Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
1ª Seção

CONFLITO DE COMPETÊNCIA CÍVEL (221) Nº 5028638-30.2023.4.03.0000

RELATOR: Gab. 45 - DES. FED. ANTONIO MORIMOTO

SUSCITANTE: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE CAMPO GRANDE/MS - 6ª VARA FEDERAL

SUSCITADO: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE CAMPO GRANDE/MS - 4ª VARA FEDERAL

OUTROS PARTICIPANTES:

PARTE AUTORA: JURANDY VELLEDA
 

ADVOGADO do(a) PARTE AUTORA: MARCIO ANTONIO DE SOUSA - MS22925-A

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
1ª Seção
 

CONFLITO DE COMPETÊNCIA CÍVEL (221) Nº 5028638-30.2023.4.03.0000

RELATOR: Gab. 45 - DES. FED. ANTONIO MORIMOTO

SUSCITANTE: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE CAMPO GRANDE/MS - 6ª VARA FEDERAL

SUSCITADO: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE CAMPO GRANDE/MS - 4ª VARA FEDERAL

OUTROS PARTICIPANTES:

PARTE AUTORA: JURANDY VELLEDA

ADVOGADO do(a) PARTE AUTORA: MARCIO ANTONIO DE SOUSA - MS22925-A

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

 

O EXMO. DES. FED. ANTONIO MORIMOTO (RELATOR):

Trata-se de conflito negativo de competência suscitado pelo juízo da 6ª Vara Federal de Campo Grande/MS em face do juízo da 4ª Vara Federal de Campo Grande/MS, na ação de usucapião extraordinária n.º 5003815-68.2022.4.03.6000, ajuizada por Jurandy Velleda contra Edilaine Assef Maslum, em que se pede o reconhecimento da propriedade originária sobre o imóvel denominado Fazenda Lembrança, matrícula n.º 15.458 do 1º CRI de Bandeirantes/MS.

A ação subjacente iniciou na justiça estadual (Vara da Comarca de Rio Negro/MS - autos n.º 0800697-62.2022.8.12.0048) e depois foi encaminhada à justiça federal em razão do interesse da União na causa.

Isso porque o imóvel que se pretende usucapir é objeto de penhora na execução fiscal n.º 0006494-64.2001.4.03.6000, movida pela União e em trâmite na 6ª Vara Federal de Campo Grande/MS. No mesmo juízo, tramitam os embargos de terceiros n.º 0001107-38.2019.4.03.6000, ajuizados pelo autor da ação de usucapião subjacente.

Na federal, a ação subjacente (usucapião extraordinária) foi distribuída ao juízo da 4ª Vara Federal de Campo Grande/MS (suscitado), que, em razão dos sobreditos embargos de terceiros, declinou da competência em favor da 6ª Vara Federal de Campo Grande/MS (suscitante), especializada em execuções fiscais, por entender que cabe ao da 6ª decidir sobre a conexão que justificou a remessa dos autos à justiça federal (ID 281143680).

Por sua vez, o juízo da 6ª Vara Federal de Campo Grande/MS suscitou o conflito de competência. Afirmou ter competência absoluta para execuções fiscais, conforme Provimento CJFR3 nº 25/2017, e que nesta norma não há previsão para julgamento de ação de usucapião; que se trata de norma que define competência funcional, consistente em regra de competência absoluta. Sustentou que somente é competente para o julgamento das execuções - e seus respectivos embargos, medidas cautelares fiscais e ações exclusivamente destinadas à antecipação de garantia de execução fiscal não ajuizada – derivadas de dívidas (tributárias ou não) regularmente inscritas em dívida ativa; que a eventual existência de conexão/prejudicialidade entre as demandas não autoriza a modificação da competência estabelecida, por ser absoluta, vedando-se, por consequência, a reunião entre a ação de usucapião e os embargos de terceiros (ID 281143679).

Foi designado o juízo da 4ª Vara Federal de Campo Grande/MS, ora suscitado, para decidir as medidas urgentes (ID 281376961).

O Ministério Público Federal manifestou-se pelo prosseguimento do feito, sem intervenção quanto ao mérito (ID 281713846).

