Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0022572-75.2011.4.03.6100

RELATOR: Gab. 14 - DES. FED. MARCELO SARAIVA

APELANTE: NADIA FERNANDA DE MORAES SPINELI, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL

Advogado do(a) APELANTE: ALMIR GOULART DA SILVEIRA - SP112026-A

APELADO: NADIA FERNANDA DE MORAES SPINELI, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL

Advogado do(a) APELADO: ALMIR GOULART DA SILVEIRA - SP112026-A

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Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0022572-75.2011.4.03.6100

RELATOR: Gab. 14 - DES. FED. MARCELO SARAIVA

APELANTE: NADIA FERNANDA DE MORAES SPINELI, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL

Advogado do(a) APELANTE: ALMIR GOULART DA SILVEIRA - SP112026-A
Advogado do(a) APELANTE: RENATA FERRERO PALLONE - SP158329-A

APELADO: NADIA FERNANDA DE MORAES SPINELI, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL

Advogado do(a) APELADO: RENATA FERRERO PALLONE - SP158329-A
Advogado do(a) APELADO: ALMIR GOULART DA SILVEIRA - SP112026-A

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R E L A T Ó R I O

 

 

Trata-se de recursos de apelação e remessa oficial, tida por submetida, em Ação Civil Pública de Improbidade Administrativa, ajuizada pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL (INSS) em face de NÁDIA FERNANDA DE MORAES SPINELI, em que se pleiteou a condenação da ré às penas dos incisos II e III, do art. 12, da Lei nº 8.429/1992 (LIA).

Alega o autor que tomou conhecimento de diversas ilegalidades na concessão de Benefícios Assistenciais de Amparo ao Idoso, ocorridas na Agência da Previdência Social/APS Aricanduva, subordinada à Gerência Executiva do INSS/Leste/SP.

Narra que, instaurado Processo Administrativo Disciplinar nº 35664.000269/2009-11, comprovou-se a responsabilidade da então servidora pública federal (analista previdenciário) NÁDIA FERNANDA pela concessão indevida de 9 (nove) benefícios.

Assevera que, ao final do mencionado PAD, foi-lhe aplicada a pena de demissão, concretizada pela Portaria nº 516, de 10 de dezembro de 2010 (DOU 13/12/2010), editada pelo Ministro de Estado da Previdência Social.

Após trazer o histórico dos 9 benefícios assistenciais indevidamente concedidos (ID Num. 90807139 - Págs. 8-11), concluiu que as condutas da ré se subsumam aos tipos legais de improbidade administrativa tipificados no art. 10, incisos I, II, VII e XII, e art. 11 da LIA.

Formulou, ao final, os seguintes pedidos (ID Num. 90807139 - Pág. 16):

f) A condenação da ré NÁDIA FERNANDA DE MORAES SPINELI pela prática de atos de improbidade administrativa previstos nos artigos 10, inciso I, VII e XII e artigo 11, caput e inciso I, todos da Lei n° 8.429/1992, com aplicação das sanções previstas no artigo 12, incisos II e III da referida Lei:

ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio;

suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos;

pagamento de multa civil de até cem vezes o valor do dano;

proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos.

Em decisão ID Num. 90807139 - Págs. 71-75, foi deferida a medida liminar para decretar a indisponibilidade dos bens da ré, no valor total de R$ 824.67165.

Na sentença, o r. Juízo a quo julgou parcialmente procedente o pedido, nos termos do art. 269, I, do CPC/73, para condenar a ré pela prática dos atos de improbidade administrativa prescritos nos arts. 10, I, VII e XII e 11, da LIA, determinando a indenização integral ao erário nos valores indevidamente pagos a Lydia Romã, a Nair Olímpia Nunes e a Mariana Honorato de Oliveira.

Condenou-a, ainda, ao pagamento dos honorários advocatícios sucumbenciais fixados em R$ 3.000,00 (três mil reais).

Apela a ré, alegando, em síntese: a) foi absolvida nos autos da ação penal nº 0008017-72.2009.403.6181 quanto ao benefício concedido a Edson Almeida Miranda; b) foi absolvida nos autos da ação penal nº 0014698-29.2007.403.6181 quanto ao benefício concedido a Lydia Romã.

Apela o INSS, alegando, em síntese: a) a relação jurídica que ensejou a subsunção da conduta da ré à LIA decorreu de atos infracionais praticados contra o INSS, logo, não tem guarida a alegação utilizada na sentença de que não haveria prática de atos ímprobos porque a jurisprudência entende que alguns benefícios assistenciais, com a entrada em vigor do Estatuto do Idoso, tiveram seus requisitos mitigados; b) esta demanda não se reveste de cunho previdenciário, mas de responsabilidade para com a Administração Pública, razão pela qual não se deve invocar o Estatuto do Idoso; c) em nenhum dos benefícios discutidos foi postulada a concessão em razão da idade dos beneficiários; d) a própria sentença reconhece que a ré concedeu os benefícios previdenciários em total inobservância às normas do INSS; e) é desnecessária a lesão ao Erário, em especial nos termos do art. 11 da LIA.

Apela o MPF, alegando, em síntese: a) a fraude praticada é evidente, sendo certo que NÁDIA não agiu com o zelo que o cargo requer, haja vista que não conferiu nos sistemas previdenciários os dados apresentados pelos requerentes e sequer exigiu a documentação necessária à concessão dos benefícios, mostrando sua total incúria com o patrimônio público; b) os benefícios concedidos irregularmente causaram prejuízos aos cofres da Previdência Social da ordem de R$ 94.830,06, valores à época dos fatos; c) a ré deve ser condenada por todos os nove benefícios concedidos irregularmente.

Com as contrarrazões, subiram os autos a esta E. Corte Federal.

Em parecer, o representante da Procuradoria Regional da República da 3ª Região opinou pelo não provimento ao recurso de NÁDIA FERNANDA e ao parcial provimento aos recursos do INSS e do Ministério Público Federal (ID Num. 90807339 - Págs. 67-80).

Em decisão ID Num. 144205195, determinei a suspensão da tramitação deste feito diante da determinação originada do E. Superior Tribunal de Justiça, nos autos do REsp. 1.601.804/TO, REsp. 1.605.586/DF, REsp. 1.502.635/PI e REsp. 1.553.124/SC, todos submetidos ao rito dos recursos repetitivos (CPC, art. 1.036), até que fosse analisado o Tema nº 1.042.

Posteriormente, em despacho ID Num. 270574443, determinei a manifestação das partes em razão das alterações substanciais da Lei nº 8.429/92, promovidas pela Lei nº 14.230/21.

Em resposta, o MPF argui incidentalmente a inconstitucionalidade material das alterações do art. 11 da Lei nº 8.429/92 – destacadamente, a previsão de taxatividade do rol de condutas e a revogação dos seus incisos I e II –, promovidas pela Lei n. 14.230/21.

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 


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V O T O

 

 

 

 

Da remessa necessária

Quando do julgamento do EREsp 1.220.667/MG, a C. Primeira Seção do E. Superior Tribunal de Justiça entendeu que seria cabível a incidência da remessa necessária em Ação Civil de Improbidade Administrativa, por aplicação analógica do art. 19 da Lei nº 4.717/1965 (Lei da Ação Popular), o qual possui a seguinte redação:

Art. 19. A sentença que concluir pela carência ou pela improcedência da ação está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal; da que julgar a ação procedente caberá apelação, com efeito suspensivo.

Posteriormente, contudo, o mesmo C. Órgão, em sessão eletrônica iniciada em 11/12/2019 e finalizada em 17/12/2019, afetou o julgamento dos REsp. 1.604.804/TO, REsp. 1.605.586/DF, REsp. 1.502.635/PI e REsp. 1.553.124/SC ao rito dos recursos repetitivos previsto no art. 1.036 do CPC, para apreciar o seguinte Tema (nº 1.042):

Definir se há - ou não - aplicação da figura do reexame necessário nas ações típicas de improbidade administrativa, ajuizadas com esteio na alegada prática de condutas previstas na Lei 8.429/1992, cuja pretensão é julgada improcedente em primeiro grau;

Discutir se há remessa de ofício nas referidas ações típicas, ou se deve ser reservado ao autor da ação, na postura de órgão acusador - frequentemente o Ministério Público - exercer a prerrogativa de recorrer ou não do desfecho de improcedência da pretensão sancionadora.

No entanto, em sessão de julgamento realizada em 24/02/2022, a C. Primeira Seção daquela E. Corte Superior proclamou o seguinte resultado:

Prosseguindo o julgamento, a Primeira Seção, por unanimidade, determinou o retorno do recurso especial ao Sr. Ministro Manoel Erhardt, tornando sem efeito o julgamento iniciado e, consequentemente, o pedido de vista formulado, para proporcionar ao relator originário o exame da potencial incidência da alteração apresentada pela Lei nº 14.230/2021 no âmbito da Lei de Improbidade Administrativa julgada no presente recurso especial repetitivo, nos termos da questão de ordem proposta pelo Sr. Ministro Mauro Campbell Marques. (...)

