APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001948-82.2023.4.03.6104
RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: CARGILL AGRICOLA S A
Advogado do(a) APELANTE: ALESSANDRA DE SOUZA OKUMA - SP154811-A
APELADO: DELEGADO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL NA ALFANDEGA DO PORTO DE SANTOS - SP, UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001948-82.2023.4.03.6104 RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS DELGADO APELANTE: CARGILL AGRICOLA S A Advogado do(a) APELANTE: ALESSANDRA DE SOUZA OKUMA - SP154811-A APELADO: DELEGADO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL NA ALFANDEGA DO PORTO DE SANTOS - SP, UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR): Trata-se de apelação interposta por CARGILL AGRÍCOLA S/A, em mandado de segurança impetrado em face da UNIÃO FEDERAL – FAZENDA NACIONAL, objetivando seja assegurado o direito de recolher o Adicional ao Frete de Renovação da Marinha Mercante – AFRMM, com a redução da alíquota prevista pelo Decreto nº 11.321/2022, revogado pelo Decreto nº 11.374/2023. A r. sentença de fls. 126/128 denegou a segurança. Sem condenação em honorários advocatícios. Em razões recursais de fls. 131/140, alega a parte impetrante, em suma, que o restabelecimento da alíquota aos patamares anteriormente fixados, por meio da edição do Decreto nº 11.374/2023, não pode surtir efeitos imediatos, sob pena de afrontar os princípios da anterioridade tributária, em suas modalidades genérica e nonagesimal, nos termos do artigo 150, III, alíneas ‘b’ e ‘c’, da Constituição Federal. Por conseguinte, pede a reforma da r. sentença e a concessão da segurança. Contrarrazões ofertadas às fls. 145/152. Devidamente processado o recurso, subiram os autos a este Tribunal. Manifestação do Ministério Público Federal (fls. 157/158), no sentido do regular prosseguimento do feito, sem a necessidade de sua intervenção. É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001948-82.2023.4.03.6104 RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS DELGADO APELANTE: CARGILL AGRICOLA S A Advogado do(a) APELANTE: ALESSANDRA DE SOUZA OKUMA - SP154811-A APELADO: DELEGADO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL NA ALFANDEGA DO PORTO DE SANTOS - SP, UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR): A controvérsia diz respeito à discussão acerca de aspectos quantitativos do Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante – AFRMM. O referido tributo, conquanto tenha sido instituído pelo Decreto-Lei nº 2.404/1987, encontra-se atualmente disciplinado pela Lei nº 10.839/2004. Quanto à sua natureza jurídica, havia controvérsia sobre se o Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante – AFRMM caracterizaria imposto sobre transporte e, portanto, sua instituição pela União seria inconstitucional por violação à competência tributária dos Estados, ou se ele se trataria de contribuição de intervenção no domínio econômico. Ao invés de estimular, ou não, a atividade econômica mediante a respectiva redução, ou aumento, da carga tributária, as Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico - CIDE visam intervir na mesma seara através do fomento direto de determinados setores, com a destinação do produto de sua arrecadação. Por outro lado, o artigo 3º da Lei nº 10.839/2004 esclarece que a finalidade da exação é “atender aos encargos da intervenção da União no apoio ao desenvolvimento da marinha mercante e da indústria de construção e reparação naval brasileiras” e que ela constituiria a receita básica do Fundo da Marinha Mercante – FMM. Não é outra a razão pela qual o Supremo Tribunal Federal consolidou o entendimento de que o Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Marcante – AFRMM possui a natureza jurídica de contribuição de intervenção no domínio econômico, diante do seu caráter parafiscal. Neste sentido, trago à colação o seguinte precedente da Suprema Corte: "CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. ADICIONAL AO FRETE PARA RENOVAÇÃO DA MARINHA MERCANTE - AFRMM: CONTRIBUIÇÃO PARAFISCAL OU ESPECIAL DE INTERVENÇÃO NO DOMÍNIO ECONOMICO. I. - O ADICIONAL AO FRETE PARA RENOVAÇÃO DA MARINHA MERCANTE - AFRMM - e uma contribuição parafiscal ou especial, contribuição de intervenção no domínio econômico, terceiro