APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5026506-67.2022.4.03.6100
RELATOR: Gab. 10 - DES. FED. CONSUELO YOSHIDA
APELANTE: M.M. LANCHES E COMESTIVEIS LTDA
Advogados do(a) APELANTE: DANIEL LEIB ZUGMAN - SP343115-A, FREDERICO SILVA BASTOS - SP345658-A
APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5026506-67.2022.4.03.6100 RELATOR: Gab. 10 - DES. FED. CONSUELO YOSHIDA APELANTE: M.M. LANCHES E COMESTIVEIS LTDA Advogados do(a) APELANTE: DANIEL LEIB ZUGMAN - SP343115-A, FREDERICO SILVA BASTOS - SP345658-A APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de apelação interposta pela impetrante contra sentença que denegou a segurança, concernente à pretensão de usufruir do benefício de redução a zero das alíquotas de PIS, COFINS, IRPJ e CSLL, previsto no art. 4º da Lei 14.148/2021, independentemente de inscrição no CADASTUR. Não houve condenação em honorários advocatícios, tendo em vista o disposto no art. 25 da Lei 12.016/2009. Em suas razões recursais, a impetrante alega, em síntese, que: (a) a Apelante preenche todos os requisitos previstos na Lei nº 14.148/21 para adesão ao PERSE; (b) a Apelante cumpre integralmente os requisitos da Lei nº 11.771/08 para fruição do benefício do PERSE, uma vez que (i) é considerada prestadora de serviços turísticos, nos exatos termos do art. 2º, §1º, inc. IV c/c art. 21 da Lei 11.771/08 e (ii) possui CNAE expressamente relacionado no Anexo II da Portaria ME nº 7.163/21; (c) Ocorre que, a Portaria ME nº 7.163/21, extrapolando o seu poder regulamentar, trouxe requisitos adicionais à fruição do benefício, que não possuem qualquer previsão na Lei nº 14.148/21, conforme se verifica de seu art. 1º, § 2º; (d) exige-se que a pessoa jurídica que possua código CNAE listado no Anexo II, como é o caso da Apelante, somente poderá aderir ao PERSE caso esteja com inscrição regular no Cadastur, na data de publicação da Lei nº 14.148/21 (em 18.03.2022); (e) a referida exigência não possui qualquer respaldo legal e ultrapassa o poder de regulamentação outorgado pela Lei nº 14.148/2021. Além disso, prescreve requisito impossível de ser cumprido retroativamente; (f) É com base no princípio da estrita legalidade tributária que deve ser analisado o ato coator combatido, que se ampara unicamente em ato infralegal, especificamente no art. 1º, § 2º da Portaria ME nº 7.163/2021 e art. 4º da IN RFB nº 2114/2022; (g) ao contrário do que consignado na sentença, referido requisito é flagrantemente ilegal, pois restringe o próprio alcance e finalidade da Lei do PERSE, cujo objetivo é conceder benefícios fiscais à setores afetados pela pandemia, como estímulo a recuperação de suas atividades econômicas, nos termos do art. 2º da Lei nº 14.148/21; (h) No caso da Apelante, que atua com atividades de lanchonete, não restam dúvidas quanto à sua classificação como pessoa jurídica que presta serviços de turismo (inc. IV), nos termos do art. 21, § único, inc. I da Lei nº 11.771/08; (i) nos termos do §2º do art. 2º da Lei do PERSE, o legislador dispôs expressamente que a Portaria (ato infralegal) teria competência apenas para regulamentar quais seriam os códigos CNAE que se enquadrariam na definição de setor de eventos; (j) A arbitrariedade desse requisito fica ainda mais latente, na medida em que o ato infralegal exige o cadastro retroativo no Cadastur (anterior à data da publicação da Lei do PERSE), o que inviabiliza eventual inscrição posterior para fins de adesão ao PERSE; (k) Na remotíssima hipótese de ser reconhecida a legalidade do art. 1º, § 2º da Portaria ME nº 7.163 e do art. 4º da IN RFB nº 2114/2022, ainda assim, há que demonstrar que a vedação imposta pela Apelada viola diretamente os princípios da livre concorrência, isonomia e razoabilidade, insculpidos na Constituição Federal e nas Leis 12.529/11 e 13.874/19. Com contrarrazões, subiram os autos a este Tribunal. O Ministério Público Federal manifestou-se pelo prosseguimento do feito. É o relatório.
DECLARAÇÃO DE VOTO O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO: Discute-se a legalidade da exigência prevista no § 2º, do artigo 1º, da Portaria ME n.º 7.163/2021, do Ministério da Economia, que, em relação às pessoas jurídicas prestadoras de serviços qualificadas, dentre outros, como restaurantes, cafeterias, bares e similares, condicionou-as à situação regular no Cadastro de Prestadores de Serviços Turísticos – Cadastur na data publicação do artigo 4º da Lei n.º 14.148/2021, em 18.03.2022, para fins de enquadramento no Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos – PERSE. A Lei n.º 14.148/2021 estabeleceu ações emergenciais e temporárias destinadas ao setor de eventos para compensar os efeitos decorrentes das medidas de isolamento ou de quarentena realizadas para enfrentamento da pandemia da Covid-19. Instituiu o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos – PERSE, com o objetivo de criar condições para que o setor de eventos pudesse mitigar as perdas oriundas do estado de calamidade pública. Dentre os benefícios do Programa foi prevista, inicialmente, a redução a zero 0% (zero por cento), pelo prazo de 60 (sessenta) meses, das alíquotas da tributação de PIS, COFINS, CSLL e IRPJ, incidentes sobre as receitas e o resultado auferido pelas pessoas jurídicas do setor de eventos, verbis: Redação decorrente de promulgação da parte originariamente vetada: “Art. 4º Ficam reduzidas a 0% (zero por cento) pelo prazo de 60 (sessenta) meses, contado do início da produção de efeitos desta Lei, as alíquotas dos seguintes tributos incidentes sobre o resultado auferido pelas pessoas jurídicas de que trata o art. 2º desta Lei I - Contribuição para os Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Contribuição PIS/Pasep); II - Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins); III - Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL); e IV - Imposto sobre a Renda das Pessoas Juridicas (IRPJ).” Ressalta-se que, posteriormente, com a vigência da Medida Provisória n.º 1.147/2022, convertida na Lei n.º 14.592/2023, referida redução a zero 0% (zero por cento) das alíquotas tributárias passou a incidir, restritivamente, sobre o resultado auferido pelas pessoas jurídicas pertencentes ao setor de eventos nas atividades relacionadas no ato do Ministério da Economia: Redação alterada pela MP 1.147/22: “Art. 4º Ficam reduzidas a 0% (zero por cento) pelo prazo de 60 (sessenta) meses, contado do início da produção de efeitos desta Lei, as alíquotas dos seguintes tributos, incidentes sobre o resultado auferido pelas pessoas jurídicas pertencentes ao setor de eventos nas atividades relacionadas em ato do Ministério da Economia: [...]” A fim de delimitar as pessoas jurídicas do denominado setor de eventos, a Lei n.º 14.148/2021 estabeleceu: “Art. 2º Fica instituído o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse), com o objetivo de criar condições para que o setor de eventos possa mitigar as perdas oriundas do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020. § 1º Para os efeitos desta Lei, consideram-se pertencentes ao setor de eventos as pessoas jurídicas, inclusive entidades sem fins lucrativos, que exercem as seguintes atividades econômicas, direta ou indiretamente: I - realização ou comercialização de congressos, feiras, eventos esportivos, sociais, promocionais ou culturais, feiras de negócios, shows, festas, festivais, simpósios ou espetáculos em geral, casas de eventos, buffets sociais e infantis, casas noturnas e casas de espetáculos; II - hotelaria em geral; III - administração de salas de exibição cinematográfica; e IV - prestação de serviços turísticos, conforme o art. 21 da Lei nº 11.771, de 17 de setembro de 2008. § 2º Ato do Ministério da Economia publicará os códigos da Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) que se enquadram na definição de setor de eventos referida no § 1º deste artigo.” (g.n.) Em relação à atividade econômica de “prestação de serviços turísticos”, remeteu-se à Lei n.