APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001635-73.2018.4.03.6112
RELATOR: Gab. 14 - DES. FED. MARCELO SARAIVA
APELANTE: AGENCIA NACIONAL DE ENERGIA ELETRICA - ANEEL, CESP COMPANHIA ENERGETICA DE SAO PAULO, ESTADO DE SAO PAULO
Advogado do(a) APELANTE: ADRIANA ASTUTO PEREIRA - SP389401-A
APELADO: CARLOS ALBERTO ALVES, CLAUDINEI DONIZETI CECCATO, EDMAR DA SILVA FELICIANO, JOSE REINALDO ESPANHOL, WILSON MARQUES DE ALMEIDA
Advogado do(a) APELADO: MAXIMILIANO NAGL GARCEZ - PR20792-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001635-73.2018.4.03.6112 RELATOR: Gab. 14 - DES. FED. MARCELO SARAIVA APELANTE: AGENCIA NACIONAL DE ENERGIA ELETRICA - ANEEL, CESP COMPANHIA ENERGETICA DE SAO PAULO, ESTADO DE SAO PAULO Advogado do(a) APELANTE: ADRIANA ASTUTO PEREIRA - SP389401-A APELADO: CARLOS ALBERTO ALVES, CLAUDINEI DONIZETI CECCATO, EDMAR DA SILVA FELICIANO, JOSE REINALDO ESPANHOL, WILSON MARQUES DE ALMEIDA Advogado do(a) APELADO: MAXIMILIANO NAGL GARCEZ - PR20792-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de recursos de apelação, em ação popular, ajuizada por CARLOS ALBERTO ALVES, CLAUDINEI DONIZETI CECCATO, EDMAR DA SILVA FELICIANO, JOSÉ REINALDO ESPANHOL, WILSON MARQUES DE ALMEIDA em face da AGÊNCIA NACIONAL DE ENERGIA ELÉTRICA (ANEEL), em que se pleiteou o provimento jurisdicional para suspender o processo de renovação do contrato de concessão da UHE Porto Primavera até que a requerida apresente um calendário de audiências públicas presenciais que contemplem os municípios afetados. Alegam os autores que a Usina Hidrelétrica de Porto Primavera está outorgada à CESP desde maio/1978, pelo Decreto nº 81.689, pelo prazo de 30 anos. A Portaria nº 110/2008 prorrogou a concessão por 20 anos, a contar de 19/05/2008, e a Resolução Autorizativa nº 6.111/2016 alterou para 11/07/2028 o termo final dessa concessão. Narram que, sob recomendação do Conselho Diretor do Programa Estadual de Desestatização do Estado de São Paulo (PED), publicada no D.O. em 24/08/2016, o Governo do Estado de São Paulo retomou os trabalhos com vistas à privatização da COMPANHIA ENERGÉTICA DE SÃO PAULO (CESP), resolvendo por alienar as ações e transferir o controle acionário da empresa. Posteriormente, em 15/09/2017, foi divulgada a Ata de Reunião do Conselho Diretor do PED, deliberando suspender o certame pelo prazo necessário à avaliação sobre a pertinência de “eventuais ajustes que busquem elevar a competitividade do leilão”. Ato contínuo, no dia 25/01/2018, foi emitido o Decreto nº 9.271, que regulamenta a outorga de contrato de concessão no setor elétrico associada à privatização de titular de concessão de serviço público de energia elétrica, nos termos da Lei nº 9.074/95, estabelecendo, no art. 3º, que esse contrato deverá ser aprovado pela ANEEL e integrar edital do leilão de privatização. Dando continuidade ao processo de desestatização, foi publicada no dia 30/01/2018 outra Ata de Reunião do Conselho Diretor do PED, tratando da retomada dos trabalhos e estudos necessários à alienação do controle acionário da CESP, considerando a publicação do Decreto nº 9.271/2018. Destacam que, segundo o Secretário da Fazenda, atendidos os requisitos e condições do Decreto nº 9.271/2018, permitir-se-ia ao Estado de São Paulo pleitear junto ao Governo Federal a outorga de um novo contrato de concessão, de até 30 anos, no âmbito do processo de privatização da CESP. Em outras palavras, o referido decreto permitiu a privatização da CESP, condicionada à renovação do contrato de concessão. Em sequência, a requerida ANEEL publicou nota técnica em 09/03/2018, propondo abertura de Audiência Pública no âmbito do Processo nº: 48500.005033/2000-41. Essa Audiência Pública objetivaria “obter subsídios para aprimoramento da minuta do contrato de concessão que regulará (...) a nova outorga referente à Usina Hidrelétrica (UHE) Porto Primavera”, principal usina gerida pela CESP. Asseveram que no dia 22/03/2018, o SINDICATO DOS TRABALHADORES NA INDÚSTRIA DE ENERGIA ELÉTRICA DE CAMPINAS (SINERGIA) solicitou ao Diretor Geral da ANEEL que a audiência pública ocorresse na modalidade presencial no Município de Rosana/SP, diante da