gênero tributário, distinta do imposto e da taxa. (C.F., art. 149). II. - O AFRMM não e incompativel com a norma do art. 155, par. 2., IX, da Constituição. Irrelevância, sob o aspecto tributário, da alegação no sentido de que o Fundo da Marinha Mercante teria sido extinto, na forma do disposto no art. 36, ADCT. III. - R.E. não conhecido." (RE nº 165.939, Relator Ministro Carlos Velloso, Tribunal Pleno, julgado em 24/05/1995, DJ 30/06/1995). No que se refere aos contornos da hipótese de incidência tributária, segundo o disposto no artigo 4º da Lei n. 10.839/2004, o fato gerador da exação é "o início efetivo da operação de descarregamento da embarcação em porto brasileiro". Já a sua base de cálculo é "o frete, que é a remuneração do transporte aquaviário da carga de qualquer natureza descarregada em porto brasileiro", consoante o artigo 5º do mesmo diploma legal. Por sua vez, suas alíquotas estão previstas no artigo 6º da referida lei, in verbis: "I - 8% (oito por cento) na navegação de longo curso;(Redação dada pela Lei nº 14.301, de 2022) II - 8% (oito por cento) na navegação de cabotagem;(Redação dada pela Lei nº 14.301, de 2022) III - 40% (quarenta por cento) na navegação fluvial e lacustre, por ocasião do transporte de granéis líquidos nas Regiões Norte e Nordeste;(Redação dada pela Lei nº 14.301, de 2022) IV - 8% (oito por cento) na navegação fluvial e lacustre, por ocasião do transporte de granéis sólidos e outras cargas nas Regiões Norte e Nordeste.(Incluído pela Lei nº 14.301, de 2022)" Além disso, houve delegação legislativa ao Poder Executivo para que, considerando o fluxo de caixa do Fundo da Marinha Mercante – FMM, estabelecesse descontos na alíquota do tributo, desde que não adotasse, como critério de diferenciação, “o tipo de carga” e “os tipos de navegação”, nos termos do artigo 6º, §4º, da Lei nº 10.839/2004. Do caso concreto. A controvérsia diz respeito à possibilidade de aplicação, ou não, da alíquota reduzida ao tributo, durante o exercício financeiro de 2023, conforme autorizado pelo Decreto nº 11.321/2022, posteriormente revogado pelo Decreto nº 11.374/2023. Quanto a este aspecto, verifica-se que o então vice-presidente, no exercício da presidência, editou o Decreto nº 11.321/2022, em 30 de dezembro de 2022, portanto, no penúltimo dia de seu mandato. O artigo 1º do referido ato infralegal, com fundamento na delegação legislativa prevista no artigo 6º, §4º, da Lei nº 10.839/2004, conferiu ao contribuinte “desconto de cinquenta por cento para as alíquotas do Adicional ao Frete de Renovação da Marinha Mercante, de que trata o art. 6º da Lei nº 10.893, de 13 de julho de 2004”. Determinou-se que a referida norma entraria em vigor em 1º de janeiro de 2023. No entanto, em 1º de janeiro de 2023, sobreveio o Decreto nº 11.374/2023 que, entre outras medidas, revogou o ato infralegal supramencionado, in verbis: “Art. 1º Ficam revogados: I -oDecreto nº 11.321, de 30 de dezembro de 2022; II -oDecreto nº 11.322, de 30 de dezembro de 2022; e III -oDecreto nº 11.323, de 30 de dezembro de 2022. Art. 2º Ficam revigorados os seguintes dispositivos doDecreto nº 10.615, de 29 de janeiro de 2021: I - o§ 1º do art. 5º; e II - o§ 2º do art. 12. Art. 3º Ficam repristinadas as redações: I - doDecreto nº 8.426, de 1º de abril de 2015, anteriormente à alteração promovida peloDecreto nº 11.322, de 2022; e II - doDecreto nº 10.615, de 29 de janeiro de 2021, anteriormente às alterações promovidas peloDecreto nº 11.323, de 2022. Art. 4º Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.” Assim, a impetrante ajuizou este mandamus com o propósito de obstar os efeitos concretos do Decreto nº 11.374/2023, alegando fazer jus a pagar a alíquota reduzida na apuração do Adicional ao Frete de Renovação da Marinha Mercante durante o exercício financeiro de 2023, em observância dos princípios da anterioridade, nas suas modalidades genérica e nonagesimal, previstos no artigo 150, III, alíneas ‘b’ e ‘c’, da Constituição Federal. O recurso, contudo, não comporta acolhimento. O poder constituinte originário conferiu ao Estado o poder de tributar os contribuintes, para obter recursos para financiar suas atividades. A fim de que o exercício desse poder estatal seja legítimo, contudo, deve-se observar não só os limites da competência atribuída pela Constituição