º 11.771/2008, que, dentre as disposições sobre a Política Nacional de Turismo, disciplinou a prestação de serviços turísticos, seu cadastro, classificação e fiscalização. Em seus artigos 21 e 22 estabeleceu o que segue quanto aos prestadores de serviços turísticos: “Art. 21. Consideram-se prestadores de serviços turísticos, para os fins desta Lei, as sociedades empresárias, sociedades simples, os empresários individuais e os serviços sociais autônomos que prestem serviços turísticos remunerados e que exerçam as seguintes atividades econômicas relacionadas à cadeia produtiva do turismo: I - meios de hospedagem; II - agências de turismo; III - transportadoras turísticas; IV - organizadoras de eventos; V - parques temáticos; e VI - acampamentos turísticos. Parágrafo único. Poderão ser cadastradas no Ministério do Turismo, atendidas as condições próprias, as sociedades empresárias que prestem os seguintes serviços: I - restaurantes, cafeterias, bares e similares; II - centros ou locais destinados a convenções e/ou a feiras e a exposições e similares; III - parques temáticos aquáticos e empreendimentos dotados de equipamentos de entretenimento e lazer; IV - marinas e empreendimentos de apoio ao turismo náutico ou à pesca desportiva; V - casas de espetáculos e equipamentos de animação turística; VI - organizadores, promotores e prestadores de serviços de infra-estrutura, locação de equipamentos e montadoras de feiras de negócios, exposições e eventos; VII - locadoras de veículos para turistas; e VIII - prestadores de serviços especializados na realização e promoção das diversas modalidades dos segmentos turísticos, inclusive atrações turísticas e empresas de planejamento, bem como a prática de suas atividades. Art. 22. Os prestadores de serviços turísticos estão obrigados ao cadastro no Ministério do Turismo, na forma e nas condições fixadas nesta Lei e na sua regulamentação. § 1o As filiais são igualmente sujeitas ao cadastro no Ministério do Turismo, exceto no caso de estande de serviço de agências de turismo instalado em local destinado a abrigar evento de caráter temporário e cujo funcionamento se restrinja ao período de sua realização. § 2o O Ministério do Turismo expedirá certificado para cada cadastro deferido, inclusive de filiais, correspondente ao objeto das atividades turísticas a serem exercidas. § 3o Somente poderão prestar serviços de turismo a terceiros, ou intermediá-los, os prestadores de serviços turísticos referidos neste artigo quando devidamente cadastrados no Ministério do Turismo. § 4o O cadastro terá validade de 2 (dois) anos, contados da data de emissão do certificado. § 5o O disposto neste artigo não se aplica aos serviços de transporte aéreo.” (g.n.) Editada para o fim de definir os códigos da Classificação Nacional de Atividades Econômicas - CNAE que se consideram inclusos no denominado setor de eventos, a Portaria ME n.º 7.163/2021, do Ministério da Economia, restou expresso no § 2º, de seu artigo 1º, a exigência de situação regular no Cadastur na data publicação do artigo 4º da Lei n.º 14.148/2021 (em 18.03.2022), para que as pessoas jurídicas prestadoras de serviços qualificadas, dentre outros, como restaurantes, cafeterias, bares e similares, pudessem ser enquadradas no PERSE: “Art. 1º Definir os códigos da Classificação Nacional de Atividades Econômicas - CNAE que se consideram setor de eventos nos termos do disposto no § 1º do art. 2º da Lei nº 14.148, de 3 de maio de 2021, na forma dos Anexos I e II. § 1º As pessoas jurídicas, inclusive as entidades sem fins lucrativos, que já exerciam, na data de publicação da Lei nº 14.148, de 2021, as atividades econômicas relacionadas no Anexo I a esta Portaria se enquadram no Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos - Perse. § 2º As pessoas jurídicas que exercem as atividades econômicas relacionadas no Anexo II a esta Portaria poderão se enquadrar no Perse desde que, na data de publicação da Lei nº 14.148, de 2021, sua inscrição já estivesse em situação regular no Cadastur, nos termos do art. 21 e do art. 22 da Lei nº 11.771, de 17 de setembro de 2008.” (g.n.) Posteriormente, a Lei n.º 14.592/2023, publicada em 30.05.2023, alterando em parte as disposições da Lei n.º 14.148/2021, passou a exigir, para o enquadramento no PERSE, a regularidade, em 18 de março de 2022, da situação no Cadastur quanto às pessoas jurídicas prestadoras de serviços qualificadas, dentre outros, como restaurantes, cafeterias, bares e similares: Redação alterada pela Lei 14.592/23: “Art. 4º Ficam reduzidas a 0% (zero por cento) pelo prazo de 60 (sessenta) meses, contado do início da produção de efeitos desta Lei, as alíquotas dos seguintes tributos, incidentes sobre o resultado auferido pelas pessoas jurídicas pertencentes ao setor de eventos abrangendo as seguintes atividades econômicas, com os respectivos códigos da CNAE: hotéis (5510-8/01); apart-hotéis (5510-8/02); albergues, exceto assistenciais (5590-6/01); campings (5590-6/02), pensões (alojamento) (5590-6/03); outros alojamentos não especificados anteriormente (5590-6/99); serviços de alimentação para eventos e recepções - bufê (5620-1/02); produtora de filmes para publicidade (5911-1/02); atividades de exibição cinematográfica (5914-6/00); criação de estandes para feiras e exposições (7319-0/01); atividades de produção de fotografias, exceto aérea e submarina (7420-0/01); filmagem de festas e eventos (7420-0/04); agenciamento de profissionais para atividades esportivas, culturais e artísticas (7490-1/05); aluguel de equipamentos recreativos e esportivos (7721-7/00); aluguel de palcos, coberturas e outras estruturas de uso temporário, exceto andaimes (7739-0/03); serviços de reservas e outros serviços de turismo não especificados anteriormente (7990-2/00); serviços de organização de feiras, congressos, exposições e festas (8230-0/01); casas de festas e eventos (8230-0/02); produção teatral (9001-9/01); produção musical (9001-9/02); produção de espetáculos de dança (9001-9/03); produção de espetáculos circenses, de marionetes e similares (9001-9/04); atividades de sonorização e de iluminação (9001-9/06); artes cênicas, espetáculos e atividades complementares não especificadas anteriormente (9001-9/99); gestão de espaços para artes cênicas, espetáculos e outras atividades artísticas (9003-5/00); produção e promoção de eventos esportivos (9319-1/01); discotecas, danceterias, salões de dança e similares (9329-8/01); serviço de transporte de passageiros - locação de automóveis com motorista (4923-0/02); transporte rodoviário coletivo de passageiros, sob regime de fretamento, municipal (4929-9/01); transporte rodoviário coletivo de passageiros, sob regime de fretamento, intermunicipal, interestadual e internacional (4929-9/02); organização de excursões em veículos rodoviários próprios, municipal (4929-9/03); organização de excursões em veículos rodoviários próprios, intermunicipal, interestadual e internacional (4929-9/04); transporte marítimo de cabotagem - passageiros (5011-4/02); transporte marítimo de longo curso - passageiros (5012-2/02); transporte aquaviário para passeios turísticos (5099-8/01); restaurantes e similares (5611-2/01); bares e outros estabelecimentos especializados em servir bebidas, sem entretenimento (5611-2/04); bares e outros estabelecimentos especializados em servir bebidas, com entretenimento (5611-2/05); agências de viagem (7911-2/00); operadores turísticos (7912-1/00); atividades de museus e de exploração de lugares e prédios históricos e atrações similares (9102-3/01); atividades de jardins botânicos, zoológicos, parques nacionais, reservas ecológicas e áreas de proteção ambiental (9103-1/00); parques de diversão e parques temáticos (9321-2/00); atividades de organizações associativas ligadas à cultura e à arte (9493-6/00): [...] § 4º Somente as pessoas jurídicas, inclusive as entidades sem fins lucrativos, que já exerciam, em 18 de março de 2022, as atividades econômicas de que trata este artigo poderão usufruir do benefício. § 5º Terão direito à fruição de que trata este artigo, condicionada à regularidade, em 18 de março de 2022, de sua situação perante o Cadastro dos Prestadores de Serviços Turísticos (Cadastur), nos termos dos arts. 21 e 22 da Lei nº 11.771, de 17 de setembro de 2008 (Política Nacional de Turismo), as pessoas jurídicas que exercem as seguintes atividades econômicas: serviço de transporte de passageiros - locação de automóveis com motorista (4923-0/02); transporte rodoviário coletivo de passageiros, sob regime de fretamento, municipal (4929-9/01); transporte rodoviário coletivo de passageiros, sob regime de fretamento, intermunicipal, interestadual e internacional (4929-9/02); organização de excursões em veículos rodoviários próprios, municipal (4929-9/03); organização de excursões em veículos rodoviários próprios, intermunicipal, interestadual e internacional (4929-9/04); transporte marítimo de cabotagem - passageiros (5011-4/02); transporte marítimo de longo curso - passageiros (5012-2/02); transporte aquaviário para passeios turísticos (5099-8/01); restaurantes e similares (5611-2/01); bares e outros estabelecimentos especializados em servir bebidas, sem entretenimento (5611-2/04); bares e outros estabelecimentos especializados em servir bebidas, com entretenimento (5611-2/05); agências de viagem (7911-2/00); operadores turísticos (7912-1/00); atividades de museus e de exploração de lugares e prédios históricos e atrações similares (9102-3/01); atividades de jardins botânicos, zoológicos, parques nacionais, reservas ecológicas e áreas de proteção ambiental (9103-1/00); parques de diversão e parques temáticos (9321-2/00); atividades de organizações associativas ligadas à cultura e à arte (9493-6/00). [...]” (g.n.) Dado este arcabouço normativo, passo à análise da legalidade do quanto disposto no § 2º, do artigo 1º, da Portaria ME n.º 7.163/2021. O poder regulamentar é uma das formas de manifestação da função normativa do Poder Executivo, que no exercício dessa atribuição pode editar atos normativos que visem explicitar a lei, para sua fiel execução. No ordenamento jurídico brasileiro (artigo 84, IV, da CF), nos limites do princípio da legalidade, o ato regulamentar se limita a estabelecer normas sobre a forma como a lei será cumprida pela Administração, de sorte que não pode estabelecer normas contra legem ou ultra legem, nem pode inovar na ordem jurídica, criando direitos, obrigações, proibições, medidas punitivas (PIETRO, Maria Sylvia Zanella di. Direito Administrativo. 36. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2024, p. 132-133). Em análise mais detida sobre a questão, revendo posicionamento anteriormente manifestado, tenho que à pretensão de regulamentação sobreveio indevida inovação jurídica, com restrição de direitos do contribuinte, na medida em que, originariamente, a lei instituidora do PERSE não estabeleceu qualquer exigência relacionada à regularidade no Cadastur e, por consequência, tampouco estabeleceu limite temporal para tal regularização, para o fim do enquadramento no Programa das pessoas jurídicas prestadoras de serviços qualificadas, dentre outros, como restaurantes, cafeterias, bares e similares. Quanto ao ponto, importante frisar que a Lei n.º 11.771/2008, indicada no ato normativo infralegal para justificar a exigência de regularidade no Cadastur, não estabelecia, e permanece não estabelecendo, qualquer obrigatoriedade para que se cadastrem no Ministério do Turismo as pessoas jurídicas prestadoras de serviços qualificadas, dentre outros, como restaurantes, cafeterias, bares e similares; tal medida, nos estritos termos do parágrafo único de seu artigo 21, consiste numa faculdade. O artigo 22 da Lei n.º 11.771/2008 obriga ao cadastro no Ministério do Turismo apenas e tão somente os prestadores de serviços turísticos, os quais, por seu turno, encontram-se elencados nos incisos I a VI, do caput, do artigo 21 do referido ato legal. É verdade que, com a edição da Lei n.º 14.592/2023, a exigência de cadastro no Ministério do Turismo passou a ser requisito indispensável para o enquadramento no PERSE; contudo, a alteração legislativa posterior não tem o condão de legitimar pretérito ato infralegal, tampouco pode atingir os fatos geradores que lhe precedem, sob pena de ofensa ao princípio da irretroatividade (artigo 150, III, a, da CF). A fixação dos termos inicial e final de fruição do benefício fiscal do PERSE demanda um aprofundamento sobre a possibilidade de revogação ou alteração de benefício fiscal, bem como sobre o tipo de benefício concedido no âmbito do Programa. O poder constituinte originário conferiu ao Estado o poder de tributar os contribuintes, para obter recursos para financiar suas atividades. A fim de que o exercício desse poder estatal seja legítimo, contudo, deve-se observar não só os limites da competência atribuída pela Constituição Federal a cada ente da federação, como também as imunidades e as garantias individuais do contribuinte previstas principalmente no artigo 150 da Constituição Federal. Na seara tributária, isso se reflete na vedação do Estado de promover modificações legislativas repentinas, com efeitos concretos imediatos, que elevem a carga tributária. Assegura, ainda, ao contribuinte, um tempo mínimo para conhecer a modificação na legislação tributária e planejar a atividade econômica para suportar seus efeitos. É justamente para impedir tais “surpresas”, que o artigo 150, III, da Constituição Federal confere ao contribuinte a proteção dos princípios da anterioridade genérica e da anterioridade. Em sua modalidade genérica, o princípio da anterioridade veda que a lei que institua ou majore tributo produza efeitos no mesmo exercício financeiro em que ela foi publicada, nos termos do artigo 150, III, alínea ‘b’ da Constituição Federal. Já de acordo com o princípio da anterioridade nonagesimal, a lei que institui ou majora tributos só produz efeitos após 90 (noventa) dias da data de sua publicação. A matéria em questão, inicialmente, foi apenas tratada como limitação ao poder de tributar, consoante decorre explicitamente do texto constitucional. No entanto, passou-se também a questionar a aplicação principiológica para os benefícios fiscais concedidos. O debate faz sentido na medida em que a retirada de benesses fiscais - tal como a criação ou aumento dos tributos –, da mesma forma, é passível de gerar surpresa aos contribuintes, caracterizando, na realidade, espécie de majoração indireta de tributos. Não se questiona a possibilidade de eventual alteração legislativa ou mesmo da reedição de atos infralegais que tenham por consequência a supressão de benefícios, seja pela alteração do entendimento do Parlamento ou mesmo por diversa compreensão da Administração. A bem da verdade, compreende-se com naturalidade que se sucedam modificações normativas, inclusive, em curto espaço tempo, o que decorre de novos cenários e demandas. Todavia, preza-se, apenas, pela aplicação dos mesmos princípios constitucionais para situação equivalente, isto é, de exasperação da carga tributária. Não é demais ressaltar que a Lei que estabelece restrição a benefício fiscal, que implique na sua redução ou revogação, está sujeita ao princípio da anterioriedade, seja a anterioridade de exercício (artigo 150, III, b, da CF), seja a anterioridade nonagesimal (alínea c), de acordo com o respectivo tributo (§ 1º), conforme entendimento atualmente respaldado tanto no Supremo Tribunal Federal como nesta E. Corte. Confira-se: “DIREITO TRIBUTÁRIO. AGRAVO INTERNO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. INCENTIVO FISCAL. REVOGAÇÃO. MAJORAÇÃO INDIRETA. ANTERIORIDADE. 