APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5015416-62.2022.4.03.6100
RELATOR: Gab. 46 - DES. FED. RUBENS CALIXTO
APELANTE: LORRIE BAPTICHON
Advogado do(a) APELANTE: TIAGO DE SOUZA MUHARRAM - SP389379-A
APELADO: UNIÃO FEDERAL
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APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5015416-62.2022.4.03.6100 RELATOR: Gab. 46 - DES. FED. RUBENS CALIXTO APELANTE: LORRIE BAPTICHON Advogado do(a) APELANTE: TIAGO DE SOUZA MUHARRAM - SP389379-A APELADO: UNIÃO FEDERAL R E L A T Ó R I O O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL RUBENS CALIXTO (Relator): Trata-se de apelação interposta por LORRIE BAPTICHON contra sentença que, em mandado de segurança com pedido liminar, negou seu pedido para que a autoridade impetrada processasse seu requerimento de naturalização ordinária com a dispensa de apresentação de inscrição consular e de certidão de nascimento. Não houve condenação ao pagamento de honorários advocatícios, nos termos do artigo 25 da Lei nº 12.016/2009. O apelante alega, em síntese, que: (i) não há previsão normativa que exija a apresentação da documentação solicitada pelo impetrado; e (ii) possui outros documentos capazes de suprir a ausência daqueles requisitados pelo recorrido. Com contrarrazões da União Federal, os autos subiram a esta Corte Regional. O Ministério Público Federal opinou pelo provimento do recurso (ID 269071742). Em 11/09/2023, os autos foram redistribuídos para minha relatoria em razão da criação desta unidade judiciária. É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5015416-62.2022.4.03.6100 RELATOR: Gab. 46 - DES. FED. RUBENS CALIXTO APELANTE: LORRIE BAPTICHON Advogado do(a) APELANTE: TIAGO DE SOUZA MUHARRAM - SP389379-A APELADO: UNIÃO FEDERAL V O T O O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL RUBENS CALIXTO (Relator): Na origem, LORRIE BAPTICHON, natural do Haiti, ajuizou mandado de segurança com pedido liminar, objetivando provimento jurisdicional que determinasse à autoridade impetrada o processamento do seu pedido de naturalização ordinária sem a apresentação de inscrição consular e certidão de nascimento. De início, analiso o pedido de justiça gratuita. Segundo o artigo 5º, LXXIV, da Constituição Federal, a gratuidade judiciária será concedida a todos aqueles que comprovarem insuficiência de recursos. Nos termos do artigo 99, § 3º, do Código de Processo Civil, “presume-se verdadeira a alegação de insuficiência deduzida exclusivamente por pessoa natural”. No caso em análise, tendo em vista o requerimento formulado nesta via recursal, a declaração de hipossuficiência (ID 268813952) e as informações constantes do Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS (ID 268813953), defiro à apelante os benefícios da gratuidade da justiça, com efeitos a partir da presente decisão. Passo à análise do mérito. O Decreto 9.199/2017, que regulamenta a Lei nº 13.445/2017 (Lei de Migração), estabelece sobre a naturalização ordinária: Art. 234. O pedido de naturalização ordinária se efetivará por meio da: I - apresentação da Carteira de Registro Nacional Migratório do naturalizando; II - comprovação de residência no territorio nacional pelo prazo mínimo requerido; III - demonstração do naturalizando de que se comunica em língua portuguesa, consideradas as suas condições; IV - apresentação de certidões de antecedentes criminais expedidas pelos Estados onde tenha residido nos últimos quatro anos e, se for o caso, de certidão de reabilitação; e V - apresentação de atestado de antecedentes criminais expedido pelo país de origem. Assim, a norma não traz nenhuma exigência relativa à apresentação de certidão de nascimento ou de certidão ou inscrição consular. A obrigação consta de norma infralegal, qual seja, o artigo 57, II, da portaria do Ministério da Justiça e Segurança Pública nº 623, de 13/11/2020, que dispõe, dentre outros, sobre os procedimentos de naturalização (destacamos): Art. 57. Os refugiados, asilados