Federal a cada ente da federação, como também as imunidades e as garantias individuais do contribuinte previstas principalmente no artigo 150 da Constituição Federal. Tais garantias são disciplinadas por um conjunto de princípios que, dotados de forte conteúdo valorativo, orientam não só a interpretação como a aplicação das normas tributárias. No que se refere ao princípio da legalidade tributária, ele está previsto no artigo 150, I, da Constituição Federal, in verbis: “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça”. Do ponto de vista formal, o princípio estabelece que determinados elementos da relação jurídico-tributária só podem ser disciplinados por lei em sentido estrito. Neste sentido, o artigo 97 do Código Tributário Nacional prevê que: “Art. 97. Somente a lei pode estabelecer: I - a instituição de tributos, ou a sua extinção; II - a majoração de tributos, ou sua redução, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65; III - a definição do fato gerador da obrigação tributária principal, ressalvado o disposto no inciso I do § 3º do artigo 52, e do seu sujeito passivo; IV - a fixação de alíquota do tributo e da sua base de cálculo, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65; V - a cominação de penalidades para as ações ou omissões contrárias a seus dispositivos, ou para outras infrações nela definidas; VI - as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários, ou de dispensa ou redução de penalidades. §1º: Equipara-se à majoração do tributo a modificação da sua base de cálculo, que importe em torná-lo mais oneroso. §2º: Não constitui majoração de tributo, para os fins do disposto no inciso II deste artigo, a atualização do valor monetário da respectiva base de cálculo”. Quanto ao aspecto material, o princípio reserva à lei em sentido amplo definir os contornos de todos os fatos jurídicos que possuam consequências tributárias, bem como disciplinar as obrigações por eles originadas. O princípio da legalidade ainda não só constitui importante proteção do contribuinte contra eventuais arbítrios da Administração Pública - já que a atividade fiscal é plenamente vinculada - como também impede que o agente público atue, em juízo de discricionariedade, contra os interesses da Fazenda. Neste último sentido, visa assegurar a observância da supremacia do interesse público. Realmente, na seara tributária, em respeito ao princípio republicano, somente ao Poder Legislativo, constituído por representantes eleitos do povo, é conferido o poder de dispor do patrimônio público, concedendo benefícios fiscais, mediante lei específica, tais como “subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão”, nos termos do artigo 150, §6º, da Constituição Federal. Todavia, as normas jurídicas, das quais os princípios constituem espécie, são estabelecidas para orientar a convivência em sociedade, em prol do bem comum, nos termos do artigo 5º do Decreto-Lei nº 4657/42, de modo que elas não possuem uma razão de ser em si mesmas, mas antes atendem a uma finalidade social. Por essa razão, no que diz respeito à majoração de tributo, a própria Constituição Federal, em seu artigo 153, §1º, autoriza ao Poder Executivo alterar, por ato infralegal, desde que respeitados os limites estabelecidos na lei instituidora, a alíquota dos impostos sobre exportação (IE), importação (II), operações financeiras (IOF) e produtos industrializados (IPI). Isso se justifica pois estes tributos possuem caráter nitidamente extrafiscal, servindo de importante instrumento para a intervenção do Poder Executivo na ordem econômica, segundo as necessidades do bem comum. Com a edição da Emenda Constitucional nº 33/2001, o princípio da legalidade tributária foi mais uma vez mitigado. Neste sentido, a referida norma não só autorizou o Poder Executivo a reduzir ou restabelecer a alíquota da CIDE-combustíveis mediante ato infralegal, nos termos do artigo 177, §4º, I, alínea ‘b’, da CF; como também permitiu aos Estados e ao Distrito Federal definir, por convênio, as alíquotas do ICMS monofásico, conforme o artigo 155, §4º, IV, da Carta Magna. No que diz respeito aos Decreto editados pelo Poder Executivo em matéria tributária, ao analisar a alegada inconstitucionalidade do Regulamento da Previdência Social (Decreto nº 3.048/99), no que se refere à explicitação dos