Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
5ª Turma

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0003337-78.2009.4.03.6105

RELATOR: Gab. 43 - DES. FED. ALI MAZLOUM

APELANTE: DEVAMNIR RAGAZZI FILHO, CASSIO EDUARDO RAGAZZI

Advogado do(a) APELANTE: HELIO FERREIRA CALADO - SP99889
Advogado do(a) APELANTE: LUIZ ANTONIO SABOYA CHIARADIA - SP205703

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
5ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0003337-78.2009.4.03.6105

RELATOR: Gab. 43 - DES. FED. ALI MAZLOUM

APELANTE: DEVAMNIR RAGAZZI FILHO, CASSIO EDUARDO RAGAZZI

Advogado do(a) APELANTE: HELIO FERREIRA CALADO - SP99889
Advogado do(a) APELANTE: LUIZ ANTONIO SABOYA CHIARADIA - SP205703

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL

OUTROS PARTICIPANTES:

ORIGEM: 9ª VARA CRIMINAL FEDERAL DE CAMPINAS-SP 

 

 

R E L A T Ó R I O

 

O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ALI MAZLOUM: Trata-se de apelações interpostas por Devamnir Ragazzi Filho e Cassio Eduardo Ragazzi, em face de sentença que os condenou, incursos no artigo 1º, inciso I, da Lei nº 8.137/1990, às penas privativas de liberdade de 11 (onze) anos, 10(dez) meses e 21 (vinte e um) dias de reclusão, regime fechado, além do pagamento de 566 (quinhentos e sessenta e seis) dias-multa, valor unitário de cinco vezes o salário mínimo vigente à época dos fatos.

Narra a denúncia e seu respectivo aditamento (ID’s 141673156-fls.03/08 e 141673156-fls. 59/62),que os acusados Devamnir Ragazzi Filho, Cassio Eduardo Ragazzi, Paulo Roberto da Silva Gouveia e Cristiane Maria Ferrari Gouveia, na condição de sócios e administradores da pessoa jurídica Caribean Distribuidora de Combustíveis e Derivados de Petróleo LTDA, mediante prestação de informação falsa e omissão de informações à autoridade fazendária, reduziram tributos federais a que estava sujeita a referida pessoa jurídica, nos períodos de maio de 1997 a dezembro de 1999.

Esclareceu a inicial acusatória, que consoante o contrato social a pessoa jurídica foi constituída em 21.03.1996 pelo acusado Devamnir, sendo que aos 28.04.1997, esse retirou-se do quadro societário e ingressaram Paulo Roberto da Silva Gouveia, como sócio administrador e sua esposa Cristiane Maria Ferrari Gouveia, momento em que, a partir de então, tiveram início as condutas fraudulentas ao Fisco.

Contudo, apurou-se pela investigação, que o acusado Devamnir, na realidade, nunca se afastou da administração da pessoa jurídica, sendo que juntamente com seu irmão Cassio Eduardo Ragazzi, eram sócios de fato na gestão fraudulenta da empresa, fazendo uso de interpostas pessoas para figurarem na administração da pessoa jurídica.

Os tributos sonegados/reduzidos e respectivos procedimentos fiscais foram:  nº 10830.007286/00-72 (Programa de Integração Social- PIS), nº 10830.007287/00-35 (contribuição para o financiamento da seguridade social  - COFINS), nº 10830.007377/00-26 (imposto de renda pessoa jurídica - IRPJ e contribuição social sobre o lucro líquido - CSLL) e nº 10830.007291/00-11 (Programa de Integração Social -PIS) para apurar eventual sonegação tributária, sendo os créditos tributários constituídos, respectivamente, nas data de 18.03.2004, de 22.02.2007 e de 04.01.2005 (ID 141673156-fl.64- volume 3).

A soma dos tributos reduzidos, com acréscimo de juros e multa, com valores atualizados em 26.10.2012 (ofício DRF/RJ nº5867/2012- ID 141673156-fl.64) resultou:

-PAF nº10830.007286/00-72 (PIS), constituição do crédito tributário aos 18.03.2004, inscrição definitiva em dívida ativa aos 13.08.2004, valor consolidado de R$ 33.665,35 (ID 141673156- fls. 67/69).

-PAF nº10830.007287/00-35 (COFINS), constituição do crédito tributário aos 18.03.2004, inscrição definitiva em dívida ativa aos 16.06.2004, valor consolidado de R$ 155.378,87 (ID 141673156- fls. 72/74).

-PAF nº 10830.007291/00-11(PIS), constituição do crédito tributário aos 04.01.2005, inscrição definitiva em dívida ativa aos 11.03.2005, valor consolidado de R$ 8.405.712,57 (ID 141673156- fls. 81/83).

-PAF nº 10830.007377/00-26 (IRPJ e CSLL), constituição do crédito tributário aos 22.02.2007, inscrição definitiva em dívida ativa aos 09.03.2007, valor consolidado de R$ 5.040.565,05 (ID 141673156- fls. 78/79).

Dessa forma, encontra-se o feito de acordo com a Súmula Vinculante 24 do E. STF – “Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei 8.137/1990, antes do lançamento definitivo do tributo.”

A denúncia foi recebida em 18.05.2012 (ID 141673156 – fls. 10/11- volume 3), sendo rejeitada em relação à Cristiane Maria Ferrari Gouveia. Posterior aditamento foi recebido aos 07.01.2013 (ID 141673156- fls.85/87- volume 3) e a sentença publicada em 11.12.2018 (ID 141673200- fl.210- volume 4).

Em suas razões de apelo, a defesa de Devamnir Ragazzi Filho, sustenta em preliminar: i) a ocorrência da prescrição; ii) cerceamento de defesa face ao não deferimento dos requerimentos que formulou por ocasião da resposta preliminar e ao longo da instrução, visando a quebra de sigilo bancário e apuração de bens. Nesse ponto, requer a conversão do julgamento em diligência para a produção da prova requerida. No mérito, afirma que a responsabilidade pela gestão da empresa era do corréu Paulo, como indica o contrato social, não havendo que se falar em “laranja”. Requer sua absolvição considerada a ausência de justa causa e insuficiência probatória (ID 141673200-fls. 225/234- vol.04).

Por sua vez, a defesa de Cassio Eduardo Ragazzi, sustenta, em preliminar: i) nulidade do processo por ilegitimidade de parte, uma vez que jamais foi sócio da pessoa jurídica contribuinte; ii) a ocorrência da prescrição, considerado o transcurso de lapso temporal superior a 08 (oito) anos entre a data de recebimento do aditamento da denúncia em 07.01.2013, e às datas de constituição dos créditos tributários nos procedimentos fiscais de nº10830.007286/00-72 , nº10830.007287/00-35  e nº10830.007291/00-11. No mérito, sustenta a ausência de provas de tenha sido “sócio oculto” da pessoa jurídica contribuinte, uma vez que jamais figurou no quadro social tampouco exerceu o cargo de administrador ou responsável fiscal; alega que a testemunha Carlos Naef é seu “inimigo capital” e fez afirmações inverídicas para prejudicá-lo; por fim, sustenta a precariedade das provas produzidas na instrução, a não comprovação de que se utilizou das procurações que lhe foram outorgadas (fls. 591/596), ou prova de que tenha administrado a empresa junto com seu irmão Devamnir Ragazzi. Requer, por fim, sua absolvição ou subsidiariamente a revisão da dosimetria das penas a ele imputadas, aplicadas de forma desproporcional e desmedida (ID 141673200- fls. 266/286).

Contrarrazões do Ministério Público Federal – MPF apresentadas em face ao recurso interposto pelo acusado Devamnir - ID 141673200- fls.239/246 e em face ao recurso interposto pelo acusado Cassio - apresentadas (ID 141673200- fls.290/297).

Manifestou-se o I. Representante Ministerial pelo reconhecimento da prescrição e declaração da extinção da punibilidade para ambos os réus, em relação aos PAF’s de nº10830.007286/00-72, nº10830.007287/00-35 e nº10830.007291/00-11, face ao transcurso de lapso temporal superior a 08 (oito) anos, entre as datas de constituição dos créditos tributários respectivos e do recebimento da inicial acusatória (07.01.2013).

A Procuradoria Regional da República opina pelo parcial provimento dos recursos (ID 141673246 -fls. 05/28).

É o relatório.

À revisão, nos termos regimentais. 

 

 


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APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0003337-78.2009.4.03.6105

RELATOR: Gab. 43 - DES. FED. ALI MAZLOUM

APELANTE: DEVAMNIR RAGAZZI FILHO, CASSIO EDUARDO RAGAZZI

Advogado do(a) APELANTE: HELIO FERREIRA CALADO - SP99889
Advogado do(a) APELANTE: LUIZ ANTONIO SABOYA CHIARADIA - SP205703

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL

OUTROS PARTICIPANTES:

ORIGEM: 9ª VARA CRIMINAL FEDERAL DE CAMPINAS-SP 

 

V O T O

O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ALI MAZLOUM: Narra a denúncia, em síntese, que Paulo Roberto da Silva Gouveia, Devamnir Ragazzi Filho e Cassio Eduardo Ragazzi, os dois últimos na qualidade de sócios de fato da empresa CARIBEAN DISTRIBUIDORA DE COMBUSTÍVEIS E DERIVADOS DE PETRÓLEO LTDA, mediante prestação de informação falsa e omissão de informações à autoridade fazendária, reduziram tributos federais a que estava sujeita a referida pessoa jurídica, nos períodos de maio de 1997 a dezembro de 1999.

Consoante a inicial acusatória e seu respectivo aditamento (ID’s 141673156-fls.03/08 e 141673156-fls. 59/62), a pessoa jurídica foi constituída em 21.03.1996 pelo acusado Devamnir, sendo que aos 28.04.1997, esse retira-se do quadro societário e ingressam Paulo Roberto da Silva Gouveia, como sócio administrador e sua esposa, Cristiane Maria Ferrari Gouveia, momento a partir do qual, iniciam-se as condutas fraudulentas ao Fisco (contrato social - ID 141673236- fls. 183/193- volume 3 do apenso).

No entanto, apurou a investigação, em que pese a alteração do quadro societário, que o acusado Devamnir, na realidade, nunca se afastou da administração da pessoa jurídica, sendo que juntamente com seu irmão Cassio Eduardo Ragazzi, eram os sócios de fato na gestão fraudulenta da empresa, fazendo uso de interpostas pessoas para figurarem na administração da pessoa jurídica.

Os tributos sonegados/reduzidos e respectivos procedimentos fiscais foram:  nº 10830.007286/00-72 (Programa de Integração Social- PIS), nº 10830.007287/00-35 (contribuição para o financiamento da seguridade social  - COFINS), nº 10830.007377/00-26 (imposto de renda pessoa jurídica - IRPJ e contribuição social sobre o lucro líquido - CSLL) e nº 10830.007291/00-11 (Programa de Integração Social -PIS) para apurar eventual sonegação tributária, sendo os créditos tributários constituídos, respectivamente, nas data de 18.03.2004, de 22.02.2007 e de 04.01.2005 (ID 141673156-fl.64- volume 3).

A soma dos tributos reduzidos, com acréscimo de juros e multa, com valores atualizados em 26.10.2012 (ofício DRF/RJ nº5867/2012- ID 141673156-fl.64) resultou:

-PAF nº10830.007286/00-72 (PIS), constituição do crédito tributário aos 18.03.2004, inscrição definitiva em dívida ativa aos 13.08.2004, valor consolidado de R$ 33.665,35 (ID 141673156- fls. 67/69).

-PAF nº10830.007287/00-35 (COFINS), constituição do crédito tributário aos 18.03.2004, inscrição definitiva em dívida ativa aos 16.06.2004, valor consolidado de R$ 155.378,87 (ID 141673156- fls. 72/74).

-PAF nº 10830.007291/00-11(PIS), constituição do crédito tributário aos 04.01.2005, inscrição definitiva em dívida ativa aos 11.03.2005, valor consolidado de R$ 8.405.712,57 (ID 141673156- fls. 81/83).

-PAF nº 10830.007377/00-26 (IRPJ e CSLL), constituição do crédito tributário aos 22.02.2007, inscrição definitiva em dívida ativa aos 09.03.2007, valor consolidado de R$ 5.040.565,05 (ID 141673156- fls. 78/79).

