, não havendo que se falar em retroatividade das disposições de Direito Internacional; (c) as decisões da Corte Interamericana possuem efeito vinculante e são compatíveis com o conteúdo do acórdão proferido pelo E. Supremo Tribunal Federal nos autos da ADPF n.º 153. Desde logo, prequestionou, o MPF, a violação de vigência aos seguintes dispositivos: a) artigos 1.1, 2 e 68.1, todos da Convenção Interamericana, b) artigo 1º, inciso III; artigo 3º, inciso I; artigo 4º, incs. I e II, artigo 5º, §§ 1º, 2º e 3º, da Constituição da República e o artigo 7º da ADCT; c) art. 27 da Convenção de Viena, incorporada pelo Decreto n. 7.030, de 14 de dezembro de 2009. As defesas apresentaram contrarrazões (ID 269613610 e 269613614). A Procuradoria Regional da República manifestou-se pelo conhecimento e provimento do recurso em sentido estrito para que os autos retornem à instância inferior para, recebida a denúncia, dar continuidade à instrução processual até final prolação de sentença (ID 271788685). É o relatório. Dispensada a revisão, a teor dos artigos 34 e 236, “caput”, do Regimento Interno desta Corte Regional.
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (426) Nº 5008580-58.2021.4.03.6181 RELATOR: Gab. 43 - DES. FED. ALI MAZLOUM RECORRENTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP RECORRIDO: AUDIR SANTOS MACIEL, HARRY SHIBATA Advogados do(a) RECORRIDO: JOSE ANTONIO IVO DEL VECCHIO GALLI - SP35479-A, MILTON GUILHERME ROSSI MENDONCA - SP267931-A ORIGEM: 1ª VARA FEDEDERAL CRIMINAL DE SÃO PAULO/SP V O T O O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ALI MAZLOUM: Consta dos autos, que AUDIR SANTOS MACIEL e HARRY SHIBATA foram denunciados pela prática do delito do artigo 121, §2º, inc. I, III e IV, c.c. artigos 29 e 13, parágrafo 2º do CP do Código Penal. Nos termos da inicial acusatória (ID 269613332), no dia 18 de agosto de 1975, às 15h15, no Hospital CliniCor em Campinas/SP1, JOSÉ MAXIMINO DE ANDRADE NETTO (“JOSÉ MAXIMINO”) morreu em decorrência de infarto do miocárdio, causado em razão de longas sessões de torturas sofridas dias antes, na sede do Destacamento de Operações de Informações do II Exército em São Paulo/SP, por agentes da repressão não identificados, integrantes das Equipes de Interrogatório “A”, “B” e “C”2, sob ordem do comandante do DOI-CODI/SP, AUDIR SANTOS MACIEL (mandante), e sob a supervisão médica do denunciado HARRY SHIBATA. De acordo com a denúncia, o homicídio de JOSÉ MAXIMINO perpetrado pelos denunciados foi cometido: (i)por motivo torpe, consistente na busca pela preservação do poder usurpado em 1964, mediante violência e uso do aparato estatal para reprimir e eliminar opositores do regime e garantir a impunidade dos autores de homicídios, torturas, sequestros e ocultações de cadáver, (ii) com o emprego de tortura, consistente na inflição intencional de sofrimentos físicos e mentais agudos contra JOSÉ MAXIMINO, com o fim de intimidá-lo e dele obter informações com relação a outros membros do Partido Comunista e (iii) mediante recurso que tornou impossível a defesa do ofendido, vez que a vítima, torturada, encontrava-se debilitada, restando impossibilitada de se defender. Narra a denúncia que a conduta imputada foi cometida no contexto de um ataque sistemático e generalizado à população civil, consistente na organização e operação centralizada de um sistema semiclandestino de repressão política, baseado em ameaças, invasões de domicílio, sequestro, tortura, morte e desaparecimento dos inimigos do regime. Relata a exordial acusatória, ainda, que os denunciados tinham pleno conhecimento da natureza desse ataque, e associaram-se com outros agentes para cometê-lo, participando da execução das ações, sendo que o ataque era particularmente dirigido contra os opositores do regime, matando oficialmente 219 pessoas, dentre elas a vítima JOSÉ MAXIMINO DE ANDRADE NETTO, e desaparecendo com outras 152 pessoas. Acerca da dinâmica dos fatos, descreve a denúncia que, na noite do dia 07 de agosto de 1975, agentes do Estado não identificados, a mando de AUDIR DOS SANTOS MACIEL, invadiram a casa da vítima localizada na cidade de Campinas/SP e a levaram para o DOI de São Paulo, onde foi torturado por sete dias. Tal ação estatal fazia parte da “OPERAÇÃO RADAR”, que objetivava dizimar os