políticos e apátridas requerentes de naturalização ficam dispensados de apresentar os seguintes documentos: I - atestado de antecedentes criminais expedido pelo país de origem, legalizado junto à repartição consular brasileira e traduzido por tradutor público, no Brasil, previstos nos Anexos I e II; e II - certidão ou inscrição consular, emitida por Embaixada ou Consulado no Brasil, comprovando a correta grafia do nome e filiação do interessado. Finalmente, a portaria interministerial nº 13, de 16/12/2020, expedida pelo Ministério da Justiça e da Segurança Pública e pelo Ministério das Relações Exteriores, que "dispõe sobre a concessão do visto temporário e da autorização de residência para fins de acolhida humanitária para nacionais haitianos e apátridas residentes na República do Haiti", estipula: Art. 9º A obtenção da autorização de residência prevista nesta Portaria e o registro perante a Polícia Federal implicam desistência de solicitação de reconhecimento da condição de refugiado. Como se verifica da Carteira de Registro Nacional Migratório do apelante (ID 268813891 - Pág. 2), ele possui autorização de residência para fins de acolhida humanitária com prazo indeterminado, conforme admite a portaria interministerial nº 13, de 16/12/2020. Assim, tendo em vista que o impetrante não se enquadra nas hipóteses de dispensa da documentação, uma vez que possui registro perante a Polícia Federal e detém autorização de residência para fins de acolhida humanitária, seu pedido de naturalização ordinária deve ser instruído com a certidão ou inscrição consular. Com relação à exibição de certidão de nascimento, afasto sua exigência, uma vez que não prevista nas normas que regem o procedimento de naturalização ordinária. Muito embora esta Corte Regional reconheça a flexibilização das exigências documentais em casos excepcionais, sobretudo migrantes solicitantes de refúgio oriundos de países que enfrentam crises humanitárias, no caso em análise o recorrido está com sua situação migratória regularizada e com autorização de residência no Brasil por prazo indeterminado, de forma que não há situação de risco, perda ou perecimento de direito. Acrescente-se que os benefícios que se conferem aos refugiados devem ser exercidos nos limites dos procedimentos atinentes a esta condição, e não de forma generalizada, alcançando outros expedientes aplicáveis a estrangeiros em geral, como a naturalização ordinária. Dessa forma, verifico que o caso concreto não cuida de situação que justifique a inobservância das exigências próprias estabelecidas pela autoridade administrativa. Nesse ponto, entendo válido destacar finalmente que, conforme pesquisa realizada pela serventia, a certidão consular pode ser requerida de forma não-presencial no sítio da Embaixada do Haiti no Brasil. Confiram-se precedentes desta Corte Regional: CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. ESTRANGEIRO. PEDIDO DE NATURALIZAÇÃO ORDINÁRIA. DOCUMENTOS. APRESENTAÇÃO. DISPENSA. DESCABIMENTO. RECURSO DESPROVIDO. (TRF3, 3ª Turma, ApCiv - 5013819-58.2022.4.03.6100, Rel. para acórdão Des. Fed. CARLOS EDUARDO DELGADO, data do julgamento: 23/10/2023, data da intimação via sistema: 25/10/2023) CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. ESTRANGEIRO. PEDIDO DE RESIDÊNCIA. APRESENTAÇÃO DE CERTIDÃO DE ANTECEDENTES CRIMINAIS EXPEDIDO PELO PAÍS DE ORIGEM E DE DOCUMENTO CONTENDO FILIAÇÃO. LEI 13.445/2017. DECRETO 9.199/2017. APELAÇÃO DESPROVIDA. 1. Trata-se de mandado de segurança impetrado por estrangeiro com o fito de obter o processamento do pedido de autorização de residência no Brasil com base em reunião familiar, sem a apresentação de certidão de antecedentes criminais emitida pelo país de origem e de certidão consular ou documento contendo filiação. 2. A apresentação de certidão de antecedentes pode ser dispensada para os refugiados. Não há, porém, amparo legal a que se dispense tal apresentação na hipótese de pedido de residência fundado em reunião familiar. 