Dessa forma, por se encontrar o feito de acordo com a Súmula Vinculante 24 do E. STF – “Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei 8.137/1990, antes do lançamento definitivo do tributo,” procedeu-se inicialmente a denúncia ministerial em relação aos acusados Devamnir e Paulo Roberto, e rejeição em relação à Cristiane Maria Ferrari Gouveia, esposa do segundo.

Posterior aditamento à inicial foi apresentado para a inclusão do corréu Cassio Eduardo Ragazzi, bem como para o acréscimo do procedimento administrativo fiscal nº 10830.007291/00-11 (PIS).

Após, regular instrução, sobreveio sentença, que com fundamento no art. 386, inciso VII do Código de Processo Penal absolveu Paulo Roberto da Silva Gouveia e condenou os réus Devamnir Ragazzi Filho e Cassio Eduardo Ragazzi, incursos no artigo 1º, inciso I da Lei nº 8.137/1990 c.c. art. 69 do Código Penal, à pena privativa de liberdade de 11(onze) anos, 10 (dez) meses e 21 (vinte e um) dias de reclusão, regime fechado, além do pagamento de 566 (quinhentos e sessenta e seis) dias-multa, valor unitário fixado em 05 (cinco) vezes o valor do salário mínimo vigente à época dos fatos.

PRELIMINAR DA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA

As defesas dos acusados Devamnir e Cassio Eduardo, bem como a acusação, em sede de contrarrazões, sustentam, em preliminar, a ocorrência da prescrição da pretensão punitiva.

Requer-se a declaração da extinção da punibilidade pela ocorrência da prescrição, considerado o transcurso de lapso temporal superior a 08 (oito) anos entre a data de recebimento da denúncia e seu aditamento (18.05.2012 e 07.01.2013, respectivamente) e às datas de constituição dos créditos tributários nos procedimentos fiscais de nº10830.007286/00-72, nº10830.007287/00-35, ambos constituídos aos 18.03.2004 e o de nº10830.007291/00-11, constituído aos 04.01.2005.

A acusação, em sede de contrarrazões aos recursos de apelação interpostos manifestou-se pela extinção da punibilidade, nos termos do art. 107, IV do Código Penal, c.c. art. 109, inciso IV do Código Penal, com relação aos referidos procedimentos administrativos fiscais.

Ressalta-se que a prescrição, depois de transitar em julgado a sentença condenatória, nos termos do artigo 110, caput, do Código Penal, disciplina-se pela pena aplicada e nos prazos estabelecidos no artigo 109 do Código Penal, e acaso seja o condenado reincidente, tais prazos aumentam-se em um terço, aumento esse, diga-se, específico para a prescrição da pretensão executória. E, conforme o § 1º do artigo 110 do Código Penal, regula-se pela pena aplicada a prescrição depois da sentença condenatória com trânsito em julgado para a acusação, o que no caso concreto, foi certificado aos 16.01.2019 (ID 141673200 – fl.235- Volume 4).

Considero, ainda que por fundamento parcialmente diverso, que assiste razão às defesas dos acusados no sentido de que ocorrida a prescrição da pretensão punitiva.

O crime previsto no art. 1º da Lei nº 8.137/90 tem pena máxima prevista de 5 (cinco) anos, de sorte que, nos termos do art. 109, III, do CP, prescreve em 12 (doze) anos.

Com efeito, os fatos geradores do tributo ocorreram entre no período compreendido entre maio de 1997 a dezembro de 1999. (denúncia de ID’s 141673156-fls.03/08 e 141673156-fls. 59/62)

No caso, os créditos tributários foram constituídos definitivamente em 18 de março de 2004 (em relação aos PAFS nº nº10830.007286/00-72 e nº10830.007287/00-35), em 04 de janeiro de 2005 (em relação ao PAF nº 10830.007291/00-11), e em 22 de fevereiro de 2007 (em relação ao PAF nº 10.830.007377/00-26), de maneira que não incide a Lei nº 12.234/2010.

A denúncia foi recebida em 18.05.2012 (ID 141673156 – fls. 10/11- volume 3), e seu posterior aditamento para a inclusão do corréu Cássio e do PAF nº10.830.007291-0011, recebido em 07.01.2013 (ID 141673156-fls. 85/87- Vol.3), sendo a sentença condenatória publicada em 11.12.2018 (ID 141673200- fl.210- volume 4).

A questão trata, em verdade, da prescrição da pretensão punitiva do Estado, que se regula pela pena abstratamente fixada na lei. Esta ocorre em 12 anos, nos termos da dicção do artigo 109, III, do CP.

Com efeito, incide à espécie o disposto no artigo 4º do Código Penal, “considera-se praticado o crime no momento da ação ou omissão, ainda que outro seja o momento do resultado”.

Entre a data dos fatos (fato gerador ocorrido entre 05/1997 a 12/1999) e as datas do recebimento da denúncia e aditamento respectivo, transcorreu lapso temporal superior a 12 anos.

É preciso ressaltar que a promulgação da Lei n. 8.137 se deu em 1990 e, na respectiva década, a denúncia por crime tributário era apresentada com a Representação Fiscal para fins penais, independentemente do término do respectivo processo administrativo.

Diante dessa sistemática, acolhida amplamente pela jurisprudência pátria, o jurisdicionado sabia o que podia e não podia fazer, e conhecia as consequências. Nesse mesmo diapasão, advogados construíam sua estratégia de defesa.

Somente na década seguinte, ano de 2000, o cenário passou a sofrer alterações, culminando com o leading case do STF, Tribunal Pleno, sobre a matéria, a partir do qual a jurisprudência passou a oscilar, data de 10/12/2003. Veja-se a ementa do HC n. 81.611/DF:

Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE

Julgamento: 10/12/2003

Publicação: 13/05/2005

EMENTA: I. Crime material contra a ordem tributária (L. 8137/90, art. 1º): lançamento do tributo pendente de decisão definitiva do processo administrativo: falta de justa causa para a ação penal, suspenso, porém, o curso da prescrição enquanto obstada a sua propositura pela falta do lançamento definitivo. 1. Embora não condicionada a denúncia à representação da autoridade fiscal (ADInMC 1571), falta justa causa para a ação penal pela prática do crime tipificado no art. 1º da L. 8137/90 - que é material ou de resultado -, enquanto não haja decisão definitiva do processo administrativo de lançamento, quer se considere o lançamento definitivo uma condição objetiva de punibilidade ou um elemento normativo de tipo. 2. Por outro lado, admitida por lei a extinção da punibilidade do crime pela satisfação do tributo devido, antes do recebimento da denúncia (L. 9249/95, art. 34), princípios e garantias constitucionais eminentes não permitem que, pela antecipada propositura da ação penal, se subtraia do cidadão os meios que a lei mesma lhe propicia para questionar, perante o Fisco, a exatidão do lançamento provisório, ao qual se devesse submeter para fugir ao estigma e às agruras de toda sorte do processo criminal. 3. No entanto, enquanto dure, por iniciativa do contribuinte, o processo administrativo suspende o curso da prescrição da ação penal por crime contra a ordem tributária que dependa do lançamento definitivo.

É sabido que o novo entendimento levou o Supremo Tribunal Federal a assentar que o esgotamento da via administrativa é condição de procedibilidade da ação penal nos crimes contra a ordem tributária, e que, enquanto pendente o procedimento administrativo, fica suspenso o curso do prazo prescricional.

A questão encontra-se sumulada, nos moldes da súmula Vinculante nº 24, editada em DJe no dia 11/12/2009:

"Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no artigo 1º, incisos I a IV, da Lei 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo".

Porém, repita-se, os fatos geradores do tributo são bem anteriores à publicação da referida súmula. Tenho entendido que fatos pretéritos, muito anteriores ao entendimento sumular, e anteriores ao supracitado leading case (2003) merecem a aplicação da irretroatividade in pejus pelo princípio da razoabilidade.

Razoável é aquilo que é conforme a razão, ao bom senso, à justiça. A razoabilidade é princípio que se encontra implícito na Constituição Federal, e, no âmbito processual, atua como princípio informador do devido processo legal, a fim de que seja este utilizado de forma racional e moderada, com vistas à concepção de justiça social.

Deve-se repisar que ao tempo dos fatos, a persecução penal podia ser deflagrada mesmo antes do término do procedimento fiscal. O cenário era outro, a prescrição contava-se a partir do fato gerador do tributo.

Conforme enfatizou o ministro Edson Fachin, no HC nº 180.567-MG de 22 de novembro de 2022, em voto divergente evidenciou que "há de se reconhecer que a corte tem relativizado a incidência da SV 24, tendo em vista permitir o início da persecução penal antes mesmo da ação fiscal nas hipóteses constantes dos incisos I a IV do artigo 1º da Lei 8.137/1990".

A colenda 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), decidiu que os efeitos da Súmula Vinculante nº 24 só existem a partir da “data de sua publicação, dia 11 de dezembro de 2009, momento a partir do qual a interpretação emanada do enunciado, quanto à tipificação do crime do artigo 1º, I, II, III e IV, da Lei nº 8.137/1991, cria a força de um verdadeiro “stare decisis”, tal qual presente no modelo judicial anglo saxão (commow law)” (AgRg no AREsp 85.777/SP, 6ª Turma, relator ministro Rogerio Schietti Cruz, julgado em 17 de novembro de 2016).

Repise-se, considerando que antes da edição da citada Súmula Vinculante, o entendimento do STF, em especial na década de 1990, foi pela possibilidade de propositura da ação penal, independentemente de lançamento ou de exaurimento da via administrativa. A mudança jurisprudencial, no que tange ao início do prazo prescricional, em prejuízo do cidadão, não pode ser aplicada retroativamente, em atenção ao princípio do in dubio pro reo e à garantia da irretroatividade da norma punitiva mais gravosa.

Ora, a Súmula foi editada mais de uma década depois dos fatos.

Assim, como garantia da segurança jurídica, a regra prevista na Súmula Vinculante nº 24 não deve produzir efeitos para fatos muito anteriores à publicação da Súmula 24, sendo que crimes de sonegação fiscal ocorridos muito antes de 11 de dezembro de 2009 devem independer de inscrição em dívida ativa para início da persecução penal e da contagem do prazo prescricional. Nesse sentido:

"AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA (ART. 1º, I e II, DA LEI N. 8.137/1990). PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. MARCO INICIAL. SÚMULA VINCULANTE N. 24 DO STF. CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO FISCAL. TIPIFICAÇÃO. DATA DO FATO MUITO ANTERIOR AO LEADING CASE E AO ENUNCIADO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. IRRETROATIVIDADE. SEGURANÇA JURÍDICA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.

1. Não é cabível a aplicação retroativa do entendimento da Súmula n. 24 do Supremo Tribunal Federal a fatos praticados em datas muito distantes daquela em que foi firmada a orientação qualificada, como forma de preservação da segurança jurídica e da certeza do direito.

Precedente.

2. No caso, os fatos ocorreram nos meses de setembro, outubro e novembro de 2001, mais de oito anos antes da edição da Súmula Vinculante n. 24 do STF. 3. A pena, para cada um dos réus - mantida pelo Tribunal de origem, descontada a fração referente à continuidade delitiva -, de 2 anos de reclusão, possui prazo prescricional de 4 anos (art. 109, V, do CP). Entre a data dos fatos (2001) e o recebimento da denúncia (2009), houve o transcurso de período superior a 4 anos, o que implica o reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva dos crimes atribuídos aos acusados.

4. Agravo regimental não provido.

(AgRg no AREsp n. 643.502/PR, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 4/9/2018, DJe de 12/9/2018.)"

Dessa forma, afastados os efeitos da Súmula Vinculante nº24, no caso concreto, tem-se a ocorrência da prescrição da pretensão punitiva em relação todos os PAF’S indicados na inicial acusatória e respectivo aditamento, quais sejam, os de nº 10830.007286/00-72, nº10830.007287/00-35, nº 10830.007291/00-11 e o de nº 10.830.007377/00-26.

Por fim, válido acrescer que, ainda que prevaleça a aplicação da Súmula Vinculante nº 24, dar-se-á a ocorrência da prescrição da pretensão punitiva, na modalidade retroativa, em relação aos PAF’s nº nº10830.007286/00-72, nº10830.007287/00-35 e nº10830.007291/00-11.