integrantes do Partido Comunista Brasileiro (PCB). As sessões de tortura, segundo a denúncia, foram supervisionadas por HARRY SHIBATA, responsável por aferir se a vítima aguentaria mais sessões. A inicial relata, ademais, que, após piora no seu estado de saúde, a vítima foi abandonada em frente a sua residência, a mando de HARRY SHIBATA, para que morresse longe do destacamento. Em seguida, com a ajuda de familiares, a vítima foi levada ao Hospital CliniCor, onde faleceu algumas horas após ser internada, em razão de um infarto no miocárdio. A denúncia foi rejeitada pela Juízo da 1ª Vara Federal Criminal de São Paulo/SP, por entender que os fatos nela narrados foram anistiados, com fundamento nos incisos II e III do art. 395 do CPP c.c. o art. 1º, e §1º, da Lei n. 6.683/79, § 1º do art. 4º da EC n. 26/85, e, ainda, o § 3º do art. 10 da Lei n. 9.882/99, considerando a decisão da ADPF n° 153 do STF, (ID 269613580). Inconformado, o Ministério Público Federal interpôs recurso em sentido estrito, pugnando pela reforma da decisão recorrida e recebimento da inicial acusatória ofertada em desfavor de AUDIR SANTOS MACIEL e HARRY SHIBATA, bem como o regular prosseguimento da ação penal. Observo, inicialmente, que não houve o juízo de retratação previsto para o recurso em sentido estrito por parte do Juízo de primeiro grau (ID 269613585). Contudo, trata-se de mera irregularidade, conforme tem decidido o eg. STJ: HABEAS CORPUS. IMPETRAÇÃO EM SUBSTITUIÇÃO AO RECURSO CABÍVEL. UTILIZAÇÃO INDEVIDA DO REMÉDIO CONSTITUCIONAL. VIOLAÇÃO AO SISTEMA RECURSAL. NÃO CONHECIMENTO. Assim, o recurso deve ser conhecido. Passo à análise do mérito recursal. O MM. Juízo de origem, ao rejeitar a denúncia, fundamentou, em síntese, que: (a) a Lei nº 6.683/79, julgada constitucional pelo E. Supremo Tribunal Federal, teria concedido a anistia aos denunciados, extinguindo a punibilidade; (b) descaberia cogitar a aplicação retroativa das disposições e diretivas de direito internacional que pretendam invalidar a aplicação da Lei da Anistia, em respeito ao princípio da segurança jurídica e seus consectários; (c) os crimes cometidos por agentes do regime militar não teriam caráter de ataque sistemático e generalizado à população em razão do pequeno número de vítimas, se comparados, por exemplo, aos genocídios ocorridos em Ruanda, no ano de 1994, na Armênia, no início do século passado; e (d) qualquer decisão que afaste a incidência da Lei da Anistia para persecução penal de supostos crimes políticos ou a eles conexos, afronta o decidido pela Suprema Corte na ADPF nº 153, em decisão proferida liminarmente e com efeito vinculante, entendendo que a Lei de Anistia foi recepcionada pelo ordenamento constitucional e encontra-se plena em eficácia e validade (id. 269613580). A questão controvertida refere-se à aplicabilidade da Lei da Anistia a delitos praticados durante o período da ditadura militar (02.01.1964 a 15.08.1979), como o homicídio descrito na denúncia. É certo que a anistia se caracteriza pelo esquecimento jurídico do ilícito, tendo como objeto fatos (e não pessoas) definidos como crime, em regra, políticos, militares ou eleitorais e independe da aceitação do anistiado e, uma vez concedida, é insuscetível de revogação. É forma de extinção da punibilidade, que pode ser concedida antes ou depois da condenação. Na hipótese de sentença condenatória, extingue todos os efeitos penais da condenação e o próprio crime, permanecendo, entretanto, eventuais obrigações de natureza cível, como a obrigação de indenizar. Sobre o tema, a Lei nº 6.683/79 concedeu anistia aos crimes políticos e conexos praticados durante o período da ditadura militar: “Art. 1º É concedida anistia a todos quantos, no período compreendido entre 02 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexo com estes, crimes eleitorais, aos que tiveram seus direitos políticos suspensos e aos servidores da Administração Direta e Indireta, de fundações vinculadas ao poder público, aos Servidores dos Poderes Legislativo e Judiciário, aos Militares e aos dirigentes e representantes sindicais, punidos com fundamento em Atos Institucionais e Complementares. § 1º - Consideram-se conexos, para efeito deste artigo, os crimes de qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política. § 2º - Excetuam-se dos benefícios da anistia os que foram condenados pela prática de crimes de terrorismo, assalto, sequestro e atentado pessoal. § 3º - Terá direito à reversão ao Serviço Público a esposa do militar demitido por Ato Institucional, que foi obrigada a pedir exoneração do respectivo cargo, para poder habilitar-se ao montepio militar, obedecidas as exigências do art. 3º.” Destaque-se que a Lei da Anistia foi expressamente reafirmada no ato convocatório da Assembleia Nacional Constituinte, que resultou na promulgação da Constituição Federal de 1988, nos termos da Emenda Constitucional nº 26, de 27/11/1985: “Art. 1º Os Membros da Câmara dos Deputados e do Senado Federal reunir-se-ão, unicameralmente, em Assembleia Nacional Constituinte, livre e soberana, no dia 1º de fevereiro de 1987, na sede do Congresso Nacional. Art. 2º O Presidente do Supremo Tribunal Federal instalará a Assembleia Nacional Constituinte e dirigirá a sessão de eleição do seu Presidente. Art. 3º A Constituição será promulgada depois da aprovação de seu texto, em dois turnos de discussão e votação, pela maioria absoluta dos Membros da Assembleia Nacional Constituinte. Art. 4º É concedida anistia a todos os servidores públicos civis da Administração direta e indireta e militares, punidos por atos de exceção, institucionais ou complementares. § 1º É concedida, igualmente, anistia aos autores de crimes políticos ou conexos, e aos dirigentes e representantes de organizações sindicais e estudantis, bem como aos servidores civis ou empregados que hajam sido demitidos ou dispensados por motivação exclusivamente política, com base em outros diplomas legais. § 2º A anistia abrange os que foram punidos ou processados pelos atos imputáveis previstos no "caput" deste artigo, praticados no período compreendido entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979. § 3º Aos servidores civis e militares serão concedidas as promoções, na aposentadoria ou na reserva, ao cargo, posto ou graduação a que teriam direito se estivessem em serviço ativo, obedecidos os prazos de permanência em atividade, previstos nas leis e regulamentos vigentes. § 4º A Administração Pública, à sua exclusiva iniciativa, competência e critério, poderá readmitir ou reverter ao serviço ativo o servidor público anistiado. § 5º O disposto no "caput" deste artigo somente gera efeitos financeiros a partir da promulgação da presente Emenda, vedada a remuneração de qualquer espécie, em caráter retroativo. § 6º Excluem-se das presentes disposições os servidores civis ou militares que já se encontravam aposentados, na reserva ou reformados, quando atingidos pelas medidas constantes do "caput" deste artigo. § 7º Os dependentes dos servidores civis e militares abrangidos pelas disposições deste artigo já falecidos farão jus ás vantagens pecuniárias da pensão correspondente ao cargo, função, emprego, posto ou graduação que teria sido assegurado a cada beneficiário da anistia, até a data de sua morte, observada a legislação específica. § 8º A Administração Pública aplicará as disposições deste artigo, respeitadas as características e peculiaridades próprias das carreiras dos servidores públicos civis e militares, e observados os respectivos regimes jurídicos.” Além disso, o colendo Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADPF nº 153/DF, de relatoria do Exmo. Ministro Eros Grau, decidiu que a Lei de Anistia é compatível com a Constituição Federal de 1988 e que a anistia por ela concedida foi ampla e geral, alcançando os crimes de qualquer natureza praticados pelos agentes da repressão no período do regime militar (02.01.1964 a 15.08.1979). E o Pretório Excelso reafirmou, também, a autoridade da decisão proferida na ADPF º 153 ao deferir liminares nas Reclamações nº 18.686/RJ (Rel. Min. Teori Zavascki) e 19.760/SP (Rel. Min. Rosa Weber), suspendendo as ações penais que tramitavam no primeiro grau de jurisdição. Do mesmo modo, outras ações propostas pelo Ministério Público Federal com idêntica causa de pedir não foram acolhidas pelas Turmas Criminais deste Tribunal Regional, inclusive em feito julgado no âmbito da Quarta Seção- TRF3 (EIfNu 0004823-25.2013.4.03.6181, Quarta Seção – TRF3, Rel. Des. Federal José Lunardelli, j. 21.03.2019, e-DJF3 Judicial 1 01.04.2019; RSE 0001147-74.2010.4.03.6181, Décima Primeira Turma, Rel. Des. Federal José Lunardelli, j. 05.02.2019; RSE 0016351-22.2014.4.03.6181, Quinta Turma, Rel. Des. Federal Mauricio Kato, j. 07.08.2017, e-DJF3 Judicial 1 18.08.2017). Assim, o tema da anistia para os crimes políticos ou conexos com estes cometidos no período de 02/01/1964 a 15/08/1979, concedida pela Lei n.