Em consulta ao andamento processual eletrônico do Tema nº 1.042, verifica-se a seguinte informação (grifei):

Em sessão realizada em 26/4/2023, a Primeira Seção, por unaminadade, cancelou a afetação do Tema 1.042, para que os recursos especiais afetados prossigam em normal trâmite, em seus ulteriores termos, bem como os casos eventualmente suspensos em virtude da afetação, nos termos da questão de ordem proposta pelo Sr. Ministro Relator.

O art. 14 do CPC positiva a teoria do isolamento dos atos processuais:

Art. 14. A norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada.

No mesmo sentido, tem-se o Enunciado nº 311 do Fórum Permanente de Processualistas Civis:

A regra sobre remessa necessária é aquela vigente ao tempo da publicação em cartório ou disponibilização nos autos eletrônicos da sentença ou, ainda, quando da prolação da sentença em audiência, de modo que a limitação de seu cabimento no CPC não prejudica as remessas determinadas no regime do art. 475 do CPC/1973.

No REsp nº 1.108.542/SC, a C. Segunda Turma do E. Superior Tribunal de Justiça assentou que, “por aplicação analógica da primeira parte do art. 19 da Lei nº 4.717/65, as sentenças de improcedência de ação civil pública sujeitam-se indistintamente ao reexame necessário” (Relator Ministro Castro Meira, julgado em 19/5/2009, DJe de 29/5/2009).

O entendimento foi posteriormente estendido para as ações civis públicas por improbidade administrativa, conforme se verifica, por exemplo, no AgRg no REsp nº 1.219.033/RJ, Relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 17/3/2011, DJe de 25/4/2011.

Por fim, no EREsp 1.220.667/MG, julgado em 24/5/2017, a C. Primeira Seção daquela E. Corte Superior, analisando a divergência entre suas Turmas, pacificou a orientação de que seria cabível a incidência do reexame necessário em Ação Civil de Improbidade Administrativa, por aplicação analógica do art. 19 da Lei da Ação Popular.

No caso dos autos, a r. sentença foi prolatada em 23/09/2014, ou seja, quando já vigorava o posicionamento da C. Segunda Turma daquela E. Corte Superior, consolidado desde 25/4/2011.

Assim, mostra-se processualmente válido submeter o presente feito à remessa necessária, conforme aplicação analógica do já citado art. 19 da Lei nº 4.717/1965 (Lei da Ação Popular).

 

Da alegação de inconstitucionalidade do art. 11 da LIA

Em petição ID Num. 271925883, o MPF argui incidentalmente a inconstitucionalidade material das alterações do art. 11 da Lei nº 8.429/92 – destacadamente, a previsão de taxatividade do rol de condutas e a revogação dos seus incisos I e II –, promovidas pela Lei n. 14.230/21.

Em suas palavras (ID Num. 271925883 - Pág. 10):

Contudo, da forma que realizadas, tais alterações no art. 11 da Lei nº 8.429/92 apresentam-se materialmente inconstitucionais, por implicarem violação ao princípio da proporcionalidade, sob o aspecto da proibição à proteção insuficiente ao direito fundamental à probidade administrativa, além de atentarem contra a vedação do retrocesso (efeito cliquet).

Na ADI nº 7.236, a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (CONAMP) questiona a constitucionalidade dos seguintes dispositivos da LIA, alterados pela Lei nº 14.230/2021: (a) art. 1º, §§ 1º, 2º, e 3º, e art. 10; (b) art. 1º, § 8º; (c) art. 11, caput e incisos I e II; (d) art. 12, I, II e III, e §§ 4º e 9º, e art. 18-A, parágrafo único; (e) art. 12, § 1º; (f) art. 12, § 10; (g) art. 17, §§ 10-C, 10-D e 10-F, I; (h) art. 17-B, § 3º; (i) art. 21, § 4º; (j) art. 23, caput, § 4º, II, III, IV e V, e § 5º; (k) art. 23-C.

Em relação ao art. 11 da LIA, na decisão datada do dia 27/12/2022, o Exmo. Ministro Relator Alexandre de Moraes indeferiu a concessão da medida cautelar para suspender a sua eficácia.

Atualmente, os autos aguardam a designação da sessão de julgamento para o C. Plenário referendar a decisão liminar.

Analisando o andamento processual eletrônico da ADI nº 7.236, não consta determinação de sobrestamento dos processos que versem sobre a mesma matéria. Logo, não há óbice ao prosseguimento do presente feito.

Por uma questão meramente redacional, a alegação de inconstitucionalidade será analisada junto ao mérito.

 

Do ARE nº 843.989

No dia 25/10/2021, foi promulgada a Lei nº 14.230/21 promovendo alterações na Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/92).

Dentre as modificações trazidas pelo novo Diploma, algumas possuem natureza extremamente benéfica para os acusados da prática de atos ímprobos (por exemplo, a extinção da improbidade culposa; a revogação dos incisos I, II, IX e X do art. 11; a exigência de dolo específico; a prescrição intercorrente, etc.), o que, invariavelmente, acarreta a discussão acerca de sua possível incidência retroativa.

O E. Supremo Tribunal Federal, em sessão de julgamento do dia 24/02/22, reconheceu a repercussão geral quanto à incidência das modificações trazidas pela Lei nº 14.230/2021 nas ações de improbidade administrativa, especialmente quanto ao dolo e a prescrição (Tema nº 1.199). Na ocasião, a ementa ficou assim redigida:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. LEI 14.230/2021. APLICAÇÃO RETROATIVA DAS DISPOSIÇÕES SOBRE O DOLO E A PRESCRIÇÃO NA AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA.

1. Revela especial relevância, na forma do art. 102, § 3º, da Constituição, a definição de eventual (IR)RETROATIVIDADE das disposições da Lei 14.230/2021, em especial, em relação: (I) A necessidade da presença do elemento subjetivo dolo para a configuração do ato de improbidade administrativa, inclusive no artigo 10 da LIA; e (II) A aplicação dos novos prazos de prescrição geral e intercorrente.

2. Repercussão geral da matéria reconhecida, nos termos do art. 1.035 do CPC.

(ARE 843989 RG, Relator Ministro Alexandre de Moraes, Tribunal Pleno, julgado em 24/02/2022, Processo Eletrônico DJe-041 DIVULG 03-03-2022 PUBLIC 04-03-2022)

Posteriormente, em sessão de julgamento realizada no dia 18/08/2022, a E. Corte Suprema, ao finalizar a análise do ARE 843.989 RG, fixou as seguintes teses de repercussão geral:

1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA a presença do elemento subjetivo dolo;

2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa, é irretroativa, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes;

3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do tipo culposo, devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente.

4) O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é irretroativo, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei.

Para o caso em julgamento, a superveniência da Lei nº 14.230/21 acarretou modificações pontuais que serão feitas oportunamente.

 

Da delimitação dos segurados irregularmente beneficiados

Cinge-se a questão apresentada nos autos com relação à possibilidade de se enquadrar as condutas praticadas pela ré como atos de improbidade administrativa que causaram prejuízo ao erário (LIA, art. 10) e que atentaram contra os princípios norteadores da Administração Pública (LIA, art. 11).

De acordo com a petição inicial, NÁDIA FERNANDA, então ocupante do cargo de analista previdenciário do INSS, concedeu irregularmente 9 (nove) benefícios assistenciais aos seguintes segurados: 1) Antônia Cândida da Silva; 2) Armezinda Alves; 3) Edson Almeida Miranda, 4) Izolina Rodrigues da Silva; 5) Rosa Cardoso dos Santos; 6) Rosa Maria Gomes; 7) Lydia Romã; 8) Nair Olímpia Nunes; e 9) Mariana Honorato de Oliveira.

Em sua defesa, o único argumento utilizado pela ré foi a sentença absolutória proferida nos autos da ação penal nº 0008017-72.2009.403.6181 e da ação penal nº 0014698-29.2007.403.6181.

Na ação penal nº 0008017-72.2009.403.6181, a ré foi processada com incurso no tipo penal do art. 171, § 3º, CP, por ter irregularmente concedido benefício previdenciário a Edson Almeida Miranda.

Na sentença, o r. Julgador afirmou que haveria “meros indícios de ter sido ela a funcionária que deferiu o pedido de benefício em comento” (ID Num. 90807338 - Pág. 54), razão pela qual, por força do princípio da presunção de inocência, absolveu-a nos termos do art. 386, II, do CPP.

Na ação penal nº 0014698-29.2007.403.6181, a ré também foi processada com incurso no tipo penal do art. 171, § 3º, CP, contudo em relação à segurada Lydia Romã.

Na sentença, o r. Julgador a absolveu, no entanto, nos termos do art. 386, VII, do CPP (ID Num. 90807139 - Pág. 171).

Como regra, vigora no ordenamento jurídico a independência das instâncias punitivas, ou seja, uma conduta pode ser considerada ao mesmo tempo um ilícito civil, penal e administrativo, devendo seu autor responder em todas estas esferas.