Explico. Em desfavor de ambos os acusados, fixou-se a pena corporal de 03 (três) anos e 06 (seis) meses de reclusão por infração ao art. 1º da Lei nº 8.137/90, excluída a causa de aumento do art. 71 do Código Penal (continuidade delitiva), sendo as datas de constituição dos créditos tributários, respectivamente, 18.03.2004 (PAF’s nº nº10830.007286/00-72 e nº10830.007287/00-35) e 04.01.2005 (PAF nº10830.007291/00-11).

Em relação ao acusado Devamnir, o recebimento da denúncia se deu aos 18.05.2012, para os PAF’s nº nº10830.007286/00-72 e nº10830.007287/00-35 e na data de 07.01.2013 (aditamento) para o PAF nº nº10830.007291/00-11.

Em relação ao acusado Cassio, o recebimento da denúncia se deu aos 07.01.2013 (aditamento) para todos os procedimentos administrativos fiscais mencionados.

Assim, constata-se o transcurso de lapso temporal superior a 08 (oito) anos, nos termos do art. 109, IV do CP, entre as datas de constituição dos créditos tributários e as datas de recebimento da denúncia/aditamento, do que se concluir pela prescrição da pretensão punitiva estatal.

Cumpre observar, ainda, ser possível levar em conta, para fins de cálculo de prescrição da pretensão punitiva estatal na modalidade retroativa, o tempo decorrido entre a data dos fatos (data da constituição definitiva dos créditos tributários) e a data do recebimento da denúncia, tendo em vista a redação do artigo 110 do Código Penal anterior à alteração da Lei 12.234/2010 e levando-se em conta que os fatos são anteriores à aludida alteração.  

Por essa análise, com aplicação da Súmula Vinculante nº 24, impõe-se a declaração da extinção da punibilidade de Devamnir Ragazzi Filho e Cassio Eduardo Ragazzi pela prescrição da pretensão punitiva, na modalidade retroativa, em relação aos PAF’s nº nº10830.007286/00-72, nº10830.007287/00-35 e nº10830.007291/00-11, pela prática do delito do art. 1º da Lei nº 8.137/90, observada a redação do artigo 110 do Código Penal, na sua redação anterior à alteração realizada pela Lei 12.234/2010, como acima fundamentado.

Iniciado o julgamento na sessão ordinária de 23.10.2023, certificou-se o voto deste Relator, no sentido de se DAR PROVIMENTO aos recursos de apelação das defesas para, para afastados os efeitos da Súmula Vinculante 24, com fundamento no art. 109, IV, do Código Penal, acolher a preliminar arguida e reconhecer a prescrição da pretensão punitiva do Estado em relação aos PAF’S nº 10830.007286/00-72, nº10830.007287/00-35, nº 10830.007291/00-11 e o de nº 10.830.007377/00-26, e ainda, acaso prevaleça a aplicação da Súmula Vinculante 24, reconhecer a prescrição da pretensão punitiva do Estado, na modalidade retroativa, em relação aos PAF’S nº 10830.007286/00-72, nº10830.007287/00-35, nº 10830.007291/00-11, declarando, pois, extinta a punibilidade dos réus Devamnir Ragazzi Filho e Cassio Eduardo Ragazzi.

Assim, de acordo com o voto desta Relatoria, apresentado na sessão de julgamento de 23.10.2023, restaria a prejudicada a análise das demais preliminares e o exame do mérito dos recursos defensivos. Ocorreu, no entanto, na aludida sessão, o pedido de vista  pelo e. Desembargador Federal Paulo Fontes, aguardando para votar o e. Des. Federal Mauricio Kato, o que foi certificado pela Secretaria desta C. Quinta Turma em ID 281502491.

Na sequência, foi designado o prosseguimento do julgamento para a sessão ordinária de 11.12.2023, ocasião em que o Desembargador Federal Paulo Fontes apresentou seu voto-vista no sentido de, divergindo deste Relator, entender aplicável a Súmula Vinculante 24 ao caso dos autos e, dessa forma, (a) quanto ao PAF nº 10.830.007377/00-26 afastar a preliminar de prescrição (divergir) e (b) acolher a preliminar de prescrição em relação aos PAFS nº nº10830.007286/00-72, nº10830.007287/00-35 e nº 10830.007291/00-11 (mesmo com a aplicação da SV 24) - acompanhar este Relator -, aduzindo dever ser feita a análise do mérito do recurso defensivo quanto ao PAF nº 10.830.007377/00-26. 

Nessa oportunidade (11.12.2023), pediu vista o eminente Desembargador Federal Mauricio Kato (Certidão ID 283795319).

Na sessão de 11.03.2024, o e. Desembargador Federal Mauricio Kato apresentou seu voto-vistaacompanhando a divergência inaugurada pelo e. Des. Federal Paulo Fontes, pela aplicação da Súmula Vinculante 24 ao caso dos autos. Assim, o eminente Des. Fed. Mauricio Kato acolheu em parte a preliminar de prescrição da pretensão punitiva estatal em relação aos PAFs 10830.007286/00-72, 10830.007387/00-35 e 10830.007291/00-11, na modalidade retroativa, porém com aplicação da Súmula Vinculante 24, e a rejeitou em relação ao PAF 10830.007377/00-26, com prosseguimento do julgamento pelo voto de mérito.

Assim, por maioria, nos termos do voto do Desembargador Federal Paulo Fontes (acompanhado pelo Desembargador Federal Maurício Kato), foi rejeitada a preliminar de prescrição, com aplicação da Súmula Vinculante 24, em relação ao PAF 10830.007377/00-26 e, por unanimidade, nos termos do voto desta Relatoria, foi acolhida em parte a preliminar de prescrição da pretensão punitiva estatal em relação aos PAFs 10830.007286/00-72, 10830.007387/00-35 e 10830.007291/00-11, na modalidade retroativa, porém com aplicação da Súmula Vinculante 24(certidão ID 286846415).

Retornam os autos à minha relatoria para a conclusão do julgamento, com a análise das demais preliminares arguidas pela defesa dos réus e exame do mérito exclusivamente em relação ao PAF 10.830.007377/00-26 (IRPJ e CSLL), com a respectiva  constituição do crédito tributário aos 22.02.2007, e inscrição definitiva em dívida ativa aos 09.03.2007, com o valor consolidado de R$ 5.040.565,05 (ID 141673156- fls. 78/79).

-PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA

Ainda em sede preliminar, sustenta a defesa de Devamnir Ragazzi Filho, a ocorrência de cerceamento de defesa face ao não deferimento de requerimentos formulados na fase de instrução, objetivando a quebra de sigilo bancário e expedição de ofícios a cartórios de imóveis para apuração da existência de bens em relação ao réu Paulo Roberto (ID 141673156- fl.244).

Os requerimentos foram indeferidos pelo juízo a quo, sob o fundamento de seriam providências que não interessavam ao presente feito (fls. 709 autos físicos- ID 141673156 –fl.250).

De fato, na ocasião em que formulados, a defesa do acusado Devamnir nada esclareceu sobre a pertinência e necessidade de produção de tais provas à apuração do fato delituoso ou mesmo para avalizar sua tese defensiva, limitando-se a requerer de forma genérica, sem esclarecer a necessidade e interesse ao caso dos autos.

Da mesma forma, em sede recursal, reitera o requerimento, pugnando pela conversão do julgamento em diligência, sem nada fundamentar quanto à necessidade probatória e pertinência ao caso concreto, em evidente intuito protelatório.

Por fim,  válido ressaltar que incumbe ao magistrado indeferir as provas que considerar irrelevantes, impertinentes ou protelatórias, não havendo direito absoluto à produção de prova, nos termos do que se infere no art. 400, § 1º, do Código de Processo Penal.

Preliminar de cerceamento de defesa que se rejeita. Conversão do julgamento em diligência indeferido.

 

-PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE DE PARTE

A defesa de Cassio Eduardo Ragazzi, sustenta em preliminar a ilegitimidade de parte e pugna pela nulidade processual, ao argumento de que jamais foi sócio da pessoa jurídica contribuinte.

Nesse ponto, a alegação de ilegitimidade de parte, trata-se na verdade, de alegação de ausência da autoria delitiva, o que se confunde com o mérito da ação penal e com este será analisada.

A preliminar resta afastada.

-Do crime do art. 1º da Lei nº 8.137/90

Naquilo que interessa ao deslinde do caso, diga-se que o tipo penal imputado ao acusado está assim descrito na Lei 8.137/90:

“Art. 1º Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas:

I – Omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias;"

À análise doutrinária do aludido delito, pode-se dizer que se trata de crime material, porquanto para sua configuração exige-se a efetiva produção do resultado, consistente na supressão ou redução de tributo ou contribuição.

Na raiz desta classificação, crime material ou formal, coloca-se a questão do lançamento do crédito tributário, sua natureza e o inescapável debate de se estar diante de condição objetiva de punibilidade ou elemento normativo de tipo, em qualquer caso, veda-se ao Estado movimentar seu arsenal punitivista antes do esgotamento definitivo da via administrativa.

Neste sentido segue excerto do paradigmático HC n. 8.611/DF do C. STF:

“Crime material contra a ordem tributária (L. 8137/90, art. 1º) - lançamento do tributo pendente de decisão definitiva do processo administrativo: falta de justa causa para a ação penal, suspenso, porém, o curso da prescrição enquanto obstada a sua propositura pela falta do lançamento definitivo. ”

A questão do lançamento definitivo do crédito, em crimes tributários, mereceu Súmula Vinculante do seguinte teor:

“STF – Súmula 24 - Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo. ”

Retomando a análise do tipo penal, segundo a melhor doutrina, sendo o contribuinte Pessoa Jurídica, o sujeito ativo será o administrador ou gerente da empresa, muito embora estejamos diante de crime próprio, cabendo a participação. Sendo Pessoa Física o contribuinte, agente do delito será aquele que age conforme o tipo.

O sujeito passivo é o Estado. O objeto jurídico do crime é a arrecadação tributária (para outros o regular funcionamento do sistema tributário).

O dolo é o elemento subjetivo fundamental do crime, não se admitindo a forma culposa. Ressalte-se, neste passo, que a responsabilidade pela prática de crime contra a ordem tributária é idêntica à fixada no Código Penal, tendo apenas a Lei 8.137/90, artigo 11, realçado a figura do administrador de empresa, ou seja, daquele que se serve de pessoa jurídica para a consecução do crime tributário.

Assinale-se que no inciso I a norma estabelece forma de conduta omissiva. Está-se diante de crime omissivo impuro ou promíscuo, também chamado comissivo por omissão, segundo o qual o agente tem o dever jurídico de agir, mas se queda inerte. Conforme preleciona FERNANDO CAPEZ, verbis:

“Como consequência, o omitente não responde só pela omissão como simples conduta, mas pelo resultado produzido, salvo se esse resultado não lhe puder ser atribuído por dolo ou culpa” (in “Direito Penal Parte Geral”, São Paulo: Edições Paloma, 2001, p. 82)."

É cediço que nos chamados crimes materiais a consumação reclama a produção de resultado. Adota-se, neste caso, a teoria naturalística do resultado, havendo necessariamente correspondência ou nexo causal entre este e a conduta do agente.

Nos delitos omissivos, entretanto, a causalidade é normativa (teoria jurídica), pois a omissão só é relevante, segundo magistério de DAMÁSIO DE JESUS, quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado (in “Código Penal Anotado”, São Paulo: Saraiva, 2009, p. 37). O que importa, aqui, é que o resultado ocorre porque o agente deixa de realizar a conduta a que estava juridicamente obrigado.

A omissão, portanto, é penalmente relevante quando o agente dá causa ao resultado por não cumprir uma obrigação legal.

NORMA PENAL EM BRANCO. As hipóteses abstratas da lei explicitadas anteriormente, descritas nos incisos do artigo 1º remetem a obrigações acessórias as quais o contribuinte está legalmente obrigado.

Conforme MAXIMILIANO FÜHRER, a expressão “documento ou livro exigido pelas leis fiscais é norma penal em branco, que carece de complementação pela legislação específica” (in “Curso de Direito Penal Tributário”, São Paulo: Malheiros, 2010, p. 121)

Tais deveres estão descritos em normas extrapenais. Assim, cabe ao contribuinte declarar rendimentos, manter registros de operações, prestar informações às autoridades fazendárias, observar regulamentos atinentes a cada espécie tributária, enfim, compete-lhe, na condição de empresário, adstringir-se à exigência legal que o estatuto de sua atividade reivindica.