complexidade do assunto tratado. O requerimento foi ignorado. Afirmam que o SINERGIA reiterou sua correspondência, obtendo a resposta da ANEEL de que “não será realizada reunião presencial no âmbito da Audiência Pública nº 018/2018”. Segundo informam, a ANEEL publicou o Aviso de Audiência Pública nº 018/2018, dando conta da realização de Audiência Pública na modalidade intercâmbio documental, online no sítio eletrônico da ANEEL, com período para envio de contribuição de 29/3/2018 a 27/4/2018. Defendem que a finalidade da audiência pública é a dar transparência e efetuar a prestação de contas ao público quanto à procedência da decisão tomada. No entanto, não foi oportunizado debate presencial para que a população pudesse contribuir com o processo de renovação do contrato de concessão. Ao revés, a participação popular foi cerceada, condicionada ao intercâmbio documental. Sobre a modalidade adotada pela autarquia, argumentam que “realizá-la exclusivamente na plataforma virtual, sem efetivo debate e apenas com envio de perguntas e sugestões por escrito, não há qualquer dúvida que a ANEEL está lesando direito dos cidadãos locais de participar efetivamente do processo de renovação do contrato de concessão da usina que impacta sobremaneira suas vidas” (ID Num. 29107954 - Pág. 9). Ao final, formularam os seguintes pedidos (ID Num. 29107954 - Págs. 24-25): DIANTE DO EXPOSTO, requerem os autores se digne Vossa Excelência a deferir: 1. A concessão inaudita altera parte, de Medida Liminar, para determinar que a ANEEL suspenda de imediato, o processo de renovação do contrato de concessão da UHE Porto Primavera, até que seja apresentado um calendário de audiências públicas presenciais que efetivamente contemplem a oitiva, nos municípios afetados pela usina, de uma adequada representação da população, de modo que os princípios da publicidade, transparência e adequada informação sejam atendidos. 2. Subsidiariamente, requer, ainda em sede de liminar, a suspensão do processo de renovação do contrato de concessão da UHE Porto Primavera até se seja realizada ao menos uma audiência pública presencial no Município de Rosana-SP, sede da Usina, cuja comunidade é a mais afetada, a fim de que seja possibilitada uma adequada representação da população, de modo que os princípios da publicidade, transparência e adequada informação sejam atendidos. (...) 4. A procedência da presente ação popular e respectivos pedidos para: a) Por sentença, seja decretada a nulidade do ato praticado pela ANEEL consubstanciado na audiência pública 18/2018, por modalidade intercâmbio documental com vistas a obter subsídios para o aprimoramento da minuta do contrato de concessão da Usina Hidrelétrica – UHE Porto Primavera, nos termos do Decreto nº 9.271/2018, na qual foi cerceada a participação popular; b) Determinar obrigação de realizar audiências públicas presenciais nos municípios diretamente afetados pela UHE Porto Primavera e seu reservatório ou, subsidiariamente, ao menos no Município de Rosana-SP, que abriga a sede da Usina de Porto Primavera e cuja população é a mais afetada; Em decisão ID Num. 29108044, foi deferida a tutela provisória de urgência “para determinar a suspensão do processo de renovação do contrato de concessão da UHE Porto Primavera-SP, até que seja realizada ao menos uma audiência pública presencial no Município de Rosana-SP”. Desta decisão, a CESP interpôs agravo de instrumento (autos nº 5009062-27.2018.4.03.0000), ocasião em que deferi “a antecipação da tutela recursal para suspender a decisão agravada, de maneira que o processo de renovação do contrato de concessão da UHE Primavera tenha imediato e regular prosseguimento” (ID Num. 29108175). Em petição ID Num. 29108064, a CESP manifestou o interesse na presente demanda, porquanto reflete diretamente e fere direitos relacionados ao processo voltado à prorrogação da concessão da UHE Porto Primavera, o que foi deferido (ID Num. 29108115). Na petição ID Num. 29108124, o ESTADO DE SÃO PAULO também requereu o seu ingresso na lide, na modalidade de intervenção anômala, nos termos do art. 5º, parágrafo único, da Lei Federal nº 9.469/97, aduzindo que a persistência