Na redação original da Lei de Improbidade Administrativa, constava dispositivo que reforçava a mencionada independência:

Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato: (...)

No entanto, a independência das instâncias punitivas não é absoluta, existindo situações em que a decisão proferida no âmbito penal pode refletir nas demais. Tanto que o CC/2002 preceitua no seu art. 935 que:

Art. 935. A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal.

O art. 386 do CPP enumera as hipóteses de absolvição do agente na seara criminal:

Art. 386. O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça:

I - estar provada a inexistência do fato;

II - não haver prova da existência do fato;

III - não constituir o fato infração penal;

IV - estar provado que o réu não concorreu para a infração penal;

V - não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal;

VI - existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena (arts. 20, 21, 22, 23, 26 e § 1o do art. 28, todos do Código Penal), ou mesmo se houver fundada dúvida sobre sua existência;

VII - não existir prova suficiente para a condenação.

Analisando sistematicamente o tema, o E. Superior Tribunal de Justiça pacificou o entendimento de que, em razão da relativa independência entre as instâncias, a absolvição no juízo penal somente vincula o cível nas situações previstas nos incisos I ("estar provada a inexistência do fato") e IV ("estar provado que o réu não concorreu para a infração penal"):

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. APLICABILIDADE. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PREFEITO MUNICIPAL. CONTRATAÇÃO DE EMPRESA DA QUAL É SÓCIO. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. ACÓRDÃO EMBASADO EM NORMA DE DIREITO LOCAL. LEI ORGÂNICA DO MUNICÍPIO DE ORATÓRIOS/MG. INCIDÊNCIA, POR ANALOGIA, DA SÚMULA N. 280/STF. ACÓRDÃO QUE CONSIGNA A PRESENÇA DE DOLO E DE ENRIQUECIMENTO ILÍCITO. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE NO CASO DOS AUTOS. SÚMULA N. 7/STJ. APLICAÇÃO. ABSOLVIÇÃO CRIMINAL POR MOTIVOS OUTROS QUE NÃO A INEXISTÊNCIA DE FATO OU NEGATIVA DE AUTORIA. INDEPENDÊNCIA ENTRE AS INSTÂNCIAS PENAL, CIVIL E ADMINISTRATIVA. DOSIMETRIA DAS SANÇÕES. PROPORCIONALIDADE. ARGUMENTOS INSUFICIENTES PARA DESCONSTITUIR A DECISÃO ATACADA. APLICAÇÃO DE MULTA. ART. 1.021, § 4º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. DESCABIMENTO.

(...)

IV - O Superior Tribunal de Justiça tem reiteradamente afirmado a independência entre as instâncias administrativa, civil e penal, salvo se verificada absolvição criminal por inexistência do fato ou negativa de autoria. Dessa forma, a absolvição criminal em decorrência de outros motivos não afasta a condenação por ato de improbidade administrativa.

(...)

(AgInt no REsp 1678327/MG, Rel. Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, julgado em 26/02/2019, DJe 01/03/2019)

No caso, a ré foi absolvida com fundamento nos incisos II (ação penal nº 0008017-72.2009.403.6181) e VII (ação penal nº 0014698-29.2007.403.6181).

Logo, os efeitos das sentenças penais absolutórias não interferem na presente demanda.

 

Do PAD

No relatório produzido pela Comissão do PAD, em que se propôs a demissão da ré, a materialidade das infrações disciplinares ficou assim firmada (ID Num. 90807139 - Págs. 24-27):

10. A servidora imputada afirma que consultava os sistemas informatizados - PLENUS e CNIS (idem no seu interrogatório (fls. 104, em resposta à 17ª pergunta) e efetuava o batimento dos dados, porém nem sempre juntava as telas do sistema ao processo.

11. Ao consultar tais sistemas, não observou, entretanto, que nos casos dos benefícios concedidos aos interessados IZOLINA RODRIGUES DA SILVA, EDSON ALMEIDA MIRANDA, MARIANA HONORATO DE OLIVEIRA, ROSA CARDOSO DOS SANTOS, NAIR OLIMPIA NUNES, ARMEZINDA ALVES e ANTONIA CANDIDA DA SILVA, seus cônjuges eram titulares de benefícios e a servidora indiciada não levou em consideração tais dados nos sistemas, a fim de confirmar as declarações prestadas. Isto obviamente seria objeto de dúvida fundada (vide subitem 5.1. às fls. 123).

12. Também não procede a afirmativa de que nem sempre juntava as telas nos processos, visto que nos casos em questão em nenhum deles consta telas dos sistemas. Seria mais correto afirmar que ela nunca juntava as telas nos processos. E segundo consta do depoimento do servidor WAGNER AUGUSTO CRISPIM, em resposta a 2ª pergunta (fis. 47/48), as telas da consulta eram juntadas ao processo, por orientação do chefe de benefícios, à época, Sr. PAULO CÉSAR.

13. Afirma que preenchidos todos os requisitos, o próprio sistema finaliza a concessão do benefício. Que na época dos fatos a chefia orientava que os servidores aceitassem a declaração de separação de fato, sem necessidade de pesquisa por demandar mais tempo e causar represamento de processos, e que havia recomendação e pressão para que houvesse mais agilidade e que a pesquisa não poderia ser realizada também por falta de servidores.

(...)

14.1. Não se tem notícia, nos presentes autos nem fora deles, de recomendação pela chefia da APS/Aricanduva de se aceitar, indiscriminadamente, toda e qualquer declaração de separação de fato, sem necessidade de pesquisa. E ainda que houvesse recomendação neste sentido, a norma é bem clara quando diz, no art. 624, § 2°, da IN/118/2005: "... ficando vedada qualquer diligência, salvo dúvida fundada” (o destaque é nosso).

14.2. Logo, quando a declaração de separação de fato gera dúvida fundada (e os elementos constantes dos sistemas informatizados davam margem para tanto, como já se viu nas linhas volvidas), deve-se promover pesquisa externa para confirmação dos dados. Nos casos concretos em questão, havia motivos para dúvidas, como já se assentou.

(...)

19. Quanto às alegações de que não havia uniformidade de procedimento, não houve treinamento, ou repreensão por parte da chefia quanto ao procedimento de não juntar as telas do sistema no processo, uma vez que a chefia disto tinha conhecimento, também não merecem prosperar, vez que as normas eram as mesmas para todos, a servidora tinha acesso e conhecimento das normas e a elas deveria se ater no exercício das atribuições do seu cargo, e os processos de benefícios não passavam por revisão da chefia antes da finalização da concessão. Portanto ele não teve oportunidade de repreender tal omissão.

(...)

21. Bom é lembrar que a servidora NADIA, em nenhum momento, foi acusada de intermediar benefícios. Entretanto, ela agiu de forma temerária ao conceder os benefícios em questão sem os devidos cuidados e ao arrepio das normas reitoras da matéria.

Encaminhados os autos do PAD à Consultoria Jurídica da AGU, a matéria foi analisada no PARECER/CONJUR/MPS/Nº 587/2010.

E, no mesmo sentido da Comissão Processante, restou firmada a conclusão de que a ré não efetuou as pesquisas devidas para a confirmação das informações prestadas quando do requerimento dos 9 (nove) benefícios assistenciais de amparo social ao idoso aqui discutidos (ID Num. 90807139 - Pág. 33):

23. Assim, não há, em nenhum dos processos ora em apuração, consulta nos Sistemas Corporativos para verificar a composição do grupo familiar e da renda declarada, além do que, em oito deles, a servidora indiciada verificou que os cônjuges eram titulares de benefícios e não levou em consideração tais dados nos Sistemas, a fim de confirmar as declarações prestadas.

(...)

27. Os atos praticados pela servidora indiciada, objeto do PAD ora analisado, vão desde a habilitação até a formatação da concessão dos benefícios de Amparo Social ao Idoso, nos quais, mesmo após efetuar consulta no PLENUS e CNTS, sabendo que os cônjuges eram recebedores de benefícios previdenciários em oito dos nove apensos, o que impediria a concessão, sendo que em alguns apensos os benefícios já tinham sido indeferidos outras vezes, concedeu os mesmos, sem efetuar qualquer diligência. Além disso, a servidora deixou de juntar aos processos concessórios os documentos do PLENUS e do CNIS, os quais comprovariam a necessidade do indeferimento das concessões. Ademais, no processo nº 35664.000611/2009-75, da beneficiária Lídia Romã, consta o nome da servidora indiciada como requerente do benefício e como atendente, habilitadora e concessora.

Ao final do PAD, o Ministro do Estado da Previdência Social acolheu a manifestação da Consultoria Jurídica, demitindo a ré com incurso no art. 117, IX, c/c o art. 132, XIII, ambos da Lei nº 8.112/90 (ID Num. 90807139 - Pág. 39).

 

Da análise da sentença

Na sentença, o r. Juízo Singular dividiu os 9 (nove) segurados aqui discutidos em dois grupos.