As disposições penais em comento, portanto, têm preceitos indeterminados quanto ao seu conteúdo. Classificam-se, por conseguinte, em normas penais em branco, que devem ser complementadas por outras normas.

O agente, tratando-se de empresário, tem um estatuo próprio que complementará as disposições penais de inculpação, funcionando regra integrativa, sendo oportuno, pois, realçar o âmbito onde tal delinquência ocorre.

O EMPRESÁRIO. A teor do artigo 966 do Código Civil, empresário é quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens e serviços.

Adotada a Teoria da Empresa, são características da atividade empresarial, portanto, o profissionalismo, a atividade de produção, circulação de bens ou serviços, a finalidade de lucro e a organização dos fatores capital, matéria prima, mão de obra e tecnologia.

No dizer de AMADOR PAES DE ALMEIDA, o empresário é “o titular da empresa, sendo ele o sujeito de direito; o estabelecimento, por seu turno, é o instrumento de que se vale o empresário para o exercício da atividade negocial – unidade técnica, ou seja, um conjunto de bens materiais e imateriais, racionalmente aproveitados” (in “Manual das Sociedades Comerciais”, São Paulo: Saraiva, 16ª edição, 2007, p.23).

Analisando o caso concreto, de partida, verifico que a materialidade delitiva está plenamente demonstrada pelo procedimento fiscal nº 10.830.007377/0026, do qual destacam-se: Termo de Verificação Fiscal (ID 263653948 – fls. 134/137 e ID 1416731470 – fls. 221/228- Volume 2- apenso); Auto de Infração (ID 141673236- fls. 37/40- volume 3 -apenso); Demonstrativo Consolidado de Crédito Tributário – IRPJ (ID 141673236-fls. 45/51- volume 3 – Apenso); Termo de Encerramento Fiscal (ID  141673236- fls. 72/74).

A autoria e dolo também restaram demonstrados, com amparo nos depoimentos das testemunhas ouvidas na fase extrajudicial e ao longa da instrução processual, em especial, por ocasião da audiência de instrução.

Destarte, restou apurado que os acusados Devamnir Ragazzi e seu irmão Cassio Eduardo Ragazzi eram os reais proprietários e sócios administradores de fato da empresa Caribean Distribuidora de Combustíveis e Derivados de Petróleo LTDA. e, para tanto, se valiam de interpostas pessoas que figuravam no contrato social da pessoa jurídica registrado na Junta Comercial do Estado de São Paulo- JUCESP.

Verifica-se que na data de 21.03.1996 a pessoa jurídica foi constituída pelo acusado Devamnir Ragazzi e sua esposa, sendo que aos 28.04.1997, ambos se retiram do quadro societário, com o ingresso do acusado Paulo Roberto e sua esposa Cristiane.

Apurou-se, que logo após a saída do acusado Devamnir e sua esposa Marina do quadro social, se iniciam fraudes tributárias em desfavor do Fisco.

Paulo Roberto, por ocasião de seu interrogatório judicial, informou que conheceu inicialmente o acusado Cassio, irmão de Devamnir, por terem trabalhados juntos na empresa Hering. Recebeu dele o convite para ir trabalhar na empresa do Devamnir, na área de vendas de combustível no escritório localizado em São Paulo/SP, sendo que a sede da empresa, administrada por Devamnir, estava localizada em Campinas/SP.

Afirmou ainda, que Cassio coordenava as vendas em São Paulo/SP, mas recebia orientações de Devamnir, que era o mais experiente na área de venda de combustíveis. Certa ocasião, recebeu convite de Cassio e Devamnir para colocar a empresa Caribean em seu nome, sob a justificativa de que Devamnir já possuía muitas empresas em seu nome e não poderia abrir mais uma. Assim, anuiu em ingressar no quadro social para ajudar os irmãos e também com receio de perder seu emprego, já que obtinha boa renda com a comissão de suas vendas. Posteriormente, ouviu notícias de que a empresa estaria em crise, devido a altas despesas de Devamnir e de Cassio e solicitou para que retirassem a empresa de seu nome.

A testemunha Flavio Speranza Bicudo, na fase extrajudicial, afirmou que no ano de 2003 recebeu a visita do acusado Devamnir, que lhe ofereceu R$500,00 (quinhentos reais) mensais para transferir a empresa Caribean para seu nome, por aproximadamente três meses. Por necessitar do dinheiro, uma vez que estava doente, aceitou essa proposta, tendo lhe dito Devamir que nada precisaria fazer, pois ele e seu irmão Cassio eram quem administravam essa empresa. Após três meses começaram a aparecer problemas de ordem fiscal e procurou Devamnir para que a empresa fosse retirada de seu nome (ID 141673156- fl. 41- volume 03).

A testemunha Carlos Alberto Santanella Naef, na fase judicial, afirmou que no ano de 1997 foi convidado por Devamnir para gerir uma rede de postos de combustíveis para a Caribean Distribuidora, sob a condição, de que parte da rede fosse registrada em seu nome. Segundo lhe disse Devamnir, a rede de postos não poderia ser registrada em nome dele, uma vez que ele já figurava como dono da distribuidora de combustíveis. Aceitou a proposta e passou a gerenciar a rede de postos para Devamnir, porém, na prática não fazia essa gerência, uma vez que Cassio e Devamnir eram quem definiam as ordens. Por volta do ano 2000, a rede passou a não dar lucros, ocasião em que Cassio e Devanir lhe disseram que não teria problemas, pois iam sanar a dívida, a qual teria sido causada, por retiradas excessivas dos mesmos. Posteriormente, ficou sabendo que o acusado Paulo Roberto, que era vendedor da empresa Caribean, seria na verdade, uma pessoa interposta como ele.

A testemunha Odair Hipólito Proença, em juízo, afirmou conhecer os réus Devamnir, Cassio e Paulo Roberto, pois trabalhou na empresa Caribean de agosto de 1997 até fevereiro de 2001. Esclareceu ter recebido documentação da fiscalização do Fisco, mas não tinha procuração. Respondia apenas para Cassio e Devamnir, que administravam a empresa e davam as ordens. Eles lhe diziam que Paulo Roberto era o dono, mas nunca respondeu para ele.

Por fim, a testemunha Cassiano Eduardo Christofoletti, auditor da Receita Federal, afirmou ter participado, com outros três colegas auditores, da ação fiscal em face da pessoa jurídica Caribean. Esclareceu que, com amparo em outra demanda judicial ajuizada pela pessoa jurídica Caribean, visando a obtenção de imunidade tributária para Pis e Cofins, foi constatado que a empresa não efetivava o recolhimento desses tributos incidentes nas vendas de óleo diesel, gasolina ou álcool, porém os recebia de seus clientes, em substituição tributária, sem efetuar o repasse ao Fisco. Confirmou inteiramente os elementos da representação fiscal e autos de infração.

O acusado Cassio Eduardo Ragazzi, em interrogatório judicial, afirmou que começou na empresa em 1996, a convite de seu irmão Devamnir, trabalhando na função de representante comercial. Conhecia Paulo Roberto de outra empresa em que trabalharam, e perguntou se ele teria interesse em também trabalhar como representante de vendas, e assim Paulo veio para a empresa Caribean para trabalhar com o Devamnir. Afirmou que esteve na empresa Caribean até o ano de 2000/2001, sempre como representante comercial, e nunca teve função de comando ou gerência nessa empresa, não tendo conhecimento da área administrativa. Informou ainda, que Devamnir vendeu a Caribean para Paulo, por volta de 1997, não sabendo a razão da testemunha dizer que era Devamnir quem dava as ordens na empresa. Afirmou não saber sobre a situação financeira de Paulo Roberto e indagado sobre procuração datada de 02.05.1997, pela qual Paulo conferiu poderes a sua pessoa para administração da empresa em nome dele, disse que não ter conhecimento e que nunca fez uso dessa procuração. Por fim, perguntado se possuía conta corrente entre 1997 a 2000, disse que não se recordar, pois há muito tempo não movimentava contas bancárias.

Por fim, o acusado Devamnir Ragazzi Filho, interrogado na fase judicial, afirmou que “montou” a empresa Caribean só no contrato social, porém sem operá-la, por falta de recursos financeiros. Um ano após a abertura, vendeu a empresa para Paulo Roberto, ainda sem qualquer operação. Esclareceu que anteriormente tinha a empresa Caribe, que só poderia vender óleo diesel. Já a Caribean, era para comercialização de óleo diesel, gasolina e outros, com status de distribuidora. Não se recorda do valor da venda da empresa. Após essa venda, continuou trabalhando na própria área comercial da empresa vendida, como representante comercial, por aproximadamente cinco anos. Então a empresa começou a crescer, porque possuía antigos contatos do tempo que trabalhou para a empresa Atlantic. Afirmou que vivia à base de comissão e não era registrado. Ganhava em média de R$10.000 a R$15.000,00 reais por mês. Afirmou que nesse período teve uma boa renda e se reportava ao Sr. Odair. Indagado sobre as procurações que foram passadas por Paulo ao interrogando, disse que nunca viu essas procurações e nunca as utilizou e que para ele isso era novidade.    

No processo penal, para que haja uma condenação, é essencial que seja atingido o standard probatório minimamente satisfatório, obtendo-se “prova além da dúvida razoável”.

É a situação que se verifica no presente caso, uma vez que a prova produzida corrobora a prática delitiva pelos acusados Devamnir e Cassio Eduardo, que, valendo-se de interpostas pessoas indicadas no contrato social, eram de fato, os reais administradores da pessoa jurídica.

As procurações encartadas às fls. 591/594 (ID 141673156- fls. 115/124- volume 3), outorgadas por Paulo Roberto da Silva Gouveia à Devamnir Ragazzi Filho e Cassio Eduardo Ragazzi, documentos que somados aos demais elementos de prova coligidos aos autos, demonstram que os acusados eram os verdadeiros sócios da empresa Caribean, sendo Paulo Roberto mera pessoa interposta.

A alegação apresentada pela defesa no sentido de que Carlos Naef seria seu “inimigo capital” e teria feito afirmações inverídicas, não merece acolhimento.

Nesse ponto, observa-se que o teor do depoimento prestado por Carlos Naef se encontra harmônico com os demais depoimentos prestados em juízo, bem como as informações prestadas pelo acusado Paulo Roberto em seu interrogatório.

Ademais, destaque-se que por ocasião da audiência de instrução a defesa do acusado Devamnir arguiu contradita da testemunha Carlos Naef, a qual foi refutada pelo juízo a quo, sob o fundamento de que a situação não se amoldava ao disposto nos arts. 206 e 207 do Código Processo Penal, bem como, pelo fato de que a testemunha contraditada fora arrolada pela própria defesa de Devamnir (ID 141673156-fls. 240/241- Volume 3).

Ante o exposto, considerada a comprovação da materialidade, autoria e dolo, mantenho a condenação dos acusados Devamnir Ragazzi Filho e Cassio Eduardo Ragazzi, como incursos no artigo 1º, inciso I da Lei nº 8.137/1990.

Passo à dosimetria da pena.

Para os acusados Devamnir Ragazzi Filho e Cassio Eduardo Ragazzi (PAF nº10830.007377/0026 (IRPJ e CSLL)- maio/1997 a dezembro de 1999-  

Para ambos os réus, a r. sentença, na primeira fase, considerou o juízo a quo, com relação à culpabilidade “que sua intensidade transcendeu aos lindes normais”, pois que o réu “articulou um sofisticado esquema criminoso para se valer de pessoas interpostas (laranjas) para o fim específico de sonegar impostos, demonstrando elevando nível de consciência da ilegalidade praticada, o que impõe uma reprimenda maior”.

Quanto à conduta social, asseverou a r. sentença “que o réu abusou dos laços sociais que mantinha para convencer pessoas próximas a ceder o uso do próprio nome para constar como sócio interposto de sua empresa, o que demonstra conduta social reprovável”.

Sobre as circunstâncias, fundamentou que “elas extrapolaram a previsão esperada para o delito”.

Os motivos foram considerados normais à espécie, e quanto à personalidade e consequências, nada foi considerado, para evitar-se bis in idem.

Assim, em conformidade aos arts. 59 e 60 do Código Penal, a pena base foi fixada acima do mínimo legal em 03 (três) anos, 1 (um) mês e 15 (quinze) dias de reclusão.

Na segunda fase, ausentes agravantes ou atenuantes.