1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal concebe que não apenas a majoração direta de tributos atrai a eficácia da anterioridade nonagesimal, mas também a majoração indireta decorrente de revogação de benefícios fiscais. Precedentes. 2. Agravo interno a que se nega provimento, com aplicação da multa prevista no art. 1.021, § 4º, do CPC/2015” (RE 1053254 AgR, Rel. Min. Roberto Barroso, 1ª Turma, DJe 13.11.2018).” “REINTEGRA – DECRETO Nº 9.393/2018 – BENEFÍCIO – REDUÇÃO DO PERCENTUAL – ANTERIORIDADE – PRECEDENTES. Alcançado aumento indireto de tributo mediante redução da alíquota de incentivo do Regime Especial de Reintegração de Valores Tributários para as Empresas Exportadoras – Reintegra, cumpre observar o princípio da anterioridade, geral e nonagesimal, versado nas alíneas “b” e “c” do inciso III do artigo 150 da Constituição Federal. Precedente: medida cautelar na ação direta de inconstitucionalidade nº 2.325/DF, Pleno, relator ministro Marco Aurélio, acórdão publicado no Diário da Justiça de 6 de outubro de 2006.” (STF, 1ª Turma, Ag.Reg.RE 1,263,840/RS, Rel.: Min. Marco Aurélio, Data de Julg.: 05.08.2020) MANDADO DE SEGURANÇA. TRIBUTÁRIO. ISENÇÃO DE IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS – PRAZO MÍNIMO – MEDIDA PROVISÓRIA N.º 1.034/21 – ANTERIORIDADE NONAGESIMAL. 1. A Lei Federal n.º 8.989/95 estabelece a isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados com relação aos automóveis de passageiros de fabricação nacional, adquiridos por pessoas com deficiência física, visual, auditiva e mental severa ou profunda e pessoas com transtorno do espectro autista, diretamente ou por intermédio de seu representante legal (artigo 1º, inciso IV). 2. A reutilização do benefício fiscal implica, em regra, a observância do interregno mínimo de dois anos (artigo 2º). Contudo, em 1º de março de 2021, foi editada a Medida Provisória n.º 1.034, que alterou o parágrafo único do artigo 2º da lei, ampliando para quatro anos o prazo mínimo de reutilização do benefício fiscal por pessoas com deficiência. A regra entrou em vigor na data de publicação (artigo 5º, inciso I). Posteriormente, por ocasião da conversão na Lei Federal n.º 14.183/21, o prazo foi reduzido para três anos. 3. É pertinente considerar que, em hipóteses de majoração indireta de tributo decorrente da revogação de benefícios fiscais, o C. Supremo Tribunal Federal tem se posicionado pela necessária observância do princípio da anterioridade nonagesimal, estabelecida no artigo 150, inciso III, alínea “c”, da Constituição Federal. 4. Em decorrência da alteração perpetrada pela Medida Provisória, a autoridade coatora proferiu despacho indeferindo o requerimento de isenção, sob o fundamento de inobservância do interregno mínimo de quatro anos. A negativa fundamentada na aplicação imediata da nova regra configura afronta à anterioridade nonagesimal, constitucionalmente assegurada. 5. Remessa necessária desprovida. (TRF 3ª Região, 6ª Turma, RemNecCiv - REMESSA NECESSÁRIA CÍVEL - 5000372-68.2021.4.03.6122, Rel. Desembargador Federal PAULO SERGIO DOMINGUES, julgado em 25/03/2022, Intimação via sistema DATA: 29/03/2022)” Por seu turno, dispõe o artigo 178 do Código Tributário Nacional que “a isenção, salvo se concedida por prazo certo ou em função de determinadas condições, pode ser revogada ou modificada por lei a qualquer tempo, observado o disposto no inc. III do CTN, art. 104”. Exsurgem, portanto, duas modalidades de isenção: as simples e as onerosas. As isenções simples são passíveis de revogação a qualquer tempo, apenas sendo de rigor a observância dos princípios da anterioridade anual e nonagesimal, entendimento atualmente respaldado tanto no Supremo Tribunal Federal como nesta E. Corte. Já as isenções onerosas, por sua vez, são concedidas por um lapso temporal definido e, necessariamente, para a sua caracterização, devem vir acompanhadas de determinadas ações do seu beneficiário para que possam dela usufruir (“em função de determinadas condições”). Em razão de tais características, isto é, tempo determinado e contrapartida do contribuinte, não é possível se falar em revogação da isenção onerosa, devido à proteção conferida ao direito adquirido de seu beneficiário. Como elemento chave na caracterização das isenções onerosas e com conceito jurídico bem definido no ordenamento pátrio, as condições não são diferentes na esfera tributária e também se caracterizam como eventos futuros e incertos. Na mesma linha argumentativa, são precisas as lições de Leandro Paulsen, no Curso de Direito Tributário Completo, 13ª edição – 2022, editora Saraiva: “Quanto aos requisitos e condições, vale distingui-los, porquanto se prestam para a classificação das isenções em simples ou onerosas. O estabelecimento de requisitos remete à caracterização do objeto ou do sujeito alcançado pela norma em face de uma situação preexistente ou atual, que lhe é inerente, exigida como mero critério de enquadramento na sua hipótese de incidência. Já a fixação de condições induz à conformação da situação ou da conduta futura do sujeito ao que é pretendido pelo legislador e que deve ser cumprido para que os efeitos jurídicos prometidos sejam aplicados” (p. 313). Figura como requisito legal (e não condição) para a fruição das benesses fiscais a inscrição no Cadastur na data de publicação da Lei instituidora do PERSE. A rigor, não foi estabelecido na legislação discutida qualquer ônus às empresas para a fruição dos benefícios previstos, o que implica em reconhecer a ausência de violação do artigo 178 do CTN e de distinção da situação abrangida pela Súmula 544 do STF (“Isenções tributárias concedidas, sob condição onerosa, não podem ser livremente suprimidas”). Importante ressaltar que a fruição dos benefícios fiscais previstos para as pessoas jurídicas que preenchem os requisitos legais independe de qualquer ato formal de adesão ao Programa. Enquadrada na hipótese legal do PERSE, nasce para o contribuinte, de imediato, o direito à redução a zero da alíquota tributária e, para o Fisco, exsurge a impossibilidade de exigir qualquer tributo em descompasso com a Lei. Ausente condição relativa à adesão ao PERSE, incabível a exigência de sua comprovação para fruição dos benefícios do Programa, bastando o cumprimento dos requisitos legais para que, desde a vigência do artigo 4º da Lei n.º 14.148/2021 (em 18.03.2022), as pessoas jurídicas façam jus à redução a zero da alíquota tributária. Porém, com a vigência da Lei n.º 14.592/2023, para fins de fruição dos benefícios do PERSE passou a se exigir a comprovação de situação regular no Cadastur, na data de 18.03.2022, o que implica revogação do benefícios fiscal para os contribuintes que não atendem a este requisito legal, observado o critério da anterioridade de exercício em relação ao IRPJ e à anterioridade nonagesimal quanto às contribuições à seguridade social. Desta sorte, de rigor o reconhecimento da ilegalidade do quanto disposto no § 2º, do artigo 1º, da Portaria ME n.º 7.163/2021 e, por consequência, o direito ao enquadramento no PERSE do contribuinte prestador de serviços qualificados como restaurantes, cafeterias, bares e similares, sem que se lhe exija a comprovação de situação regular no Cadastur na data publicação do artigo 4º da Lei n.º 14.148/2021 (em 18.03.2022), observada a sujeição à anterioridade constitucional da restrição prevista na Lei n.