conceitos de “atividade preponderante” e “grau de risco leve, médio e grave”, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o RE nº 343.446, afirmou que a definição dos contornos de conceitos jurídicos indeterminados previstos em lei por ato infralegal não ofende o princípio da legalidade. Eis o referido precedente: “CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO: SEGURO DE ACIDENTE DO TRABALHO - SAT. Lei 7.787/89, arts. 3º e 4º; Lei 8.212/91, art. 22, II, redação da Lei 9.732/98. Decretos 612/92, 2.173/97 e 3.048/99. C.F., artigo 195, § 4º; art. 154, II; art. 5º, II; art. 150, I. I. - Contribuição para o custeio do Seguro de Acidente do Trabalho - SAT: Lei 7.787/89, art. 3º, II; Lei 8.212/91, art. 22, II: alegação no sentido de que são ofensivos ao art. 195, § 4º, c/c art. 154, I, da Constituição Federal: improcedência. Desnecessidade de observância da técnica da competência residual da União, C.F., art. 154, I. Desnecessidade de lei complementar para a instituição da contribuição para o SAT. II. - O art. 3º, II, da Lei 7.787/89, não é ofensivo ao princípio da igualdade, por isso que o art. 4º da mencionada Lei 7.787/89 cuidou de tratar desigualmente aos desiguais. III. - As Leis 7.787/89, art. 3º, II, e 8.212/91, art. 22, II, definem, satisfatoriamente, todos os elementos capazes de fazer nascer a obrigação tributária válida. O fato de a lei deixar para o regulamento a complementação dos conceitos de "atividade preponderante" e "grau de risco leve, médio e grave", não implica ofensa ao princípio da legalidade genérica, C.F., art. 5º, II, e da legalidade tributária, C.F., art. 150, I. IV. - Se o regulamento vai além do conteúdo da lei, a questão não é de inconstitucionalidade, mas de ilegalidade, matéria que não integra o contencioso constitucional. V. - Recurso extraordinário não conhecido”. (RE nº 343.446, Relator Ministro Carlos Velloso, Tribunal Pleno, julgado em 20/03/2003, DJ 04/04/2003). Quanto à fixação de alíquotas de tributos que possuem caráter extrafiscal, por ato infralegal, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem atenuando a rigidez do princípio da legalidade tributária por duas razões: houve modificação na forma de realização de delegação nesta seara pelo Poder Legislativo e há relevantes circunstâncias metajurídicas que influem na decisão acerca do momento do Poder Executivo intervir na ordem econômica que não podem ser desconsideradas. Neste sentido, se antes a delegação feita ao Poder Executivo para dispor sobre a alíquota de tributos era promovida por Emenda Constitucional – da qual é exemplo a própria EC nº 33/2001 -, processo sabidamente rígido e incompatível com o dinamismo da atividade econômica, atualmente ela é feita por previsão expressa na lei que disciplina o tributo. A análise da constitucionalidade do procedimento foi submetida ao crivo do STF quando do julgamento da ADI nº 5277/DF, que dispunha sobre a delegação legislativa ao Poder Executivo de fixar as alíquotas do PIS/COFINS por ato infralegal, prevista no artigo 5º, §8º, da Lei nº 9718/98, incluído pela Lei nº 11.727/2008, in verbis: “§8º: Fica o Poder Executivo autorizado a fixar coeficientes para redução das alíquotas previstas no capute no § 4odeste artigo, as quais poderão ser alteradas, para mais ou para menos, em relação a classe de produtores, produtos ou sua utilização.(Incluído pela Lei nº 11.727, de 2008).(Produção de efeitos)(Vide ADI 5277)” Na ocasião, o STF consignou não violar o princípio da legalidade a alteração da alíquota de tributo, “para mais ou para menos”, por ato infralegal, desde que o índice fixado não extrapole o teto estabelecido pela lei instituidora e se trate de tributo com caráter nitidamente extrafiscal, conforme se infere da seguinte ementa que trago à colação: “Ação direta de inconstitucionalidade. Direito Tributário. Princípio da legalidade tributária. Necessidade de análise de cada espécie tributária e de cada caso concreto. Contribuição ao PIS/PASEP e Cofins. Parágrafos 8º a 11 do art. 5º da Lei nº 9.718/98, incluídos pela Lei nº 11.727/08. Venda de álcool, inclusive para fins carburantes. Fixação, pelo Poder Executivo, de coeficientes para reduzir alíquotas dessas contribuições, as quais podem ser alteradas para mais ou para menos, em relação a classe de produtores, produtos ou sua utilização. Presença de função extrafiscal a ser desenvolvida. Anterioridade nonagesimal. Necessidade de observância. 