Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
3ª Turma

AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5030126-20.2023.4.03.0000

RELATOR: Gab. 46 - DES. FED. RUBENS CALIXTO

AGRAVANTE: BANCO CENTRAL DO BRASIL

AGRAVADO: CPM DO BRASIL INDUSTRIA E COMERCIO LTDA, CARLOS EDUARDO SOTO ODIO, FRANCISCO LOFFREDO NETO

Advogado do(a) AGRAVADO: WALTER CARLOS CARDOSO HENRIQUE - SP128600-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
3ª Turma
 

AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5030126-20.2023.4.03.0000

RELATOR: Gab. 46 - DES. FED. RUBENS CALIXTO

AGRAVANTE: BANCO CENTRAL DO BRASIL

 

AGRAVADO: CPM DO BRASIL INDUSTRIA E COMERCIO LTDA, CARLOS EDUARDO SOTO ODIO, FRANCISCO LOFFREDO NETO

Advogado do(a) AGRAVADO: WALTER CARLOS CARDOSO HENRIQUE - SP128600-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

 

O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL RUBENS CALIXTO (Relator): Trata-se de agravo de instrumento interposto pelo BANCO CENTRAL DO BRASIL, com o intuito de reformar decisão que, em sede de execução fiscal ajuizada contra CPM do Brasil Indústria e Comércio Ltda, acolheu exceção de pré-executividade para extinguir o feito em relação ao excipiente Francisco Loffredo Neto, por ilegitimidade passiva, nos termos dos artigos 485, VI e 924, III do Código de Processo Civil, bem como condenou o exequente ao pagamento de honorários advocatícios fixados em R$ 10.000,00 (dez mil reais).

Sustenta o agravante, em síntese, que: i) a matéria debatida nos autos não é passível de cognição da via estreita da exceção de pré-executividade; ii)  não restou caracterizada a inércia do exequente a ensejar a decretação de prescrição intercorrente; iii) o excipiente, Sr. Francisco Loffredo Neto, é parte legítima para figurar no polo passivo da execução fiscal, tendo em vista que ocupava o cargo de diretor da executada, representando a sócia gerente Gumaco Indústria e Comércio Ltda, assinando pela empresa; iv) na época em que requerido o redirecionamento da execução fiscal, figuravam como diretores da executada (CPM do Brasil Indústria e Comércio Ltda), os senhores Carlos Eduardo Soto Odio e o excipiente, ora agravado; v) apenas em 07/05/2002, o Sr. Dinanath Waman Wahatme foi nomeado para o cargo de gerente delegado da sociedade, o que não afasta a legitimidade do agravado, porquanto, segundo estabelece o artigo 1.032 do Código Civil, a retirada do sócio não o exime da responsabilidade pelas obrigações sociais anteriores, até dois anos após averbada a resolução da sociedade.

Requer a concessão da antecipação da tutela recursal e, ao final, o provimento do agravo de instrumento “possibilitando dar continuidade aos atos executórios, inclusive em relação ao agravado, e obtenção do pagamento do crédito executado” (ID 281923110).

Postergada a apreciação do pedido de antecipação de tutela para depois do regular contraditório (ID 282034934).

Em contraminuta, o agravado alega, em suma, que: i) o agravo de instrumento é inadmissível, ante a falta de impugnação específica dos fundamentos da decisão, eis que a peça recursal apenas reiterou os exatos termos da impugnação à exceção de pré-executividade apresentada nos autos originários, inclusive tratando de prescrição intercorrente, matéria estranha à decisão agravada; ii) quanto ao mérito, não compunha o quadro societário ou a diretoria da executada (CPM) e da empresa "Gumaco" na época dos fatos geradores e nem no momento da constatação da suposta dissolução irregular, visto que se retirou da "Gumaco" em 22/12/1997 e da diretoria da CPM em 15/12/1998, tendo ambas as alterações contratuais sido devidamente averbadas na JUCESP; iii) apesar de a decisão agravada não ter se manifestado acerca da prescrição intercorrente, sem prejuízo do debate, discorre que houve a sua consumação em decorrência do decurso de prazo superior a 6 (seis) anos desde a ciência pelo BACEN da impossibilidade de localização da devedora principal; e iv) sendo o recurso desprovido, afigura-se cabível a majoração dos honorários advocatícios, em atenção ao artigo 85, § 11 do Código de Processo Civil (ID 282180596).