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
1ª Seção
 

CONFLITO DE COMPETÊNCIA CÍVEL (221) Nº 5028638-30.2023.4.03.0000

RELATOR: Gab. 45 - DES. FED. ANTONIO MORIMOTO

SUSCITANTE: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE CAMPO GRANDE/MS - 6ª VARA FEDERAL

SUSCITADO: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE CAMPO GRANDE/MS - 4ª VARA FEDERAL

OUTROS PARTICIPANTES:

PARTE AUTORA: JURANDY VELLEDA

ADVOGADO do(a) PARTE AUTORA: MARCIO ANTONIO DE SOUSA - MS22925-A

 

 

 

 

V O T O

 

 

 

 

O EXMO. DES. FED. ANTONIO MORIMOTO (RELATOR):

Discordam os juízos em conflito a respeito da competência para processar e julgar a ação de usucapião, cujo imóvel usucapiendo é objeto de penhora em execução fiscal movida pela União.

Diante do interesse da União na causa, a justiça estadual encaminhou a ação de usucapião à federal.

Na federal, após livre distribuição, o juízo da 4ª Vara Federal de Campo Grande/MS (suscitado) declinou da competência em favor do juízo da 6ª Vara Federal de Campo Grande/MS (suscitante), por nele tramitar embargos de terceiros opostos para obstar a alienação judicial do imóvel usucapiendo e liberá-lo da penhora na execução fiscal movida pela União.

A questão central deste conflito é saber se há risco de prolação de decisões conflitantes ou contraditórias caso a ação de usucapião subjacente seja julgada separadamente da execução fiscal e dos embargos de terceiros que tramitam no juízo suscitante.

O conflito é procedente.

Prevê o art. 55, caput, do CPC que são conexas duas ou mais ações quando lhes for comum o pedido ou a causa de pedir, e dispõe, em seu § 1º, que os processos de ações conexas serão reunidos para decisão conjunta, salvo se um deles já houver sido sentenciado.

O § 3º do mesmo artigo, por sua vez, determina a reunião dos processos, para julgamento conjunto, que possam gerar risco de prolação de decisões conflitantes ou contraditórias caso decididos separadamente, mesmo sem conexão entre eles.

Não há razões para reunir os feitos. Além de as causas não serem conexas conforme o conceito adotado pelo art. 55, caput, do CPC, uma vez que possuem pedidos e causas de pedir diferentes, inexiste prejudicialidade entre a ação de usucapião e a execução fiscal/embargos de terceiros em que penhorado o imóvel usucapiendo.

Segundo Olavo de Oliveira Neto:

 

A conexão por prejudicialidade é uma espécie do gênero conexão, na qual existe uma relação de prejudicialidade entre as causas. Ela apresenta duas subespécies, segundo a influência que uma causa exerce sobre a outra. Se uma impede o conhecimento da outra teremos a conexão por prejudicialidade impeditiva. Se apenas influencia na decisão da outra, teremos a conexão por prejudicialidade determinativa.

Na conexão por prejudicialidade impeditiva, a causa que deve, lógica e necessariamente, ser decidida antes, torna dispensável ou impossível o conhecimento da posterior. Já na conexão por prejudicialidade determinativa, a decisão da causa anterior vincula o resultado da causa posterior, pois determina em que sentido a matéria nela contida será decidida.

(Oliveira Neto, Olavo de. Conexão por Prejudicialidade. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1994, p. 112-113).

 

A usucapião consiste em aquisição originária da propriedade. O direito de propriedade sobre o bem passa ao possuidor, que o adquire em sua plenitude, livre de eventuais ônus que recaem sobre ele; ou seja, não há transferência de domínio ou vinculação entre o proprietário anterior e o usucapiente. Assim explica Orlando Gomes, ao comentar a importância da distinção entre os modos de aquisição da propriedade:

 

A importancia da distincao reside nos efeitos que se produzem conforme o modo de aquisicao seja originario ou derivado. Se a propriedade e adquirida por modo originario, incorpora-se ao patrimonio do adquirente em toda a sua plenitude, tal como a estabelece a vontade do adquirente. Se por modo derivado, transfere-se com os mesmos atributos, restricoes e qualidades que possuia no patrimônio do transmitente, segundo conhecida paremia: nemo plus jus transferre ad alium potest quam ipse habet. E que a aquisicao derivada se condiciona a do predecessor, adquirindo o novo proprietario o direito que tinha e lhe transmitiu o antigo proprietario.