º 14.592/2023. Aduzo que o prazo de duração da benesse, ao meu sentir excessivo, foi uma opção política, cujo mérito está fora do âmbito de atuação do Judiciário. Observado o prazo quinquenal de prescrição disposto no artigo 168, I, do CTN, contado da data do ajuizamento desta ação, reconheço o direito à compensação dos valores recolhidos indevidamente relativamente aos tributos inclusos no PERSE e objeto de redução da alíquota a zero por cento. Quanto ao ponto, o reconhecimento do direito à compensação não é de cunho de meramente declaratório, mas, sim, condenatório, uma vez que obriga a União a suportar a compensação daquilo cuja conclusão, em regra, implicaria execução nos próprios autos. Após o trânsito em julgado (artigo 170-A do CTN), poderá ser requerida a compensação do indébito administrativamente junto à Secretaria da Receita Federal do Brasil, observando-se o disposto nos artigo 74 da Lei n.° 9.430/96 e artigo 26-A da Lei n.º 11.457/2007, vigentes na data da propositura da ação, ressalvando-se o direito de proceder à compensação em conformidade com normas posteriores, desde que atendidos os requisitos próprios, nos termos da tese firmada pelo c. STJ no julgamento do Tema Repetitivo n.º 265 (REsp n.º 1.137.738/SP). Ressalta-se que compete à Secretaria da Receita Federal do Brasil disciplinar os procedimentos necessários para o requerimento administrativo da compensação (artigo 74, § 14, da Lei n.° 9.430/96 e artigo 26-A, § 2º, da Lei n.º 11.457/2007). No que tange à restituição, em espécie, do indébito, tem-se que, na via administrativa, encontra-se expressamente assegurada e regulamentada nos artigos 165 do CTN, 66, § 2º, da Lei n.º 8.383/91 e 73 da Lei 9.430/96: CTN: “Art. 165. O sujeito passivo tem direito, independentemente de prévio protesto, à restituição total ou parcial do tributo, seja qual for a modalidade do seu pagamento, ressalvado o disposto no § 4º do artigo 162, nos seguintes casos: I - cobrança ou pagamento espontâneo de tributo indevido ou maior que o devido em face da legislação tributária aplicável, ou da natureza ou circunstâncias materiais do fato gerador efetivamente ocorrido; [...]” (g.n..) Lei n.º 8.383/91: “Art. 66. Nos casos de pagamento indevido ou a maior de tributos, contribuições federais, inclusive previdenciárias, e receitas patrimoniais, mesmo quando resultante de reforma, anulação, revogação ou rescisão de decisão condenatória, o contribuinte poderá efetuar a compensação desse valor no recolhimento de importância correspondente a período subseqüente. [...] § 2º É facultado ao contribuinte optar pelo pedido de restituição. [...]” (g.n.) Lei n.º 9.430/96: “Art. 73. A restituição e o ressarcimento de tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil ou a restituição de pagamentos efetuados mediante DARF e GPS cuja receita não seja administrada pela Secretaria da Receita Federal do Brasil será efetuada depois de verificada a ausência de débitos em nome do sujeito passivo credor perante a Fazenda Nacional.” Contudo, na hipótese da restituição decorrente de decisão judicial, estabeleceu-se dissenso jurisprudencial quanto à possibilidade de sua realização na via administrativa, ainda que não houvesse óbice da Administração Tributária. A questão resulta do quanto disposto no artigo 100 da Constituição, que estabelece que os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim. O e. Supremo Tribunal Federal, em 08.08.2015, no julgamento do Tema de Repercussão Geral n.º 831, delimitado como “obrigatoriedade de pagamento, mediante o regime de precatórios, dos valores devidos pela Fazenda Pública entre a data da impetração do mandado de segurança e a efetiva implementação da ordem concessiva”, reafirmou sua jurisprudência e firmou tese no sentido de que “o pagamento dos valores devidos pela Fazenda Pública entre a data da impetração do mandado de segurança e a efetiva implementação da ordem concessiva deve observar o regime de precatórios previsto no artigo 100 da Constituição Federal”. Posteriormente, em 13.09.2019, a Corte Suprema julgou procedente a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n.º 250/DF para estabelecer a necessidade de uso de precatórios no pagamento de dívidas da Fazenda Pública, independente de o débito ser proveniente de decisão concessiva de mandado de segurança, ressalvada a exceção prevista no § 3º do art. 100 da Constituição da República (obrigações definidas em leis como de pequeno valor): “ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. CONCESSÃO DE MANDADO DE SEGURANÇA. VALORES DEVIDOS. EXCLUSÃO DO REGIME DE PRECATÓRIO. LESÃO AOS PRECEITOS FUNDAMENTAIS DA ISONOMIA, DA IMPESSOALIDADE E OFENSA AO DEVIDO PROCESSO CONSTITUCIONAL. ATRIBUIÇÃO DE EFEITO VINCULANTE À ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL SOBRE A MATÉRIA. ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL JULGADA PROCEDENTE. 1. Apesar de ter sido dirimida a controvérsia judicial no julgamento do Recurso Extraordinário n. 889.173 (Relator o Ministro Luiz Fux, Plenário virtual, DJe 14.8.2015), a decisão proferida em recurso extraordinário com repercussão geral não estanca, de forma ampla e imediata, situação de lesividade a preceito fundamental resultante de decisões judiciais: utilidade da presente arguição de descumprimento de preceito fundamental. 2. Necessidade de uso de precatórios no pagamento de dívidas da Fazenda Pública, independente de o débito ser proveniente de decisão concessiva de mandado de segurança, ressalvada a exceção prevista no § 3º do art. 100 da Constituição da República (obrigações definidas em leis como de pequeno valor). Precedentes. 3. Arguição de descumprimento de preceito fundamental julgada procedente.” (STF, Pleno, ADPF 250, relatora Ministra Cármen Lúcia, j. 13.09.2019) Ainda, em 10.02.2010, no julgamento pelo c. Superior Tribunal de Justiça do Tema Repetitivo n.º 228 (REsp n.ºs 1.114.404/MG e 937.890/SP), delimitado como “questiona-se se é facultado ao contribuinte que detém crédito contra a Fazenda Pública por tributo indevidamente pago optar pela restituição via precatório ou compensação, conforme previsão legal do ente tributante”, e assim analisado, fixou-se a tese no sentido de que “o contribuinte pode optar por receber, por meio de precatório ou por compensação, o indébito tributário certificado por sentença declaratória transitada em julgado”, posteriormente convertida na Súmula STJ n.º 461. É importante frisar que, após o decidido pelo e. STF, a Secretaria da Receita Federal do Brasil passou a obstar a restituição, na via administrativa, de valores decorrentes de condenação judicial, conforme se verifica no Parecer PGFN/CAT n.º 2.093/2011, na Solução de Consulta COSIT n.º 239/2019, e posteriores redações das Instruções Normativas que regulam a restituição tributária na via administrativa, em relação àquela que constava do artigo 70 da revogada Instrução Normativa RFB n.º 900/2008. Não obstante, a Corte Superior vinha adotando entendimento no sentido de que o contribuinte pode optar pela restituição na via administrativa, mormente em sede de mandado de segurança, conforme precedentes de suas 1ª e 2ª Turmas: “PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. CRÉDITOS PRESUMIDOS DE ICMS. EXCLUSÃO DA BASE DE CÁLCULO DO IRPJ/CSLL. MANDADO DE SEGURANÇA OBJETIVANDO A DECLARAÇÃO DO DIREITO À RESTITUIÇÃO DO INDÉBITO NA VIA ADMINISTRATIVA. CABIMENTO. ENTENDIMENTO CONSOLIDADO NO STJ. OMISSÃO E CONTRADIÇÃO. INEXISTÊNCIA. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO REJEITADOS. [...] 4. Também em relação à possibilidade de se assegurar, na via administrativa, o direito à restituição do indébito tributário reconhecido por decisão judicial em mandado de segurança, o acórdão embargado seguiu a jurisprudência firmada por ambas as turmas integrantes da Primeira Seção de que "o mandado de segurança é via adequada para declarar o direito à compensação ou restituição de tributos, sendo que, em ambos os casos, concedida a ordem, os pedidos devem ser requeridos na esfera administrativa, restando, assim, inviável a via do precatório, sob pena de conferir indevidos efeitos retroativos ao mandamus" (AgInt no REsp 1.895.331/SP, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 24/05/2021, DJe 11/06/2021). [...]” (STJ, 1ª Turma, EDcl/REsp 1951855, relator Ministro Paulo Sérgio Domingues, j. 13.03.2023) “TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO INCIDENTE SOBRE A COMERCIALIZAÇÃO DA PRODUÇÃO RURAL. MANDADO DE SEGURANÇA. ADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. POSSIBILIDADE DE COMPENSAÇÃO OU RESTITUIÇÃO ADMINISTRATIVA DO INDÉBITO TRIBUTÁRIO. 