Interposto agravo interno pelo BACEN contra decisão que postergou a análise do pedido de antecipação de tutela (ID 282735710).

Contraminuta de agravo interno (ID 282948895).

É o relatório.

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
3ª Turma
 

AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5030126-20.2023.4.03.0000

RELATOR: Gab. 46 - DES. FED. RUBENS CALIXTO

AGRAVANTE: BANCO CENTRAL DO BRASIL

 

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V O T O

 

 

 

O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL RUBENS CALIXTO (Relator): 

Inicialmente, não se conhece das alegações do agravante no tocante à prescrição intercorrente, uma vez que a matéria não foi objeto de exame na r. decisão agravada.

Cinge-se a controvérsia em decidir acerca do redirecionamento, para o gerente da sociedade, de execução fiscal de crédito não tributário na hipótese de dissolução irregular da pessoa jurídica originalmente executada. 

O agravante pugna pela reforma da decisão que a acolheu a exceção de pré-executividade, para extinguir o feito em relação ao excipiente Francisco Loffredo Neto, por ilegitimidade passiva, nos termos dos artigos 485, VI e 924, III do Código de Processo Civil.

A exceção de pré-executividade, construção doutrinária com respaldo jurisprudencial, é uma forma de defesa do devedor no âmbito do processo de execução, independentemente de qualquer garantia do Juízo, e que pode ser utilizada desde que o direito do devedor seja aferível de plano, mediante exame das provas produzidas desde logo.

Trata-se, portanto, de instrumento processual incompatível com a dilação probatória, assim como evidencia a súmula 393 do Superior Tribunal de Justiça (A exceção de pré-executividade é admissível na execução fiscal relativamente às matérias conhecíveis de ofício que não demandem dilação probatória).

Desse modo, para que seja acolhida pelo Juízo, exige-se a apresentação de prova pré-constituída pela parte (requisito formal), aliada à natureza de ordem pública da matéria arguida (requisito material). É nesse sentido a jurisprudência do STJ, como se depreende do REsp nº 1.912.277:

"EMENTA PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. EXCEÇÃO DE PRÉEXECUTIVIDADE. ILEGITIMIDADE PASSIVA. MATÉRIA PASSÍVEL DE CONHECIMENTO DE OFÍCIO PELO JUIZ. NECESSIDADE DE PROVA PRÉCONSTITUÍDA. COMPLEMENTAÇÃO. POSSIBILIDADE.

1. Recurso especial interposto em 16/07/2020 e concluso ao gabinete em 07/014/2021.

2. O propósito recursal é dizer sobre a possibilidade de o juiz determinar a complementação da prova documental em sede de exceção de pré-executividade.

3. De acordo com a jurisprudência consolidada desta Corte, a exceção de pré-executividade tem caráter excepcional, sendo cabível quando atendidos simultaneamente dois requisitos, um de ordem material e outro de ordem formal, a saber: (i) a matéria invocada deve ser suscetível de conhecimento de ofício pelo juiz; e (ii) é indispensável que a decisão possa ser tomada sem necessidade de dilação probatória.

4. Entre as matérias passíveis de conhecimento ex officio estão as condições da ação e os pressupostos processuais. Portanto, não há dúvida de que a ilegitimidade passiva pode ser invocada por meio de exceção de pré-executividade, desde que amparada em prova pré-constituída.

5. Com relação ao requisito formal, é imprescindível que a questão suscitada seja de direito ou diga respeito a fato documentalmente provado. A exigência de que a prova seja pré-constituída tem por escopo evitar embaraços ao regular processamento da execução. Assim, as provas capazes de influenciar no convencimento do julgador devem acompanhar a petição de objeção de não-executividade. No entanto, a intimação do executado para juntar aos autos prova pré-constituída mencionada nas razões ou complementar os documentos já apresentados não configura dilação probatória, de modo que não excede os limites da exceção de pré-executividade.

6. Recurso especial conhecido e desprovido."

(STJ, Terceira Turma, REsp nº 1.912.277, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 18/05/2021, DJe 20/05/2021) - grifos nossos.

 

Na hipótese dos autos, as provas carreadas ao feito não são favoráveis à pretensão recursal. 