Na terceira fase, ausentes causas de diminuição. Aplicada a causa de aumento do art. 12, I da Lei nº8.137/1990, por considerar sonegada pelo acusado a quantia de R$2.744,470,00, sem o acréscimo de juros e multa (valor atualizado para 1999). Nesse ponto, exasperou-se a pena no patamar de 1/2 (metade), elevando-se para 04 (quatro) anos, 08 (oito) meses e 7 (sete) dias de reclusão.

Aplicada, por fim, a causa de aumento do art.71 do Código Penal (continuidade delitiva), uma vez que a sonegação se deu por 32 competências, pelo que elevou a pena em 2/3 (dois terços), resultando na pena definitiva de 07 (sete) anos, 9 (nove) meses e 21 (vinte e um) dias de reclusão.

A fixação dos dias-multa, na r. sentença, foi em 141 dias-multa, pena-base, ao que foram acrescidas as causas de aumento do art. 12 da Lei nº8.137/90 e art.71 do Código Penal, resultando em 351 (trezentos e cinquenta e um) dias multa, à razão de 5 (cinco) salários mínimos cada, em valor vigente à época dos fatos, devidamente atualizados até o pagamento.

Passo, de ofício, a revisitar a pena, em relação ao acusado Devamnir Ragazzi Filho.

Na primeira fase, observado que o acusado não registra maus antecedentes (súmula 444 do STJ) e considerados os motivos e circunstâncias do art. 59 do Código Penal normais à espécie, afasto as exasperações à pena-base aplicadas na forma fixada na r. sentença.

No que se relaciona às consequências do crime, considero, de fato, que ficaram acima do parâmetro de normalidade para o tipo penal, tendo em vista os valores expressivos sonegados aos cofres públicos, de R$ 2.744.470,00, sem juros e multa, valor histórico de 1999(ID 141673156-fl.64).

Nesse sentido envereda a jurisprudência do Colendo STJ:

“AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. SONEGAÇÃO FISCAL. ABSOLVIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. EXASPERAÇÃO DA PENA-BASE. CONSEQUÊNCIAS DO CRIME. VALOR SONEGADO EXPRESSIVO. MOTIVAÇÃO CONCRETA. OFENSA AO ART. 619 DO CPP E AO ART. 489 DO CPC. NÃO CONFIGURAÇÃO. 1. A desconstituição das premissas fáticas das instâncias ordinárias para concluir pela (eventual) absolvição, demandaria revolvimento do conjunto fático-probatório, o que é inadmissível pela Súmula 7/STJ. 2. Segundo a jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça, admite-se a exasperação da pena-base com fundamento nas consequências do crime em razão do valor da sonegação fiscal, quando considerado expressivo. 3. Tendo a decisão recorrida e o Tribunal de origem enfrentado todos os pontos relevantes ao deslinde da controvérsia, adotando, contudo, solução jurídica contrária aos interesses do recorrente, não se evidencia a alegada ofensa ao art. 619 do CPP e nem ao art. 489 do CPC. 4. Agravo regimental improvido. (AgRg no AREsp 1778761/PB, Rel. Ministro OLINDO MENEZES” (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 1ª REGIÃO, SEXTA TURMA, julgado em 28/09/2021, DJe 04/10/2021)"

Assim, na primeira fase, considerados os parâmetros estabelecidos nesta Quinta Turma julgadora, e o valor sonegado à época em que constituído o crédito tributário (22.02.2007), entre 2 a 5 milhões de reais, fixo a pena-base acima do mínimo legal, com o aumento no patamar de 2/5 (dois quintos), elevando-se para 2 (dois) anos, 9 (nove) meses e 18 (dezoito) dias de reclusão, e pagamento de 14 (quatorze) dias-multa.

Na segunda fase, ausentes circunstâncias atenuantes ou agravantes.

Na terceira fase, ausentes causas de diminuição.

Com relação a causa de aumento prevista no art. 12, inciso I da Lei nº 8.137/90, que de acordo com a r. sentença ensejou a majoração da pena intermediária no patamar de 1/2 (metade), considero que deva ser excluída, para não se incorrer em indesejável bis in idem.

Nesse  sentido:                                   

“PENAL. PROCESSUAL PENAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. ARTIGO 1º, INCISO I DA LEI Nº 8.137/1990. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. PRESCRIÇÃO. SÚMULA VINCULANTE 24 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. MATERIALIDADE. AUTORIA. DOLO. DOSIMETRIA. PENA-BASE. CONSEQUÊNCIAS. CAUSA DE AUMENTO. ARTIGO 12, INCISO I, DA LEI Nº 8.137/90. PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA SUBSTITUTIVA. PENA DE MULTA.

1. A Constituição Federal estabelece a competência do juízo universal da falência, nela compreendida todos os processos e ações que digam respeito às questões de conteúdo econômico, o que não compreende as condutas criminosas praticadas pela empresa e seus dirigidas de competência da Justiça Federal.

2. O Supremo Tribunal Federal firmou entendimento que os crimes contra a ordem tributária, de natureza material, se concretizam somente após o exaurimento da via administrativa, nos termos da Súmula Vinculante nº 24, o que se concretiza com a constituição definitiva do crédito tributário

3. A supressão de expressiva quantia de tributo pode ensejar, indistintamente, a elevação da pena-base ou a incidência da causa de aumento do artigo 12, inciso I, da Lei nº 8.137/90, desde que não se observe a dupla valoração do prejuízo causado aos cofres públicos em mais de uma fase da dosimetria da pena, sob pena de incorrer em bis in idem.

4. É possível ao tribunal, diante da decisão que determine indevidamente a incidência do artigo 12, inciso I, da Lei nº 8.137/90, afastar a causa de aumento e determinar a majoração da pena na primeira fase da dosimetria em fração inferior a 1/3 (um terço), sem que se configure, ainda que indiretamente, reforma em prejuízo da defesa.

5. A prestação pecuniária destina-se a promover a reparação do dano e atende ao caráter ressocializador e repressivo da pena e é fixada em razão das circunstâncias do delito e da condição econômica do réu, de forma que não possui relação de proporcionalidade com a pena privativa de liberdade.

6. Recurso da defesa desprovido. Apelação da acusação parcialmente provida.

(TRF 3ª Região, QUINTA TURMA, ApCrim - APELAÇÃO CRIMINAL - 81744 - 0006708-37.2015.4.03.6106, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL MAURICIO KATO, julgado em 21/02/2022, DJEN DATA:07/03/2022)g.n.”

No que se refere à continuidade delitiva (art. 71 do CP), observou-se que a conduta criminosa ocorreu pelo período de 32 competências, razão pela qual, o juízo de origem, majorou a pena no patamar de 2/3 (dois terços), nos termos da jurisprudência do C. STJ, restando a pena corporal definitiva em resultando na pena definitiva de 07 (sete) anos, 9 (nove) meses e 21 (vinte e um) dias de reclusão.

Nesse ponto, considero pertinente a manutenção do aumento decorrente da continuidade delitiva, contudo, em fração diversa da fixada na r. sentença, uma vez que para o crime de sonegação fiscal, em consonância à jurisprudência consolidada no Superior Tribunal de Justiça, deve ser considerado o ano fiscal, e não a sonegação mês a mês, como feito na r.sentença (AgRg no REsp 1.169.484/RS, 5ª Turma, relator Ministro José Mussi, DJe de 16.11.2012 e AEAREsp 267.637, 6ª Turma, relatora Ministra Assussete Magalhães, DJe de 13.09.2013).

Dessa forma, fixo a fração de aumento decorrente da continuidade delitiva no patamar de 1/6 (um sexto), considerado o período de dois exercícios fiscais, e assim, torno definitiva a pena privativa de liberdade em 03 (três) anos, 3 (três) meses e 6 (seis) dias de reclusão, além do pagamento de 16 (dezesseis) dias-multa.

Considero satisfatório que o valor do dia-multa seja fixado em 1/2 (metade) do salário mínimo vigente à época dos fatos, considerada as condições socioeconômicas do acusado.

O regime de cumprimento de pena deve ser o aberto, nos termos do art. 33, §2º, “c” do Código Penal.  

A defesa do acusado Cassio Eduardo Ragazzi formulou requerimento para a revisão da sua pena, a qual procedo, a seguir.

Na primeira fase, observado que o acusado não registra maus antecedentes e considerados os motivos e circunstâncias do art. 59 do Código Penal normais à espécie, afasto as exasperações à pena-base aplicadas na forma fixada na r. sentença.

No que se relaciona às consequências do crime, considero, de fato, que ficaram acima do parâmetro de normalidade para o tipo penal, tendo em vista os valores expressivos sonegados aos cofres públicos, de R$ 2.744.470,00, sem juros e multa, valor histórico de 1999 (ID 141673156-fl.64).

 Nesse sentido envereda a jurisprudência do Colendo STJ:

“AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. SONEGAÇÃO FISCAL. ABSOLVIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. EXASPERAÇÃO DA PENA-BASE. CONSEQUÊNCIAS DO CRIME. VALOR SONEGADO EXPRESSIVO. MOTIVAÇÃO CONCRETA. OFENSA AO ART. 619 DO CPP E AO ART. 489 DO CPC. NÃO CONFIGURAÇÃO. 1. A desconstituição das premissas fáticas das instâncias ordinárias para concluir pela (eventual) absolvição, demandaria revolvimento do conjunto fático-probatório, o que é inadmissível pela Súmula 7/STJ. 2. Segundo a jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça, admite-se a exasperação da pena-base com fundamento nas consequências do crime em razão do valor da sonegação fiscal, quando considerado expressivo. 3. Tendo a decisão recorrida e o Tribunal de origem enfrentado todos os pontos relevantes ao deslinde da controvérsia, adotando, contudo, solução jurídica contrária aos interesses do recorrente, não se evidencia a alegada ofensa ao art. 619 do CPP e nem ao art. 489 do CPC. 4. Agravo regimental improvido. (AgRg no AREsp 1778761/PB, Rel. Ministro OLINDO MENEZES” (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 1ª REGIÃO, SEXTA TURMA, julgado em 28/09/2021, DJe 04/10/2021)"

Assim, na primeira fase, considerados os parâmetros estabelecidos nesta Quinta Turma julgadora, e o valor sonegado à época em que constituído o crédito tributário (22.02.2007), entre 2 a 5 milhões de reais, fixo a pena-base acima do mínimo legal, com o aumento no patamar de 2/5 (dois quintos), elevando-se para 2 (dois) anos, 9 (nove) meses e 18 (dezoito) dias de reclusão, e pagamento de 14 (quatorze) dias-multa.

Na segunda fase, ausentes circunstâncias atenuantes ou agravantes.

Na terceira fase, ausentes causas de diminuição.

Com relação a causa de aumento prevista no art. 12, inciso I da Lei nº 8.137/90, que de acordo com a r. sentença ensejou a majoração da pena intermediária no patamar de 1/2 (metade), considero que deva ser excluída, para não se incorrer em indesejável bis in iden.

Nesse sentido:                                

“PENAL. PROCESSUAL PENAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. ARTIGO 1º, INCISO I DA LEI Nº 8.137/1990. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. PRESCRIÇÃO. SÚMULA VINCULANTE 24 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. MATERIALIDADE. AUTORIA. DOLO. DOSIMETRIA. PENA-BASE. CONSEQUÊNCIAS. CAUSA DE AUMENTO. ARTIGO 12, INCISO I, DA LEI Nº 8.137/90. PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA SUBSTITUTIVA. PENA DE MULTA.

1. A Constituição Federal estabelece a competência do juízo universal da falência, nela compreendida todos os processos e ações que digam respeito às questões de conteúdo econômico, o que não compreende as condutas criminosas praticadas pela empresa e seus dirigidas de competência da Justiça Federal.

2. O Supremo Tribunal Federal firmou entendimento que os crimes contra a ordem tributária, de natureza material, se concretizam somente após o exaurimento da via administrativa, nos termos da Súmula Vinculante nº 24, o que se concretiza com a constituição definitiva do crédito tributário

3. A supressão de expressiva quantia de tributo pode ensejar, indistintamente, a elevação da pena-base ou a incidência da causa de aumento do artigo 12, inciso I, da Lei nº 8.137/90, desde que não se observe a dupla valoração do prejuízo causado aos cofres públicos em mais de uma fase da dosimetria da pena, sob pena de incorrer em bis in idem.