1. A observância do princípio da legalidade tributária é verificada de acordo com cada espécie tributária e à luz de cada caso concreto, sendo certo que não existe ampla e irrestrita liberdade para o legislador realizar diálogo com o regulamento no tocante aos aspectos da regra matriz de incidência tributária. 2. Para que a lei autorize o Poder Executivo a reduzir e restabelecer as alíquotas da contribuição ao PIS/Pasep e da Cofins, é imprescindível que o valor máximo dessas exações e as condições a serem observadas sejam prescritos em lei em sentido estrito, bem como exista em tais tributos função extrafiscal a ser desenvolvida pelo regulamento autorizado. 3. Os dispositivos impugnados tratam da possibilidade de o Poder Executivo fixar coeficientes para reduzir as alíquotas da contribuição ao PIS/PASEP e da Cofins incidentes sobre a receita bruta auferida na venda de álcool, inclusive, para fins carburantes, alíquotas essas previstas no caput e no § 4º do art. 5º da Lei nº 9.718/98, redação dada pela Lei nº 11.727/08, as quais podem ser alteradas, para mais ou para menos, em relação a classe de produtores, produtos ou sua utilização. A lei estabeleceu os tetos e as condições a serem observados pelo Poder Executivo. Ademais, a medida em tela está intimamente conectada à otimização da função extrafiscal presente nas exações em questão. Verifica-se, ainda, que o diálogo entre a lei tributária e o regulamento se dá em termos de subordinação, desenvolvimento e complementariedade. 4. A majoração da contribuição ao PIS/Pasep ou da Cofins por meio de decreto autorizado submete-se à anterioridade nonagesimal prevista no art. 195, § 6º, da CF/88, correspondente a seu art. 150, III, c. 5. Ação direta de inconstitucionalidade julgada parcialmente procedente, conferindo-se interpretação conforme à Constituição Federal aos §§ 8º e 9º do art. 5º da Lei nº 9.718/98, incluídos pela Lei nº 11.727/08, e se estabelecendo que as normas editadas pelo Poder Executivo com base nesses parágrafos devem observar a anterioridade nonagesimal prevista no art. 150, III, c, do texto constituciona.”. (ADI nº 5.277, Relator Ministro Dias Toffoli, Tribunal Pleno, julgado em 10/12/2020, DJe 25-03-2021). Isso se justifica pois, devido a sua proximidade dos fatos geradores que dão origem ao tributo, a Administração possui maior sensibilidade para compreender as questões técnicas envolvidas na atividade econômica desenvolvida e dimensionar a necessidade e o momento de sua intervenção. In casu, o Adicional ao Frete de Renovação da Marinha Mercante – AFRMM ostenta a natureza de contribuição para intervenção no domínio econômico e possui nítido caráter extrafiscal. Ademais, ao efetuar a delegação prevista no artigo 6º, §4º, da Lei nº 10.839/2004, o legislador apenas reconheceu que o Poder Executivo, devido a sua proximidade da atividade aduaneira e por deter maiores informações sobre aspectos técnicos relacionados à importação e à exportação de produtos, reúne melhores condições para decidir o momento e a intensidade da intervenção na referida seara, a fim de preservar o equilíbrio nas cadeias nacionais de abastecimento e exportação. Desse modo, não se verifica violação ao princípio da legalidade tributária no caso vertente pelo simples fato do Poder Executivo se valer de tal prerrogativa ao editar o Decreto nº 11.321/2022. No mais, afirma a parte impetrante que a ausência de aplicação do “desconto” previsto no artigo 1º do Decreto nº 11.321/2022, durante o exercício financeiro de 2023, caracterizaria violação ao princípio da anterioridade, nas modalidades genérica e nonagesimal, previsto no artigo 150, III, alíneas ‘b’ e ‘c’, da Constituição. A tese, contudo, não prospera. No que se refere às modificações legislativas em geral, a própria Constituição Federal em seu artigo 5º, caput, estabelece a segurança jurídica como direito fundamental. Assim, em sua atividade, o Estado não pode provocar sobressaltos, razão pela qual deve não só agir de acordo com os princípios da boa-fé e da razoabilidade, como também respeitar a estabilidade das relações jurídicas já consolidadas. Além disso, deve observar o princípio da legalidade, a fim de permitir certa previsibilidade