APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000436-50.2017.4.03.6108
RELATOR: Gab. 45 - DES. FED. ANTONIO MORIMOTO
APELANTE: MARIA BARBOSA DE OLIVEIRA MAGRIN
Advogados do(a) APELANTE: LIVIA FERNANDES FERREIRA - SP266720-A, PAULO GERVASIO TAMBARA - SP11785-A
APELADO: UNIÃO FEDERAL
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000436-50.2017.4.03.6108 RELATOR: Gab. 45 - DES. FED. ANTONIO MORIMOTO APELANTE: MARIA BARBOSA DE OLIVEIRA MAGRIN Advogados do(a) APELANTE: LIVIA FERNANDES FERREIRA - SP266720-A, PAULO GERVASIO TAMBARA - SP11785-A APELADO: UNIÃO FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O EXMO. DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO MORIMOTO (RELATOR): Trata-se de apelação interposta por MARIA BARBOSA DE OLIVEIRA MAGRIN em face da r. sentença proferida pelo MM. Juízo da 3ª Vara Federal de Bauru que, no bojo de ação de usucapião por ela promovida em face da UNIÃO, julgou improcedente o pedido. Cuida-se, na origem, de ação de usucapião ajuizada pela apelante objetivando a declaração de domínio de imóvel situado na Rua Dr. Alberto Salles, nº 591, localizado em Avaí/SP. Declara a apelante que possui a posse mansa, pacífica, pública e ininterrupta do imóvel, conforme cópia de contrato firmado que anexa aos autos. Afirma que adquiriu o imóvel de Sebastião Barbosa de Oliveira e Aparecida Conceição Domingues de Oliveira, que, por sua vez, adquiriram o imóvel de Cícero Costa da Silva, conforme instrumento particular firmado em 27/1/1994. Relata que, de acordo com mapa e memorial descritivo do imóvel, pôde constatar que o imóvel usucapiendo possui os seguintes confrontantes: a) José Carlos dos Santos, localizado na Rua Coronel Juvêncio Silva, nº 251; b) Sebastião Militão de Lima, com endereço na Rua Coronel Juvêncio Silva, s/n (esquina com a avenida Dr. Alberto Salles) e o c) Sebastião Barbosa de Oliveira, com endereço na Rua Dr. Alberto Salles, nº 779, todos em Avaí/SP. Por fim, sustenta que exerce a posse por longo período e com animus domini, conforme fazem prova os documentos que traz aos autos. Em 30/7/2014, a autora peticionou informando que os imóveis lindeiros não estão regularizados no Cartório de Registro de Imóveis, motivo pelo qual requereu a realização de perícia no imóvel usucapiendo (id 269090900, fls. 114). O d. perito apresentou laudo (id 269090900, fls. 130 a 141) no qual concluiu que a área usucapienda está localizada na Rua Alberto Salles, nº 591, Centro, Avaí/SP, bem como que o imóvel está inserido em área do antigo leito da Rede Ferroviária Federal S/A, hoje sob o domínio da Superintendência Regional do Patrimônio da União. O expert juntou, ainda, a planta e memorial descritivo do imóvel. Em 3/11/2016, o MM. Juízo da 7ª Vara Cível de Bauru determinou a inclusão da Rede Ferroviária Federal S/A no polo passivo e, por conseguinte, determinou a remessa dos autos a uma das Varas da 8ª Subseção Judiciária Federal de Bauru (id 269090900, fls. 167). Em 23/6/2017, a UNIÃO peticionou alegando que, de acordo com informações prestadas pelo DNIT, a área usucapienda faz parte de áreas não operacionais pertencentes à extinta RFFSA, as quais, nos termos da Lei 11.483/2007, pertencem à União e são geridas pela Superintendência do Patrimônio da União em São Paulo, bem como a impossibilidade de aquisição de áreas públicas por usucapião. Ao final, pugnou pela improcedência total dos pedidos (id 269090900, fls. 179 a 185). A Fazenda Pública do Estado de São Paulo (id 269090915) e o Município de Avaí (id 269090919) peticionaram informando que não possuem interesse na demanda. Em parecer, o MPF pugnou pela improcedência do pedido sob o fundamento de que, em relação a bens originariamente integrantes do acervo de estradas de ferro incorporadas pela União à Rede Ferroviária Federal S/A, aplica-se o disposto no art. 200 do Decreto-lei nº 9760/1946, segundo o qual bens imóveis, seja qual for a sua natureza, não são sujeitos à usucapião (id 269090923). Em 7/6/2022, foi prolatada sentença, julgando improcedente o pedido, nos termos do art. 487, I, do CPC, sob o fundamento de que os