º 6.683/79, já foi amplamente discutido no âmbito do STF, na citada ADPF n.º 153, que tem eficácia contra todos e efeito vinculante relativamente aos demais órgãos do Poder Público, nos termos do art. 10, § 3°, da Lei n.º 9.982, de 3/12/1999. Registro que julgado da Corte Interamericana de Direitos Humanos acerca de crimes permanentes em tese cometidos por agentes da repressão no Brasil, no período da ditadura militar, não poderia se sobrepor a uma disposição legal que retira o caráter criminoso dos fatos e que foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal como integralmente recepcionada pela atual ordem constitucional brasileira. Nesse sentido, inclusive, o STF fez constar do julgado de referência (ADPF 153, julgada em 29/04/2010) que "A Lei n. 6.683/79 precede a Convenção das Nações Unidas contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes --- adotada pela Assembleia Geral em 10 de dezembro de 1984, vigorando desde 26 de junho de 1987 --- e a Lei n. 9.455, de 7 de abril de 1997, que define o crime de tortura; e o preceito veiculado pelo artigo 5º, XLIII da Constituição --- que declara insuscetíveis de graça e anistia a prática da tortura, entre outros crimes --- não alcança, por impossibilidade lógica, anistias anteriormente a sua vigência consumadas. A Constituição não afeta leis-medida que a tenham precedido." (tópico 6 da ementa). Desse modo, se o aludido critério temporal foi utilizado para explicar a não incidência da referida Convenção das Nações Unidas ao caso da Lei de Anistia, exatamente o mesmo fundamento pode ser extraído em relação ao Pacto de São José da Costa Rica, ao qual o Brasil aderiu já na vigência da atual ordem constitucional, mais precisamente no ano de 1992 (Decreto 678/92), bem como no tocante à Convenção de Viena, incorporada no Brasil pelo Decreto n. 7.030, de 14 de dezembro de 2009. O Ministério Público Federal alega, ainda, que o delito descrito na denúncia tratar-se-ia de crime lesa-humanidade, o que deveria gerar o reconhecimento de sua imprescritibilidade, em observância a diplomas internacionais com força de jus cogens. Os crimes contra a humanidade se encontram positivados no art. 7º do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, o qual foi adotado em 17/07/1998, porém apenas passou a vigorar em 01/07/2002, quando conseguiu o quórum de 60 países ratificando a convenção. No Brasil, foi internalizado por meio do Decreto n.º 4.388, de 25/9/2002. O mencionado artigo 7º tem a seguinte redação: "Artigo 7o Crimes contra a Humanidade 1. Para os efeitos do presente Estatuto, entende-se por "crime contra a humanidade", qualquer um dos atos seguintes, quando cometido no quadro de um ataque, generalizado ou sistemático, contra qualquer população civil, havendo conhecimento desse ataque: a) Homicídio; b) Extermínio; c) Escravidão; d) Deportação ou transferência forçada de uma população; e) Prisão ou outra forma de privação da liberdade física grave, em violação das normas fundamentais de direito internacional; f) Tortura; g) Agressão sexual, escravatura sexual, prostituição forçada, gravidez forçada, esterilização forçada ou qualquer outra forma de violência no campo sexual de gravidade comparável; h) Perseguição de um grupo ou coletividade que possa ser identificado, por motivos políticos, raciais, nacionais, étnicos, culturais, religiosos ou de gênero, tal como definido no parágrafo 3o, ou em função de outros critérios universalmente reconhecidos como inaceitáveis no direito internacional, relacionados com qualquer ato referido neste parágrafo ou com qualquer crime da competência do Tribunal; i) Desaparecimento forçado de pessoas; j) Crime de apartheid; k) Outros atos desumanos de caráter semelhante, que causem intencionalmente grande sofrimento, ou afetem gravemente a integridade física ou a saúde física ou mental. 