No primeiro grupo, integrado pelos segurados Antônia Cândida da Silva, Armezinda Alves, Edson Almeida Miranda, Izolina Rodrigues da Silva, Rosa Cardoso dos Santos e Rosa Maria Gomas, após minuciosa análise de cada um, concluiu que, embora a ré tenha descumprido as normas procedimentais do INSS, o benefício previdenciário era realmente devido.

Em suas palavras (ID Num. 90807338 - Págs. 132-135):

1.7. Conclusões acerca da Parte 1

Da análise dos seis procedimentos administrativos é possível identificar que todos se referem à concessão do benefício de amparo assistencial ao idoso.

Em nenhum deles foi juntado aos autos cópia das pesquisas realizadas nos sistemas no INSS por ocasião da concessão, de forma que a ré, de fato, não observava o disposto no § 2° do art. 624 da Instrução Normativa INSS/DC n° 118, de 14 de abril de 2015.

(...)

Ademais, em alguns casos os requerentes não compareceram à agência do INSS e não constam dos respectivos procedimentos administrativos as procurações. Dessarte, também não foi observado o disposto no art. 398 da Instrução Normativa INSS/DC n° 118, de 14 de abril de 2005.

Entretanto, verifico que nesses casos, o benefício recebido pelo marido/esposa era no valor de um salário mínimo.

De conseguinte, não se pode desconsiderar o disposto no art. 34 do Estatuto do Idoso, in verbis:

(...)

Dessa forma, ainda que se possa verificar o descumprimento de normas procedimentais por parte da ré com relação a esses benefícios, seja por falta da juntada da procuração, seja por falta de pesquisa nos sistemas, não é possível verificar o prejuízo ao erário, pois os benefícios concedidos não eram indevidos. Em outras lavras, os requerentes possuíam o direito ao benefício.

Já quanto ao segundo grupo, integrado pelos segurados remanescentes Lydia Roma, Nair Olímpia Nunes e Mariana Honorato de Oliveira, o r. Julgador Singular também reconheceu o descumprimento das normas procedimentais do INSS, contudo, os benefícios concedidos eram indevidos, restando configurada a prática do ato de improbidade administrativa;

Em suas palavras (ID Num. 90807338 - Págs. 142-145):

2.4. Conclusões acerca da Parte 2

De forma similar aos benefícios tratados na parte 1, da análise desses três procedimentos administrativos é possível identificar que todos se referem à concessão do benefício de amparo assistencial ao idoso.

De igual forma, no caso dos requerimentos formulados por Nair Olímpia Nunes e Mariana Honorato de Oliveira, embora tenha sido juntada declaração de separação de fato, em nenhum deles foi juntado aos autos cópia das pesquisas realizadas nos sistemas no INSS por ocasião da concessão, de forma que a ré, de fato, não observava o disposto no art. 624 da Instrução Normativa INSS/DC n° 118, de 14 de abril de 2005.

(...)

As três requerentes viviam em união estável e seus companheiros recebiam benefício em valor superior ao salário mínimo.

Dessarte, a concessão dos três benefícios foi irregular em razão do não cumprimento das normas regulamentares (art. 398 e 624 da Instrução Normativa INSS/DC n° 118, de 14 de abril de 2005) e os benefícios eram indevidos.

(...)

No caso dos autos, a concessão indevida do benefício de amparo assistencial a Lydia Romã, Nair Olímpia Nunes e Mariana Honorato de Oliveira resultaram em prejuízo econômico do INSS, pois as requerentes não cumpriram o requisito hipossuficiência (renda per capta inferior a 1/4 do salário mínimo) necessário para o recebimento de tais benefícios assistenciais.

Entretanto, não ficou demonstrado que referidas concessões foram realizadas a título de dolo, ou seja, que a ré tinha a vontade livre e consciente de conceder o benefício especificamente a Lydia Romã, Nair Olimpia Nunes e Mariana Honorato de Oliveira em prejuízo do INSS. Também não ficou comprovado que a ré tinha pleno conhecimento que referidos benefícios eram indevidos.

Verifica-se que em nenhum momento as requerentes dos benefícios informaram que conheciam a ré. Também não ficou demonstrado qualquer conluio entre a ré e os intermediários, ônus que competia ao INSS. De igual forma, não restou comprovado o -- recebimento pela ré de qualquer quantia para conceder referidos benefícios. Dessa forma, não vislumbro o dolo.

Contudo, a desídia em não cumprir as disposições regulamentares que tinha ciência configura grave ineficiência funcional, pois a ausência da diligência com o trato da coisa pública, no caso, análise dos requisitos para concessão de benefício previdenciário, ensejou a concessão indevida dos benefícios em flagrante prejuízo ao erário.

Nesse passo, oportuno consignar que a ré, na condição de servidora pública, tinha o dever de conhecer a legislação referente à concessão dos benefícios, inclusive as instruções normativas. Entretanto, ficou demonstrado que ela não realizava as pesquisas no sistema, tampouco exigia a procuração no caso de atuação de intermediários.

No dispositivo, o r. Juízo a quo julgou parcialmente procedente o pedido, nos termos do art. 269, I, do CPC/73, condenando a ré pela prática dos atos de improbidade administrativa prescritos nos arts. 10, I, VII e XII e 11, caput e I, todos da LIA, determinando a indenização integral ao erário nos valores indevidamente pagos a Lydia Romã, Nair Olímpia Nunes e Mariana Honorato de Oliveira.

Condenou-a, ainda, ao pagamento dos honorários advocatícios em favor da União, fixado em R$ 3.000,00 (três mil reais).

 

Do mérito recursal

Analisando os autos, de fato, resta comprovado que a ré não efetuou as pesquisas necessárias para conceder os 9 (nove) benefícios assistenciais de amparo social ao idoso aqui discutidos, contrariando as determinações contidas na Instrução Normativa INSS nº 118/2005.

Para além das conclusões firmadas pela Comissão do PAD e do Parecer da AGU, a r. sentença transcreveu partes dos depoimentos colhidos nos autos do PAD.

Indagada acerca do procedimento para a concessão do benefício previdenciário em discussão (BPC/LOAS), a ré afirmou que não realizava consultas nos sistemas em caso de apresentação de declaração de separação de fato, contudo o fazia por orientação da chefia:

TERCEIRA PERGUNTA: quais as orientações emanadas das chefias quanto à habilitação e concessão de benefícios de prestação continuada - PBC/LOAS, à época dos fatos noticiados no presente processo disciplinar? RESPOSTA: na época dos fatos, a chefia orientava que os servidores aceitassem a declaração de separação de fato, sem necessidade de pesquisa por demandar mais tempo de causar represamento de processos. Havia recomendação e pressão para que houvesse mais agilidade na habilitação e concessão dos benefícios. QUARTA PERGUNTA: em que momento do atendimento era procedida a identificação do requerente do BPC? RESPOSTA: no momento da habilitação era identificado pelo seu RG ou carteira de trabalho. Que neste momento era conferida a assinatura do requerente, mediante a documentação pessoal e se todos os documentos necessários à concessão do benefício. (...) SÉTIMA PERGUNTA: quanto o requerente declarava que era separado de fato, que procedimentos o servidor deveria adotar? RESPOSTA: na época dos fatos, conferia a cópia da certidão de casamento, que geralmente não havia a averbação. Quando a averbação estava consignada na certidão de casamento não havia a necessidade de preencher a declaração de separação de fato, o que deveria ser obrigatório caso esta não estivesse consignada. Uma vez aceita a declaração de separação de fato, não havia necessidade de se promover outro tipo de consulta. Aduz que a pesquisa não poderia ser efetuada por falta de servidores e demanda de maior tempo, a declaração por si só teria valia.

A referida afirmação defensiva, além de não ter sido demonstrada nos autos, vai de encontro ao art. 624, § 2º, da Instrução Normativa INSS nº 118/2005, vigente na época dos fatos, que, ao tratar do benefício assistencial de amparo social ao idoso previsto na Lei nº 8.742/93, assim previa:

§ 2º Se o benefício for requerido por cônjuge separado de fato, que declarar não ter meios de prover a própria manutenção e também não possa esta ser provida por sua família, após consulta nos dados do Sistema, e sendo confirmadas as informações prestadas, caberá a concessão do benefício, desde que atendidas as demais condições, ficando vedada qualquer diligência, salvo dúvida fundada.

Ora, o dispositivo acima descrito é expresso ao prever a obrigação do servidor em consultar os sistemas previdenciários quando da análise do direito ao benefício assistencial.

Assim, ainda que tenha existido uma orientação superior para não realizar estas consultas, por se tratar de uma ordem manifestamente ilegal, a ré não teria que atendê-la.