Vejamos. 

O redirecionamento da execução fiscal ao sócio da pessoa jurídica decorre da sua responsabilidade subsidiária, prevista no art. 135, III, do CTN, que assim dispõe:

Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos:

(...)

III - os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.

 

O redirecionamento, assim, consiste na possibilidade de se responsabilizar o administrador da sociedade pelos atos praticados com infringência à lei ou ao seu contrato / estatuto social. É uma exceção à regra da autonomia patrimonial da pessoa jurídica, prevista, dentre outros, no art. 49-A do Código Civil:

Art. 49-A.  A pessoa jurídica não se confunde com os seus sócios, associados, instituidores ou administradores. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

Parágrafo único. A autonomia patrimonial das pessoas jurídicas é um instrumento lícito de alocação e segregação de riscos, estabelecido pela lei com a finalidade de estimular empreendimentos, para a geração de empregos, tributo, renda e inovação em benefício de todos.

 

Isso porque a autonomia patrimonial da pessoa jurídica não é um direito absoluto, sendo possível sua relativização em determinadas situações em que ocorrer fraude ou abuso de direito por parte de seus sócios e/ou administradores.

É o caso, por exemplo, da regra prevista na legislação civil (CC/02, art. 50), consumerista (CDC, art. 28), ambiental (Lei 9.605/98, art. 4º), de anticorrupção empresarial (Lei 12.846/13, art. 14) e de defesa da concorrência (Lei 12.529/11, art. 34), dentre outros.

Na seara tributária não é diferente. O art. 135 do CTN, como visto, prevê, dentre outros, a possibilidade de responsabilização pessoal dos diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado pelos créditos correspondentes às obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos (inciso III). E a dissolução irregular da pessoa jurídica devedora de tributos, nesse diapasão, configura inegável hipótese de infração à lei.

Nesse sentido, a jurisprudência do STJ se consolidou no sentido de que: “Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente” (Súmula 435).

Isso porque obrigação dos gestores das empresas manter atualizados os respectivos cadastros, incluindo os atos relativos à mudança de endereço dos estabelecimentos e, especialmente, referentes à dissolução da sociedade. A regularidade desses registros é exigida para que se demonstre que a sociedade dissolveu-se de forma regular, em obediência aos ritos e formalidades previstas nos arts. 1.033 a 1.038 e arts. 1.102 a 1.112, todos do Código Civil de 2002 – onde é prevista a liquidação da sociedade com o pagamento dos credores em sua ordem de preferência – ou na forma da Lei 11.101/2005, no caso de falência. A desobediência a tais ritos caracteriza infração à lei" (cf. REsp 1.371.128/RS, tema repetitivo 630, Rel. Min. Mauro Campbell, DJe de 17/09/2014, grifos meus).

Pois bem. A responsabilidade tributária de terceiros, tal qual prevista no art. 135, III, do CTN, para os diretores, gerentes ou representantes da pessoa jurídica, pode decorrer: (i) de ato de infração à lei do qual resulte diretamente a obrigação tributária; ou  (ii) de ato infracional praticado em momento posterior ao surgimento do crédito tributário que inviabilize, porém, a cobrança do devedor original (conforme Recurso Especial repetitivo 1.201.993/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, DJe de 12/12/2019).

A dissolução irregular da pessoa jurídica é justamente a caracterização dessa segunda hipótese, em que o ato de infração à lei ocorre em momento posterior ao fato gerador, de forma a inviabilizar a cobrança do crédito tributário do contribuinte.

Por essa razão, a 1ª Seção do C. STJ, ao analisar o tema 981, fixou a seguinte tese:

 “O redirecionamento da execução fiscal, quando fundado na dissolução irregular da pessoa jurídica executada ou na presunção de sua ocorrência, pode ser autorizado contra o sócio ou o terceiro não sócio, com poderes de administração na data em que configurada ou presumida a dissolução irregular, ainda que não tenha exercido poderes de gerência quando ocorrido o fato gerador do tributo não adimplido, conforme art. 135, III, do CTN.” (STJ, tema representativo de controvérsia 981, julgado em 25/05/2022, grifos meus).