(GOMES, Orlando. Direitos Reais, 21ª edição. [Digite o Local da Editora]: Grupo GEN, 2012. E-book. ISBN 978-85-309-4392-9. Disponível em: https://app.minhabiblioteca.com.br/#/books/978-85-309-4392-9/. Acesso em: 02 abr. 2024).

 

Nesse sentido, a 3ª Turma do STJ:

 

RECURSO ESPECIAL. CIVIL. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. AQUISIÇÃO ORIGINÁRIA DA PROPRIEDADE. EFEITO LIBERATÓRIO. PENHORA. DÉBITO CONDOMINIAL. OBRIGAÇÃO PROPTER REM. NÃO SUBSISTÊNCIA.

1- Recurso especial interposto em 24/5/2022 e concluso ao gabinete em 14/12/2022.

2- O propósito recursal consiste em dizer se a aquisição originária da propriedade pela usucapião prevalece sobre o caráter "propter rem" do débito condominial de modo a autorizar a desconstituição de penhora incidente sobre o bem.

3- Em virtude dos efeitos ex tunc do reconhecimento judicial ou extrajudicial da usucapião, a titularidade do bem é concebida ao possuidor desde o momento em que satisfeitos todos os requisitos para a aquisição originária da propriedade.

4- A usucapião insere-se no rol dos modos originários de aquisição de propriedade, pois não há conexão entre o direito de propriedade que dela surge e o direito de propriedade antecedente.

5- Em razão do efeito liberatório, se a propriedade anterior se extingue pela usucapião, tudo o que gravava o bem - e lhe era acessório - também se extinguirá. Precedentes.

6- Não subsiste eventual penhora incidente sobre o bem objeto de usucapião, pois, extinguindo-se o direito de propriedade ao qual o gravame estava atrelado, não há como prevalecer os ônus que pendiam sobre o bem, ainda que destinados a garantir débito de natureza "propter rem".

7- Na hipótese dos autos, não merece reforma o acórdão recorrido, pois, revelando-se inconteste a consumação da usucapião, extinguiu-se o direito de propriedade anterior e, juntamente com ele, a penhora outrora realizada no âmbito da execução, em virtude da natureza originária da aquisição da propriedade, sendo certo, ainda, que os débitos condominiais executados são anteriores à própria posse dos embargantes.

8- Recurso especial não provido.

(REsp n. 2.051.106/SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 24/10/2023, DJe de 23/11/2023.) grifei

 

Recentemente esta 1ª Seção julgou o conflito de competência n.º 5022692-82.2020.4.03.0000, cuja discussão era semelhante à destes autos. O objeto do conflito consistia em saber se a competência para processar e julgar ação de usucapião era do juízo que a recebeu ou do juízo da execução do título extrajudicial que resultou na penhora do imóvel usucapiendo, uma vez que se pretendia a reunião dos feitos no juízo da execução hipotecária.

Após minucioso voto-vista apresentado pelo e. Desembargador Federal Nelton dos Santos, o conflito foi julgado prejudicado. Prevaleceu o entendimento de que o processo de usucapião não deveria tramitar na justiça federal, e determinou-se sua devolução à justiça estadual. Contudo, o e. Desembargador foi além e abordou em seu voto questões sobre a competência do juízo, para o caso de permanência da ação de usucapião na justiça federal. Na ocasião, defendeu a tramitação separada dos processos, por inexistir risco de prolação de decisões conflitantes ou contraditórias. Pela clareza, transcrevo trechos do voto, que se aplicam ao presente caso:

 

Deveras, nada indica ou recomenda a reunião de feitos, na medida em que não há conexão ou risco de decisões conflitantes. O único ponto em comum, entre os dois processos, é que o imóvel usucapiendo é o mesmo garantido por hipoteca e penhorado na execução. Não há identidade de pedidos e tampouco de causa de pedir, como tal entendida a fundamentação de fato e de direito deduzida em cada processo.

De outra parte, destaque-se que decisões conflitantes não se confundem com decisões incoerentes ou logicamente incongruentes. Decisões conflitantes são aquelas que não podem conviver nos planos jurídico e prático. Exemplo clássico dessa figura é a da cobrança de dívida – fundada em mora do devedor – e da consignação em pagamento – baseada em mora do credor. A reunião é imperiosa, a fim de que não se chegue a conclusões incompatíveis quanto a ser de um ou de outro a mora.