1. Conforme consignado na decisão agravada, o acórdão recorrido encontra-se em sintonia com a jurisprudência do STJ, que se firmou no sentido de que a opção pela compensação ou restituição do indébito, na forma da Súmula 461 do STJ c/c os arts. 66, § 2º, da Lei 8.383/1991 e 74, caput, da Lei 9.4390/1996, se refere à restituição administrativa do indébito, e não à restituição por precatório ou RPV. Isso porque a pretensão manifestada na via mandamental de condenação da Fazenda Nacional à restituição de tributo indevidamente pago no passado, possibilitando o posterior recebimento desse valor pela mediante precatório, implica utilização do Mandado de Segurança como substitutivo da ação de cobrança, o que não se admite, conforme entendimento cristalizado na Súmula 269 do STF. 2. Agravo Interno não provido.” (STJ, 2ª Turma, AgInt/AREsp 1945394, relator Ministro Herman Benjamin, j. 21.02.2022) Sedimentando a questão, o Tribunal Pleno do e. Supremo Tribunal Federal reconheceu repercussão geral à matéria (Tema n.º 1.262 – RE 1.420.691) e, reafirmando sua jurisprudência, firmou tese no sentido de que “não se mostra admissível a restituição administrativa do indébito reconhecido na via judicial, sendo indispensável a observância do regime constitucional de precatórios, nos termos do art. 100 da Constituição Federal”: Segue a ementa do acórdão: “Recurso extraordinário. Representativo da controvérsia. Direito constitucional e tributário. Restituição administrativa do indébito reconhecido na via judicial. Inadmissibilidade. Observância do regime constitucional de precatórios (CF, art. 100). Questão constitucional. Potencial multiplicador da controvérsia. Repercussão geral reconhecida com reafirmação de jurisprudência. Decisão recorrida em dissonância com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Recurso extraordinário provido. 1. Firme a jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal no sentido de que os pagamentos devidos pela Fazenda Pública em decorrência de pronunciamentos jurisdicionais devem ser realizados por meio da expedição de precatório ou de requisição de pequeno valor, conforme o valor da condenação, consoante previsto no art. 100 da Constituição da República 2. Recurso extraordinário provido. 3. Fixada a seguinte tese: Não se mostra admissível a restituição administrativa do indébito reconhecido na via judicial, sendo indispensável a observância do regime constitucional de precatórios, nos termos do art. 100 da Constituição Federal.” (STF, Pleno, relatora Ministra Rosa Weber, j. 21.08.2023) Em consonância com o entendimento da Corte Suprema, a quem compete assegurar o devido atendimento dos preceitos da Carta, entendo que é incabível a restituição, em espécie, na via administrativa. Assim, uma vez reconhecida judicialmente a existência de valores de tributos recolhidos indevidamente ou a maior, cabe ao contribuinte optar pela sua compensação, na via administrativa, ou por sua restituição, por meio de precatório. Quanto ao ponto, cabe destacar a situação peculiar do contribuinte que, por opção própria, elege a via judicial mandamental para satisfação de seus direitos. Previsto na Constituição (artigo 5º, LXIX) como garantia fundamental para proteção de direito líquido e certo, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público, o mandado de segurança não se confunde – nem pode ser confundido – com ação de cobrança, sob pena de se aviltar seu caráter garantidor de direitos fundamentais especialmente protegidos pela Carta. Nesse sentido, a Corte Suprema já editara os enunciados de Súmula n.ºs 269 (“O mandado de segurança não é substitutivo de ação de cobrança”) e 271 (“Concessão de mandado de segurança não produz efeitos patrimoniais em relação a período pretérito, os quais devem ser reclamados administrativamente ou pela via judicial própria”). Destaca-se que a Lei n.º 12.016/2009, que disciplina o mandado de segurança, estabeleceu em seu artigo 14, § 4º, que “o pagamento de vencimentos e vantagens pecuniárias assegurados em sentença concessiva de mandado de segurança a servidor público da administração direta ou autárquica federal, estadual e municipal somente será efetuado relativamente às prestações que se vencerem a contar da data do ajuizamento da inicial”. Nessa compreensão de executoriedade, na própria via mandamental, de valores devidos a partir da impetração, reafirmada pelo e. STF para o quanto devido pela Fazenda Pública independentemente da natureza jurídica do crédito, entendo que somente seria possível a restituição do indébito tributário, por meio de cumprimento de sentença nos próprios autos do mandado de segurança, apenas dos valores devidos a partir da impetração, até a efetiva implementação da ordem concessiva, e, quanto aos valores pretéritos à impetração reconhecidos na ordem concessiva, caberia ao contribuinte, nas vias próprias, pugnar pela restituição por meio de precatório. Contudo, com ressalva deste entendimento pessoal, em respeito ao princípio da colegialidade, adoto o entendimento firmado por esta 3ª Turma no sentido de que a restituição do indébito tributário é cabível, inclusive, por meio de cumprimento de sentença nos próprios autos do mandado de segurança (confira-se: TRF3, 3T, ApCiv 5000980-25.2023.4.03.6113, relator Desembargador Federal Nery Junior, j. 22.11.2023). Custas na forma da lei. Sem condenação em honorários advocatícios, conforme disposição do artigo 25 da Lei n.º 12.016/09. Ante o exposto, pedindo vênias para divergir de Sua Excelência, dou parcial provimento à apelação da parte impetrante para conceder em parte a segurança a fim de lhe assegurar o enquadramento no PERSE, independentemente da comprovação de situação regular no Cadastur em 18.03.2022, observada a sujeição à anterioridade constitucional da restrição prevista na Lei n.º 14.592/2023; condenar a União na devolução dos valores recolhidos indevidamente relativamente aos tributos inclusos no PERSE e objeto de redução da alíquota a zero por cento, observado o lapso prescricional quinquenal contado da data do ajuizamento desta ação, devidamente atualizados pela Selic, desde a data do recolhimento indevido até o mês anterior ao da repetição, bem como reconhecer o direito do contribuinte à opção pela restituição, exclusivamente por meio do regime de precatórios, ou pela compensação, a ser realizada na via administrativa de acordo com os parâmetros supra definidos. É como voto.
DECLARAÇÃO DE VOTO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL RUBENS CALIXTO (Relator):
Trata-se de recurso de apelação interposto por M.M. LANCHES E COMESTIVEIS LTDA em face da decisão proferida pela 7ª Vara Cível de São Paulo/SP que, em MANDADO DE SEGURANÇA impetrado em face do Delegado da Receita Federal do Brasil de Administração Tributária em São Paulo– para pleitear o direito de fruição do benefício previsto no art. 4º da Lei 14.148/21, que instituiu o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (PERSE), denegou a segurança, por entender que o apelante não comprovou atuar no ramo de eventos / turismo através de inscrição prévia no Cadastro do Ministério do Turismo (CADASTUR).
A Eminente Relatora negou provimento à apelação, ao entendimento de que a prévia inscrição no CADASTUR, exigida pela Portaria ME nº 7.163, de 21 de junho de 2021 encontra amparo na Lei 11.771/08, e visa impor limites para que empresas alheias ao segmento de turismo se beneficiem indevidamente do Programa.