 

Assim, de acordo com o entendimento fixado pelo STJ, estando presentes os demais requisitos do redirecionamento da execução fiscal, não é necessário que o sócio tenha exercido poderes de gerência na sociedade no momento da ocorrência do fato gerador da obrigação tributária, tampouco no momento do vencimento do tributo.

A dissolução irregular presumida da pessoa jurídica se dá na hipótese em que o estabelecimento não é localizado em seu domicílio fiscal, sem que sua mudança de endereço tenha sido devidamente informada às autoridades e órgãos competentes, cabendo ao seu diretor, gerente ou representante, o ônus de provar não ter agido com abuso ou fraude (presunção juris tantum), na forma da súmula 435 do STJ.

Em que pese o crédito em questão tenha natureza não tributária (ID 282180605 – Pág. 11/14), o mesmo raciocínio construído acima aplica-se ao caso. Isso porque os arts. 10 do Decreto nº 3.078/19 e 158 da Lei nº 6.404/76 preveem regra semelhante à do art. 135, III, do CTN, permitindo, igualmente, tal redirecionamento.

De acordo com o art. 10 do Decreto nº 3.078/19, tem-se que:

Art. 10. Os socios gerentes ou que derem o nome á firma não respondem pessoalmente pelas obrigações contrahidas em nome da sociedade, mas respondem para com esta e para com terceiros solidaria e illimitadamente pelo excesso de mandato e pelos actos praticados com violação do contracto ou da lei.

 

O art. 158 da Lei nº 6.404/76, por sua vez, fixa que:

Art. 158. O administrador não é pessoalmente responsável pelas obrigações que contrair em nome da sociedade e em virtude de ato regular de gestão; responde, porém, civilmente, pelos prejuízos que causar, quando proceder:

I - dentro de suas atribuições ou poderes, com culpa ou dolo;

II - com violação da lei ou do estatuto.

§ 1º O administrador não é responsável por atos ilícitos de outros administradores, salvo se com eles for conivente, se negligenciar em descobri-los ou se, deles tendo conhecimento, deixar de agir para impedir a sua prática. Exime-se de responsabilidade o administrador dissidente que faça consignar sua divergência em ata de reunião do órgão de administração ou, não sendo possível, dela dê ciência imediata e por escrito ao órgão da administração, no conselho fiscal, se em funcionamento, ou à assembléia-geral.

§ 2º Os administradores são solidariamente responsáveis pelos prejuízos causados em virtude do não cumprimento dos deveres impostos por lei para assegurar o funcionamento normal da companhia, ainda que, pelo estatuto, tais deveres não caibam a todos eles.

§ 3º Nas companhias abertas, a responsabilidade de que trata o § 2º ficará restrita, ressalvado o disposto no § 4º, aos administradores que, por disposição do estatuto, tenham atribuição específica de dar cumprimento àqueles deveres.

§ 4º O administrador que, tendo conhecimento do não cumprimento desses deveres por seu predecessor, ou pelo administrador competente nos termos do § 3º, deixar de comunicar o fato a assembléia-geral, tornar-se-á por ele solidariamente responsável.

§ 5º Responderá solidariamente com o administrador quem, com o fim de obter vantagem para si ou para outrem, concorrer para a prática de ato com violação da lei ou do estatuto.

 

Ambos os dispositivos legais, assim, estabelecem a regra de que os sócios se responsabilizam perante terceiros pelos atos que praticarem com excesso de poder ou infração à Lei. O art. 4º da Lei nº 6.830/80, a seu turno, determina que a execução fiscal poderá ser promovida contra “o responsável, nos termos da lei, por dívidas, tributárias ou não, de pessoas físicas ou pessoas jurídicas de direito privado” (inciso V). Sendo assim, conclui-se pela possibilidade de redirecionamento também diante de crédito não tributário. 

O STJ já enfrentou o tema, conferindo tratamento uniforme às consequências da dissolução irregular em execução de créditos tributários e não tributários. Eis o precedente em questão: 

“PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. ART. 543-C, DO CPC. REDIRECIONAMENTO DE EXECUÇÃO FISCAL DE DÍVIDA ATIVA NÃO-TRIBUTÁRIA EM VIRTUDE DE DISSOLUÇÃO IRREGULAR DE PESSOA JURÍDICA. POSSIBILIDADE. ART. 10, DO DECRETO N. 3.078/19 E ART. 158, DA LEI N. 6.404/78 - LSA C/C ART. 4º, V, DA LEI N. 6.830/80 - LEF.