3. Destaque-se que oart. 31 da Leinº 13.445/2017 determina observância aos termos do regulamento, no caso, o Decreto nº 9.199/2017, que prevê no seu art. 129, V, a necessidade de apresentação de "certidões de antecedentes criminais ou documento equivalente emitido pela autoridade judicial competente de onde tenha residido nos últimos cinco anos".Diante do direito positivado, não há espaço para negar-lhe vigência, até porque de inconstitucionalidade não se cogita.Precedente. 4. No que tange à exigência de apresentação de documento contendo filiação, o Decreto nº 9.199/2017 também prevê a sua obrigatoriedade no artigo 129, incisoIII, com a finalidade de proceder à correta identificação do migrante. Logo, não há ilegalidade ou abuso de poder no ato da autoridade impetrada. 5. Apelação desprovida. (TRF3, 3ª Turma, ApCiv - 5003551-76.2021.4.03.6100, Rel. Desembargador Federal NELTON AGNALDO MORAES DOS SANTOS, data do julgamento: 02/06/2022, data da intimação via sistema: 06/06/2022). 1. Com relação ao pedido de “reunião familiar”, cabe esclarecer que, de acordo com a Lei de Migração, existem diversos tipos de visto. 2. Sobre o visto temporário, a lei esclarece que poderá ser concedido ao imigrante que venha ao Brasil, entre as várias hipóteses listadas, para “acolhida humanitária” e para “reunião familiar”. 3. A Lei de Migração estabelece que o visto temporário para acolhida humanitária poderá ser concedido ao apátrida ou ao nacional de qualquer país em situação de grave ou iminente instabilidade institucional, de conflito armado, de calamidade de grande proporção, de desastre ambiental ou de grave violação de direitos humanos ou de direito internacional humanitário, ou em outras hipóteses, na forma de regulamento. 4. Quanto ao direito de reunião familiar, a lei expressamente garante o direito ao cônjuge ou companheiro e seus filhos, familiares e dependentes. 5. A análise da legislação pertinente, demonstra que há necessidade da apresentação de visto tanto para a reunião familiar como para a acolhida humanitária. 6. A despeito da afirmação de que a parte agravada é solicitante do pedido de refúgio, o certo é que não há nos autos comprovação quanto ao reconhecimento do pleito. 7. A Lei de Migração a lei é expressa e clara quanto às modalidades de interessados (migrante, imigrante, refugiado etc) e quanto aos tipos de pedidos (naturalização ordinária, extraordinária, provisória, visto de residência, autorização de residência) estipulando para cada qual a documentação necessária, não havendo, pois, razão para qualquer interpretação "integrativa" ou, como alega o agravado, "mais benéfica”, visto que não há lacuna legislativa. 8. Destaque-se que qualquer medida do Poder Judiciário, estaria suprimindo a necessidade de concessão de visto pelas autoridades diplomáticas, ignorando o procedimento legal previsto para tanto e burlando o princípio da independência e harmonia entre os poderes. 9. Agravo de instrumento provido. (TRF 3, 4ª Turma, AI - 5000127-56.2022.4.03.0000, Rel.(a) Desembargadora Federal MARLI MARQUES FERREIRA, data do julgamento: 29/06/2023, data da publicação: 11/07/2023) Ante o exposto, dou parcial provimento à apelação, para afastar tão-somente a exigência de apresentação de certidão de nascimento pelo recorrente no seu requerimento de naturalização ordinária. É o voto.
1 - Conquanto a política migratória nacional seja baseada na acolhida humanitária e, bem por isso, em assegurar o direito à reunião familiar, há que se cumprir procedimentos próprios constantes da legislação, no que diz com a regularização migratória, razão pela qual não se permite afastar, indiscriminadamente, a exigência a todos imposta a viabilizar a entrada e permanência do estrangeiro no país, que exigem o cumprimento de critérios específicos.
2 - No caso concreto, a parte impetrante obteve autorização de ingresso em território nacional na condição de acolhida humanitária, e pretende, com o presente writ, sua naturalização ordinária.