de seu comportamento aos cidadãos. Na seara tributária, isso se reflete na vedação do Estado de promover modificações legislativas repentinas, com efeitos concretos imediatos, que elevem a carga tributária. É justamente para impedir tais “surpresas”, que o artigo 150, III, da Constituição Federal confere ao contribuinte a proteção dos princípios da irretroatividade, da anterioridade genérica e da anterioridade nonagesimal. O princípio da irretroatividade estabelece a impossibilidade da lei que institui ou majore tributos alcançar fatos geradores já consolidados antes do início da sua vigência, nos termos do artigo 150, III, alínea “a”, da CF. Tal garantia é um reflexo, na seara tributária, do direito fundamental previsto no artigo 5, XXXVI, da Carta Magna, in verbis: “XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;” O artigo 105 do Código Tributário Nacional reforça tal garantia nos seguintes termos: “Art. 105. A legislação tributária aplica-se imediatamente aos fatos geradores futuros e aos pendentes, assim entendidos aqueles cuja ocorrência tenha tido início mas não esteja completa nos termos do artigo 116”. Se o princípio da irretroatividade visa proteger relações jurídicas já consolidadas, o princípio da anterioridade, em suas modalidades genérica e nonagesimal, objetiva assegurar ao contribuinte um tempo mínimo para conhecer a modificação na legislação tributária e planejar a atividade econômica para suportar seus efeitos. Em sua modalidade genérica, o princípio da anterioridade veda que a lei que institua ou majore tributo produza efeitos no mesmo exercício financeiro em que ela foi publicada, nos termos do artigo 150, III, alínea ‘b’ da Constituição Federal. O princípio, contudo, não se aplica aos impostos sobre importação (II), exportação (IE), produtos industrializados (IPI) e operações financeiras (IOF) – diante do se caráter extrafiscal. Também não se aplica sobre impostos extraordinários de guerra e empréstimos compulsórios, em razão de guerra ou calamidade pública, diante da incompatibilidade do princípio com a situação de urgência que justifica a instituição destas exações. Por fim, a incidência do princípio também é excepcionada no caso das contribuições para financiamento da seguridade social (artigo 195, §6º, da CF) e, apenas parcialmente – já que não permite a majoração -, nos casos do ICMS-monofásico incidente sobre combustíveis (artigo 155, §4º, IV, da CF) e da CIDE – combustíveis (artigo 177, §4º, I, alínea ‘b’, da CF). Tal garantia, contudo, se mostrou frágil, pois ela não atingia sua finalidade diante de modificações legislativas que ocorriam repentinamente nos últimos dias do exercício financeiro. Assim, inspirado no regime jurídico das contribuições sociais para a Previdência Social, o poder constituinte derivado promulgou a EC nº 42/2003, que tornou a anterioridade nonagesimal, em regra, de observância obrigatória no Sistema Tributário Nacional, ao incluir o artigo 150, III, alínea ‘c’ na Carta Magna. De acordo com o referido princípio, a lei que institui ou majora tributos só produz efeitos após 90 (noventa) dias da data de sua publicação. Essa proteção, contudo, não é absoluta, uma vez que ela não se aplica aos impostos sobre importação (II), exportação (IE) e operações financeiras (IOF). Pelos mesmos motivos da anterioridade genérica, também não obsta a incidência de imposto extraordinário de guerra e empréstimos compulsórios, em situações de guerra e de calamidade pública. Por fim, também é excluído do âmbito de proteção do referido princípio as alterações no imposto de renda e as modificações na base de cálculo do IPTU e do IPVA, nos termos do artigo 150, §1º, da Constituição Federal. In casu, em que pesem as considerações da parte impetrante, não houve qualquer violação ao princípio da não surpresa. O decreto que previu o referido “desconto” foi editado em 30 de dezembro de 2022, entretanto, sua vigência foi postergada para 1º de janeiro do corrente exercício financeiro, in verbis: “Art. 1º Fica estabelecido o desconto de cinquenta por cento para as alíquotas do Adicional ao Frete para a Renovação da Marinha Mercante, de que trata o art. 6º da Lei nº 10.893, de 13 de julho de 2004. Art. 2º Este Decreto entra em vigor em 1º de janeiro de 2023”. Antes mesmo que produzisse quaisquer efeitos