Inclusive, no mesmo PAD, outros servidores do INSS afirmaram que a consulta ao sistema era um procedimento obrigatório:

Claudio José Vistue Rios

TERCEIRA PERGUNTA: quais as orientações emanadas das chefias quanto à habilitação e concessão de benefícios de prestação continuada - PBC/Loas, à época dos fatos noticiados no presente processo disciplinas? RESPOSTA: seguir estritamente as normas legais e regulamentares (IN e LOAS). QUARTA PERGUNTA: quando o requerente declarava que era separado de fato, que procedimentos o servidor deveria adotar? RESPOSTA: o procedimento adotado era o de fazer uma declaração, cujo modelo era fornecido pela agência, que deveria ser preenchida pelo próprio requerente, cujo modelo era fornecido pela agência, que deveria ser preenchida pelo próprio requerente, ou por outrem, a pedido deste, caso o requerente fosse analfabeto, e assinada por duas testemunhas que conheciam o fato. Havendo dúvida fundada, o servidor procedia uma "entrevista" com o requerente, fazendo-lhe algumas perguntas, com intuito de saná-la quanto a veracidade ou não da separação de fato. Caso as dúvidas fossem dirimidas, o servidor efetuava a concessão. Ao contrário, solicitava uma pesquisa externa na residência do interessado e na sua vizinhança para verificar se o casal se encontrava, de fato, vivendo junto.

Alessandra Ferez Frig

SEGUNDA PERGUNTA: quais eram os critérios adotados na APS/Aricanduva, à época dos fatos (2005), na habilitação dos benefícios assistenciais? RESPOSTA: os interessados compareciam com os formulários já preenchidos com os dados pessoais, estado civil e composição familiar. Se o requerente era casado e se encontrava separado de fato, fazia uma declaração de próprio punho, onde afirmava não viver maritalmente com o seu cônjuge. Em seguida, faziam pesquisas no sistema a fim de verificar se marido e mulher residiam no mesmo endereço e se possuíam renda. Em havendo dúvidas, emitiam uma pesquisa externa a ser realizada na casa do requerente e na sua vizinhança, visando constatar se a informação prestada pelo requerente era ou não verdadeira. Concluída a pesquisa e se nesta houvesse informações confirmando as prestadas pelo requerente, o benefício seria deferido. Caso contrário, seria indeferido. (...) QUARTA PERGUNTA: quando o requerente declarava que era separado de fato, que procedimentos o servidor deveria adotar? RESPOSTA: NA época dos fatos em apuração, quando o requerente se declarava separado de fato e o cônjuge não era declarado como parte do grupo familiar, verificava-se no sistema se o cônjuge possuía renda e qual era o endereço constante do sistema. Caso possuísse renda e o endereço coincidisse com o do requerente, seria incluído no grupo familiar e o benefício seria indeferido. Caso negativo, e o endereço fosse o mesmo, seria incluído no grupo familiar, e o benefício seria concedido, e, ainda na hipótese de possuir renda e endereço diferente, existindo dúvida, emitiria uma pesquisa para verificação in loco.

Ao final do PAD, o Ministro do Estado da Previdência Social acolheu a manifestação da Consultoria Jurídica, demitindo a ré com incurso no art. 117, IX, c/c o art. 132, XIII, ambos da Lei nº 8.112/90 (ID Num. 90807139 - Pág. 39):

Art. 117.  Ao servidor é proibido:

(...)

IX - valer-se do cargo para lograr proveito pessoal ou de outrem, em detrimento da dignidade da função pública;

Art. 132.  A demissão será aplicada nos seguintes casos:

XIII - transgressão dos incisos IX a XVI do art. 117.

A ré, ao adotar um procedimento que não estava em consonância com o disposto na Instrução Normativa INSS nº 118/2005, violou deveres funcionais, concedendo benefícios assistenciais sem que se tivesse a certeza, ao menos naquele momento, de que os segurados cumpriram os requisitos da Lei nº 8.742/93.

Diante da regra da independência das instâncias punitivas, cumpre analisar se estes mesmos fatos podem ser capitulados como atos de improbidade administrativa tipificados nos arts. 10, I, VII e XII e 11, todos da LIA, conforme defende o INSS em sua exordial.

Na sentença, embora o r. Juízo Singular tenha reconhecido que a ré não observou algumas disposições da Instrução Normativa INSS n° 118/2015, aferiu as consequências destas condutas irregulares dividindo os 9 (nove) segurados em dois grupos: o primeiro, composto por aqueles que realmente faziam jus ao benefício assistencial; e o segundo, composto por aqueles que não tinham este direito.

Assim, aos olhos do Magistrando sentenciante, ainda que concedido sem os devidos cuidados, o benefício assistencial era devido aos segurados do primeiro grupo, de modo que não haveria efetivo prejuízo ao erário. Cuida-se, inclusive, de tese encampada pelo representante da Procuradoria Regional da República da 3ª Região em seu parecer (ID Num. 90807339 - Pág. 76).

O INSS, no entanto, contesta a conclusão, afirmando que “essa demanda não se reveste de cunho previdenciário, mas sim de cunho de responsabilidade para com a Administração Pública” (ID Num. 90807339 - Pág. 2).

Além disso, afirma que “os beneficiários não demonstraram terem preenchido o quesito miserabilidade, consoante previsão contida no §3°, artigo 20, da Lei 8.742/93” (ID Num. 90807339 - Pág. 8).

De fato, a questão aqui analisada versa sobre a responsabilidade funcional-administrativa, e não sobre o preenchimento dos requisitos para a concessão de um benefício pela autarquia previdenciária.

No entanto, não se pode afirmar que o raciocínio empregado na r. sentença seria equivocado, já que, para analisar a existência ou não do prejuízo ao erário, houve por bem o Magistrado em se debruçar sobre cada um dos segurados para aferir o preenchimento dos requisitos do benefício assistencial ao idoso.

Como se sabe, o Direito é uma ciência una, apenas se dividindo em ramos ou matérias por questões pedagógicas e/ou funcionais. Daí porque, ao apreciar o caso concreto, o Julgador analisa a questão sob múltiplas facetas, decidindo a lide com base no Direito como um todo, e não apenas naquilo que é alegado pelas partes.

Deve-se ressaltar que na época da prolação da sentença (setembro/14) vigorava o CPC/1973. E sob a égide do Diploma anterior, não existia regra semelhante ao art. 10 do CPC/2015, que positiva o princípio da vedação à decisão surpresa.

Daí porque a questão do preenchimento dos requisitos do benefício assistencial somente fora ventilada originariamente na própria sentença, não tendo o INSS a oportunidade de se manifestar em outra ocasião, salvo em grau de apelação.

De todo o modo, para a solução do caso em análise, não será necessário adentrar às particularidades do Direito Previdenciário.

Antes da edição da Lei nº 14.230/21, era pacífico o entendimento do E. Superior Tribunal de Justiça de que, “para que seja reconhecida a tipificação da conduta do réu como incurso nas prescrições da Lei de improbidade Administrativa, é necessária a demonstração do elemento subjetivo, consubstanciado pelo dolo para os tipos previstos nos artigos 9º e 11 e, ao menos, pela culpa , nas hipóteses do artigo 10” (AgInt no REsp 1570402/SE, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 03/04/2018, DJe 23/04/2018).

Com a edição da referida Lei, o legislador excluiu a modalidade culposa para a configuração do ato de improbidade administrativa:

Art. 1º O sistema de responsabilização por atos de improbidade administrativa tutelará a probidade na organização do Estado e no exercício de suas funções, como forma de assegurar a integridade do patrimônio público e social, nos termos desta Lei.

§ 1º Consideram-se atos de improbidade administrativa as condutas dolosas tipificadas nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, ressalvados tipos previstos em leis especiais.

§ 2º Considera-se dolo a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, não bastando a voluntariedade do agente.

Esta exclusão pode ser claramente percebida na redação do art. 10 da LIA, o único entre os tipos legais que admitia a modalidade culposa.

Com efeito, em sua redação originária, o art. 10 da LIA era assim descrito:

Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente:

Com a edição da Lei nº 14.230/2021, este dispositivo passou a ter a seguinte redação:

Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão dolosa, que enseje, efetiva e comprovadamente, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente:

Destaque-se que a extinção da modalidade culposa da improbidade administrativa foi reconhecida pelo E. Supremo Tribunal Federal quando da análise do ARE 843.989, o qual originou o Tema nº 1.199:

2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa, é irretroativa, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes;

Ao analisar esta questão, o Exmo. Ministro Relator Alexandre de Moraes assim aduziu (grifei):

A alteração legislativa significativa, portanto, diz respeito à revogação da previsão legal de ato de improbidade administrativa culposo, anteriormente previsto na redação originária do artigo 10 da LIA, e suas consequências em relação aos atos anteriormente praticados e decisões judiciais já proferidas; uma vez que, a partir da edição da Lei – 25 de outubro de 2021 – não há mais, no ordenamento jurídico, a tipificação para atos culposos de improbidade administrativa.

A opção do legislador em alterar a lei de improbidade administrativa com a supressão da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa – independentemente da concordância ou não com seu mérito – foi clara e plenamente válida, uma vez que é a própria Constituição Federal que delega à legislação ordinária a forma e tipificação dos atos de improbidade administrativa e a gradação das sanções constitucionalmente estabelecidas (CF, art. 37, §4º).