dos efeitos da decisão liminar “implicará numa possível perda de receita na ordem de R$ 1,6 bilhões”. Posteriormente, o ente federado desistiu do seu pedido de ingresso (ID Num. 29108173). Na sentença, o r. Juízo a quo julgou parcialmente procedente o pedido para (ID Num. 29108463 - Pág. 12): a) declarar a nulidade do ato praticado pela ANEEL consubstanciado na audiência pública 18/2018, por modalidade intercâmbio documental com vistas a obter subsídios para o aprimoramento da minuta do contrato de concessão da Usina Hidrelétrica – UHE Porto Primavera, nos termos do Decreto nº 9.271/2018, na qual foi cerceada a participação popular; e b) determinar a suspensão do processo de renovação do contrato de concessão da UHE Porto Primavera-SP, até que seja realizada ao menos uma audiência pública presencial no Município de Rosana-SP. Presentes os requisitos legais, DEFIRO a medida liminar para determinar a suspensão do processo de renovação do contrato de concessão da UHE Porto Primavera-SP, até que seja realizada ao menos uma audiência pública presencial no Município de Rosana-SP. Tendo a parte autora decaído em parcela mínima do pedido, condeno a parte ré no pagamento da verba honorária que fixo em R$ 5.000,00 (cinco mil reais). O Estado de São Paulo propôs a Suspensão de Liminar ou Antecipação de Tutela (autos nº 5026383-75.2018.4.03.0000), ocasião em que a Exma. Desembargadora Federal Presidente Therezinha Cazerta determinou a “suspensão dos efeitos da tutela provisória que, proferida pelo juízo da 2ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Presidente Prudente nos autos de reg. nº 5001635-73.2018.4.03.6112, sustou o processo de renovação de concessão da UHE de Porto Primavera e o condicionou à realização de audiência pública no Município de Rosana” (ID Num. 29108500 - Pág. 21). Apela a ANEEL aduzindo, em síntese: a) não existe imposição legal de realização de audiência pública na modalidade presencial; b) o art. 4º, § 3º, da Lei nº 9.427/1996, não prevê a forma e o procedimento da audiência pública, cabendo à Resolução Normativa ANEEL nº 273/2007 estabelecer o regramento; c) as audiências públicas na ANEEL para instruir os processos decisórios pode ser realizada no formato documental; d) o Poder Judiciário não pode avançar na competência legal da ANEEL para impor um procedimento diferente daquele julgado mais conveniente e oportuno para atender a finalidade da lei. Apela o CESP alegando, em síntese: a) a ANEEL, dentro de sua discricionariedade técnica e legal, instaurou audiência pública, por intercâmbio documental, de 29 de março a 27 de abril de 2018, com vistas a obter subsídios para aprimorar a minuta de contrato de concessão da UHE Porto Primavera; b) cabe somente à ANEEL as providências relacionadas as atividades de outorgas de concessão, permissão e autorização de empreendimentos e serviços de energia elétrica, não havendo qualquer ilegalidade no procedimento adotado no Processo Administrativo nº 48500.005033/2000-41; c) o Poder Judiciário não tem legitimidade de adentrar ou interferir em regras regulatórias; d) está configurada a ausência de interesse processual, na medida em que houve uma audiência pública presencial em 20/02/2018; d) existe litispendência com os autos nº 1042311-34.2017.8.26.0053, em trâmite perante a 5ª Vara da Fazenda Pública da Comarca da Capital O Estado de São Paulo também apela, na qualidade de terceiro prejudicado (art. 996 do CPC), argumentando: a) ausência de interesse processual, na medida em que houve uma audiência pública presencial em 20/02/2018; b) existe litispendência com os autos nº 1042311-34.2017.8.26.0053, em trâmite perante a 5ª Vara da Fazenda Pública da Comarca da Capital; c) ao abrir a audiência pública para receber contribuições à minuta do contrato de concessão referente à nova outorga da UHE Porto Primavera, a ANEEL disponibilizou diversos canais para que a população ofertasse sua participação. Apresentadas as contrarrazões, subiram os autos a esta E. Corte Federal. Em parecer, o representante da Procuradoria Regional da República da 3ª Região opinou pelo desprovimento dos recursos de apelação (ID Num. 82364857). É o relatório.