concretos, em 1º de janeiro de 2023, a referida norma infralegal foi integralmente revogada pelo artigo 1º do Decreto nº 11.374/2023, editado pelo novo mandatário do Poder Executivo recém empossado. Assim, o caso vertente não se trata propriamente de majoração, mas sim de manutenção da alíquota do Adicional ao Frete de Renovação da Marinha Mercante que vinha sendo praticada desde 2022. Diante desse contexto, não há falar em prejuízo ao planejamento da atividade econômica da parte impetrante, pela quebra de expectativa de redução da exação. Neste sentido, é importante salientar que não existe direito adquirido a regime jurídico. A propósito, reporto-me ao seguinte precedente desta Egrégia 3ª Turma firmado em caso análogo: “PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. MANDADO DE SEGURANÇA. DECRETO 11.374/2023. MANUTENÇÃO DAS ALÍQUOTAS VIGENTES DESDE 2015. ANTERIORIDADE NONAGESIMAL. GARANTIA DA SEGURANÇA JURÍDICA. INAPLICABILIDADE. ADC 84. MEDIDA CAUTELAR CONCEDIDA. 1. Cinge-se a controvérsia acerca da necessidadede observância do princípio da anterioridade nonagesimalquanto às disposições do Decretonº 11.374/2023. 2. O Decreto nº 8.426, de 1º de abril de 2.015, restabeleceu as alíquotas do PIS/PASEP e da COFINS incidentes sobre receitas financeiras auferidas pelas pessoas jurídicas sujeitas ao regime da não-cumulatividade para0,65% e 4%, respectivamente. 3. Em 30/12/2022, foi publicado o Decreto nº 11.322/2022, para alterar o Decreto nº 8.426/2015, reduzindo as alíquotas ao percentual de 0,33% para o PIS e 2% paraa Cofins, com previsão expressa deprodução de efeitos a partir do dia 1º de janeiro de 2.023. 4. Nessa mesma data, ou seja, em 01/01/2023, foi editado o Decreto nº 11.374/2023que, em seuart. 1º, revogouo Decreto nº 11.322/2022 e, em seu art.2º, represtionou a redação do Decreto nº 8.426/2015, comvigência a partir da sua publicação, ocorrida em 02/01/2023. 5. Conclui-se que as reduções das alíquotas previstas pelo Decreto nº 11.322/2022 sequer chegaram a ser aplicadas, tratando-se, como bem pontuado pelo juízoa quo,de disposição natimorta, pois nãoproduziuefeitos no mundo jurídico. 6. Considerando que oDecreto nº 11.374/2023 manteveas alíquotas que vigiam desde de 2015,mesmo antes dapotencial reduçãopeloDecreto nº 11.322/2022, não há falar em violação à anterioridade nonagesimal. 7. Aregra da noventena visa a garantia da segurança jurídica, cuja aplicabilidade vincula-se à lei que houver instituído ou majorado tributo, hipótese distinta do caso em questão. 8. Em decisão recente, proferida em sede de cautelar na Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 84, ajuizada pelo Presidente da República para declarar a constitucionalidade dos arts. 1°, II; 3°, I; e 4°, do Decreto 11.374/2023, os quais repristinam dispositivos do Decreto 8.426/2015, anteriormente à alteração promovida pelo Decreto 11.322/2022, o Ministro Relator Ricardo Lewandowskiconcedeu a medida,ad referendumdo Plenário do STF,para suspender a eficácia das decisões judiciais que, de forma expressa ou tácita, tenham afastado a aplicação do Decreto 11.374/2023 e, assim, possibilitar o recolhimento da contribuição para o PIS/Cofins pelas alíquotas reduzidas de 0,33% e 2%, respectivamente, até o exame de mérito desta ação. 9. Agravo de instrumento improvido”. (TRF 3ª Região, 3ª Turma, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 5003468-56.2023.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal CONSUELO YATSUDA MOROMIZATO YOSHIDA, julgado em 20/05/2023, Intimação via sistema DATA: 23/05/2023). Ante o exposto, nego provimento à apelação interposta pela parte impetrante. É como voto.
E M E N T A
MANDADO DE SEGURANÇA. CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. ADICIONAL AO FRETE DE RENOVAÇÃO DA MARINHA MERCANTE – AFRMM. REDUÇÃO DE ALÍQUOTA PROMOVIDA POR ATO INFRALEGAL. OBSERVÂNCIA DA DELEGAÇÃO LEGISLATIVA. TRIBUTO DE CARÁTER EXTRAFISCAL. OBSERVÂNCIA DO TETO ESTABELECIDO PELA LEI INSTITUIDORA DA EXAÇÃO. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. NÃO CONFIGURADA. APLICAÇÃO DA ALÍQUOTA REDUZIDA DURANTE O PRESENTE EXERCÍCIO FINANCEIRO. IMPOSSIBILIDADE. ATO INFRALEGAL REVOGADO ANTES DA PRODUÇÃO DE EFEITOS CONCRETOS. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE. NÃO CONFIGURADA. APELAÇÃO DA PARTE IMPETRANTE DESPROVIDA.