Todavia, com a devida vênia, ouso divergir E. Relatora, para dar provimento à apelação do impetrante, pelas razões que passo a expor.
A Lei 14.148/21 criou o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (PERSE), com o objetivo de “compensar os efeitos decorrentes das medidas de combate à pandemia da Covid-19”, conforme se extrai de sua própria ementa.
Dentre os benefícios previstos na referida Lei, está a redução à alíquota zero, pelo prazo de 60 meses, do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ), da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), bem como das contribuições ao Programa de Integração Social (PIS) e Financiamento da Seguridade Social (COFINS) às pessoas jurídicas que exercem atividades elencadas em seu art. 4º.
Embora a atividade dos impetrantes não esteja prevista expressamente nesse referido artigo, o § 1º do art. 2º da Lei 14.148/21 considera, para os efeitos desta Lei, como pertencentes ao setor de eventos as pessoas jurídicas que exercem as seguintes atividades econômicas, direta ou indiretamente:
“I - realização ou comercialização de congressos, feiras, eventos esportivos, sociais, promocionais ou culturais, feiras de negócios, shows, festas, festivais, simpósios ou espetáculos em geral, casas de eventos, buffets sociais e infantis, casas noturnas e casas de espetáculos;
II - hotelaria em geral;
III - administração de salas de exibição cinematográfica; e
IV - prestação de serviços turísticos, conforme o art. 21 da Lei nº 11.771, de 17 de setembro de 2008.” (grifos meus)
O §2º desse mesmo artigo 2º, por sua vez, estabelece que ato do Ministério da Economia publicará os códigos da Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) que se enquadram na definição de setor de eventos.
Nesse sentido, o Ministério da Economia publicou a Portaria ME 7.163/21, contemplando no seu anexo II a atividade do impetrante – lanchonetes e similares (CNAE 56.11-2/03) – como modalidade de “prestação de serviços turísticos, conforme o art. 21 da Lei nº 11.771, de 17 de setembro de 2008”, a que se refere o inciso IV do § 1º do art. 2º da Lei 14.148/21, acima reproduzido.
Ou seja, a atividade da impetrante é considerada atividade de serviços turísticos, que, por sua vez, está compreendida dentro do segmento de “eventos”, beneficiado pela Lei do PERSE (Lei 14.148/21).
Por seu turno, o art. 21 da Lei 11.771/08 – que dispõe sobre a Política Nacional de Turismo, possui a seguinte redação:
“Art. 21. Consideram-se prestadores de serviços turísticos, para os fins desta Lei, as sociedades empresárias, sociedades simples, os empresários individuais e os serviços sociais autônomos que prestem serviços turísticos remunerados e que exerçam as seguintes atividades econômicas relacionadas à cadeia produtiva do turismo:
I - meios de hospedagem;
II - agências de turismo;
III - transportadoras turísticas;
IV - organizadoras de eventos;
V - parques temáticos; e
VI - acampamentos turísticos.
Parágrafo único. Poderão ser cadastradas no Ministério do Turismo, atendidas as condições próprias, as sociedades empresárias que prestem os seguintes serviços:
I - restaurantes, cafeterias, bares e similares;
II - centros ou locais destinados a convenções e/ou a feiras e a exposições e similares;
III - parques temáticos aquáticos e empreendimentos dotados de equipamentos de entretenimento e lazer;
IV - marinas e empreendimentos de apoio ao turismo náutico ou à pesca desportiva;
V - casas de espetáculos e equipamentos de animação turística;
VI - organizadores, promotores e prestadores de serviços de infra-estrutura, locação de equipamentos e montadoras de feiras de negócios, exposições e eventos;
VII - locadoras de veículos para turistas; e
VIII - prestadores de serviços especializados na realização e promoção das diversas modalidades dos segmentos turísticos, inclusive atrações turísticas e empresas de planejamento, bem como a prática de suas atividades.” (grifos meus)
Como se vê, o art. 21 da Lei 11.771/08 estabelece em seu “caput” as atividades econômicas que considera como “serviços turísticos”, e em seu parágrafo único as atividades que podem ser assim consideradas, mediante cadastro no Ministério do Turismo (CADASTUR).
Já o art. 22 da referida Lei determina que “os prestadores de serviços turísticos estão obrigados ao cadastro no Ministério do Turismo, na forma e nas condições fixadas nesta Lei e na sua regulamentação” – o que se depreende que a inscrição dos estabelecimentos que exercem as atividades descritas no parágrafo único do art. 21 da Lei 11.771/08 é facultativa, até mesmo porque o referido dispositivo utiliza-se da expressão “poderão ser cadastradas”.
Assim, embora o cadastro dos estabelecimentos que exercem atividades de “restaurantes, cafeterias, bares e similares” no Ministério do Turismo não seja obrigatório, tal cadastro pode servir como baliza para se verificar que suas atividades são de fato consideradas como turísticas.
Ocorre que a previsão inicial de inscrição prévia no CADASTUR foi estabelecida pelo § 2º do art. 1º da Portaria ME 7.163/21, que assim determinou:
“§ 2º. As pessoas jurídicas que exercem as atividades econômicas relacionadas no Anexo II a esta Portaria poderão se enquadrar no Perse desde que, na data de publicação da Lei nº 14.148, de 2021, sua inscrição já estivesse em situação regular no Cadastur, nos termos do art. 21 e do art. 22 da Lei nº 11.771, de 17 de setembro de 2008.” (grifos meus)
A data de publicação da Lei 14.148/21 a que se refere o parágrafo acima era, inicialmente, 04/05/2021. Porém, como o dispositivo que previu o benefício de redução à zero das alíquotas do IRPJ, CSLL, PIS e COFINS foi vetado pelo Presidente da República, a data a ser considerada, para fins do benefício, é data da nova publicação da Lei, que se deu após a derrubada do veto presidencial pelo Congresso Nacional, isto é, 18/03/2022.
Com efeito, ao disciplinar a aplicação desse benefício fiscal, a Receita Federal do Brasil (RFB) publicou a Instrução Normativa 2.114, de 31/10/2022, prevendo em seu art. 4º, dentre outros, que tal benefício aplica-se às pessoas jurídicas de que trata o Anexo II da Portaria ME 7.163/21, desde que, em 18 de março de 2022, estivessem com inscrição em situação regular no CADASTUR (inciso II, alínea “b”).
Posteriormente, a nova Portaria ME 12.266/22 (DOU de 02/01/2023), que atualizou a lista de CNAEs abrangidos pelo benefício fiscal do PERSE, também previu a data de 18/03/2022 como base para que as empresas do setor de turismo possuíssem regular inscrição no CADASTUR para usufruir tal benefício.
Desse modo, de acordo com a regulamentação infralegal (Portarias ME e Instrução Normativa RFB), o benefício do PERSE pode ser usufruído pela impetrante somente se, em 18 de março de 2022, estivesse com inscrição em situação regular no CADASTUR.
No entanto, não é possível que normas infralegais, a pretexto de regulamentarem determinado benefício fiscal, estabeleçam condição não previstas em lei, sob pena de violar o princípio da legalidade, previsto no art. 5º, II, e no art. 150, I, ambos da Constituição Federal.
A exigência feita pela Portaria ME 7.163/21, de inscrição da pessoa jurídica no CADASTUR como condição para que seja considerada empresa atuante no setor turístico e assim usufruir o benefício fiscal, é abusiva, até porque o art. 21, parágrafo único, da Lei 11.771/08 estabelece a faculdade de tal inscrição, prejudicando os contribuintes que – embora atuassem no segmento de turismo – não tivessem anteriormente realizado tal inscrição, que não era obrigatória.
Nesse sentido, o STJ já há muito vem decidindo que um ato infralegal não pode estabelecer condições não previstas em lei para fruição de determinado benefício fiscal, por extrapolar o seu poder regulamentar e ferir o princípio da legalidade:
“RECURSO ESPECIAL IRPJ. LUCRO REAL. DEDUÇÃO. PROVISÃO PARA CRÉDITOS DE LIQÜIDAÇÃO DUVIDOSA. LEIS N. 4.506/64 E 9.541/92. INSTRUÇÃO NORMATIVA N. 80/93-SRF. PORTARIA N. 526/93. ILEGALIDADE.