3 - Em que pese a argumentação desenvolvida neste recurso, a certidão de antecedentes criminais do país de origem, bem como as Certidões de Nascimento e Consular, devidamente legalizados e traduzidos, são exigidos pelo art. 129, III e V, do Decreto n. 9.199/2017, assim como pelo art. 234, V, no caso de naturalização ordinária. Ademais, não se mostra irrazoável tal exigência, na medida em que a própria Lei de Migração, em seu artigo 30, §1º, em regra, impede a concessão de autorização de residência "a pessoa condenada criminalmente no Brasil ou no exterior por sentença transitada em julgado".
4 - Ademais, já é assegurado ao solicitante, a partir do protocolo do seu requerimento de refúgio, o direito de residência provisória até o julgamento de seu pleito, nos termos do art. 31, §4º, da Lei nº 13445/2017. Assim, não há justificativa racional para flexibilizar a exigência documental, conforme requerido, a fim de viabilizar a discussão do mesmo direito em dupla via procedimental.
5 - Se a mitigação na apuração dos requisitos gerais de ingresso e permanência de estrangeiro é reconhecida em relação ao detentor da condição de refugiado e se a própria residência é garantida até que se resolva o procedimento específico, não é viável que se formule outro pedido para autorização de residência permanente – ou naturalização ordinária - sem a observância das exigências próprias. O benefício que se confere ao refugiado deve ser exercido nos limites do procedimento que se destina à apuração da respectiva condição e não, extensivamente, em outros aplicáveis a estrangeiros em geral fora da excepcionalidade do pedido de refúgio. Precedentes desta Corte.
6 – Apelação da parte autora desprovida.
AGRAVO DE INSTRUMENTO. ADMINISTRATIVO. ESTRANGEIRO. AUTORIZAÇÃO DE RESIDÊNCIA. REUNIÃO FAMILIAR. SEM A APRESENTAÇÃO DOS DOCUMENTOS EXIGIDOS NOS ATOS NORMATIVOS. IMPOSSIBILIDADE.
A EXMA SENHORA DESEMBARGADORA FEDERAL CONSUELO YOSHIDA:
A apelação deve ser provida.
A naturalização ordinária é concedida ao estrangeiro que satisfizer os seguintes requisitos exigidos pela Lei 13.445/17 (Lei de Migração):
Art. 65. Será concedida a naturalização ordinária àquele que preencher as seguintes condições:
I - ter capacidade civil, segundo a lei brasileira;
II - ter residência em território nacional, pelo prazo mínimo de 4 (quatro) anos;
III - comunicar-se em língua portuguesa, consideradas as condições do naturalizando; e
IV - não possuir condenação penal ou estiver reabilitado, nos termos da lei.
Com efeito, nos termos da Portaria Interministerial 11/2018, dos Ministérios da Justiça e Segurança Pública, Anexo I, o pedido administrativo de naturalização ordinária deve ser instruído com os seguintes documentos:
1. Formulário devidamente preenchido e assinado pelo requerente;
2. Declaração de interesse em traduzir ou adaptar o nome à língua portuguesa;
3. Cópia da Carteira de Registro Nacional Migratório e via original para conferência;
4. Comprovante de situação cadastral do CPF-Cadastro de Pessoas Físicas;
5. Certidão de antecedentes criminais emitida pela Justiça Federal e Estadual dos locais onde residiu nos últimos cinco anos;
6. Certidão de antecedentes criminais ou documento equivalente emitido pelos países onde residiu nos últimos quatro anos, legalizada e traduzida, no Brasil, por tradutor público juramentado, observada a Convenção sobre a eliminação da exigência de legalização de documentos públicos estrangeiros, promulgada pelo Decreto nº 8.660, de 29 de janeiro de 2016;
7. Comprovante de reabilitação, nos termos da legislação vigente, se for o caso;
8. Comprovante de residência, nos termos do art. 54 desta Portaria;
9. Cópia do passaporte, observadas as normas do Mercosul;
10. Certidão de casamento atualizada;
11. Documentos que comprovem união estável;
12. Certidão de nascimento do filho brasileiro; e
13. Certificado de Proficiência em Língua Portuguesa para Estrangeiros expedido pelo Ministério da Educação.
Os documentos exigidos pela administração (certidão de inscrição consular e certidão de nascimento) não constam na referida lista.