bens das antigas ferrovias, que foram sucedidos no tempo, jamais deixaram a esfera pública dominial, sendo impossíveis de serem adquiridos por usucapião (Súmula 340 do STF). Condenada a autora ao pagamento de verba sucumbencial arbitrada em R$2.000,00, por critério equitativo, nos termos do art. 85, §8º, do CPC, observada a gratuidade de justiça (id 269090927). A autora apelou alegando: a) que o mapa anexado ao laudo demonstra que a faixa do antigo leito da RFFSA foi completamente incorporada ao crescimento do Município de Avaí, uma vez que nela não existem indicativos de que se trate de antiga área da extinta companhia; b) que o imóvel sub judice encontra-se devidamente cadastrado junto à municipalidade que, por duas ocasiões, expediu certidões indicando a regularidade da área usucapienda, de maneira que o imóvel estaria cadastrado sob a matrícula "002.0004.015.00 ou setor 002 quadra 004 e lote 015"; c) que em 1997 firmou contrato de aquisição da posse do imóvel usucapiendo com Aparecida Conceição Domingues Oliveira e seu esposo Sebastião Barbosa de Oliveira; d) que, de acordo com a Lei 11.483/2007, foram transferidos para a União os bens considerados não operacionais a partir de 22/1/2007 (art. 2º) e que, por contar com 14 anos de posse mansa, pacífica e ininterrupta na referida data, o bem já não estava mais sob o domínio da RFFSA diante da natureza declaratória da usucapião; e) que no local existem moradias de pessoas de baixa renda, devendo ser tomado em consideração o direito à moradia e a função social da propriedade; f) que faz jus à usucapião, por analogia, ao art. 12 da Lei 11.483/2007, que garante aos ocupantes de baixa renda de imóveis não-operacionais residenciais oriundo da extinta RFFSA cuja ocupação seja comprovadamente anterior a 6/4/2005 o direito à aquisição por venda direta do imóvel. Pugna pela reforma da r. sentença (id 269090931). A UNIÃO apresentou contraminuta (id 269090941). Em parecer, a Procuradoria Regional da República pugnou pelo não provimento do recurso, ratificando o parecer apresentado pelo órgão ministerial em primeiro grau (id 269347159). Vieram os autos à conclusão. É o relatório. jsg
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000436-50.2017.4.03.6108 RELATOR: Gab. 45 - DES. FED. ANTONIO MORIMOTO APELANTE: MARIA BARBOSA DE OLIVEIRA MAGRIN Advogados do(a) APELANTE: LIVIA FERNANDES FERREIRA - SP266720-A, PAULO GERVASIO TAMBARA - SP11785-A APELADO: UNIÃO FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O EXMO. DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO MORIMOTO (RELATOR): Dos fatos Busca a apelante a reforma da r. sentença, a fim de que seja declarado o seu domínio sobre o imóvel situado na Rua Dr. Alberto Salles, nº 591, localizado em Avaí/SP. Relata que firmou contrato de aquisição da posse do imóvel no ano de 1997, contando tempo superior ao exigido em lei para declaração de domínio sobre o bem, bem como que este se encontra cadastrado junto ao município sob a matrícula nº 002.0004.015.00. Aduz que o art. 2º da Lei 11.483/2007 declara que foram transferidos para a União os bens considerados não operacionais a partir de 22/1/2007 e que, por contar com mais de 14 anos de posse mansa, pacífica e ininterrupta na aludida data, o bem já não estaria mais sob o domínio da RFFSA, uma vez que a usucapião tem natureza declaratória. Por fim, sustenta que deve ser tomado em consideração o direito à moradia e a função social da propriedade. Pugna pela reforma da r. sentença. Do mérito Cinge-se a controvérsia em declarar se o imóvel sub judice é passível de ser usucapido, nos termos do artigo 183 da Constituição Federal. Art. 183 da CF. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. O imóvel urbano, cuja usucapião pretende a demandante, está inserido em área do antigo leito da Rede Ferroviária Federal S/A (id 269090900, fls. 130 a 141) e faz parte do acervo não-operacional transferido para a administração da Superintendência do Patrimônio da União, conforme se verifica do laudo acostado aos autos. À luz de tais elementos, é de se concluir que a área na qual se insere o imóvel ocupado pela parte autora é bem público. Dentre as características que envolvem os bens submetidos ao regime jurídico de direito público, podemos destacar a sua inalienabilidade e sua imprescritibilidade. O art. 1º da Lei 6.428/77 declarou que "aos bens originariamente integrantes do acervo das estradas de ferro incorporadas pela União, à Rede Ferroviária Federal S.A., nos termos da lei número 3.115, de 16 de março de 1957, aplica-se o disposto no art. 200 do Decreto-lei número 9.760, de 5 de setembro de 1946". Art. 200 do Decreto-lei 9.760/46. Os bens imóveis da União, seja qual for a sua natureza, não são sujeitos a usucapião. O § 3º do art. 183 da CF dispõe que os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião. Ainda nesse sentido, o Código Civil, no art. 102, preceitua que "Os bens públicos não estarão sujeitos a usucapião". Não é outro o entendimento do Supremo Tribunal Federal, ao editar a Súmula de nº 340, in verbis: "Desde a vigência do Código Civil, os bens dominicais, como os demais bens públicos, não podem ser adquiridos por usucapião". A corroborar a impossibilidade de usucapir bens originariamente integrantes do acervo das estradas de ferro incorporadas pela União, colaciono entendimento do C. Superior Tribunal de Justiça e desta E. Corte: "PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. USUCAPIÃO. IMÓVEL PERTENCENTE À REDE FERROVIÁRIA FEDERAL S.A.- RFFSA. IMPOSSIBILIDADE DE USUCAPIÃO. PRECEDENTES DO STJ. ALEGADA VIOLAÇÃO AO ART. 1022 DO CPC/2015. NÃO VERIFICADA. DISSONÂNCIA DO ACÓRDÃO REGIONAL COM JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. ACOLHIMENTO DA DIVERGÊNCIA. I - Trata-se de ação de usucapião extraordinária contra a União, objetivando a declaração de domínio de imóvel constituído de terreno e benfeitoria, tendo em vista a aquisição e posse do referido bem por sucessão que, somado ao tempo dos antecedentes, remonta ao ano de 1951. II - Esclarecem, ainda, da viabilidade da reivindicação do imóvel por usucapião, porquanto a aquisição do bem usucapiendo teria ocorrido antes da edição da Medida Provisória n. 246, de 06/04/2005, pela qual foram transferidos à União os bens imóveis da extinta Rede Ferroviária Federal AS – RFFSA. III - A ação foi julgada improcedente na primeira instância. O Tribunal a quo reformou a decisão monocrática entendendo tratar-se a RFFSA de sociedade de economia mista, não se aplicando a regra prevista à Fazenda Pública, sendo cabível a prescrição aquisitiva em face de seus bens, ainda porque comprovado pelos autores o exercício da posse pelo prazo legal. IV - Não há violação do art. 535 do CPC/1973 (art. 1.022 do CPC/2015) quando o Tribunal a quo se manifesta clara e fundamentadamente acerca dos pontos indispensáveis para o desate da controvérsia, apreciando-a fundamentadamente (art. 165 do CPC/1973 e art. 489 do CPC/2015), apontando as razões de seu convencimento, ainda que de forma contrária aos interesses da parte, como verificado na hipótese. V - Com relação à alegada contrariedade aos arts. 1°, g e l, e 200 do Decreto n. 9.760 de 1.946, do art. 4° da Lei n. 3.115 de 1.957, e do art. 1º da Lei n. 6.428 de 1.977 e 102 do Código Civil, o Tribunal a quo firmou posicionamento de ser possível a usucapião dominical de área pertencente a RFFSA, porquanto o prazo para a prescrição aquisitiva foro preenchido antes da incorporação dos bens à União. VI - Tal fundamento encontra-se em dissonância com o entendimento jurisprudencial desta Corte Superior, no sentido de que “aos bens originariamente integrantes do acervo das estradas de ferro incorporadas pela União, à Rede Ferroviária Federal S.A., nos termos da Lei número 3.115, de 16 de março de 1957, aplica-se o disposto no artigo 200 do Decreto-lei número 9.760, de 5 de setembro de 1946, segundo o qual os bens imóveis, seja qual for a sua natureza, não são sujeitos a usucapião” (AgRg no REsp 1159702/SC, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 07/08/2012, DJe 10/08/2012). Nesse sentido: REsp 1639895/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 14/03/2017, DJe 