No entanto, ao discorrer sobre os efeitos jurídicos desta revogação para os processos já julgados e para os que estão em tramitação, o Exmo. Ministro Relator realizou a seguinte distinção (grifei):

Ao revogar a modalidade culposa do ato de improbidade administrativa, entretanto, a Lei 14.230/2021, não trouxe qualquer previsão de “anistia” geral para todos aqueles que, nesses mais de 30 anos de aplicação da LIA, foram condenados pela forma culposa de artigo 10; nem tampouco determinou, expressamente, sua retroatividade ou mesmo estabeleceu uma regra de transição que pudesse auxiliar o intérprete na aplicação dessa norma – revogação do ato de improbidade administrativa culposo – em situações diversas como ações em andamento, condenações não transitadas em julgado e condenações transitadas em julgado.

(...)

A análise conjunta desses vetores interpretativos nos conduz à conclusão de que o princípio da retroatividade da lei penal, consagrado no inciso XL do artigo 5º da Constituição Federal (“a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”) não tem aplicação automática para a responsabilidade por atos ilícitos civis de improbidade administrativa, por ausência de expressa previsão legal e sob pena de desrespeito à constitucionalização das regras rígidas de regência da Administração Pública e responsabilização dos agentes públicos corruptos com flagrante desrespeito e enfraquecimento do Direito Administrativo Sancionador.

O inciso XL deve ser interpretado em conjunto com o inciso XXXVI, ambos do artigo 5º da Constituição Federal.

(...)

A norma mais benéfica prevista pela Lei nº 14.230/2021 – revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa –, portanto, não é retroativa e, consequentemente, não tem incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; uma vez que, nos termos do artigo 5º, XXXVI:

(...)

Ressalte-se, entretanto, que apesar da irretroatividade, em relação a redação anterior da LIA, mais severa por estabelecer a modalidade culposa do ato de improbidade administrativa em seu artigo 10, vige o princípio da não ultra-atividade, uma vez que não retroagirá para aplicar-se a fatos pretéritos com a respectiva condenação transitada em julgado, mas tampouco será permitida sua aplicação a fatos praticados durante sua vigência mas cuja responsabilização judicial ainda não foi finalizada.

Isso ocorre pelo mesmo princípio do tempus regit actum, ou seja, tendo sido revogado o ato de improbidade administrativa culposo antes do trânsito em julgado da decisão condenatória, não é possível a continuidade de uma investigação, de uma ação de improbidade ou mesmo de uma sentença condenatória com base em uma conduta não mais tipificada legalmente, por ter sido revogada.

Não se trata de retroatividade da lei, uma vez que todos os atos processuais praticados serão válidos, inclusive as provas produzidas – que poderão ser compartilhadas no âmbito disciplinar e penal –; bem como a ação poderá ser utilizada para fins de ressarcimento ao erário.

Entretanto, em virtude ao princípio do tempus regit actum, não será possível uma futura sentença condenatória com base em norma legal revogada expressamente.

O conceito de improbidade está intimamente relacionado à noção de desonestidade e de má-fé do agente causador. Daí porque meras irregularidades administrativas, praticadas sem o efetivo propósito de incorrer nas condutadas expressamente dispostas nos arts. 9º a 10, deixaram de ostentam gravidade suficiente para se qualificarem com atos ímprobos.

Nesse sentido, transcrevo importante lição do eminente Ministro Teori Zavascki:

Quando se constata uma ilegalidade, isso por si só não gera sanção política, sanção administrativa, sanção pecuniária da improbidade. Pode até gerar a nulidade do contrato, mas não a sanção pessoal de quem praticou o ato. Se fosse assim, qualquer ato ilegal necessariamente acarretaria a improbidade, e não se podem confundir as coisas (REsp 1.038.777/SP, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 03/02/2011, DJe 16/03/2011)

É essa exatamente a situação tratada nos autos, uma vez que as omissões praticadas pela ré se qualificam como equívocos ou erros administrativos, não podendo, assim, ser enquadradas como atos de improbidade administrativa.

No relatório produzido no PAD, a Comissão Processante foi categórica ao afirmar que a ré não foi acusada de intermediar a concessão dos benefícios assistenciais:

21. Bom é lembrar que a servidora NADIA, em nenhum momento, foi acusada de intermediar benefícios. Entretanto, ela agiu de forma temerária ao conceder os benefícios em questão sem os devidos cuidados e ao arrepio das normas reitoras da matéria.

Já na sentença, ao reconhecer que alguns segurados não tinham direito ao benefício, o r. Juízo Singular não detectou a presença de dolo nas omissões verificadas pela ré:

No caso dos autos, a concessão indevida do benefício de amparo assistencial a Lydia Romã, Nair Olímpia Nunes e Mariana Honorato de Oliveira resultaram em prejuízo econômico do INSS, pois as requerentes não cumpriram o requisito hipossuficiência (renda per capta inferior a 1/4 do salário mínimo) necessário para o recebimento de tais benefícios assistenciais.

Entretanto, não ficou demonstrado que referidas concessões foram realizadas a título de dolo, ou seja, que a ré tinha a vontade livre e consciente de conceder o benefício especificamente a Lydia Romã, Nair Olimpia Nunes e Mariana Honorato de Oliveira em prejuízo do INSS. Também não ficou comprovado que a ré tinha pleno conhecimento que referidos benefícios era indevidos.

Verifica-se que em nenhum momento as requerentes dos benefícios informaram que conheciam a ré. Também não ficou demonstrado qualquer conluio entre a ré e os intermediários, ônus que competia ao INSS. De igual forma, não restou comprovado o -- recebimento pela ré de qualquer quantia para conceder referidos benefícios. Dessa forma, não vislumbro o dolo.

Ressalte-se que nas duas ações penais em que fora absolvida, o órgão acusador também não conseguiu demonstrar que a ré atuou dolosamente para conceder os benefícios assistenciais, nem que havia conluio com os segurados beneficiados:

Ação Penal nº 0014698-29.2007.403.6181 (ID Num. 90807139 - Pág. 169)

Como bem consignou o representante do Ministério Público Federal em sede de memoriais (fls. 851), embora a ré NÁDIA tenha feito de forma equivocada a concessão do benefício assistencial, não há provas nos autos de que ela tenha deixado de realizar as pesquisas necessárias com o fim de garantir a concessão do benefício fraudulento, nem se verifica do acervo probatória alguma ligação de NÁDIA com as rés SANDRA ou VERONICE, afigurando-se, pois, efetivamente frágil o quadro probatório para embasar conclusão de que a ré tenha in casu agido em conluio com as demais acusadas e de forma dolosa, sendo de rigor sua absolvição, com fulcro no art. 386, inc, VII do Código de Processo Penal.

Ação Penal nº 0008017-72.2009.403.6181 (ID Num. 90807338 - Pág. 54)

A materialidade encontra-se evidenciada nos autos. Em relação à autoria, entendo não haver, nos elementos probatórios colacionados ao longo da instrução penal, situação caracterizadora de comportamento doloso pela ré.

Com efeito, não há nos autos nenhum elemento a comprovar que a ré conhecia ou mantinha conversa com o beneficiário. Tampouco há algo de concreto a trazer a certeza de ter obrado a ré, dolosamente, no cômputo do suspeito alvo deste processo. Há, outrossim, meros indícios de ter sido ela a funcionária que deferiu o pedido de benefício em comento. De outra via, crível se verifica a tese da defesa, no sentido de que a ré exercia o oficio sem ter recebido treinamento adequado por parte da autarquia.

A imputação por ato de improbidade administrativa ostenta os atributos da responsabilidade subjetiva, ou seja, não basta a constatação do dano e a comprovação do nexo de causalidade para que os agentes sejam condenados, sendo imprescindível demonstrar o elemento volitivo de cada um dos agentes na concretização da violação ao erário público (art. 10) ou aos princípios administrativos (art. 11).

Com efeito, as irregularidades descritas no citado Relatório do PAD demonstram que a ré atuou com negligência e/ou imperícia. Mas isso não quer dizer que as suas condutas foram ímprobas.

Não sendo possível inferir do conjunto probatório a existência do dolo em causar o prejuízo ao erário e/ou o acordo entre as partes para a concessão do benefício assistencial, tenho que não há como prevalecer a condenação da ré tão somente por ela ter descumprido alguns dispositivos da Instrução Normativa INSS/DC nº 118/2005.

Assim, não tendo sido comprovado que a parte ré atuou de forma dolosa para causar o alegado prejuízo ao erário, não há como imputar-lhe a conduta tipificada no art. 10 da LIA.

Pelo mesmo fundamento, ou seja, a ausência de dolo, também não há como condená-la nos termos do art. 11 da LIA.

Deve-se ressaltar que a análise feita nestes autos está adstrita ao campo da responsabilidade civil por ato de improbidade administrativa.

Em outras palavras, o fato de este Relator concluir que as omissões e irregularidades imputadas à ré não configuram ato de improbidade administrativa, não acarreta qualquer reflexo na seara administrativa-funcional.