2. Para efeitos do parágrafo 1o: a) Por "ataque contra uma população civil" entende-se qualquer conduta que envolva a prática múltipla de atos referidos no parágrafo 1o contra uma população civil, de acordo com a política de um Estado ou de uma organização de praticar esses atos ou tendo em vista a prossecução dessa política; b) O "extermínio" compreende a sujeição intencional a condições de vida, tais como a privação do acesso a alimentos ou medicamentos, com vista a causar a destruição de uma parte da população; c) Por "escravidão" entende-se o exercício, relativamente a uma pessoa, de um poder ou de um conjunto de poderes que traduzam um direito de propriedade sobre uma pessoa, incluindo o exercício desse poder no âmbito do tráfico de pessoas, em particular mulheres e crianças; d) Por "deportação ou transferência à força de uma população" entende-se o deslocamento forçado de pessoas, através da expulsão ou outro ato coercivo, da zona em que se encontram legalmente, sem qualquer motivo reconhecido no direito internacional; e) Por "tortura" entende-se o ato por meio do qual uma dor ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais, são intencionalmente causados a uma pessoa que esteja sob a custódia ou o controle do acusado; este termo não compreende a dor ou os sofrimentos resultantes unicamente de sanções legais, inerentes a essas sanções ou por elas ocasionadas; f) Por "gravidez à força" entende-se a privação ilegal de liberdade de uma mulher que foi engravidada à força, com o propósito de alterar a composição étnica de uma população ou de cometer outras violações graves do direito internacional. Esta definição não pode, de modo algum, ser interpretada como afetando as disposições de direito interno relativas à gravidez; g) Por "perseguição'' entende-se a privação intencional e grave de direitos fundamentais em violação do direito internacional, por motivos relacionados com a identidade do grupo ou da coletividade em causa; h) Por "crime de apartheid" entende-se qualquer ato desumano análogo aos referidos no parágrafo 1°, praticado no contexto de um regime institucionalizado de opressão e domínio sistemático de um grupo racial sobre um ou outros grupos nacionais e com a intenção de manter esse regime; i) Por "desaparecimento forçado de pessoas" entende-se a detenção, a prisão ou o seqüestro de pessoas por um Estado ou uma organização política ou com a autorização, o apoio ou a concordância destes, seguidos de recusa a reconhecer tal estado de privação de liberdade ou a prestar qualquer informação sobre a situação ou localização dessas pessoas, com o propósito de lhes negar a proteção da lei por um prolongado período de tempo. 3. Para efeitos do presente Estatuto, entende-se que o termo "gênero" abrange os sexos masculino e feminino, dentro do contexto da sociedade, não lhe devendo ser atribuído qualquer outro significado." No Brasil, no entanto, ainda não há lei que tipifique os crimes contra a humanidade, embora esteja em tramitação o Projeto de Lei n. 4.038/2008, que "dispõe sobre o crime de genocídio, define os crimes contra a humanidade, os crimes de guerra e os crimes contra a administração da justiça do Tribunal Penal Internacional, institui normas processuais específicas, dispõe sobre a cooperação com o Tribunal Penal Internacional, e dá outras providências". Desse modo, ante a ausência de lei interna tipificando os crimes contra a humanidade, deve ser mencionado que o Supremo Tribunal Federal já se manifestou no sentido de que não é possível utilizar tipo penal descrito em tratado internacional para tipificar condutas internamente, sob pena de violação do princípio da legalidade, segundo o qual "não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal" (art. 5º, XXXIX, da CF/88). Não se mostra possível, assim, internalizar a tipificação do crime contra a humanidade contida pelo Estatuto de Roma, mesmo se cuidando de tratado regularmente internalizado no Brasil (Decreto n.