20/04/2017 e AgInt no REsp 1461329/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 15/09/2016, DJe 21/09/2016. VII - Nesse passo, o dissídio jurisprudencial suscitado também merece acolhida. VIII - Agravo interno improvido" (STJ, AgInt no REsp n. 1.825.886/SC, relator Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 23/11/2021, DJe de 25/11/2021, g.n.). “PROCESSO CIVIL. CIVIL. AGRAVO NO RECURSO ESPECIAL. USUCAPIÃO IMÓVEL PERTENCENTE À REDE FERROVIÁRIA FEDERAL S.A - RFFSA. ESTRADA DE FERRO DESATIVADA - IMPOSSIBILIDADE DE SER USUCAPIDO. - Aos bens originariamente integrantes do acervo das estradas de ferro incorporadas pela União, à Rede Ferroviária Federal S.A., nos termos da Lei número 3.115, de 16 de março de 1957, aplica-se o disposto no artigo 200 do Decreto-lei número 9.760, de 5 de setembro de 1946, segundo o qual os bens imóveis, seja qual for a sua natureza, não são sujeitos a usucapião. Precedentes. - Agravo regimental não provido.” (STJ, AgRg no REsp nº 1159702/SC, 3ª Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, v.u., j. 7.8.2012, Dje-STJ, de 10.8.2012) CONSTITUCIONAL, CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. USUCAPIÃO. IMÓVEL LOCALIZADO ÁREA DE PROPRIEDADE DA ANTIGA REDE FERROVIÁRIA FEDERAL S/A. IMPOSSIBILIDADE DE USUCAPIÃO. APELAÇÃO NÃO PROVIDA. 1. De início, cumpre registrar o entendimento pacificado no âmbito do C. Superior Tribunal de Justiça acerca da impossibilidade de usucapião de imóveis pertencentes à Rede Ferroviária Federal S/A, por terem natureza jurídica de bens públicos. 2. No caso dos autos, o imóvel objeto da demanda, com 1.037 m² está localizado dentro de uma área de 5.130 m² pertencente à antiga FEPASA, nos termos do que demonstra a documentação acostada pelo DNIT. 3. Segundo vistoria realizada pelo Ministério dos Transportes, comprovada documentalmente, o imóvel é de propriedade e domínio da extinta Rede Ferroviária Federal S/A, atualmente sucedida pela União. 4. Sobreleva notar, ainda, que não é possível a desafetação do bem público por meio de usucapião, tendo em vista a expressa vedação do artigo 183, § 3º, da CF. Outrossim, a ocupação de área pública, quando irregular, não pode ser reconhecida, sequer, como posse, nos termos do que dispõe o artigo 1.208 do CC. 5. Não se deve olvidar, também, que no entorno de ferrovias deve ser respeitada a chamada área “non aedificandi”, que consubstancia uma limitação administrativa a impedir qualquer pessoa de realizar construções, sob pena de cometimento de esbulho possessório, nos termos do artigo 4º, inciso III, da Lei n. 6.766/79. 6. Desta feita, considerado que a documentação acostada aos autos comprova que o imóvel está localizado nas proximidades de linha férrea e em área de propriedade da antiga RFFSA, de rigor a manutenção da r. sentença ora recorrida, nos exatos termos em que prolatada. 7. Apelação não provida. (TRF3, AC 0001132-82.2015.4.03.6132, relator Des. Fed. HELIO NOGUEIRA, Primeira Turma, julgado em 08/04/2021, DJe 09/04/2021). Ademais, o fato de o imóvel estar cadastrado junto à municipalidade não afasta a conclusão supra, pois a ocupação de imóvel público não induz a posse. Nesse sentido, é o entendimento desta Corte Regional: DIREITO CIVIL. PROPRIEDADE. USUCAPIÃO. BEM PÚBLICO. IMPOSSIBILIDADE. O CARÁTER PÚBLICO DO BEM NÃO PERMITE A OCORRÊNCIA DE POSSE DO PARTICULAR. ARTIGO 183, § 3º, DA CF. ARTIGO 102 DO CC/2002. ARIGO 200 DO DECRETO 9.760/46. SÚMULA 340 DO STF. POSTERIOR DECLARAÇÃO DE DESAPROPRIAÇAO DO BEM POR UTILIDADE PÚBLICA. (...) 5. Da impossibilidade da aquisição do bem por meio de Usucapião. No caso em tela, há óbice à concessão do provimento pleiteado pelo Apelante pelos seguintes motivos: a) o documento de fls. 47/48 dos autos revela a área originalmente foi adquirida pela Caixa Econômica Estadual de São Paulo, através de Arrematação realizada junto ao 1º Ofício da 1ª Vara dos Feitos da Fazenda Estadual, no mês de junho de 1956; b) a Escritura de Doação, datada de 30/10/1974, firmada entre a Caixa Econômica do Estado de São Paulo S/A e a União (fls. 86/91), informa que trata-se de bem público, portanto, insuscetível, de usucapião, nos termos do artigo 183, § 3º, da Constituição Federal e c) os bens públicos da União não podem ser adquiridos por usucapião, nos termos do artigo 200 do Decreto n. 9.760/46 e artigo 102 do Código Civil de 2002. 