1. A mera afirmação da Defensoria Pública da União - DPU de atuar em vários processos que tratam do mesmo tema versado no recurso representativo da controvérsia a ser julgado não é suficiente para caracterizar-lhe a condição de amicus curiae. Precedente: REsp. 1.333.977/MT, Segunda Seção, Rel. Min. Isabel Gallotti, julgado em 26.02.2014. 

2. Consoante a Súmula n. 435/STJ: “Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente”.

3. É obrigação dos gestores das empresas manter atualizados os respectivos cadastros, incluindo os atos relativos à mudança de endereço dos estabelecimentos e, especialmente, referentes à dissolução da sociedade. A regularidade desses registros é exigida para que se demonstre que a sociedade dissolveu-se de forma regular, em obediência aos ritos e formalidades previstas nos arts. 1.033 à 1.038 e arts. 1.102 a 1.112, todos do Código Civil de 2002 - onde é prevista a liquidação da sociedade com o pagamento dos credores em sua ordem de preferência - ou na forma da Lei n. 11.101/2005, no caso de falência. A desobediência a tais ritos caracteriza infração à lei.

4. Não há como compreender que o mesmo fato jurídico "dissolução irregular" seja considerado ilícito suficiente ao redirecionamento da execução fiscal de débito tributário e não o seja para a execução fiscal de débito não-tributário. "Ubi eadem ratio ibi eadem legis dispositio". O suporte dado pelo art. 135, III, do CTN, no âmbito tributário é dado pelo art. 10, do Decreto n. 3.078/19 e art. 158, da Lei n. 6.404/78 - LSA no âmbito não-tributário, não havendo, em nenhum dos casos, a exigência de dolo.

5. Precedentes: REsp. n. 697108 / MG, Primeira Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, julgado em 28.04.2009; REsp. n. 657935 / RS , Primeira Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, julgado em 12.09.2006; AgRg no AREsp 8.509/SC, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 4.10.2011; REsp 1272021 / RS, Segunda Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 07.02.2012; REsp 1259066/SP, Terceira Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 28/06/2012; REsp.n. º 1.348.449 - RS, Quarta Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 11.04.2013; AgRg no AG nº 668.190 - SP, Terceira Turma, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 13.09.2011; REsp. n.º 586.222 - SP, Quarta Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 23.11.2010; REsp 140564 / SP, Quarta Turma, Rel. Min. Barros Monteiro, julgado em 21.10.2004. 

6. Caso em que, conforme o certificado pelo oficial de justiça, a pessoa jurídica executada está desativada desde 2004, não restando bens a serem penhorados. Ou seja, além do encerramento irregular das atividades da pessoa jurídica, não houve a reserva de bens suficientes para o pagamento dos credores. 

7. Recurso especial provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 08/2008.” 

(STJ, REsp 1.371.128, Primeira Seção, Rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, j. em 10/09/2014, DJe em 17/09/2014) - grifos nossos. 

 

Com isso, o Tribunal da Cidadania firmou tese no sentido de que: “Em execução fiscal de dívida ativa tributária ou não-tributária, dissolvida irregularmente a empresa, está legitimado o redirecionamento ao sócio-gerente” (tema repetitivo 630).

No caso, trata-se de crédito relativo à cobrança de multa administrativa por infração ao artigo 23, § 3º, da Lei nº 4.131/1962, com redação dada pela Lei nº 9.069/1995 (ID 282180605 – Pág. 14).

As partes não controvertem em relação à constatação da dissolução irregular da sociedade executada, mas, sim, quanto à condição do agravado, Sr. Francisco Loffredo Neto, como gestor/ diretor da empresa executada, CPM do Brasil Indústria e Comércio Ltda, na época do fato gerador e da constatação da dissolução irregular.

No caso vertente, a multa administrativa foi aplicada em decorrência de duas operações de câmbio de exportação, realizadas em 04/10/2000 e 20/11/2000, que não foram amparadas pela comprovação do embarque de mercadorias para o exterior (ID 282180606 – Pág. 38).