º 4.388/2002), por não haver lei em sentido formal, no Brasil, a tipificar penalmente referida conduta. Ademais, cuidando-se de tratado que apenas passou a vigorar no Brasil no ano de 2002, tem-se igualmente, na hipótese, o óbice à aplicação retroativa de lei penal em prejuízo do réu, haja vista o princípio constitucional da irretroatividade, previsto no art. 5º, inciso XL, da Constituição Federal, segundo o qual "a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu". Incabível, pois, utilizar a tipificação de crime contra a humanidade trazida no Estatuto de Roma, ao caso dos autos, como pretende o MPF, sob pena de ofensa aos princípios constitucionais da legalidade e da irretroatividade. Quanto à Convenção sobre a Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e dos Crimes contra a Humanidade, tem-se que referida Convenção foi adotada pela Resolução 2.391 da Assembleia Geral da ONU, em 26/11/1968, e entrou em vigor em 11/11/1970, sendo, portanto, anterior aos fatos narrados na denúncia, ocorridos no ano de 1975. Entretanto, mencionada Convenção não foi ratificada pelo Brasil, devendo rememorar que prevalece entendimento de que os tratados em geral, inclusive os de direitos humanos, somente podem ser aplicados na ordem jurídica brasileira depois de serem promulgados na ordem interna, devendo-se obedecer as etapas de sua incorporação: assinatura do tratado, ato que é de competência do Presidente da República; aprovação pelo Congresso Nacional, o que é feito mediante um decreto legislativo; ratificação e depósito; promulgação na ordem interna, o que ocorre por um decreto executivo do Presidente da República. O MPF também busca demonstrar que a aludida convenção, que dispõe sobre a imprescritibilidade, independe de sua ratificação por se tratar de "jus cogens", cuja definição encontra-se no artigo 53 da Convenção de Viena: "norma aceita e reconhecida pela comunidade internacional dos Estados como um todo, como norma da qual nenhuma derrogação é permitida e que só pode ser modificada por norma ulterior de Direito Internacional geral da mesma natureza". Ocorre o c. STF já se pronunciou de que a qualificação de determinado crime como lesa-humanidade não afasta a sua prescrição, sendo inaplicável o "jus cogens". Segue ementa do r. julgado do Pretório Excelso a esse respeito: EXTRADIÇÃO REQUERIDA PELA REPÚBLICA ARGENTINA. DELITOS QUALIFICADOS PELO ESTADO REQUERENTE COMO DE LESA-HUMANIDADE. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA SOB A PERSPECTIVA DA LEI PENAL BRASILEIRA. NÃO ATENDIMENTO AO REQUISITO DA DUPLA PUNIBILIDADE (ART. 77, VI, DA LEI 6.815/1980 E ART. III, C, DO TRATADO DE EXTRADIÇÃO). INDEFERIMENTO DO PEDIDO. 1. Conforme pacífica jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, “a satisfação da exigência concernente à dupla punibilidade constitui requisito essencial ao deferimento do pedido extradicional” (Ext 683, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, Dje de 21.11.2008). Nessa linha, tanto o Estatuto do Estrangeiro (art. 77, VI), quanto o próprio tratado de extradição firmado entre o Brasil e o Estado requerente (art. III, c), vedam categoricamente a extradição quando extinta a punibilidade pela prescrição, à luz do ordenamento jurídico brasileiro ou do Estado requerente. 2. O Estado requerente imputa ao extraditando a prática de delito equivalente ao de associação criminosa (art. 288 do Código Penal), durante os anos de 1973 a 1975, e, no ano de 1974, de crimes equivalentes aos de sequestro qualificado (art. 148, § 2º, do Código Penal) e de homicídio qualificado (art. 121, § 2º, do Código Penal). Evidentemente, todos esses delitos encontram-se prescritos, porquanto, desde sua consumação, transcorreu tempo muito superior ao prazo prescricional máximo previsto no Código Penal, equivalente a 20 (vinte) anos (art. 109, I). Não consta dos autos, ademais, que se tenha configurado qualquer das causas interruptivas da prescrição. 3. A circunstância de o Estado requerente ter qualificado os delitos imputados ao extraditando como de lesa-humanidade não afasta a sua prescrição, porquanto (a) o Brasil não subscreveu a Convenção sobre a Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e dos Crimes contra a Humanidade, nem aderiu a ela; e (b) apenas lei interna pode dispor sobre prescritibilidade ou imprescritibilidade da pretensão estatal de punir (cf. ADPF 153, Relator(a): Min. EROS GRAU, voto do Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, Dje de 6.8.2010). 