Aqui, não há risco de decisões conflitantes, podendo a demanda de usucapião ser julgada independentemente do andamento da execução hipotecária, até porque o reconhecimento da prescrição aquisitiva sobrepor-se-á, como dito, à hipoteca e à penhora.

Do mesmo modo, o curso do processo executivo não depende do julgamento do pedido de usucapião, bastando que naquele se tenha o cuidado de fazer constar, em eventual edital de praça, a existência do pedido de usucapião, a fim de que eventual interessado em arrematar o bem não alegue desconhecimento ou ignorância (Código de Processo Civil, art. 886, inciso VI). Nesse mesmo sentido, aliás, a própria autora do pedido de usucapião poderá requerer o registro, junto à matrícula do imóvel, da citação da ré, nos termos do artigo 167, inciso I, n. 21, da Lei n. 6.015/1973 (Lei dos Registros Públicos), de sorte a dar publicidade e produzir efeitos erga omnes. (grifei)

 

Com essas ponderações, concluo que os feitos não geram risco de decisões incompatíveis entre si. Nada impede que a ação de usucapião seja julgada procedente, ainda que o imóvel esteja penhorado: a consequência será a exclusão da penhora. De outro lado, isso não impede o prosseguimento da execução fiscal: julgada procedente a ação de usucapião, apenas o imóvel usucapido não sofrerá mais constrição naquela execução, mas o procedimento executivo segue para satisfação do crédito por meio de outros bens.

Ante o exposto, julgo procedente o conflito de competência e declaro competente o juízo da 4ª Vara Federal de Campo Grande/MS (suscitado) para processar e julgar o feito subjacente.

É como voto.

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

 

CONFLITO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO DE USUCAPIÃO. REUNIÃO NO JUÍZO DA EXECUÇÃO FISCAL EM QUE PENHORADO O IMÓVEL USUCAPIENDO PARA JULGAMENTO CONJUNTO. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE CONEXÃO. RISCO DE PROLAÇÃO DE DECISÕES CONFLITANTES OU CONTRADITÓRIAS QUE NÃO SE VERIFICA. CONFLITO PROCEDENTE.

- Discordam os juízos em conflito a respeito da competência para processar e julgar a ação de usucapião, cujo imóvel usucapiendo é objeto de penhora em execução fiscal movida pela União.

- Diante do interesse da União na causa, a justiça estadual encaminhou a ação de usucapião à federal.

- Na federal, após livre distribuição, o juízo da 4ª Vara Federal de Campo Grande/MS (suscitado) declinou da competência em favor do juízo da 6ª Vara Federal de Campo Grande/MS (suscitante), por nele tramitar embargos de terceiros opostos para obstar a alienação judicial do imóvel usucapiendo e liberá-lo da penhora na execução fiscal movida pela União.

- Não há razões para reunir os feitos. Além de as causas não serem conexas conforme o conceito adotado pelo art. 55, caput, do CPC, uma vez que possuem pedidos e causas de pedir diferentes, inexiste prejudicialidade entre a ação de usucapião e a execução fiscal/embargos de terceiros em que penhorado o imóvel usucapiendo.

- A usucapião consiste em aquisição originária da propriedade. O direito de propriedade sobre o bem passa ao possuidor, que o adquire em sua plenitude, livre de eventuais ônus que recaem sobre ele; ou seja, não há transferência de domínio ou vinculação entre o proprietário anterior e o usucapiente.

- Os feitos não geram risco de decisões incompatíveis entre si. Nada impede que a ação de usucapião seja julgada procedente, ainda que o imóvel esteja penhorado: a consequência será a exclusão da penhora. De outro lado, isso não impede o prosseguimento da execução fiscal: julgada procedente a ação de usucapião, apenas o imóvel usucapido não sofrerá mais constrição naquela execução, mas o procedimento executivo segue para satisfação do crédito por meio de outros bens.

- Conflito procedente para declarar competente o juízo da 4ª Vara Federal de Campo Grande/MS (suscitado).

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Primeira Seção, por unanimidade, decidiu julgar procedente o conflito de competência e declarar competente o juízo da 4ª Vara Federal de Campo Grande/MS (suscitado) para processar e julgar o feito subjacente, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.