6. Dispõe a Súmula n. 340 do STF: "Desde a vigência do Código Civil, os bens dominicais, como os demais bens públicos, não podem ser adquiridos por usucapião". 7. Da Desapropriação do bem. O Decreto Estadual n. 22.416, de 29/06/1984, assinado pelo Excelentíssimo Governador do Estado de São Paulo Senhor André Franco Montoro, publicado em 30/06/1984, decretou a Desapropriação, por utilidade pública, do imóvel rural denominado Fazenda Picinguaba, situado no Município de Ubatuba, de propriedade da Caixa Econômica do Estado de São Paulo S/A, conforme demonstram os documentos de fls. 455/457-verso. A desapropriação do imóvel pelo Poder Público torna inviável a procedência da Ação, porque não há como considerar que a Autora, ora Apelante, atendeu aos requisitos do artigo 550 do Código Civil de 1.916, justamente por se tratar de bem público. Dispõe o artigo 373, inciso II, do CPC: "O ônus da prova incumbe: ........ II- ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. Por outro lado, o Réu, ora Apelado, comprovou a existência de fato impeditivo, modificativo do direito do Autor para usucapir. Além disso, pode ser constatado nos autos, diante dos fatos e das provas apresentadas, que Autor, ora Apelante, nunca deteve a posse com a intenção de dono. A mera ocupação não gera posse e inviabiliza a usucapião de bem público. 8. O caráter público do bem não permite a ocorrência de posse, mesmo diante de ocupação por um curto período de tempo. Ademais, os bens públicos não são suscetíveis de afetação particular, porque têm destinação pública, não podendo ser objeto de usucapião, penhora ou alienação e estão fora do comércio de direito privado, portanto, não estão sujeitos à posse. Diante da natureza do bem, o réu não tem qualquer direito para que o recurso Apelação seja provido, porque o simples decurso do tempo não tem o condão de gerar direito ao usucapião, nos termos do enunciado da Súmula n. 340 do STF. (...) 10. Apelação improvida. (TRF3 – ApCiv n. 0275941-50.1981.4.03.6100/SP, Rel. Des. Federal HÉLIO NOGUEIRA, 1ª Turma, J. 18/09/2018, e-DJF3 25/09/2018, g.n.) Por fim, rejeito a alegação do direito a usucapião por analogia ao direito de aquisição, por venda direta, trazido pelo art. 12 da Lei 11.483/07 aos ocupantes de imóvel não-operacional residencial, oriundo da extinta RFFSA. Pressuposto da analogia é a existência de regra jurídica aplicável a caso semelhante. Nas palavras de Maximiliano, "a analogia consiste em aplicar a uma hipótese não prevista em lei a disposição relativa a um caso semelhante" (Hermenêutica e aplicação do Direito - 5ª edição. Freitas Bastos: Rio de Janeiro, p. 255). "Descoberta a razão íntima, fundamental, decisiva de um dispositivo, o processo analógico transporta-lhe o efeito e a sanção a hipóteses não previstas, se nas mesmas se encontram elementos idênticos aos que condicionam a regra positiva. Há, portanto, semelhança de casos concretos e identidade de substância jurídica", op. cit. p. 257. Assim, a alegação já não se sustentaria diante da impossibilidade de se usucapir imóveis originariamente integrantes do acervo das estradas de ferro incorporadas pela União. Além disso, a Lei 11.483/07, ao dispor sobre a revitalização do setor ferroviário, transferiu os bens imóveis da extinta RFFSA à União (art. 2º), notadamente ao Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes - DNIT (art. 8º), possibilitando aos ocupantes de baixa renda dos imóveis não-operacionais residenciais a aquisição por venda direta do imóvel (art. 12, caput), caso haja manifestação de interesse no prazo de até 30 dias a contar da notificação a ser realizada pelo órgão competente (art. 12, § 2º). A regra jurídica cuja aplicação se reclama por analogia não dispensa o pagamento de contrapartida ao Poder Público, ainda que módica pelos bens imóveis não-operacionais