4. É possível ao tribunal, diante da decisão que determine indevidamente a incidência do artigo 12, inciso I, da Lei nº 8.137/90, afastar a causa de aumento e determinar a majoração da pena na primeira fase da dosimetria em fração inferior a 1/3 (um terço), sem que se configure, ainda que indiretamente, reforma em prejuízo da defesa.

5. A prestação pecuniária destina-se a promover a reparação do dano e atende ao caráter ressocializador e repressivo da pena e é fixada em razão das circunstâncias do delito e da condição econômica do réu, de forma que não possui relação de proporcionalidade com a pena privativa de liberdade.

6. Recurso da defesa desprovido. Apelação da acusação parcialmente provida.

(TRF 3ª Região, QUINTA TURMA, ApCrim - APELAÇÃO CRIMINAL - 81744 - 0006708-37.2015.4.03.6106, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL MAURICIO KATO, julgado em 21/02/2022, DJEN DATA:07/03/2022)g.n.”

No que se refere à continuidade delitiva (art. 71 do CP), observou-se que a conduta criminosa ocorreu pelo período de 32 competências, razão pela qual, o juízo de origem, majorou a pena no patamar de 2/3 (dois terços), nos termos da jurisprudência do C. STJ, restando a pena corporal definitiva em resultando na pena definitiva de 07 (sete) anos, 9 (nove) meses e 21 (vinte e um) dias de reclusão.

Nesse ponto, considero pertinente a manutenção do aumento decorrente da continuidade delitiva, contudo, em fração diversa da fixada na r. sentença, uma vez que para o crime de sonegação fiscal, em consonância à jurisprudência consolidada no Superior Tribunal de Justiça, deve ser considerado o ano fiscal, e não a sonegação mês a mês, como feito na r.sentença (AgRg no REsp 1.169.484/RS, 5ª Turma, relator Ministro José Mussi, DJe de 16.11.2012 e AEAREsp 267.637, 6ª Turma, relatora Ministra Assussete Magalhães, DJe de 13.09.2013).

 Dessa forma, fixo a fração de aumento decorrente da continuidade delitiva no patamar de 1/6 (um sexto), considerado o período de dois exercícios fiscais, e assim, torno definitiva a pena privativa de liberdade em 03 (três) anos, 3 (três) meses e 6 (seis) dias de reclusão, além do pagamento de 16 (dezesseis) dias-multa.

Considero satisfatório que o valor do dia-multa seja fixado em 1/2 (metade) do salário mínimo vigente à época dos fatos, considerada as condições socioeconômicas do acusado.

O regime de cumprimento de pena deve ser o aberto, nos termos do art. 33, §2º, “c” do Código Penal. 

Em favor de ambos os réus, apresenta-se cabível a substituição da pena corporal por duas penas restritivas de direitos, uma vez que presentes os requisitos do art. 44 do Código Penal, sendo prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária.  

A consistente na prestação de serviço à comunidade ou entidades públicas, deve ser designada pelo Juízo das Execuções Penais, e a segunda, prestação pecuniária, deve ter o valor fixado em 03 (três) salários mínimos no valor vigente ao tempo do fato.

Ante o exposto, em sequência ao julgamento que (a) acolheu parcialmente a preliminar de prescrição para, ainda que aplicada a Súmula Vinculante 24, declarar extinta a punibilidade dos réus Devamnir Ragazzi Filho e Cassio Eduardo Ragazzi pela prescrição da pretensão punitiva, na modalidade retroativa, em relação aos PAF’s nº nº10830.007286/00-72, nº10830.007287/00-35 e nº10830.007291/00-11, e (b) rejeitou a preliminar de prescrição, com aplicação da Súmula Vinculante 24, quanto ao PAF 10830.007377/00-26; rejeito as demais preliminares de cerceamento de defesa e ilegitimidade de parte, de ofício revejo a pena corporal em desfavor de Devamnir Ragazzi FilhoNEGO PROVIMENTO ao  seu recurso de apelação e DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso interposto pela defesa de Cassio Eduardo Ragazzi apenas para rever a pena corporal, fixando, para ambos os réus, às penas definitivas de 03 (três) anos, 03 (três) meses e 06 (seis) dias de reclusão, em regime aberto, e pagamento de 16 (dezesseis) dias- multa, cada um à razão de 1/2(metade) do salário mínimo vigente à época dos fatos, com substituição da pena corporal por duas penas restritivas de direitos consistentes em prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária de 03(três) salários mínimos, por infração ao art. 1º, I, da Lei nº 8.137/90 (PAF nº10.830.007377/0026).

 É o voto.


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
5ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0003337-78.2009.4.03.6105

RELATOR: Gab. 43 - DES. FED. ALI MAZLOUM

APELANTE: DEVAMNIR RAGAZZI FILHO, CASSIO EDUARDO RAGAZZI

Advogado do(a) APELANTE: HELIO FERREIRA CALADO - SP99889
Advogado do(a) APELANTE: LUIZ ANTONIO SABOYA CHIARADIA - SP205703

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

V O T O - V I S T A

 

Trata-se de apelações criminais interpostas pelas defesas de Devamnir Ragazzi Filho e Cassio Eduardo Ragazzi em face de sentença que os condenou pela prática do crime do artigo 1º, inciso I, da Lei 8.137/1990, cada um, às penas de 11 (onze) anos, 10 (dez) meses, 21 (vinte e um) dias de reclusão, em regime fechado e pagamento de 566 (quinhentos e sessenta e seis) dias-multa, no valor unitário de 05 (cinco) salários mínimos vigentes à época dos fatos.

Em suas razões recursais, a defesa de Devamnir Ragazzi Filho, sustenta e requer, preliminarmente, o reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva estatal e da nulidade do processo pelo cerceamento de defesa, consubstanciado no indeferimento de requerimentos formulados na resposta preliminar e ao longo da instrução, quanto à quebra de sigilo bancário e apuração de bens, para o que pugna pela conversão do julgamento em diligência para a produção da prova. No mérito, alega que a gestão da empresa cabia ao corréu Paulo Roberto, portanto reclama por sua absolvição, em virtude da ausência de justa causa e insuficiência probatória.

De sua parte, a defesa de Cassio Eduardo Ragazzi, aduz e requer preliminarmente, a nulidade do processo pela ilegitimidade de parte, uma vez que jamais foi sócio da pessoa jurídica, o reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva estatal, considerado o lapso entre a data do recebimento do aditamento da denúncia e a constituição do crédito tributário. No mérito, pugna pela absolvição, em razão da ausência de provas consistentes da autoria delitiva e, subsidiariamente, pleiteia a revisão da dosimetria das penas.

A Procuradoria Regional da República manifestou-se pelo parcial provimento dos recursos da defesa para extinção da punibilidade dos réus quantos aos fatos descritos nos PAF´s nºs 10830.007286/00-72, 10830.007287/00-35 e 10830.007291/00/11, em razão da prescrição da pretensão punitiva estatal.

Na sessão de julgamento ocorrida em 23/10/2023, após voto do i. relator, Des. Fed. Ali Mazloum, para, com inaplicabilidade da Súmula Vinculante 24, acolher a preliminar de prescrição da pretensão punitiva estatal em relação aos PAF´s 10830.007286/00-72, 10830.007287/00-35, 10830.007291/00-11 e 10830.007377/00-11 e, se mantida a Súmula Vinculante 24, declarar a extinção da punibilidade dos réus Devamnir Ragazzi Filho e Cássio Eduardo Ragazzi, pela prescrição da pretensão punitiva estatal, na modalidade retroativa, em relação aos PAF´s 10830.007286/00-72, 10830.007287/00-35 e 10830.007291/00-11 e julgar prejudicado o exame das demais teses defensivas, o julgamento foi suspenso, em razão do pedido de vista do Des. Fed. Paulo Fontes (id. 281502491).

O i. Des. Fed. Paulo Fontes, na sessão ocorrida em 11/12/2023 (id. 283795319), apresentou voto-vista divergente para acolher a preliminar de prescrição quanto aos PAFS nº nº 10830.007286/00-72, nº 10830.007287/00-35 e 10830.007291/00-11, contudo, quanto ao PAF nº 10.830.007377/00-26 afastar a preliminar e ser feita a análise do mérito do recurso defensivo, ocasião em que pedi vista para uma reflexão mais acurada da questão.

Passo a declarar meu voto.

Consta dos autos que Devamnir Ragazzi Filho, Cassio Eduardo Ragazzi, Paulo Roberto da Silva Gouveia e Cristiane Maria Ferrari Gouveia, foram denunciados pela prática do crime do artigo 1º, inciso I da Lei 8.137/90, porque, no período de maio/1997 a dezembro/1999, na condição de sócios e administradores da empresa Caribean Distribuidora de Combustíveis e Derivados de Petróleo LTDA., mediante prestação de informação falsa e omissão de informações ao fisco federal, reduziram tributos federais.

Narra a denúncia que os ilícitos perpetraram-se a partir de 28/04/1997, quando os denunciados Paulo Roberto e Cristiane Maria ingressaram na sociedade empresária e dela se retirou o acusado Devanmir, porém a investigação apurou que ele permaneceu na administração da empresa juntamente com seu irmão Cassio Eduardo, atuando como sócios de fato, por intermédio dos sócios interpostos.

Prossegue a acusação que a Receita Federal formalizou os seguintes PAF´s: 10830.007286/00-72 (PIS), 10830.007287/00-35 (COFINS), 10830.007377/00-26 (IRPJ e CSLL) e 10830.007291/00-11 (PIS) que apuraram o montante acrescido de encargos moratórios de R$ 6.122.568,79 (seis milhões, cento e vinte e dois mil, quinhentos e sessenta e oito reais e setenta e nove centavos) (id. 141673147 - fls. 203, 245 e 252 e id. 141673236 - fls. 33 e 46), tendo sido o crédito tributário constituído definitivamente em 22/07/2007 (IRPJ e CSLL), 18/03/2004 (PIS e COFINS) e 04/01/2005 (PIS).

A denúncia foi recebida em 18/05/2012 (id. 141673156 - fls. 10/11), menos em relação à corré Cristiane Maria Ferrari Gouveia e, em 07/03/2013, recebido o aditamento à denúncia (id. 141673156 - fls. 85/87).

Após regular instrução, sobreveio a sentença condenatória recorrida que foi publicada em 11/12/2018 (id. 141673200 - fls. 210).

Neste ponto, faço breve digressão sobre os votos até aqui proferidos e começo pelo i. relator, Des. Fed. Ali Mazloum que afastou a aplicabilidade da Súmula Vinculante 24, reconheceu a prescrição da pretensão punitiva estatal em relação a todos os fatos denunciados (PAF´s 10830.007286/00-72, 10830.007287/00-35, 10830.007377/00-26 e 10830.007291/00-11). Por outro lado, mesmo que mantida a incidência do precedente, declarou a prescrição, na modalidade retroativa em relação aos PAF´s 10830.007286/00-72, 10830.007287/00-35 e 10830.007291/00-11 e, portanto, extinguiu a punibilidade do delito do artigo 1º, I da Lei 8.137/90.

Em linhas gerais, o i. relator assenta seu voto na inaplicabilidade da Súmula Vinculante 24 do Supremo Tribunal Federal aos fatos que, como no caso vertente, são anteriores a sua edição, sob pena de violação dos princípios constitucionais da razoabilidade, segurança jurídica e máxima do in dubio pro reo, já que importa em retroatividade maléfica ao acusado.

Pontuou que, consoante artigo 4º do Código Penal, a consumação do crime ocorre no momento da ação e/ou omissão e que aqui os fatos geradores dos tributos sonegados datam dos anos-calendário 1997 a 1999, compreendidos portanto já sob a lei que tipificava a conduta como crime (Lei 8.137/90), mas ainda sob o entendimento jurídico que o ajuizamento de denúncia não exigia o exaurimento da via administrativo-fiscal.

O i. relator enfatizou que somente na década seguinte à edição da Lei 8.137/90 é que a jurisprudência da Suprema Corte passou a exigir a constituição definitiva do crédito tributária como condição a configurar a justa causa para a persecução penal, especialmente a partir do julgamento do HC 81.611/DF, sob a relatoria do Min. Sepúlveda Pertence que, em 10/12/2003, que concluiu ser o delito do artigo 1º de natureza jurídica material ou de resultado e, portanto, consumado somente após a decisão definitiva do processo administrativo de lançamento, quer se considere o lançamento definitivo uma condição objetiva de punibilidade ou um elemento normativo de tipo.