Há certidões nos autos das diligências efetuadas pelo Sr. Oficial de Justiça, datadas de 26/09/2012 e 12/06/2015, indicando o encerramento das atividades da empresa, uma vez que a executada e seu representante legal, Sr. Dinanath Waman Mahatme, eram desconhecidos no local indicado para cumprimento do mandado de citação (ID 282180605 – Pág. 206 e 231).

Depois da citação editalícia da empresa, o BACEN requereu em 25/08/2021 a expedição de mandado de constatação das atividades da empresa e a inclusão dos diretores que assinavam pela sociedade, Srs. Carlos Eduardo Soto Odio e Francisco Loffredo Neto, no polo passivo da execução fiscal, haja vista a dissolução irregular da executada (ID 282180605 - Pág. 280/284).

Por decisão proferida em 06/11/2023, o MM. Juízo a quo indeferiu o pedido de expedição de mandado de constatação das atividades da empresa, por reputar desnecessária a medida, e determinou a imediata inclusão dos referidos diretores no polo passivo do feito (ID 282180605 - Pág. 286/289).

Ao ser citado, o Sr. Francisco Loffredo Neto apresentou exceção de pré-executividade, acolhida pela decisão agravada.

Conforme Ficha Cadastral da JUCESP, o agravado, Sr. Francisco Loffredo Neto, ocupou o cargo de diretor da sociedade executada (CPM do Brasil Indústria e Comércio Ltda), representando a sócia gerente Gumaco Indústria e Comércio Ltda, assinando pela empresa (ID 282180606 - Pág. 49/53).

Todavia, segundo alteração do contrato social da executada registrado em 15/12/1998, o Sr. Francisco Loffredo Neto deixou o cargo de Gerente Delegado da sociedade, sendo nomeados dois gerentes delegados, responsáveis pela gerência e administração da sociedade, Srs. Regis Arnoldo Bueno e Ulrich Otto Karl Sauter (ID 282180607 - Pág. 84/92).

Em 05/09/2000, foi registrada nova alteração do contrato social, em que os Srs. Regis Arnoldo Bueno e Ulrich Otto Karl Sauter se retiraram da gerência da sociedade, passando a constando expressamente da Cláusula Terceira que “A Sociedade será gerida e administrada pelas sócias, através de um gerente delegado, sob o título de Gerente Delegado, residente no Brasil, nomeado por elas”, sendo nomeado para o cargo o Sr. Eduardo Cardoso de Almeida Thompson (ID 282180611 - Pág. 99/107), o qual renunciou ao cargo em 21/03/2001, conforme anotação na Ficha Cadastral da JUCESP.

Em 07/05/2002, foi registrada alteração contratual para nomear o Sr, Dinanath Waman Mahatme ao cargo de Gerente Delegado da sociedade (ID 282180605 - Pág. 67/68).

No que tange à atuação do Sr. Francisco Loffredo Neto na empresa Gumaco Indústria e Comércio Ltda, embora tenha ocupado a condição de sócio gerente e diretor da sociedade, dela se retirou, conforme alteração contratual registrada na JUCESP em 22/12/1997 (ID 282180607 - Pág. 43/47).

Segundo cópia do instrumento particular de alteração do contrato social da Gumaco Indústria e Comércio Ltda, o excipiente, ora agravado, cedeu e transferiu sua cota para Gencor Industries, Inc., sendo, no mesmo ato, nomeado para o cargo de Diretor Presidente o Sr. Carlos Eduardo Soto Odio, conforme Cláusula Terceira (ID 282180607 - Pág. 50/55).

Posteriormente, em alteração contratual registrada em 25/03/1999, o Sr. Carlos Eduardo Soto Odio foi sucedido pelo Sr. Eduardo Cardoso de Almeida Thompson no cargo de Diretor Presidente da empresa, o qual renunciou ao cargo em 21/03/2001, conforme alterações registradas na Ficha Cadastral da JUCESP (ID 282180611 - Pág. 7/11).

Em 07/05/2002, foi registrada alteração contratual para nomear o Sr, Dinanath Waman Mahatme ao cargo de Diretor Presidente da sociedade.

Neste contexto fático, conclui-se, portanto, no momento dos fatos geradores e na época da constatação da dissolução irregular, o Sr. Francisco Loffredo Neto, ora agravado, não mais exercia cargo de direção ou gerência na empresa executada e na sócia gerente, visto que se retirou da gerência da CPM do Brasil Indústria e Comércio Ltda em 15/12/1998 e da diretoria da Gumaco Indústria e Comércio Ltda em 22/12/1997.