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001635-73.2018.4.03.6112 RELATOR: Gab. 14 - DES. FED. MARCELO SARAIVA APELANTE: AGENCIA NACIONAL DE ENERGIA ELETRICA - ANEEL, CESP COMPANHIA ENERGETICA DE SAO PAULO, ESTADO DE SAO PAULO Advogado do(a) APELANTE: ADRIANA ASTUTO PEREIRA - SP389401-A APELADO: CARLOS ALBERTO ALVES, CLAUDINEI DONIZETI CECCATO, EDMAR DA SILVA FELICIANO, JOSE REINALDO ESPANHOL, WILSON MARQUES DE ALMEIDA Advogado do(a) APELADO: MAXIMILIANO NAGL GARCEZ - PR20792-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Inicialmente, reconheço a legitimidade recursal do Estado de São Paulo na condição de terceiro interessado, nos termos do art. 996 do CPC, porquanto a decisão a ser proferida nestes autos afeta diretamente sua esfera jurídica, uma vez que a questão de fundo diz respeito à renovação de contrato de concessão de UHE Porto Primavera, relacionado ao seu processo de privatização. Cinge-se a questão analisada nos autos sobre a validade da audiência pública realizada por intercâmbio documental (Audiência Pública nº 18/2018), estabelecida no processo de renovação do contrato de concessão da UHE Porto Primavera. Da ausência de interesse de agir Alegam o CESP e o Estado de São Paulo a ausência de interesse processual, na medida em que teria havido uma audiência pública presencial em 20/02/2018. Ao refutar o argumento, os autores populares afirmaram que (ID Num. 29108553 - Pág. 10): Ademais, ao tempo da audiência da CESP, realizada em 20/02/2018 na capital de São Paulo, cujo tema era a venda de ativos da empresa e não a renovação do contrato de concessão do serviço de geração energia na UHE de Porto Primavera, sequer existiam as informações necessárias ao debate de renovação da concessão, uma vez que a própria ANEEL somente iniciou sua consulta pública na modalidade intercâmbio documental (Audiência Pública nº 018/2018 da ANEEL), para colher elementos à elaboração do contrato de concessão, em 29/03/2018. Analisando estes extensos autos, não se localizou a minuta do chamamento da audiência pública realizada no dia 20/02/2018. Por outro lado, em consulta ao sítio eletrônico do Governo do Estado de São Paulo, consta a seguinte notícia veiculada em 31/01/2018 (grifei): Governo do Estado agenda audiência pública para tratar do processo de venda da Cesp Foi publicado na edição de 1º/2 do Diário Oficial do Estado, no caderno Executivo I, o Aviso de Audiência Pública para o aprimoramento do processo venda da Companhia Energética do Estado de São Paulo – CESP. A audiência é aberta ao público em geral e será realizada na Secretaria da Fazenda em 20 de fevereiro, às 10h. Veja abaixo a íntegra do comunicado: Aviso de Audiência Pública O Governo do Estado de São Paulo, por intermédio da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo - SEFAZ/SP, comunica aos agentes de mercado e demais interessados que realizará AUDIÊNCIA PÚBLICA, para apresentar e obter subsídios e informações adicionais para o aprimoramento do processo de alienação do controle acionário da Companhia Energética do Estado de São Paulo - CESP, cuja retomada foi decidida pelo Conselho Diretor do PED em sua 231ª Reunião Ordinária, em 29-01-2018. A AUDIÊNCIA PÚBLICA é aberta ao público em geral e será realizada no Grande Auditório da Secretaria da Fazenda (Av. Rangel Pestana, 300 - 17º andar - Sé, São Paulo - SP), das 10 às 12 horas do dia 20-02-2018. (in https://portal.fazenda.sp.gov.br/Noticias/Paginas/Governo-do-Estado-agenda-audi%C3%AAncia-p%C3%BAblica-para-tratar-do-processo-de-venda-da-Cesp.aspx, consulta em 14/09/2023) De fato, consultando o Regulamento desta Audiência Pública (nº 01/2018), é possível confirmar que o seu objetivo foi tratar do processo de alienação do controle acionário da CESP: REGULAMENTO DA AUDIÊNCIA PÚBLICA Nº 01/2018 I. OBJETO: A Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo (“SEFAZ/SP”) torna pública a presente Audiência Pública, aberta a qualquer interessado, cujo objetivo é apresentar e obter subsídios e informações adicionais para o aprimoramento do processo de privatização da Companhia Energética do Estado de São Paulo – CESP. (in https://portal.fazenda.sp.gov.br/Noticias/Paginas/CESP---Informa%C3%A7%C3%B5es-sobre-o-processo-de-privatiza%C3%A7%C3%A3o.aspx, consulta em 14/09/2023) Como a audiência pública presencial em 20/02/2018 tratou de tema diverso do analisado nesta demanda, a alegação de ausência de interesse de agir deve ser rejeitada. Da litispendência Alegam o CESP e o Estado de