Ainda, destacou-se no consistente voto que o próprio Supremo Tribunal Federal já relativizou a aplicação da súmula vinculante para os fatos muito anteriores a sua edição (HC 180.567/MG) e que também no Superior Tribunal de Justiça, corte a quem a Constituição Federal atribuiu a uniformização da lei infraconstitucional, há julgados que indicam a aplicação do preceito vinculante somente a partir de sua edição (AgRg no AREsp 85.777/SP, 6ª Turma, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, julgado em 17/11/2016).

De outra parte e, em sentido divergente, o i. Des. Fed. Paulo Fontes salientou que a Súmula Vinculante 24, editada em 12/12/2009, apenas consolidou e pacificou a jurisprudência pátria quanto ao necessário exaurimento da via administrativa como condição de procedibilidade da ação penal e marco inicial da prescrição para os crimes de sonegação fiscal, de modo que não inovou a ordem jurídica e/ou instalou hipótese de retroatividade em prejuízo do acusado.

Na mesma linha, destacou o julgamento do HC 81.611/DF pelo Supremo Tribunal Federal e que a jurisprudência da 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça em dado momento se inclinou à tese da irretroatividade do precedente vinculante, mas que foi superada pela 3ª Seção do próprio tribunal superior (Embargos de Divergência no REsp 1.318.662/PR, rel. Min. Felix Fisher, julgado em 28/11/2018). 

Portanto, neste contexto, o i. magistrado revisor conclui que não há falar em "aplicação retroativa de norma penais mais gravosa, mas sim de consolidação de entendimento jurisprudencial que atribuiu correta interpretação a dispositivos legais já vigentes anteriormente", bem como que a Súmula Vinculante 24 cabe, inclusive, aos fatos anteriores a sua edição e com tais convicções me ponho inteiramente de acordo.

Com efeito, a natureza jurídica material do crime de sonegação fiscal previsto na Lei 8.137/90 não foi estabelecida pelo Supremo Tribunal Federal ao editar a Súmula Vinculante 24, mas sim pela própria norma que tipificou como ilícita a conduta que, mediante fraude, omissão e/ou falsificação de informações, suprime ou reduz tributo ou contribuição social e qualquer acessório.

 Note-se que, como é cediço, o delito de sonegação fiscal é material, porque exige o resultado naturalístico consubstanciado na ausência de recolhimento do tributo devido ou seu pagamento em montante ao efetivamente devido e é neste resultado que está sua materialidade e, neste espaço a esfera penal conecta-se com o direito tributário, pois só há crédito tributário após a conclusão definitiva do procedimento administrativo fiscal.

Vale dizer, o esgotamento da via administrativa também é condição para a constituição definitiva do crédito tributário, de modo que sem ela, também não existem a materialidade e a justa causa para a cobrança da dívida fiscal e, portanto, pendente a conclusão da via administrativa não há falar em tributo suprimido e/ou reduzido, tampouco em prescrição da pretensão punitiva estatal.

Por outro lado, também acompanho a divergência quanto ao reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva estatal na modalidade retroativa apenas em relação aos PAF´s 10830.007286/00-72, 10830.007387/00-35 e 10830.007291/00-11, pois tomados os marcos interruptivos (constituição definitiva do crédito tributário em 18/03/2004 e 04/01/2005; recebimento da denúncia em 18/05/2012 para o réu Devamnir e 07/01/2013 para o réu Cássio Eduardo) e a pena fixada em concreto, descontada a continuidade delitiva (3 anos e 6 meses de reclusão), forçoso reconhecer que decorreu o prazo prescricional de 8 (oito) anos entre a data dos fatos e o recebimento da denúncia.

Remanesce, de fato, a persecução penal somente em relação ao PAF 10830.007377/00-26, já que o lapso prescricional é de 12 (doze) anos, dado que fixada a pena privativa de liberdade de 4 (quatro) anos, 8 (oito) meses e 7 (sete) dias de reclusão, de modo que entre a data dos fatos (22/02/2007) e o recebimento da denúncia (18/05/2012 para o réu Devamnir e 07/01/2013 para o réu Cássio Eduardo) não se operou a prescrição, tampouco até a data da sentença condenatória (11/12/2008) ou, ainda, até a presente data.

Ante o exposto, acolho em parte a preliminar de prescrição da pretensão punitiva estatal em relação aos PAFs 10830.007286/00-72, 10830.007387/00-35 e 10830.007291/00-11, na modalidade retroativa, porém com aplicação da Súmula Vinculante 24 e a rejeito em relação ao PAF 10830.007377/00-26, com prosseguimento do julgamento pelo voto de mérito.

É o voto.

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
5ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0003337-78.2009.4.03.6105

RELATOR: Gab. 43 - DES. FED. ALI MAZLOUM

APELANTE: DEVAMNIR RAGAZZI FILHO, CASSIO EDUARDO RAGAZZI

Advogado do(a) APELANTE: HELIO FERREIRA CALADO - SP99889
Advogado do(a) APELANTE: LUIZ ANTONIO SABOYA CHIARADIA - SP205703

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

 

Excelentíssimo Desembargador Federal Paulo Fontes: Inicialmente, destaco a admiração e a estima que nutro pelo E. Relator do presente feito, Desembargador Federal Ali Mazloum.

O E. Relator, em sessão de julgamento realizada em 23 de outubro de 2023, proferiu voto no sentido de dar provimento aos recursos de apelação das defesas para, afastado os efeitos da SV nº 24, com fundamento no art. 109, IV, do Código Penal, acolher a preliminar arguida e reconhecer a prescrição da pretensão punitiva do Estado em relação aos PAF’S nº 10830.007286/00-72, nº10830.007287/00-35, nº 10830.007291/00-11 e o de nº 10.830.007377/00-26, e ainda, acaso prevalecesse a aplicação da SV nº24, reconheceu a prescrição da pretensão punitiva do Estado, na modalidade retroativa, em relação aos PAF’S nº 10830.007286/00-72, nº10830.007287/00-35, nº 10830.007291/00-11, declarando extinta a punibilidade dos réus Devamnir Ragazzi Filho e Cassio Eduardo Ragazzi; restando prejudicada a análise das demais preliminares e do exame do mérito dos recursos defensivos.

Conforme consignado em seu voto, o E. Relator considera que, em razão dos fatos geradores do tributo serem bem anteriores à publicação da Súmula Vinculante 24 e ao leading case (HC 81.611/DF, de 10/12/2003), merecem a aplicação da irretroatividade in pejus pelo princípio da razoabilidade. Ademais, destaca que, ao tempo dos fatos, a persecução penal podia ser deflagrada mesmo antes do término do procedimento fiscal, de modo que o cenário era outro, e a prescrição contava-se a partir do fato gerador do tributo.

Com a devida vênia, pedi vistas dos autos para uma análise acerca da preliminar de prescrição no tocante à aplicação da Súmula Vinculante 24 para casos mais antigos e, após fazê-la, ouso divergir de Sua Excelência nos seguintes termos.

A Súmula Vinculante 24, editada em 12 de dezembro de 2009, sedimentou entendimento jurisprudencial no sentido da necessidade do exaurimento prévio da via administrativa como condição de procedibilidade para a propositura da ação penal relativa aos crimes contra a ordem tributária dispostos no artigo 1º, incisos I a IV, da Lei 8.137/1990. Da mesma forma, pacificou-se o entendimento de que a contagem da prescrição da pretensão punitiva somente se inicia após a constituição definitiva do crédito tributário.

A referida Súmula não trouxe novos contornos para a questão, tendo apenas consolidado entendimento que já era aplicado tanto no âmbito do Supremo Tribunal Federal como no Superior Tribunal de Justiça.

No leading case citado pelo E. Relator, HC 81.611/DF, o Ministro Sepúlvida Pertence, destaca que:

"I. Crime material contra a ordem tributária (L. 8137/90, art. 1º): lançamento do tributo pendente de decisão definitiva do processo administrativo: falta de justa causa para a ação penal, suspenso, porém, o curso da prescrição enquanto obstada a sua propositura pela falta do lançamento definitivo.

1. Embora não condicionada a denúncia à representação da autoridade fiscal (ADInMC 1571), falta justa causa para a ação penal pela prática do crime tipificado no art. 1º da L. 8137/90 - que é material ou de resultado enquanto não haja decisão definitiva do processo administrativo de lançamento, quer se considere o lançamento definitivo uma condição objetiva de punibilidade ou um elemento normativo de tipo.

2. Por- outro lado, admitida por lei a extinção da punibilidade do crime pela satisfação do tributo devido, antes do recebimento da denúncia (L. 9249/95,' art. 34), princípios e garantias constitucionais eminentes não permitem que, pela antecipada propositura da ação penal, se subtraia do cidadão os meios que a lei mesma lhe propicia para questionar, perante o Fisco, a exatidão do lançamento provisório, ao qual se devesse submeter para fugir ao estigma e às agruras de toda sorte do processo criminal.

3. No entanto, enquanto dure, por iniciativa do contribuinte, o processo administrativo suspende o curso da prescrição da ação penal por crime contra a ordem tributária que dependa do lançamento definitivo"

Embora a jurisprudência da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça tenha se inclinado em um dado momento pelo não cabimento da aplicação retroativa do entendimento da Súmula Vinculante 24 do Supremo Tribunal Federal a fatos praticados em datas muito distantes da edição do referido verbete sumular (AgRg no REsp 1.648.485/CE, Relator Ministro Rogerio Schietti, DJe 04/09/2018, e AgRg no Agravo em Recurso Especial 643.502/PR, Relator Ministro Rogerio Schietti, DJe 04/09/2018), tal entendimento restou superado no julgamento dos Embargos de Divergência em REsp 1.318.662/PR, de Relatoria do Ministro Felix Fisher, de 28 de novembro de 2018.

Naquele julgado, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, deu provimento aos embargos de divergência, entendendo que “o enunciado da Súmula Vinculante do STF não se restringiria aos fatos ocorridos após a sua vigência e, por consequência, nos crimes materiais contra a ordem tributária previstos no art. 1º da Lei n. 8137/90, mesmo iniciados anteriormente ao enunciado, a constituição do crédito tributário inauguraria a contagem do lapso prescricional da pretensão punitiva, por representar o momento consumativo do delito”.

A ementa do julgado foi lavrada nos seguintes termos:

EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA ANTERIOR À EDIÇÃO DA SÚMULA VINCULANTE N. 24/STF. TERMO INICIAL DO PRAZO PRESCRICIONAL. DIVERGÊNCIA CONFIGURADA. ADOÇÃO DO POSICIONAMENTO CONSAGRADO NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. NECESSIDADE DA CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA PROVIDOS.

I - Segundo a jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça, os embargos de divergência tem como finalidade precípua a uniformização de teses jurídicas divergentes, aplicadas dentro de um mesmo contexto.

II - A análise da prescrição dos crimes materiais contra a ordem tributária deve se dar à luz da Súmula Vinculante n. 24 do Supremo Tribunal Federal, que dispõe: "não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei 8.137/1990, antes do lançamento definitivo do tributo". Desse modo, nos termos do art. 111, do Código Penal, a prescrição da pretensão punitiva somente tem seu início com a constituição definitiva do crédito, momento em que se consuma o delito.

III - Constituindo a súmula vinculante n. 24 mera consolidação de remansosa interpretação judicial, tem aplicação aos fatos ocorridos anteriormente à sua edição. Precedentes

IV - Não transcorrido o lapso prescricional entre a constituição definitiva do crédito e o recebimento da denúncia, ou entre esta e a prolação de sentença condenatória, impõe-se a reforma do julgado que a declara consumada, com a consequente devolução dos autos à respectiva Turma para apreciação das demais teses recursais levantadas.

Embargos de divergência providos.

(EREsp n. 1.318.662/PR, Ministro Felix Fischer, Terceira Seção, DJe 4/12/2018).

Desta feita, a partir do referido julgado pela Terceira Seção do STJ, restou firmada, nas duas Turmas Criminais do Superior Tribunal, a tese da retroatividade da Súmula Vinculante 24 aos casos anteriores, mesmo que mais antigos ao leading case (2003).