Além disso, a obrigação de apresentação de certidão é dispensada na Portaria 623, de 13 de novembro de 2020, do Ministério da Justiça e Segurança Pública:
Art. 57. Os refugiados, asilados políticos e apátridas requerentes de naturalização ficam dispensados de apresentar os seguintes documentos:
(...)
II - certidão ou inscrição consular, emitida por Embaixada ou Consulado no Brasil, comprovando a correta grafia do nome e filiação do interessado.
Por sua vez, a Lei 9.474/97 (Estatuto dos Refugiados) prevê:
Art. 43. No exercício de seus direitos e deveres, a condição atípica dos refugiados deverá ser considerada quando da necessidade da apresentação de documentos emitidos por seus países de origem ou por suas representações diplomáticas e consulares.
No caso dos autos, apesar de não se tratar de pedido de refúgio, o solicitante ostenta condição de refugiado, pois proveniente do Haiti e recebido em território nacional em acolhida humanitária, sendo razoável que a ele também se aplique a mencionada flexibilização em relação às exigências documentais.
Mesmo que o requerente tenha autorização de residência no Brasil, é dificultosa a obtenção de documentos emitidos pelo país de origem. Isto porque o requerente imigrou em razão de grave crise econômica e humanitária, sendo evidente que a necessidade obtenção da documentação requerida é em entrave meramente burocrático, que inviabiliza a concretização de direito fundamental.
Especificamente em relação a certidão consular, a exigência se dá como forma de comprovar a grafia do nome do imigrante e de seus pais. No entanto, tais informações podem ser obtidas por meio dos outros documentos apresentados no processo administrativo. Assim, a negativa de processamento do pedido pela ausência dos referidos documentos demonstra-se desarrazoada.
Nesse sentido, os seguintes precedentes:
DIREITO CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL. MANDADO DE SEGURANÇA. REGULARIZAÇÃO MIGRATÓRIA. PEDIDO DE RESIDÊNCIA PERMANENTE. ESTRANGEIRA SOLICITANTE DE REFÚGIO E COM PROLE BRASILEIRA. DISPENSA DE APRESENTAÇÃO DE CERTIDÃO DE ANTECEDENTES CRIMINAIS DO PAÍS DE ORIGEM E DE PASSAPORTE VÁLIDO. PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. SITUAÇÃO EXCEPCIONAL DO CASO CONCRETO. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO.
1. Discute-se no presente recurso sobre a existência ou não de direito líquido e certo à desnecessidade de apresentação de certidão de antecedentes criminais emitida pelo país de origem e do passaporte válido para o processamento de pedido de residência permanente, fundada na reunião familiar ou em acolhida humanitária.
2. Consoante o art. 5º, inciso LXIX, da Constituição Federal: "conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público".
3. Dessa forma, o mandado de segurança configura ação constitucional que visa a proteger o titular de direito líquido e certo, lesado ou sob ameaça de lesão, não amparado por “habeas corpus” ou “habeas data”, em casos de ilegalidade ou abuso de poder, por conduta comissiva ou omissiva.
4. Anota-se que o mandado de segurança é via processual adequada para a agravada manifestar a irresignação em apreço, tendo em vista a potencial violação ao direito de regularização migratória.
5. Importa frisar que o Estatuto dos Refugiados (Convenção da ONU de 1951) prevê a flexibilização das exigências documentais e regras procedimentais, diante das condições especiais dos refugiados, que se apresentam em situação de urgência ante a fuga do país de origem. O mesmo tratamento foi conferido pelos artigos 43 e 44 da Lei nº 9.474/1997.
6. O art. 20 da Lei de Migração - Lei nº 13.445/2017 prevê a flexibilização documental para a identificação civil do solicitante de refúgio.
7. Na hipótese dos autos, a agravada, solicitante de refúgio com prole brasileira, veio ao país em busca de condições mínimas de sobrevivência, diante da persistente crise social e humanitária no Haiti, seu país de origem. Assim, cabível afastar a exigência de documentos que não possui a agravada condições de obter em decorrência da grave situação política do país de origem.