4. O indeferimento da extradição com base nesses fundamentos não ofende o art. 27 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (Decreto 7.030/2009), uma vez que não se trata, no presente caso, de invocação de limitações de direito interno para justificar o inadimplemento do tratado de extradição firmado entre o Brasil e a Argentina, mas sim de simples incidência de limitação veiculada pelo próprio tratado, o qual veda a concessão da extradição “quando a ação ou a pena já estiver prescrita, segundo as leis do Estado requerente ou requerido” (art. III, c). 5. Pedido de extradição indeferido. Cumpre observar que, alcançando o quórum de três quintos dos membros, em dois turnos de votação, em cada casa do Congresso Nacional brasileiro, o Tratado Internacional sobre Direitos Humanos, possuirá status de emenda constitucional. Por outro lado, não alcançando o aludido quórum, o status será de supralegalidade (acima das leis, mas abaixo da Constituição), sendo esse o entendimento do Supremo Tribunal Federal. Ocorre que, atualmente, temos três tratados internacionais internalizados na ordem jurídica brasileira, nos termos do parágrafo 3º, do art. 5º da Constituição Federal: (a) Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo; (b) Tratado de Marraqueche, relativo à reprodução e a distribuição de obras, livros e textos em formato acessível a pessoas com deficiência visual; e (c) Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância. Desse modo, no atual contexto, é a Constituição da República Federativa do Brasil que prevê os casos de crimes imprescritíveis no país, sendo, no momento, apenas dois: racismo e ação de grupos armados contra a ordem constitucional e o Estado Democrático. Portanto, a imprescritibilidade não é aplicável ao crime de homicídio qualificado descrito na denúncia que fora rejeitada pelo MM. Juízo de primeiro grau. No caso sub judice, foi imputada aos recorridos a prática de homicídio qualificado (art. 121, §2º, inc. I, III e IV, c/c os arts. 29 e 13, §2º, todos do Código Penal), prescritível, em regra, em 20 (vinte) anos, nos termos do art. 109, I, do Código Penal. Todavia, os recorridos são maiores de 70 (setenta) anos, sendo esse prazo prescricional reduzido de metade (CP, art. 115), ou seja, a prescrição ocorre em 10 (dez) anos. O crime de homicídio descrito na denúncia teria ocorrido no ano de 1975, tendo decorrido período muito superior ao prazo prescricional de 10 (dez) anos, sem a ocorrência de quaisquer causas suspensivas ou interruptivas da prescrição. Portanto, a punibilidade dos recorridos quanto ao delito de homicídio qualificado descrito na denúncia encontra-se extinta, seja pela anistia (Código Penal, art. 107, II), seja pela prescrição da pretensão punitiva estatal (Código Penal, art. 107, IV, c.c. art. 109, III, e art. 115). Por fim, conforme entendimento jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça, também adotado por esta 5ª Turma (TRF da 3ª Região, EDeclACr n. 200761810019846, Rel. Des. Fed. André Nekastchalow, unânime, j. 03.11.09, EDeclACr n. 200061110081767, Rel. Des. Fed. Ramza Tartuce, unânime, j. 08.03.10; EDeclACr n. 200661190059361, Rel. Des. Fed. Peixoto Junior, j. 19.05.08), é desnecessária a menção explícita a todos os dispositivos legais citados pela acusação, considerando-se indispensável, para efeito de prequestionamento, a menção implícita às questões impugnadas. Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público Federal, com fundamento no artigo 1º, “caput”, da Lei nº 6.683/79, combinado com o artigo 107, inciso II, do Código Penal (anistia) e, também, com fulcro no artigo 107, IV, combinado com os artigos 109, I, e 115, todos do Código Penal (prescrição). É o voto.
1. A via eleita revela-se inadequada para a insurgência contra o ato apontado como coator, pois o ordenamento jurídico prevê recurso específico para tal fim, circunstância que impede o seu formal conhecimento. Precedentes.
2. O alegado constrangimento ilegal será analisado para a verificação da eventual possibilidade de atuação ex officio, nos termos do artigo 654, § 2º, do Código de Processo Penal. HOMICÍDIO QUALIFICADO TENTADO E PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO. DECISÃO DE PRONÚNCIA. INTERPOSIÇÃO DE RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. REMESSA DOS AUTOS À INSTÂNCIA SUPERIOR SEM QUE O MAGISTRADO SINGULAR TENHA REALIZADO O JUÍZO DE RETRATAÇÃO. MERA IRREGULARIDADE AUSÊNCIA DE PREJUÍZOS À DEFESA. EIVA NÃO CONFIGURADA.