Da mesma forma, verifica-se que é firme a jurisprudência da Suprema Corte no sentido de que a retroatividade da Súmula não tem limitação temporal, entendendo que o verbete apenas consolidou entendimentos já adotados por aquela Suprema Corte quanto à necessidade da constituição do crédito tributário como condição para tipificar o crime material.

Nesse sentido:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. MATÉRIA CRIMINAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. ART. 1º, IV, DA LEI 8.137/90. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA NÃO VERIFICADA. TERMO INICIAL. CONSTITUIÇÃO DEFINITIVA DO CRÉDITO. SÚMULA VINCULANTE 24. APLICABILIDADE A FATOS ANTERIORES À SUA EDIÇÃO. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.

1.Nos crimes contra a ordem tributária, considerando o teor da Súmula Vinculante 24, o prazo prescricional somente tem início com a constituição definitiva do crédito tributário.

2. O acórdão recorrido está em consonância com a orientação deste Supremo Tribunal Federal, no sentido de que é possível a aplicação da Súmula Vinculante 24 a fatos anteriores à sua edição.  3. Os preceitos constitucionais que regem a aplicação benéfica retroativa da norma penal ao acusado e a irretroatividade da regra mais grave ao acusado (art. 5º, XL, da CR) não são aplicáveis na hipótese de precedentes jurisprudenciais, pois se referem às leis penais. 4. Agravo regimental desprovido

(RE n. 1.192.924-AgR, Relator o Ministro Edson Fachin, Segunda Turma, DJe 18.9.2020).

AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. CRIME DE SONEGAÇÃO FISCAL. ALEGADO IMPLEMENTO DA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA ESTATAL. PRETENSÃO DE QUE SEJA CONSIDERADA DATA ANTERIOR AO LANÇAMENTO DEFINITIVO DO TRIBUTO PARA INÍCIO DA CONTAGEM DO PRAZO PRESCRICIONAL. SÚMULA VINCULANTE 24. 1. No que se refere ao marco inicial da prescrição da pretensão punitiva estatal em matéria de crimes tributários, é mister considerar o teor da Súmula Vinculante 24: “Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei n. 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo”. Esse entendimento abarca fatos anteriores à edição do referido enunciado sumular, que não implicou inovação legislativa, mas, tão somente, consolidação de entendimento jurisprudencial de há muito adotado por esta SUPREMA CORTE. Precedentes. Ausente o transcurso do respectivo lapso entre os marcos interruptivos. 2. Agravo Regimental a que se nega provimento.

(HC 169925 AGR - Primeira Turma - Rel.  Min. Alexandre de Moraes - DJe 1/08/2019).

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. CRIMINAL. PRELIMINAR DE REPERCUSSÃO GERAL DAS QUESTÕES CONSTITUCIONAIS SUSCITADAS. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO ADEQUADA. SÚMULA VINCULANTE 24. APLICAÇÃO A FATOS ANTERIORES A SUA EDIÇÃO. POSSIBILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. I - A mera alegação, nas razões do recurso extraordinário, de existência de repercussão geral das questões constitucionais discutidas, desprovida de fundamentação adequada que demonstre seu efetivo preenchimento, não satisfaz a exigência prevista nos arts. 102, § 3°, da CF; 1.035, § 2°, do CPC; e 327, § 1°, do RISTF. II - O Supremo Tribunal Federal tem admitido a aplicação da Súmula Vinculante 24 a fatos anteriores a sua edição, porquanto o respectivo enunciado apenas sintetiza a jurisprudência dominante desta Corte e, dessa forma, não pode ser considerada como retroação de norma mais gravosa ao réu. III - Agravo regimental a que se nega provimento. (ARE  1.112.474-AgR/SP, Relator Ministro Ricardo Lewandowski).

 

Com efeito, entende-se que a aplicação da Súmula Vinculante 24 a delitos cometidos antes de sua edição, não se trata de aplicação retroativa de norma penal mais gravosa, mas sim de consolidação de entendimento jurisprudencial que atribuiu correta interpretação a dispositivos legais já vigentes anteriormente, sendo a sua incidência imperiosa a todos os casos envolvendo o crime material do art. 1º, incisos, da Lei 8.137/1990, por não se estar diante de hipótese de retroatividade in malam partem.  

Destarte, ante a já pacífica jurisprudência sobre o assunto, filio-me ao entendimento da possibilidade da retroatividade da aplicação da Súmula Vinculante 24 para fatos geradores anteriores a sua edição e ao leanding case de 2003, inexistindo uma limitação temporal para sua aplicação.

No presente caso, em decorrência de ter ocorrido o trânsito em julgado para a acusação em 16 de janeiro de 2019, diante da ausência de interposição de recurso, a prescrição regula-se pelo prazo correspondente à pena privativa de liberdade aplicada em concreto, na forma do artigo 110, § 1º, do Código Penal.

Em desfavor de ambos os acusados, fixou-se a pena corporal de 03 (três) anos e 06 (seis) meses de reclusão em relação aos PAF’s nº10830.007286/00-72, 10830.007291/00-11 e  nº10830.007287/00-35, por infração ao art. 1º da Lei nº 8.137/90, excluída a causa de aumento do art. 71 do Código Penal (continuidade delitiva). Desse modo, o prazo prescricional correspondente é de 08 (oito) anos entre os marcos interruptivos.

Já com relação ao PAF 10.830.007377/00-26 foi aplicada a pena de 04 (quatro) anos, 08 (oito) meses e 7 (dias) dias de reclusão, excluída a continuidade delitiva, a qual possui prazo prescricional correspondente de 12 (doze) anos.

As penas foram somadas em decorrência do concurso material, que, para efeito de prescrição, devem ser separadas para o cômputo de cada pena separadamente, na forma do artigo 119 do Código Penal.

Quanto ao primeiro marco interruptivo, o Supremo Tribunal Federal assentou que o esgotamento da via administrativa é condição de procedibilidade da ação penal nos crimes contra a ordem tributária, e que, enquanto pendente o procedimento administrativo, fica suspenso o curso do prazo prescricional.

A questão encontra-se sumulada, nos moldes da súmula Vinculante nº 24:

"Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no artigo 1º, incisos I a IV, da Lei 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo".

Desta feita, por se tratar de crime material, o termo inicial do prazo prescricional corresponde ao término do processo administrativo fiscal, momento em que restará definitivamente constituído o crédito tributário.

No caso, os créditos tributários foram constituídos definitivamente em 18 de março de 2004 (em relação aos PAFS nº nº10830.007286/00-72 e nº10830.007287/00-35)em 04 de janeiro de 2005 (em relação ao PAF nº 10830.007291/00-11), e em 22 de fevereiro de 2007 (em relação ao PAF nº 10.830.007377/00-26), de maneira que não incide a Lei nº 12.234/2010.

Desta feita, para fins de análise da prescrição retroativa, na forma do artigo 111, inciso I, do Código Penal, deve ser levado em consideração inicialmente a data da consumação do delito, que no caso ocorreu com a constituição definitiva do crédito tributário em três datas.

Em relação ao acusado Devamnir, o recebimento da denúncia se deu aos 18.05.2012, para os PAF’s nº nº10830.007286/00-72 e nº10830.007287/00-35 (constituídos em 18 de março de 2004), e na data de 07.01.2013 (aditamento) para o PAF nº nº10830.007291/00-11 (constituído em 04 de janeiro de 2005) e para o PAF 10.830.007377/00-26 (constituído em 22 de fevereiro de 2007).

Em relação ao acusado Cassio, o recebimento da denúncia se deu aos 07.01.2013 (aditamento) para todos os procedimentos administrativos fiscais mencionados (constituídos nas datadas de 18 de março de 2004, 04 de janeiro de 2005 e em 22 de fevereiro de 2007).

Ademais, a sentença condenatória foi publicada em 11.12.2018 (ID 141673200- fl.210- volume 4).

Sendo assim, observa-se que para os réus Devamnir e Cassio ocorreu a prescrição da pretensão punitiva, na modalidade retroativa, entre a data da constituição dos créditos tributários e o recebimento da denúncia, em relação aos PAFS nº nº10830.007286/00-72 e nº10830.007287/00-35 e em relação ao PAF nº 10830.007291/00-11.

Conclui-se, dessa forma, que remanesce a pretensão punitiva para os acusados quanto à imputação do crime do artigo 1º, inciso I, da Lei 8.137/1990, relativa ao PAF nº 10.830.007377/00-26.

Ante o exposto, com a devida vênia, acolho a preliminar de prescrição quanto aos PAFS nº nº10830.007286/00-72, nº10830.007287/00-35 e 10830.007291/00-11. Contudo, quanto ao PAF nº 10.830.007377/00-26, divirjo do E. Relator, para afastar a preliminar e ser feita a análise do mérito do recurso defensivo.

É o voto.


E M E N T A

DIREITO PENAL. PROCESSO PENAL. ARTIGO 1º, INCISO I, DA LEI Nº 8.137/1990. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. CONTINUIDADE DO JULGAMENTO. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. PRELIMINAR ACOLHIDA EM PARTE. DEMAIS PRELIMINARES REJEITADAS. MATERIALIDADE CONFIGURADA. AUTORIA E DOLO CONFIRMADOS. SENTENÇA CONDENATÓRIA MANTIDA. DOSIMETRIA. REVISTA. PENA-BASE. ACIMA DO MÍNIMO LEGAL EM RAZÃO DAS CONSEQUÊNCIAS DO DELITO.  

1-Reconhecida a prescrição da pretensão punitiva, na modalidade retroativa, em relação aos PAF’s nº 10830.007286/00-72, nº10830.007287/00-35 e nº10830.007291/00-11, observada a redação do artigo 110 do Código Penal, na sua redação anterior à alteração realizada pela Lei 12.234/2010. Preliminar parcialmente acolhida.

2-Dando sequência ao julgamento para a análise das demais preliminares suscitadas pela defesa dos réus e exame do mérito.

3-Cerceamento de defesa. Indeferimento de requerimento para expedição ofícios à cartório de registro de imóveis e quebra de sigilo bancário. Provas irrelevantes, impertinentes ou protelatórias serão indeferidas pelo magistrado (art. 400, §1º do CPP). Preliminar rejeitada.

4-Preliminar de ilegitimidade de parte. Arguição que se confunde com o mérito.

5-Tocante à autoria delitiva e o dolo, restam demonstrados pelas circunstâncias que gravitam em torno dos fatos, em relação ao PAF nº10.830.007377/0026.

6-Dosimetria revista de ofício em relação ao réu Devamnir Ragazzi Filho. Acolhimento da pretensão recursal para a revisão da pena aplicada em desfavor do réu Cassio Eduardo Ragazzi.

7-Substituição da pena corporal de ambos os réus por duas penas restritivas de direitos

8-Improvido o recurso de apelação interposto por Devamnir Ragazzi Filho. Parcial provimento ao recurso de apelação interposto por Cassio Eduardo Ragazzi.

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Quinta Turma, após (a) acolher parcialmente a preliminar de prescrição para, ainda que aplicada a Súmula Vinculante 24, declarar extinta a punibilidade dos réus Devamnir Ragazzi Filho e Cassio Eduardo Ragazzi pela prescrição da pretensão punitiva, na modalidade retroativa, em relação aos PAFIs n° 10830.007286/00-72, n° 10830.007287/00-35 e n° 10830.007291/00-11, e (b) rejeitar a preliminar de prescrição, com aplicação da Súmula Vinculante 24, quanto ao PAF 10830.007377/00-26; prosseguindo o julgamento decidiu, por unanimidade, rejeitar as demais preliminares de cerceamento de defesa e ilegitimidade de parte, de ofício rever a pena corporal em desfavor de Devamnir Ragazzi Filho e NEGAR PROVIMENTO ao seu recurso de apelação e DAR PARCIAL PROVIMENTO ao recurso interposto pela defesa de Cassio Eduardo Ragazzi apenas para rever a pena corporal, fixando, para ambos os réus, às penas definitivas de 03 (três) anos, 03 (três) meses e 06 (seis) dias de reclusão, em regime aberto, e pagamento de 16 (dezesseis) dias- multa, cada um à razão de 1/2(metade) do salário mínimo vigente à época dos fatos, com substituição da pena corporal por duas penas restritivas de direitos consistentes em prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária de 03(três) salários mínimos, por infração ao art. 1º, I, da Lei nº 8.137/90 (PAF nº10.830.007377/0026)., nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.