8. Com efeito, exigir da impetrante, ora agravada, a apresentação de documentação que não possui condições de obter, significa obstar a possibilidade de regularização da sua situação migratória.
9. Negar à impetrante o processe o processamento do pedido de autorização de residência com base em reunião familiar somente por impossibilidade de apresentação de documentos que não podem ser obtidos caracteriza violação aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.
10. Considerando-se as especificidades do caso concreto, não se aplica, à agravada, a exigência trazida no art. 129, inciso V, do Decreto nº 9.199/2017, qual seja, apresentação de “certidões de antecedentes criminais ou documento equivalente emitido pela autoridade judicial competente de onde tenha residido nos últimos cinco anos”.
11. De outro giro, verifica-se que a função precípua da apresentação do passaporte para regularização migratória é identificar o portador e conferir se, de fato, trata-se da mesma pessoa que teve autorizada a sua permanência no país.
12. Nesse contexto, é de pouca relevância que o documento de viagem esteja fora do prazo de validade previsto pelo Estado emissor, desde que não seja desatualizado, tendo em vista que os dados concernentes à identidade do portador, tais como nome, local e data de nascimento, gênero e nacionalidade, em regra, apenas são repetidos no novo passaporte, cuja diferença será somente o novo número de identificação e a nova data de validade.
13. Agravo de instrumento não provido.
(TRF 3ª Região, 3ª Turma, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 5015457-98.2019.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal CECILIA MARIA PIEDRA MARCONDES, julgado em 03/10/2019, Intimação via sistema DATA: 09/10/2019)
DIREITO CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL. ESTRANGEIRO. PEDIDO DE NATURALIZAÇÃO. DISPENSA DE APRESENTAÇÃO DE CERTIDÃO DE ANTECEDENTES CRIMINAIS DO PAÍS DE ORIGEM, PASSAPORTE VÁLIDO E DOCUMENTOS LEGALMENTE INEXIGÍVEIS. PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. SITUAÇÃO EXCEPCIONAL DO CASO CONCRETO. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO.
1. Discute-se no presente recurso sobre a existência ou não de fumus boni iuris e periculum in mora, requisitos necessários para a concessão de liminar em mandado de segurança, no qual o impetrante afirma a existência de direito líquido e certo à desnecessidade de apresentação de certidão de antecedentes criminais emitida pelo país de origem, do passaporte válido para o processamento de pedido de naturalização, bem como de documentos legalmente inexigíveis.
2. O mandado de segurança configura ação constitucional que visa a proteger o titular de direito líquido e certo, lesado ou sob ameaça de lesão, não amparado por “habeas corpus” ou “habeas data”, em casos de ilegalidade ou abuso de poder, por conduta comissiva ou omissiva.
3. Anote-se que o mandado de segurança é via processual adequada para o agravado manifestar a irresignação em apreço, tendo em vista a potencial violação ao direito fundamental à nacionalidade (art. 12, da CF/1988) e ao exercício da cidadania (art. 1º, II, CF/1988).
4. Importa frisar que o Estatuto dos Refugiados (Convenção da ONU de 1951) prevê a flexibilização das exigências documentais e regras procedimentais, diante das condições especiais dos refugiados, que se apresentam em situação de urgência ante a fuga do país de origem. O mesmo tratamento foi conferido pelos artigos 43 e 44 da Lei nº 9.474/1997.
5. A Portaria nº 1.949/2015, que dispõe sobre os procedimentos relativos à naturalização, à alteração de assentamentos de estrangeiros e averbação de nacionalidade, e à igualdade de direitos entre portugueses e brasileiros, dispensa os refugiados, asilados políticos e apátridas solicitantes de naturalização, da apresentação de atestado de antecedentes criminais expedido pelo país de origem e da certidão ou inscrição consular emitida por Embaixada ou Consulado no Brasil, comprovando a correta grafia do nome do interessado e de seus genitores (art. 12).