Sendo assim, é de ser mantida a r. decisão agravada que determinou sua exclusão do polo passivo da demanda.

Nos termos do art. 85, §11, do CPC, majoro a verba honorária em 10% sobre o montante fixado em primeiro grau de jurisdição, respeitados os limites máximos previstos nesse mesmo preceito legal.

Ante o exposto, conheço parcialmente do agravo de instrumento e, na parte conhecida, nego-lhe provimento, bem como julgo prejudicado o agravo interno. 

É o voto. 



E M E N T A

 

AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO FISCAL. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. BACEN. DISSOLUÇÃO IRREGULAR SOCIEDADE EXECUTADA. REDIRECIONAMENTO AOS ADMINISTRADORES. EXCLUSÃO DO POLO PASSIVO. CABIMENTO. SAÍDA DA GERÊNCIA OU DIRETORIA DA EMPRESA ANTES DOS FATOS GERADORES E DA CONSTATAÇÃO DA DISSOLUÇÃO IRREGULAR. AGRAVO DE INSTRUMENTO PARCIALMENTE CONHECIDO E DESPROVIDO. AGRAVO INTERNO PREJUDICADO.

- Não se conhece das alegações do agravante no tocante à prescrição intercorrente, uma vez que a matéria não foi objeto de exame na r. decisão agravada.

- Cinge-se a controvérsia em decidir acerca do redirecionamento, para o gerente da sociedade, de execução fiscal de crédito não tributário na hipótese de dissolução irregular da pessoa jurídica originalmente executada. 

- A exceção de pré-executividade, construção doutrinária com respaldo jurisprudencial, é uma forma de defesa do devedor no âmbito do processo de execução, independentemente de qualquer garantia do Juízo, e que pode ser utilizada desde que o direito do devedor seja aferível de plano, mediante exame das provas produzidas desde logo.

- A empresa que deixa de funcionar em seu domicílio fiscal sem comunicar os órgãos competentes presume-se dissolvida irregularmente, de modo a permitir o redirecionamento da execução fiscal (Súmula 435/STJ).

- Em execução fiscal de dívida ativa tributária ou não-tributária, dissolvida irregularmente a empresa, está legitimado o redirecionamento ao sócio-gerente (tema repetitivo 630/STJ). Inteligência do art. 135, III, do CTN c/c arts. 10 do Decreto 3.078/19 e 158 da Lei nº 6.404/76.

- Como parâmetro para se verificar a legitimidade para figurar no polo passivo da execução, o STJ firmou precedente no sentido de que o sócio deve exercer os poderes de administração quando da dissolução irregular. Tema repetitivo 981 nesse sentido.

- No caso vertente, as partes não controvertem em relação à constatação da dissolução irregular da sociedade executada, mas, sim, quanto à condição do agravado como gestor/ diretor da empresa executada, CPM do Brasil Indústria e Comércio Ltda, na época do fato gerador e da constatação da dissolução irregular.

- Na espécie, a multa administrativa foi aplicada em decorrência de duas operações de câmbio de exportação, realizadas em 04/10/2000 e 20/11/2000, que não foram amparadas pela comprovação do embarque de mercadorias para o exterior. As certidões lavradas pelo Sr. Oficial de Justiça, datadas de 26/09/2012 e 12/06/2015, indicam o encerramento das atividades da empresa, uma vez que a executada e seu representante legal, eram desconhecidos no local indicado para cumprimento do mandado de citação.

- Da análise da documentação colacionada aos autos, conclui-se que, no momento dos fatos geradores e na época da constatação da dissolução irregular, o excipiente, ora agravado, não mais exercia cargo de direção ou gerência na empresa executada e na sócia gerente, visto que se retirou da gerência da CPM do Brasil Indústria e Comércio Ltda em 15/12/1998 e da diretoria da Gumaco Indústria e Comércio Ltda em 22/12/1997.

- Agravo de instrumento desprovido. Agravo interno prejudicado.

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Terceira Turma, por unanimidade, conheceu parcialmente do agravo de instrumento e, na parte conhecida, negou-lhe provimento, bem como julgou prejudicado o agravo interno, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.