São Paulo a litispendência com os autos nº 1042311-34.2017.8.26.0053, em trâmite perante a 5ª Vara da Fazenda Pública da Comarca da Capital. A litispendência é um pressuposto processual negativo consistente em ajuizar uma ação idêntica à que se encontra em andamento. Ou conforme previsão legal, “quando se reproduz ação anteriormente ajuizada” (art. 337, § 1º, do CPC). Já no § 2º do mesmo dispositivo, preceitua-se que uma “ação é idêntica a outra quando possui as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido”. Nenhum dos três elementos da ação são idênticos entre si. Analisando a petição inicial da ação nº 1042311-34.2017.8.26.0053 (ID Num. 29108346), constata-se que as partes são distintas. Além dos autores populares aqui presentes, aquela demanda estadual conta com a presença de ALENCAR SANTANA BRAGA, ALENCAR SANTANA BRAGA, ENIO FRANCISCO TATTO, JOSÉ AMÉRICO ASCÊNCIO DIAS e MARIA APARECIDA OVEJANDA LIA. Já no polo passivo, a ação popular foi proposta em face da FAZENDA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO, da CESP e de MAURO GUILHERME JARDIM ARCE. A causa de pedir também é diferente, uma vez aquele feito analisa a necessidade de audiência pública para o processo de alienação do controle acionário da CESP. Neste, discute-se a validade da audiência virtual realizada pela ANEEL para a renovação do contrato de concessão da UHE Porto Primavera. Por consequência, os pedidos ali formulados são distintos (ID Num. 29108346 - Pág. 40): DIANTE DO EXPOSTO, requerem os autores se digne Vossa Excelência a deferir: a) A concessão inaudita altera parte, de Medida Liminar, para determinar que o Governo do Estado de São Paulo suspenda, de imediato, o processo de venda de ativos da CESP até o julgamento final desta lide, a fim de que não se consume o ato ilícito, gravoso ao patrimônio público, atentatório à moralidade administrativa.; (...) d.1) Por sentença, seja decretada a nulidade do ato praticado pelas rés consubstanciado na audiência pública realizada no dia 11/07/2017 com vistas a obter subsídios e informações adicionais para o aprimoramento do processo de privatização da Companhia Energética do Estado de São Paulo – CESP, na qual foi cerceada a participação popular d.2) Determinar obrigação de realizar audiências públicas prévias à publicação do edital, livres e informadas, com efetiva participação popular, inclusive nos municípios onde se situam suas Usinas Hidrelétricas e os respectivos reservatórios; Rejeito, portanto, a alegação de litispendência. Do poder regulamentar da ANEEL e da Audiência Pública nº 18/2018 A Lei nº 9.427/96 criou a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), autarquia sob regime especial, tendo por finalidade “regular e fiscalizar a produção, transmissão e comercialização de energia elétrica, em conformidade com as políticas e diretrizes do governo federal” (art. 2º). Por se qualificar como agência reguladora, ostenta a prerrogativa de editar normas técnicas para regular e fiscalizar as atividades que lhe são correlatas. Neste sentido, dispõe o inciso I, do art. 3º, que compete à ANEEL: I - implementar as políticas e diretrizes do governo federal para a exploração da energia elétrica e o aproveitamento dos potenciais hidráulicos, expedindo os atos regulamentares necessários ao cumprimento das normas estabelecidas pela Lei nº 9.074, de 7 de julho de 1995; A Lei nº 9.427/96, além de criar a ANEEL, disciplina o regime das concessões de serviços públicos de energia elétrica. Para o caso em análise, cumpre transcrever o seguinte dispositivo: § 3º O processo decisório que implicar afetação de direitos dos agentes econômicos do setor elétrico ou dos consumidores, mediante iniciativa de projeto de lei ou, quando possível, por via administrativa, será precedido de audiência pública convocada pela ANEEL. Como esta lide discute a renovação do contrato de concessão da UHE Porto Primavera, não há dúvidas de que incide a previsão do § 3º, do art. 4º, da Lei nº 9.427/96. A seu turno, o Decreto nº 2.335/97, que regulamenta a Lei nº 9.427/96, assim dispõe: Art. 21. O processo decisório que implicar efetiva afetação de direitos dos agentes econômicos do setor elétrico ou dos consumidores, decorrente de ato administrativo da Agência ou de anteprojeto de lei proposto pela ANEEL, será precedido de audiência pública com os objetivos de: I - recolher subsídios e informações para o processo decisório da ANEEL; II - propiciar aos agentes e consumidores a possibilidade de encaminhamento