1. Ao interpretar o artigo 589 do Código de Processo Penal, esta Corte Superior de Justiça firmou o entendimento de que a inexistência de pronunciamento do magistrado quanto à manutenção ou não da decisão impugnada por meio de recurso em sentido estrito configura mera irregularidade. Precedentes.
2. Na espécie, conquanto os autos tenham ascendido ao Tribunal de origem sem que o togado tenha realizado o juízo de retratação da decisão de pronúncia, não há dúvidas de que a inobservância de tal formalidade não acarretou quaisquer prejuízos à defesa, uma vez que o recurso em sentido estrito já foi julgado, tendo os indícios de autoria e a materialidade do delito imputado ao paciente sido novamente examinados, não havendo motivos para que o processo seja anulado a fim de que haja novo pronunciamento judicial sobre tais questões, que foram alvo de análise fundamentada na provisional e no aresto objurgado. CONCESSÃO DE LIBERDADE PROVISÓRIA AO PACIENTE. MATÉRIA NÃO APRECIADA PELA CORTE DE ORIGEM. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA.
1. A almejada concessão de liberdade provisória ao réu não foi alvo de deliberação pela Corte de origem no aresto impugnado, circunstância que impede qualquer manifestação deste Sodalício sobre o tópico, sob pena de se configurar a prestação jurisdicional em indevida supressão de instância.
2. Habeas corpus não conhecido.
(HC n. 369.297/RS, relator Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 20/10/2016, DJe de 26/10/2016.) (g.n.)
(Ext 1362, Relator(a): EDSON FACHIN, Relator(a) p/ Acórdão: TEORI ZAVASCKI, Tribunal Pleno, julgado em 09-11-2016, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-200 DIVULG 04-09-2017 PUBLIC 05-09-2017 REPUBLICAÇÃO: DJe-175 DIVULG 24-08-2018 PUBLIC 27-08-2018) (g.n.)
E M E N T A
PENAL. PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. DENÚNCIA. ARTIGO 121, §2º, INC. I, III E IV, C.C. ARTIGOS 29 E 13, PARÁGRAFO 2º DO CP DO CÓDIGO PENAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO. ANISTIA. LEI 6.683/79. PRESCRIÇÃO. REJEIÇÃO.
1. A anistia concedida pela Lei nº 6.683/79 foi ampla e geral, alcançando os crimes políticos e eleitorais praticados pelos agentes da repressão no período do regime militar e referido ato legal foi integrado pela nova ordem constitucional de 1988.
2. Em razão da concessão de anistia em relação aos delitos políticos e os conexos com estes, praticados no período compreendido entre 02/09/1961 a 15/08/1979, não há falar em existência material de crime.
3. A Constituição Federal brasileira prevê apenas dois casos de crimes imprescritíveis, racismo e ação de grupos armados contra a ordem constitucional e o Estado Democrático. A imprescritibilidade não é aplicável ao crime de homicídio qualificado.
4. Julgado da Corte Interamericana de Direitos Humanos acerca de crimes permanentes em tese cometidos por agentes da repressão no Brasil, no período da ditadura militar, não pode se sobrepor a uma disposição legal que retira o caráter criminoso dos fatos e que foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal como integralmente recepcionada pela atual ordem constitucional brasileira. Nesse sentido, inclusive, o STF fez constar do julgado de referência (ADPF 153, julgada em 29/04/2010) que "A Lei n. 6.683/79 precede a Convenção das Nações Unidas contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes --- adotada pela Assembleia Geral em 10 de dezembro de 1984, vigorando desde 26 de junho de 1987 --- e a Lei n. 9.455, de 7 de abril de 1997, que define o crime de tortura; e o preceito veiculado pelo artigo 5º, XLIII da Constituição --- que declara insuscetíveis de graça e anistia a prática da tortura, entre outros crimes --- não alcança, por impossibilidade lógica, anistias anteriormente a sua vigência consumadas. A Constituição não afeta leis-medida que a tenham precedido." (tópico 6 da ementa).
5. O aludido critério temporal utilizado para explicar a não incidência da referida Convenção das Nações Unidas ao caso da Lei de Anistia pode aplicado em relação ao Pacto de São José da Costa Rica, ao qual o Brasil aderiu já na vigência da atual ordem constitucional, mais precisamente no ano de 1992 (Decreto 678/92), bem como no tocante à Convenção de Viena, incorporada no Brasil pelo Decreto n. 7.030, de 14 de dezembro de 2009.
6. Recurso em sentido estrito não provido.