6. Compulsando os autos de origem, verifica-se que foi juntado o Ofício Nº 182/CGASP/GCG/17, datado de 07 de junho de 2017, emitido pelo Consulado Geral de Angola em São Paulo, enviado à Defensoria Pública da União, informando que referido Consulado não possui a certidão de antecedentes criminais da Angola do impetrante, noticiando que foi pedido às autoridades angolanas o fornecimento da documentação solicitada (ID nº 4839697 - Pág. 7, nos autos originários). O writ foi protocolado em 01/03/2018, ou seja, cerca de nove meses após a solicitação do documento ao Consulado de Angola sem atendimento, o que demonstra a impossibilidade de obtenção da documentação junto ao Governo Angolano.
7. Na hipótese dos autos, o agravado veio ao país para fugir de graves violações a Direitos Humanos ocorridas na Guerra Civil de Angola, fato que justifica a aplicação da mesma flexibilização das exigências documentais e regras procedimentais legalmente prevista para refugiados. Assim, cabível afastar a exigência de documentos que não possui o agravado condições de obter em decorrência da grave situação política do país de origem. Precedentes.
8. Com efeito, exigir do impetrante, ora agravado, a apresentação de documentação que não possui condições de obter em razão das tensas relações com os órgãos oficiais do Governo Angolano, por ter fugido da Guerra Civil no país de origem, significa obstar a possiblidade de regularização da situação migratória pelo indivíduo, impedindo que exerça seu direito de pedir a naturalização e de exercer a cidadania brasileira.
9. Negar ao impetrante a possibilidade de naturalização somente por impossibilidade de apresentação de documentos que não podem ser obtidos caracteriza violação aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.
10. Ressalte-se que estão presentes os requisitos para concessão da medida liminar. O impetrante está no Brasil há mais de 25 anos, sem ter antecedentes criminais no país, o que demonstra o fumus boni iuris.Por outro lado, o periculum in mora resta consubstanciado no fato de que estão ameaçados o pleno exercício da cidadania, mediante a prática de atos civis, assim como os direitos básicos privativos de brasileiros.
11. Considerando-se as especificidades do caso concreto, não se aplica, ao agravado, a exigência trazida no art. 234, inciso V, do Decreto nº 9.199/2017, qual seja, “apresentação de atestado de antecedentes criminais expedido pelo país de origem”.
12. Agravo de instrumento da União desprovido.
(TRF 3ª Região, 3ª Turma, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 5005133-83.2018.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal CECILIA MARIA PIEDRA MARCONDES, julgado em 06/09/2018, Intimação via sistema DATA: 17/09/2018)
Em face do exposto, com a devida do Sr. Relator, divirjo parcialmente para dar provimento à apelação.
É como voto.
E M E N T A
DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO ADMINISTRATIVO. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. ESTRANGEIRO. PEDIDO DE NATURALIZAÇÃO ORDINÁRIA. DISPENSA DE DOCUMENTOS. DECRETO 9.199/2017. PORTARIA DO MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E SEGURANÇA PÚBLICA Nº 623 DE 13/11/2020. DESCABIMENTO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
- No caso concreto, a parte impetrante obteve autorização de ingresso em território nacional sob o fundamento de acolhida humanitária e pretende sua naturalização ordinária.
- A autoridade impetrada exigiu a apresentação de certidão de nascimento e de certidão ou inscrição consular para o processamento do pedido de naturalização, com fundamento na portaria do Ministério da Justiça e Segurança Pública nº 623, de 13/11/2020.
- Conforme dados da Carteira de Registro Nacional Migratório, o apelante possui autorização de residência no Brasil por prazo indeterminado.
- Muito embora esta Corte Regional reconheça a flexibilização das exigências documentais em casos excepcionais, o impetrante está com sua situação migratória regularizada, de forma que não há situação de risco, perda ou perecimento de direito.
- Acrescente-se que os benefícios que se conferem aos refugiados devem ser exercidos nos limites dos procedimentos atinentes a esta condição, e não de forma generalizada, alcançando outros expedientes aplicáveis a estrangeiros em geral, como a naturalização ordinária.
- Apelação parcialmente provida.