1 - A controvérsia diz respeito à possibilidade de aplicação, ou não, da alíquota reduzida do tributo, durante o exercício financeiro de 2023, conforme autorizado pelo Decreto n. 11.321/2022, posteriormente revogado pelo Decreto 11.374/2023.
2 - Quanto à fixação de alíquotas de tributos que possuem caráter extrafiscal, por ato infralegal, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem atenuando a rigidez do princípio da legalidade tributária por duas razões: houve modificação na forma de realização de delegação nesta seara pelo Poder Legislativo e há relevantes circunstâncias metajurídicas que influem na decisão acerca do momento do Poder Executivo de intervir na ordem econômica que não podem ser desconsideradas.
3 - Neste sentido, se antes a delegação feita ao Poder Executivo para dispor sobre a alíquota de tributos era promovida por Emenda Constitucional – da qual é exemplo a própria EC n. 33/2001 -, processo sabidamente rígido e incompatível com o dinamismo da atividade econômica -, atualmente ela é feita por previsão expressa na lei que disciplina o tributo.
4 - A análise da constitucionalidade do procedimento foi submetida ao crivo do STF quando do julgamento da ADI 5277/DF, que dispunha sobre a delegação legislativa que conferia ao Poder Executivo fixar as alíquotas do PIS/COFINS por ato infralegal, prevista no artigo 5º, §8º, da Lei n. 9718/98, incluído pela Lei n. 11.727/2008.
5 - Na ocasião, o STF consignou não violar o princípio da legalidade a alteração da alíquota de tributo, “para mais ou para menos”, por ato infralegal, desde que o índice fixado não extrapole o teto estabelecido pela lei instituidora e se trate de tributo com caráter nitidamente extrafiscal. Precedente.
6 - Isso se justifica pois, devido a sua proximidade dos fatos geradores que dão origem ao tributo, a Administração possui maior sensibilidade para compreender as questões técnicas envolvidas na atividade econômica desenvolvida e dimensionar a necessidade e o momento de sua intervenção.
7 - In casu, o Adicional ao Frete de Renovação da Marinha Mercante – AFRMM ostenta a natureza de contribuição para intervenção no domínio econômico e possui nítido caráter extrafiscal.
8 - Ademais, ao efetuar a delegação prevista no artigo 6º, §4º, da Lei n. 10.839/2004, o legislador apenas reconheceu que o Poder Executivo, devido a sua proximidade da atividade aduaneira e por deter maior informações sobre aspectos técnicos relacionados à importação e à exportação de produtos, reúne melhores condições para decidir o momento e a intensidade da intervenção na referida seara, a fim de preservar o equilíbrio nas cadeias nacionais de abastecimento e exportação.
9 - Desse modo, não se verifica violação ao princípio da legalidade tributária no caso vertente pelo simples fato do Poder Executivo se valer de tal prerrogativa ao editar o Decreto 11.321/2022.
10 – No mais, em que pesem as considerações da Impetrante, não houve qualquer violação ao princípio da não surpresa.
11 - O decreto que previu o referido “desconto” foi editado em 30 de dezembro de 2022, entretanto, sua vigência foi postergada para 1º de janeiro do corrente exercício financeiro.
12 - Antes mesmo que produzisse quaisquer efeitos concretos, em 1º de janeiro de 2023, a referida norma infralegal foi integralmente revogada pelo artigo 1º do Decreto n. 11.374/2023, editado pelo novo mandatário do Poder Executivo recém empossado.
13 - Assim, o caso vertente não se trata propriamente de majoração, mas sim de manutenção da alíquota do Adicional ao Frete de Renovação da Marinha Mercante que vinha sendo praticada desde 2022.
14 - Diante desse contexto, não há falar em prejuízo ao planejamento da atividade econômica da Impetrante, pela quebra de expectativa de redução da exação. Neste sentido, é importante salientar que não existe direito adquirido a regime jurídico. Precedente.
15 - Apelação da parte impetrante desprovida.