de seus pleitos, opiniões e sugestões; III - identificar, da forma mais ampla possível, todos os aspectos relevantes à matéria objeto da audiência pública; IV - dar publicidade à ação regulatória da ANEEL. Parágrafo único. No caso de anteprojeto de lei, a audiência pública ocorrerá após prévia consulta à Casa Civil da Presidência da República. Das disposições acima descritas, infere-se que, apesar de ser obrigatória a convocação de audiência pública quando a matéria envolver direitos dos agentes econômicos do setor elétrico ou dos consumidores, o procedimento e/ou a forma de como se realizará esta audiência não restaram normatizados. Segundo a ANEEL, as audiências públicas foram regulamentadas na Resolução Normativa nº 273/2007, a qual “dispõe sobre os procedimentos para o funcionamento, a ordem dos trabalhos e os processos decisórios da Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL nas matérias relativas à regulação e à fiscalização dos serviços e instalações de energia elétrica” (ID Num. 29108270). Especificamente quanto às audiências públicas, esta Resolução assim dispõe: Art. 15. Audiência Pública é um instrumento de apoio ao processo decisório da ANEEL, de ampla consulta à sociedade, que precede a expedição dos atos administrativos ou proposta de anteprojeto de lei. (Redação dada pela REN ANEEL 483, de 17.04.2012) § 1º O processo decisório referido no caput é aquele que implica efetiva afetação de direitos dos agentes econômicos do setor elétrico ou dos consumidores, nos termos deste Capítulo. (Redação dada pela REN ANEEL 483, de 17.04.2012) § 2º A realização de Audiência Pública será precedida de aprovação pela Diretoria Colegiada da ANEEL, no âmbito do processo administrativo referente ao seu objeto, visando a coleta de subsídios e informações dos agentes econômicos do setor elétrico, consumidores e demais interessados da sociedade. (Redação dada pela REN ANEEL 483, de 17.04.2012) § 3º Quando da aprovação da realização de Audiência Pública, a Diretoria da ANEEL poderá deliberar que esta tenha uma Sessão ao Vivo-Presencial, com data e horário definidos no Aviso a que alude o inciso I do § 2º deste artigo, designando, neste caso, o seu Presidente. (Redação dada pela REN ANEEL 355, de 02.03.2009) Art. 16. A Audiência Pública compreende: (Redação dada pela REN ANEEL 483, de 17.04.2012) I - a abertura mediante publicação de Aviso de Audiência Pública no Diário Oficial da União e na página eletrônica da ANEEL; (Redação dada pela REN ANEEL 483, de 17.04.2012) II - a disponibilização de documentos no site da ANEEL; (Redação dada pela REN ANEEL 483, de 17.04.2012) III - encaminhamento pelos interessados de contribuições e sugestões, na forma e prazos definidos no Aviso, assegurada sua publicação; (Redação dada pela REN ANEEL 483, de 17.04.2012) IV - realização de Reunião Presencial, quando aprovada pela Diretoria Colegiada; (Redação dada pela REN ANEEL 483, de 17.04.2012) V - realização de reuniões com grupos específicos, a critério do Diretor-Relator, para aprofundamento da discussão sobre o tema objeto da Audiência Pública; (Redação dada pela REN ANEEL 483, de 17.04.2012) VI - análise das contribuições recebidas, realizada pelas áreas técnicas da ANEEL responsáveis pelo assunto objeto da Audiência; e (Redação dada pela REN ANEEL 483, de 17.04.2012) VII - publicação da análise das contribuições recebidas. (Redação dada pela REN ANEEL 483, de 17.04.2012) (...) Art. 19. A Audiência Pública poderá contar com uma ou mais Reuniões Presenciais, presidida na forma deliberada pela Diretoria Colegiada ou, na ausência de deliberação específica, pelo Diretor- Relator. Analisando os autos do processo administrativo nº 48500.005033/2000-41, verifica-se que, na Nota Técnica nº 105/2018-SCG/ANEEL, a qual teve por objeto firmar o “entendimento quanto à proposta de abertura de Audiência Pública para obter subsídios para aprimoramento da minuta do contrato de concessão que regulará” (ID Num. 29108251 - Pág. 39), de 09/03/2018, a Superintendência de Concessões e Autorizações de Geração (SCG) da ANEEL firmou a seguinte conclusão (ID Num. 29108251 - Pág. 48, grifei): 36. Em face do exposto, o Processo está em condições de ser encaminhado à Diretoria Colegiada, com vistas a propor abertura de Audiência Pública, por intercâmbio documental, com vistas a obter subsídios para aprimoramento da minuta de contrato de concessão, conforme anexo, que regulará – nos termos do Decreto nº 9.271, de 25 de janeiro de 2018, - a nova