Isto porque, a demissão da ré foi fundamentada no inciso XIII (“transgressão dos incisos IX a XVI do art. 117”) e não no inciso IV (“improbidade administrativa”), ambos do art. 132 da Lei nº 8.112/90.

Assim, a sua demissão funcional permanece incólume, ao menos com relação a este feito.

Outro ponto que precisa ser enfrentado é a condenação imposta na r. sentença e o recurso de apelação interposto pela ré.

Na sentença, houve improcedência do pedido com relação aos segurados do primeiro grupo (Antônia Cândida da Silva, Armezinda Alves, Edson Almeida Miranda, Izolina Rodrigues da Silva, Rosa Cardoso dos Santos e Rosa Maria Gomas), e condenação quanto aos segurados do segundo grupo (Lydia Roma, Nair Olímpia Nunes e Mariana Honorato de Oliveira).

Em seu apelo, contudo, a ré apenas requereu o provimento do seu recurso com base exclusivamente nas absolvições penais em relação aos benefícios concedidos para o Edson Almeida Miranda e Lydia Romã.

O art. 1.013 do CPC dispõe que a apelação “devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada”.

Acerca dos limites do efeito devolutivo, ensina Marcus Vinicius Rios Goncalves que:

O órgão ad quem deverá observar os limites do recurso, conhecendo apenas aquilo que foi contestado. Se o recurso é parcial, o tribunal não pode, por força do efeito devolutivo, ir além daquilo que é objeto da pretensão recursal.

Ele é consequência da inércia do Judiciário: não lhe cabe reapreciar aquilo que, não tendo sido impugnado, presume-se aceito pelo interessado. Também no que concerne aos recursos, o Judiciário só age mediante provocação, limitando-se a examinar o objeto do recurso (ressalvadas as matérias de ordem pública, que serão objeto de exame no item concernente ao efeito translativo).

(in Direito Processual Civil. São Paulo: Editora Saraiva, 2022. E-book).

E por se tratar de demanda envolvendo o Poder Público, incide o reexame necessário (art. 496 do CPC), devendo a sua extensão ser aferida nos termos da Súmula nº 45/STJ:

Súmula nº 45/STJ: No reexame necessário, é defeso, ao Tribunal, agravar a condenação imposta à Fazenda Pública.

Analisando o apelo da ré (ID Num. 90807338 - Págs. 160-172), não se vislumbra qualquer insurgência quanto ao dispositivo da sentença que a condenou por ato de improbidade administrativa com relação aos segurados Nair Olímpia Nunes e Mariana Honorato de Oliveira. E quanto a Lydia Romã, o único argumento defensivo foi a transcrição da sentença absolutória penal.

Ora, dada esta delimitação no campo cognitivo da apelação, tenho que, com relação aos segurados Nair Olímpia Nunes e Mariana Honorato de Oliveira, não existe via processual adequada para reformar o dispositivo da r. sentença, seja porque não restou expressamente impugnada, seja por força da Súmula nº 45/STJ.

Quanto a Lydia Romã, embora o fundamento utilizado já tenha sido afastado, houve, ao menos, uma expressa irresignação por parte da recorrente.

E quanto a Edson Almeida Miranda a autora carece de interesse recursal pois restou absolvida em primeiro grau por força do benefício que lhe foi concedido.

Assim, as conclusões firmadas no presente voto apenas atingem a parte da sentença condenatória com relação à segurada Lydia Romã.

Por fim, diante do entendimento ora firmado, fica prejudicada a análise da arguição incidental de inconstitucionalidade material das alterações do art. 11 da Lei nº 8.429/92.

 

Dos honorários advocatícios

Com relação aos honorários advocatícios, a C. Corte Especial do E. Superior Tribunal de Justiça, nos autos do EAREsp 962.250/SP, consolidou o entendimento de que, em Ação Civil Pública, por força do princípio da simetria, não há condenação em honorários advocatícios da parte requerida quando inexistente a má-fé, tal como ocorre com a parte autora, conforme o disposto no art. 18 da Lei nº 7.347/85:

PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DISSENSO CONFIGURADO ENTRE O ARESTO EMBARGADO E ARESTO PARADIGMA ORIUNDO DA QUARTA TURMA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA INTENTADA PELA UNIÃO. CONDENAÇÃO DA PARTE REQUERIDA EM HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ. DESCABIMENTO. ART. 18 DA LEI N. 7.347/1985. PRINCÍPIO DA SIMETRIA. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

1. Trata-se de recurso interposto em ação civil pública, de que é autora a União, no qual pleiteia a condenação da parte requerida em honorários advocatícios, sob o fundamento de que a regra do art. 18 da Lei n. 7.347/1985 apenas beneficia o autor, salvo quando comprovada má-fé.

2. O acórdão embargado aplicou o princípio da simetria, para reconhecer que o benefício do art. 18 da Lei n. 7.347/1985 se aplica, igualmente, à parte requerida, visto que não ocorreu má-fé. Assim, o dissenso para conhecimento dos embargos de divergência ocorre pelo confronto entre o aresto embargado e um julgado recente da eg. Quarta Turma, proferido nos EDcl no REsp 748.242/RJ, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, julgado em 12/4/2016, DJe 25/4/2016.

3. Com efeito, o entendimento exposto pelas Turmas, que compõem a Primeira Seção desta Corte, é no sentido de que, "em favor da simetria, a previsão do art. 18 da Lei 7.347/1985 deve ser interpretada também em favor do requerido em ação civil pública. Assim, a impossibilidade de condenação do Ministério Público ou da União em honorários advocatícios - salvo comprovada má-fé - impede serem beneficiados quando vencedores na ação civil pública" (STJ, AgInt no AREsp 996.192/SP, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 30/8/2017). No mesmo sentido: AgInt no REsp 1.531.504/CE, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 21/9/2016; AgInt no REsp 1.127.319/SC, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJe 18/8/2017; AgInt no REsp 1.435.350/RJ, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 31/8/2016; REsp 1.374.541/RJ, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, DJe 16/8/2017.

4. De igual forma, mesmo no âmbito da Terceira e Quarta Turmas do Superior Tribunal de Justiça, ainda que o tema não tenha sido analisado sob a óptica de a parte autora ser ente de direito público - até porque falece, em tese, competência àqueles órgãos fracionários quando num dos polos da demanda esteja alguma pessoa jurídica de direito público -, o princípio da simetria foi aplicado em diversas oportunidades: AgInt no REsp 1.600.165/SP, Rel. Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, julgado em 20/6/2017, DJe 30/6/2017; REsp 1.438.815/RN, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 22/11/2016, DJe 1º/12/2016; REsp 1.362.084/RJ, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 16/5/2017, DJe 1º/8/2017.

5. Dessa forma, deve-se privilegiar, no âmbito desta Corte Especial, o entendimento dos órgãos fracionários deste Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que, em razão da simetria, descabe a condenação em honorários advocatícios da parte requerida em ação civil pública, quando inexistente má-fé, de igual sorte como ocorre com a parte autora, por força da aplicação do art. 18 da Lei n. 7.347/1985.

6. Embargos de divergência a que se nega provimento.

(EAREsp 962.250/SP, Rel. Ministro Og Fernandes, Corte Especial, julgado em 15/08/2018, DJe 21/08/2018)

Cumpre destacar que, com a vigência da Lei nº 14.230/21, o entendimento acima descrito encontra-se agora positivado no § 2º, do art. 23-B, da LIA:

Art. 23-B. Nas ações e nos acordos regidos por esta Lei, não haverá adiantamento de custas, de preparo, de emolumentos, de honorários periciais e de quaisquer outras despesas.

(..)

§ 2º Haverá condenação em honorários sucumbenciais em caso de improcedência da ação de improbidade se comprovada má-fé.

No caso, não verifico atuação de má-fé do INSS ao propor esta demanda, já que embasou sua linha argumentativa com base no PAD em que culminou com a demissão da ré.

Assim, como a r. sentença a condenou ao pagamento de honorários sucumbenciais fixados em R$ 3.000,00 (três mil reais), tem-se que deve ser reformado.

Adoto o mesmo o argumento para afastar a condenação da parte vencida ao pagamento das custas e despesas processuais.

 

Do dispositivo

Ante o exposto, dou parcial provimento à apelação da ré para afastar a condenação por ato de improbidade administrativa em relação à segurada Lydia Romã e ao pagamento dos honorários sucumbenciais, e nego provimento aos recursos de apelação do INSS e do MPF e à remessa oficial, tida por submetida.

É como voto.

 

 

 

 

 

 

 


Des. Fed. Wilson Zauhy:

Peço vênia ao eminente Relator para dele divergir apenas no que se refere ao conhecimento da remessa oficial em ação de improbidade administrativa.