residenciais, oriundos da extintas RFFSA. Não há semelhanças substanciais entre bens com cuja venda espera o erário arrecadar recursos e a aquisição não remunerada de imóvel, ainda que fundada em posse longa, ininterrupta e sem oposição. Art. 12 da Lei 11.483/07. Aos ocupantes de baixa renda dos imóveis não-operacionais residenciais oriundos da extinta RFFSA cuja ocupação seja comprovadamente anterior a 6 de abril de 2005 é assegurado o direito à aquisição por venda direta do imóvel, nas condições estabelecidas nos arts. 26 e 27 da Lei no 9.636, de 15 de maio de 1998. Art. 26 da Lei 9.636/98. Em se tratando de projeto de caráter social para fins de moradia, a venda do domínio pleno ou útil observará os critérios de habilitação e renda familiar fixados em regulamento, podendo o pagamento ser efetivado mediante um sinal de, no mínimo, 5% (cinco por cento) do valor da avaliação, permitido o seu parcelamento em até 2 (duas) vezes e do saldo em até 300 (trezentas) prestações mensais e consecutivas, observando-se, como mínimo, a quantia correspondente a 30% (trinta por cento) do valor do salário mínimo vigente. Verba honorária Nos termos do artigo 85, § 11º do CPC, majoro a verba honorária para R$ 2.500, observados os benefícios da assistência judiciária gratuita concedidos à parte autora. Conclusão Ante o exposto, nego provimento ao apelo, observada a majoração da verba honorária acima explicitada. É como voto.
E M E N T A
DIREITO CIVIL. USUCAPIÃO. IMÓVEL LOCALIZADO EM ANTIGO LEITO DA RFFSA. BEM INCORPORADO AO PATRIMÔNIO DA UNIÃO POR FORÇA DE LEI. BEM PÚBLICO. IMPOSSIBILIDADE.
- Busca a apelante a reforma da r. sentença, a fim de que seja declarado o seu domínio sobre o imóvel situado em Avaí/SP. Cinge-se a controvérsia em declarar se o imóvel sub judice é passível de ser usucapido, nos termos do artigo 183 da Constituição Federal.
- O imóvel urbano, cuja usucapião pretende a demandante, está inserido em área do antigo leito da Rede Ferroviária Federal S/A e faz parte do acervo não-operacional transferido para a administração da Superintendência do Patrimônio da União, conforme se verifica do laudo acostado aos autos.
- A área na qual se insere o imóvel ocupado pela parte autora é bem público. O art. 1º da Lei 6.428/77 declarou que "aos bens originariamente integrantes do acervo das estradas de ferro incorporadas pela União, à Rede Ferroviária Federal S.A., nos termos da lei número 3.115, de 16 de março de 1957, aplica-se o disposto no art. 200 do Decreto-lei número 9.760, de 5 de setembro de 1946: Os bens imóveis da União, seja qual for a sua natureza, não são sujeitos a usucapião".
- O § 3º do art. 183 da CF dispõe que os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião. Ainda nesse sentido, o Código Civil, no art. 102, preceitua que "Os bens públicos não estarão sujeitos a usucapião". Não é outro o entendimento do Supremo Tribunal Federal, ao editar a Súmula de nº 340, in verbis: "Desde a vigência do Código Civil, os bens dominicais, como os demais bens públicos, não podem ser adquiridos por usucapião". Precedentes do C. STJ e desta Corte.
- O fato de o imóvel estar cadastrado junto à municipalidade não afasta a conclusão supra, pois a ocupação de imóvel público não induz a posse. Precedente desta Corte Regional.
- Rejeitada a alegação do direito a usucapião por analogia ao direito de aquisição, por venda direta, trazido pelo art. 12 da Lei 11.483/07 aos ocupantes de imóvel não-operacional residencial, oriundo da extinta RFFSA. A regra jurídica cuja aplicação se reclama por analogia não dispensa o pagamento de contrapartida ao Poder Público, ainda que módica pelos bens imóveis não-operacionais residenciais, oriundos da extintas RFFSA. Não há semelhanças substanciais entre bens com cuja venda espera o erário arrecadar recursos e a aquisição não remunerada de imóvel, ainda que fundada em posse longa, ininterrupta e sem oposição.
- Nos termos do artigo 85, § 11º do CPC, majorada a verba honorária para R$ 2.500, observados os benefícios da assistência judiciária gratuita concedidos à parte autora.
- Apelo não provido.