outorga referente à UHE Porto Primavera. Os autos foram encaminhados ao Diretor Relator, em cujo voto ID Num. 29108251 - Págs. 72-77, assim decidiu: A partir de tal análise e das considerações apresentadas no Processo no 48500.005033/2000-41, voto por instaurar audiência pública, por intercâmbio documental, de 29 de março a 27 de abril de 2018, com vistas a obter subsídios, para aprimorar a minuta de contrato de concessão, anexa, que regulará – nos termos do Decreto no 9.271, de 25 de janeiro de 2018, - a nova outorga referente à UHE Porto Primavera. Submetido este voto na sessão de julgamento realizado no dia 27/03/2018, a Diretoria da ANEEL aprovou, por unanimidade, a abertura da Audiência Pública nº 18/2018 (ID Num. 29108251 - Pág. 80). No dia 29 de março, a ANEEL publicou o Aviso de Audiência Pública nº 018/2018, ora combatida, nos seguintes termos (ID Num. 29108251 - Pág. 78): O SUPERINTENDENTE DE MEDIAÇÃO ADMINISTRATIVA, OUVIDORIA SETORIAL E PARTICIPAÇÃO PÚBLICA ADJUNTO DA AGÊNCIA NACIONAL DE ENERGIA ELÉTRICA - ANEEL, no uso da competência que lhe foi atribuída por meio da Portaria ANEEL n° 4.595, de 23 de maio de 2017, COMUNICA que foi aberta a AUDIÊNCIA PÚBLICA Nº 018/2018, com período para envio de contribuição de 29/3/2018 a 27/4/2018, por intercâmbio documental. OBJETO: obter subsídios para o aprimoramento da minuta do contrato de concessão da Usina Hidrelétrica – UHE Porto Primavera, nos termos do Decreto nº 9.271/2018. A documentação objeto desta Audiência Pública e o modelo para envio de contribuições, assim como os critérios e procedimentos para participação, estão à disposição dos interessados ou podem ser solicitados nos seguintes endereços: (...) Analisando o regramento jurídico que incide sobre o tema, não vislumbro a existência de irregularidades na utilização da modalidade de intercâmbio documental na Audiência Pública nº 18/2018. Adotando-se o conceito dado pela Resolução Normativa ANEEL nº 273/2007, a audiência pública é o “instrumento de apoio ao processo decisório da ANEEL, de ampla consulta à sociedade, que precede a expedição dos atos administrativos ou proposta de anteprojeto de lei” (art. 15). Com efeito, cuida-se de um importante instrumento democrático pelo qual a Administração Pública, efetivando os direitos à informação e à participação popular, discute junto à sociedade variados temas para a tomada de decisões administrativas. Ora, o fato de a Audiência Pública nº 18/2018 adotar a modalidade de intercâmbio documental não vulnerou a participação popular na análise do processo de renovação do contrato de concessão da UHE Porto Primavera. Impende ressaltar que o amplo prazo concedido à esta participação (de 29 de março até 27 de abril de 2018) permitiu que os interessados pudessem estudar e analisar a matéria posta em discussão, para, ao final, apresentar as suas manifestações nos canais de comunicação descritos no Aviso de Audiência Pública nº 018/2018 (ID Num. 29108251 - Pág. 78). Deve-se ressaltar que o art. 4º, § 3º, da Lei nº 9.427/96, impõe a obrigatoriedade da precedência da audiência pública nos processos decisórios que implicar afetação de direitos dos agentes econômicos do setor elétrico ou dos consumidores, contudo não consigna que a participação popular deve ser feita na modalidade presencial. Não por outro motivo que a Resolução Normativa nº 273/2007 prevê que “a Diretoria da ANEEL poderá deliberar que esta tenha uma Sessão ao Vivo-Presencial” (art. 15, § 3º). Ora, não havendo a previsão normativa de obrigatoriedade da audiência pública presencial, conclui-se que a modalidade de sua realização se insere no espectro valorativo da conveniência e da oportunidade da autoridade pública. Daí porque a pretensão dos autores populares para que seja imposta a “obrigação de realizar audiências públicas presenciais nos municípios diretamente afetados pela UHE Porto Primavera e seu reservatório” (ID Num. 29107954 - Pág. 25) deve ser rejeitada, por nítida violação ao princípio da separação dos Poderes (art. 2º da CF). Acerca da observância do princípio da legalidade em questões envolvendo as agências reguladoras, a C. Corte Especial do E. Superior Tribunal de Justiça há tempos já decidiu: AGRAVO REGIMENTAL NA SUSPENSÃO DE LIMINAR E DE SENTENÇA. DECISÃO ATACADA PELO INCIDENTE SUSPENSIVO QUE INTERFERE NA FUNÇÃO REGULATÓRIA DA ANEEL QUANTO À FISCALIZAÇÃO DA PRODUÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA. GRAVE LESÃO À ORDEM PÚBLICA CONFIGURADA. SUSPENSÃO