Não há dúvidas de que a Lei 14.230/2021 buscou racionalizar o sistema repressivo da improbidade administrativa, trazendo critérios mais rígidos para que as gravosas sanções previstas pela Lei 8.429/1992 fossem aplicadas pelo Poder Judiciário. A preocupação do novo diploma legal restou evidenciada na redação que imprimiu ao art. 1º, §4º, da Lei 8.429/1992, em que se estabelece o seguinte: “Aplicam-se ao sistema de improbidade disciplinado nesta Lei os princípios constitucionais do direito administrativo sancionador”.

Por aí já se percebe que a aplicação de sanções por atos de improbidade não pode ocorrer de qualquer forma ou sob qualquer pretexto. Antes, cabe ao Poder Judiciário observar, no exercício dessa tarefa, toda a pletora de direitos, garantias e princípios fundamentais que o Estado de Direito assegura às pessoas acusadas de determinado ato ilícito.

Ora, um dos mais basilares princípios que informam o Direito Sancionador é o da retroatividade da norma mais benéfica, com previsão expressa no art. 5º, XL, da Constituição Federal de 1988. Note-se que, embora esse preceptivo constitucional mencione a retroatividade da lei penal mais benéfica ao réu, sua incidência para o sistema da improbidade administrativa se revela também possível, na medida em que as normas previstas pela Lei 8.429/1992, de teor nitidamente sancionatório, assumem inegável gravidade para o acusado e reclamam, por conseguinte, uma semelhante cautela em sua aplicação.

A propósito, o C. STJ já destacava a possibilidade de se estender as normas de proteção do acusado na esfera penal para o sistema de responsabilização administrativa mesmo antes da edição da Lei 14.230/2021, conforme se constata do seguinte aresto jurisprudencial:

“DIREITO ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. PRINCÍPIO DA RETROATIVIDADE DA LEI MAIS BENÉFICA AO ACUSADO. APLICABILIDADE. EFEITOS PATRIMONIAIS. PERÍODO ANTERIOR À IMPETRAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULAS 269 E 271 DO STF. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973. APLICABILIDADE.

(...)

III - Tratando-se de diploma legal mais favorável ao acusado, de rigor a aplicação da Lei Municipal n. 13.530/03, porquanto o princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica, insculpido no art. 5º, XL, da Constituição da República, alcança as leis que disciplinam o direito administrativo sancionador. Precedente.

(...)

VI - Recurso em Mandado de Segurança parcialmente provido.” (grifei)

(RMS n. 37.031/SP, relatora Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, julgado em 8/2/2018, DJe de 20/2/2018.)

Nesse contexto, a Lei 14.230/2021 imprimiu uma modificação que claramente se reveste da condição de norma mais benéfica ao réu: cuida-se do art. 17-C, §3º, da LIA, de acordo com a qual a remessa necessária não será mais cabível nas ações judiciais que visem responsabilizar agentes públicos e terceiros por atos de improbidade administrativa.

A aplicação do art. 19 da Lei 4.717/1965, disciplinadora da ação popular, por analogia à ação de improbidade já era bastante controvertida mesmo antes da Lei 14.230/2021. Se, de um lado, o microssistema da tutela coletiva visava resguardar o interesse público em defesa do patrimônio social, de outro era inegável que estender essa norma ao sistema da improbidade revelava algumas dificuldades, ante o teor sancionatório da LIA. Visando dirimir a controvérsia, o C. STJ chegou a afetar o assunto ao rito dos recursos repetitivos, como se percebe de seu Tema 1.042:

“Definir se há – ou não – aplicação da figura do reexame necessário nas ações típicas de improbidade administrativa, ajuizadas com esteio na alegada prática de condutas previstas na Lei 8.429/1992, cuja pretensão é julgada improcedente em primeiro grau.

Discutir se há remessa de ofício nas referidas ações típicas, ou se deve ser reservado ao autor da ação, na postura de órgão acusador – frequentemente o Ministério Público – exercer a prerrogativa de recorrer ou não do desfecho de improcedência da pretensão sancionadora”.

Neste momento, porém, fica evidente que a afetação do Tema 1.042 já não tem uma razão de ser, na medida em que a própria lei passou a prever a impossibilidade de se submeter as ações de improbidade ao reexame necessário. Levando em consideração que a legislação passou a tratar especificamente sobre esse assunto, a Corte Superior cancelou o Tema 1.042 dos recursos repetitivos, não chegando nem mesmo a fixar um entendimento definitivo sobre tal aspecto, motivo pelo qual fica afastado o requerimento de sobrestamento da demanda formulado pelo Parquet federal.

Ainda que assim não fosse, tecnicamente sequer haveria de se falar em retroatividade, dado que a LIA, em sua redação anterior, não previa essa modalidade de reexame, tendo a jurisprudência tomado de empréstimo disciplina prevista em lei diversa.

Mas mesmo que assim se compreenda, trazendo o art. 17-C, §3º, da LIA uma regra mais benéfica ao réu, pode ela, inclusive, ser aplicada retroativamente aos acusados, na forma do entendimento do C. STJ, exemplificado no aresto acima transcrito. Por consequência, não poderia o MPF sustentar o conhecimento da remessa necessária com recurso ao art. 19 da Lei 4.717/1965, pois a própria Lei 8.429/1992, alterada pela Lei 14.230/2021, passou a dispor diretamente sobre a questão, tratando-a em termos mais favoráveis aos réus.

Em conclusão, há de se fixar premissa no sentido de que, em se cuidando de processo com natureza sancionatória, a ausência de recurso por parte do titular do pedido punitivo não pode devolver ao Estado-juiz o papel sancionador por meio do reexame necessário, pena de se conferir ao ente julgador o duplo papel de acusador-julgador, diante do manifesto desinteresse do titular da pretensão.

Pelo exposto, divergindo em parte do eminente Relator, voto por não conhecer da remessa oficial com base no art. 17-C, §3º, da LIA, acompanhando, no mais, o voto de Sua Excelência, tudo conforme a fundamentação supra.

É como voto.

 


E M E N T A

 

ADMINISTRATIVO. PROCESSO CIVIL. APELAÇÃO E REMESSA NECESSÁRIA, TIDA POR SUBMETIDA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. NÃO COMPROVAÇÃO DE DOLO. LEI Nº 14.230/2021.

1. Está submetida à remessa oficial a sentença que julgar improcedente o pedido formulado em Ação Civil Pública, conforme aplicação analógica do art. 19 da Lei nº 4.717/1965 (Lei da Ação Popular).

2. De acordo com a petição inicial, NÁDIA FERNANDA, então ocupante do cargo de analista previdenciário do INSS, concedeu irregularmente 9 (nove) benefícios assistenciais.

3. Infere-se que, com a edição da Lei nº 14.230/2021, foi extinta a modalidade culposa da improbidade administrativa, entendimento o qual foi reconhecido pelo E. Supremo Tribunal Federal quando da análise do ARE 843.989, o qual originou o Tema nº 1.199.

4. O conceito de improbidade está intimamente relacionado à noção de desonestidade e de má-fé do agente causador. Daí porque meras irregularidades administrativas, praticadas sem o efetivo propósito de incorrer nas condutadas expressamente dispostas nos arts. 9º a 10, deixaram de ostentam gravidade suficiente para se qualificarem com atos ímprobos.

5. Não sendo possível inferir do conjunto probatório a existência do dolo em causar o prejuízo ao erário e/ou o acordo entre as partes para a concessão do benefício assistencial, tenho que não há como prevalecer a condenação da ré tão somente por ela ter descumprido alguns dispositivos da Instrução Normativa INSS/DC nº 118/2005.

6. Não tendo sido comprovado que a parte ré atuou de forma dolosa para causar o alegado prejuízo ao erário, não há como imputar-lhe a conduta tipificada no caput do art. 10 da LIA. Pelo mesmo fundamento, ou seja, a ausência de dolo, também não há como condená-la nos termos do art. 11 da LIA.

7. Com relação aos honorários advocatícios, a C. Corte Especial do E. Superior Tribunal de Justiça, nos autos do EAREsp 962.250/SP, consolidou o entendimento de que, em Ação Civil Pública, por força do princípio da simetria, não há condenação em honorários advocatícios da parte requerida quando inexistente a má-fé, tal como ocorre com a parte autora, conforme o disposto no art. 18 da Lei nº 7.347/85.

10. Apelação da ré parcialmente provido. Apelações do INSS e do MPF e remessa oficial improvidos.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Quarta Turma, à unanimidade decidiu dar parcial provimento à apelação da ré para afastar a condenação por ato de improbidade administrativa em relação à segurada Lydia Romã e ao pagamento dos honorários sucumbenciais, e negar provimento aos recursos de apelação do INSS e do MPF e, por maioria, decidiu negar provimento à remessa oficial, tida por submetida, nos termos do voto do Des. Fed. MARCELO SARAIVA (Relator), com quem votou, o Des. Fed. ANDRÉ NABARRETE. Vencido, parcialmente, o Des. Fed. WILSON ZAUHY que não conhecia da remessa oficial com base no art. 17-C, §3º, da LIA. Fará declaração de voto o Des. Fed. WILSON ZAUHY , nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.