DEFERIDA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. (...) III - Isto porque o Poder Judiciário, quando instado a se manifestar acerca de algum ato administrativo, deve agir com cautela, nos estreitos limites da legalidade, mormente em se tratando de questões concernentes a atos administrativos de agências reguladoras, cujo âmbito de atuação se dá com fulcro em legislação com ampla especificidade técnica sobre o mercado regulado. IV - Assim, a decisão atacada gera risco à ordem pública e à economia pública, na medida em que, ao privilegiar um interesse privado em detrimento do sistema elétrico como um todo, possibilita o desequilíbrio do sistema no qual se baseia a produção, transmissão, distribuição e comercialização de energia elétrica do país. Agravo regimental desprovido. (AgRg na SS n. 2.727/DF, relator Ministro Felix Fischer, Corte Especial, julgado em 3/9/2014, DJe de 16/10/2014.) Em síntese, não havendo ilegalidade na adoção da audiência pública sob a modalidade de intercâmbio documental, a qual ficou disponível para participação dos interessados por quase 30 (trinta), deve ser reformado o entendimento adotado na r. sentença. Por fim, quanto aos honorários advocatícios, o art. 5º, LXXIII, da CF, prevê que, salvo comprovada má-fé, o autor da ação popular é “isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência”. No caso, não verifico má-fé no ajuizamento da presente demanda, razão pela qual não se mostra cabível a condenação dos autores populares em honorários advocatícios. Ante o exposto, dou provimento às apelações para julgar improcedente a ação popular, extinguindo o processo com resolução do mérito, nos termos do art. 487, I, do CPC. É como voto.
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOArt. 4º A ANEEL será dirigida por um Diretor-Geral e quatro Diretores, em regime de colegiado, cujas funções serão estabelecidas no ato administrativo que aprovar a estrutura organizacional da autarquia.
(...)
E M E N T A
ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO. AÇÃO POPULAR. PROCESSO DE RENOVAÇÃO DO CONTRATO DE CONCESSÃO DA UHE PORTO PRIMAVERA. AUDIÊNCIA PÚBLICA NA MODALIDADE INTERCÂMBIO DOCUMENTAL. POSSIBILIDADADE. AUSÊNCIA DE OBRIGATÓRIEDADE DA REUNIÃO PRESENCIAL. CONVENIÊNCIA E OPORTUNIDADE DO ADMINISTRADOR. AUSÊNCIA DE MÁ FÉ. RECURSOS PROVIDOS.
1. O Regulamento da Audiência Pública nº 01/2018 prevê que o seu objetivo foi tratar do processo de alienação do controle acionário da CESP. Como esta audiência pública presencial tratou de tema diverso do analisado nesta demanda, a alegação de ausência de interesse de agir deve ser rejeitada.
2. A litispendência é um pressuposto processual negativo consistente em ajuizar uma ação idêntica à que se encontra em andamento. Ou conforme previsão legal, “quando se reproduz ação anteriormente ajuizada” (art. 337, § 1º, do CPC).
3. Por se qualificar como agência reguladora, a ANEEL ostenta a prerrogativa de editar normas técnicas para regular e fiscalizar as atividades que lhe são correlatas.
4. Apesar de ser obrigatória a audiência pública quando a matéria envolver direitos dos agentes econômicos do setor elétrico ou dos consumidores, o procedimento ou a forma de como se realizará esta audiência não restaram normatizados.
5. Adotando-se o conceito dado pela Resolução Normativa ANEEL nº 273/2007, a audiência pública é o “instrumento de apoio ao processo decisório da ANEEL, de ampla consulta à sociedade, que precede a expedição dos atos administrativos ou proposta de anteprojeto de lei” (art. 15).
6. Cuida-se de um importante instrumento democrático pelo qual a Administração Pública, efetivando os direitos à informação e à participação popular, discute junto à sociedade variados temas para a tomada de decisões administrativas.
7. O art. 4º, § 3º, da Lei nº 9.427/96, impõe a obrigatoriedade da precedência da audiência pública nos processos decisórios que implicar afetação de direitos dos agentes econômicos do setor elétrico ou dos consumidores, contudo não consigna que a participação popular deve ser feita na modalidade presencial.
8. Não havendo a previsão normativa de obrigatoriedade da audiência pública presencial, conclui-se que a modalidade de sua realização se insere no espectro valorativo da conveniência e da oportunidade da autoridade pública.
9. Não se verifica má-fé no ajuizamento da presente demanda, razão pela qual não se mostra cabível a condenação dos autores populares em honorários advocatícios.
10. Recursos de apelação providos.