Se a lei tributária estabelece determinada restrição à aplicação de benefício fiscal, o ato administrativo somente poderá fixar os critérios de aplicação dessas restrições, mas nunca ampliá-las.
O artigo 61, § 2º, da Lei n. 4.506/64 determina que a percentagem fixada para o cálculo da provisão poderá ser excedida observada a relação entre "créditos não liquidados até o total dos créditos da empresa". Não poderia, portanto, a IN 80/93 reduzir essa expressão para "perdas efetivamente ocorridas" (artigo 4°, I, da IN n. 80/93 e art. 1º, caput, da Portaria n. 526/93).
Não há, outrossim, previsão legal para a proibição do cômputo dos créditos não liquidados constituídos no próprio exercício (artigo 4º, I, da IN n. 80/93 e art. 1º, § 1º, da Portaria n. 526/93).
Segundo dispõe o artigo 61, § 2º, da Lei n. 4.506/64, somente poderão ser excluídos da dedução os créditos proveniente de vendas com reserva de domínio ou de operações com garantia real. Não fez a lei menção à possibilidade de exclusão dos créditos oriundos das atividades operacionais com alienação fiduciária em garantia (art. 2°, inciso II e parágrafo único, da IN 80/93).
Limita-se a União a invocar genericamente as normas do artigo 96 e 100 do Código Tributário Nacional, que garantem às instruções normativas e portarias status de norma tributária, sem penetrar no exame dos vícios indicados pelo recorrido.
A norma do § 1º do artigo 61 não permite que se crie novas exceções à dedução das parcelas relativas às provisões de liqüidação duvidosa, por outro instrumento que não seja a lei, mas sim que se disponha, levando-se em consideração a diversidade de operações, sobre o percentual a ser aplicado.
Recurso Especial não conhecido.” (REsp 170.234-SP, Rel. Min. Franciulli Netto, j. em 12/03/02, grifos meus)
“TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. IMPOSTO DE RENDA PESSOA FÍSICA. INCIDÊNCIA SOBRE PROVENTOS DE APOSENTADORIA. CARDIOPATIA GRAVE. ISENÇÃO. TERMO INICIAL: DATA DO DIAGNÓSTICO DA PATOLOGIA. DECRETO REGULAMENTADOR (DECRETO Nº 3.000/99, ART. 39, § 5º) QUE EXTRAPOLA OS LIMITES DA LEI (LEI 9.250/95, ART. 30). INTERPRETAÇÃO.
[...]
3. Do cotejo das normas dispostas, constata-se claramente que o Decreto 3.000/99 acrescentou restrição não prevista na lei, delimitando o campo de incidência da isenção de imposto de renda. Extrapola o Poder Executivo o seu poder regulamentar quando a própria lei, instituidora da isenção, não estabelece exigência, e o decreto posterior o faz, selecionando critério que restringe o direito ao benefício.
4. As relações tributárias são revestidas de estrita legalidade. A isenção por lei concedida somente por ela pode ser revogada. É inadmissível que ato normativo infralegal acrescente ou exclua alguém do campo de incidência de determinado tributo ou de certo benefício legal.
[...]
7. Recurso especial não-provido.” (RESP 812799, Relator JOSÉ DELGADO, Primeira Turma, DJ DATA:12/06/2006 PG:00450, grifos meus)
Dessa forma, a condição prevista no §2º do art. 1º da Portaria ME 7.163/21, bem como no art. 4º, II, “b”, da IN RFB 2.114/22, não pode ser exigida do contribuinte como requisito para fruição do benefício previsto no art. 4º da Lei 14.148/21.
Verifica-se que tal previsão culminou por estabelecer um tratamento diferenciado, baseado em premissa não essencial ao exercício de atividade econômica, distinguindo empresas que passaram todas pelo mesmo infortúnio econômico (pandemia da COVID-19), em evidente quebra do princípio da isonomia, sem nenhuma previsão legal.
No mesmo sentido, já foram proferidas outras decisões no âmbito desta Turma, de lavra do Eminente Desembargador Federal Nery Júnior, que concedeu a antecipação da tutela recursal no AI 5019713-79.2022.4.03.0000, em 29/07/2022, e no AI 5030454-81.2022.4.03.0000, em 12/11/2022.
Da mesma forma entendeu o Tribunal Regional Federal da 5ª Região:
“TRIBUTÁRIO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROGRAMA EMERGENCIAL DE RECUPERAÇÃO DO SETOR DE EVENTOS - PERSE. LEI Nº 14.148/2021. EXIGÊNCIA REFERENTE À INSCRIÇÃO PRÉVIA NO CADASTUR. PORTARIA ME Nº 7.163/2021. EXIGÊNCIA NÃO PREVISTA EM LEI. EXTRAPOLAMENTO DO PODER REGULAMENTAR.
1 - Agravo de instrumento contra decisão que, em Mandado de Segurança Preventivo, negou liminar por meio da qual a empresa Agravante pretendia ter acesso aos benefícios do Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos - PERSE, sem ter de comprovar o cumprimento da exigência constante do §2.º, do art. 1º, da Portaria ME nº 7.163/2021, in casu, o de estar cadastrada ao tempo da vigência da Lei nº 14.148/2021 no Cadastro de Prestadores de Serviços Turísticos - CADASTUR.
2 - O Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos - PERSE, criado pelo Governo Federal, voltado ao combate dos efeitos da Pandemia do COVID-19 na economia, teve como finalidade estimular o setor de eventos mediante concessão de benefícios fiscais (isenção tributária) e refinanciamento de dívidas tributárias originadas no período de vigência das medidas restritivas.
3 - A Lei n.º 14.148/2021, posteriormente regulada pela Portaria ME n° 7.163/2021, elencou as exigências para ingresso no programa e, entre elas, previu a inscrição da pessoa jurídica interessada no CADASTUR, quando da data de publicação da referida Lei n.º 14.148/2021.
4 - O § 2º, do art. 1º, da Portaria ME nº 7.163/2021 ultrapassou o poder regulamentar conferido à Administração Fazendária uma vez que criou limitação para fins de adesão ao PERSE não prevista em Lei, devendo ser afastada.
5 - Agravo de instrumento provido”. (AI 0811299-90.2022.4.05.0000, 5ª Turma, Rel. Des. Fed. Francisco Alves dos Santos Júnior, j. em 28/02/2023, grifos meus).
Tal decisão foi mantida pelo STJ em decisão monocrática proferida pela Ministra Regina Helena Costa no REsp 2093582-SE (j. em 31/08/2023), que entendeu que o recurso interposto não preencheu os seus requisitos legais.
No que toca à comprovação de que a apelante atua no ramo de turismo e que sofreu o impacto da pandemia, observo que iniciou suas atividades em 27/05/1981, de modo que exercia suas atividades durante o período da pandemia da COVID-19.
Note-se que posteriormente foi publicada a Lei 14.592, de 30/05/23, que acrescentou o §5º ao art. 4º da Lei 14.148/21, estabelecendo a obrigatoriedade de inscrição no CADASTUR, em 18/03/2022, como condição para o gozo do benefício:
§ 5º Terão direito à fruição de que trata este artigo, condicionada à regularidade, em 18 de março de 2022, de sua situação perante o Cadastro dos Prestadores de Serviços Turísticos (Cadastur), nos termos dos arts. 21 e 22 da Lei nº 11.771, de 17 de setembro de 2008 (Política Nacional de Turismo), as pessoas jurídicas que exercem as seguintes atividades econômicas: serviço de transporte de passageiros - locação de automóveis com motorista (4923-0/02); transporte rodoviário coletivo de passageiros, sob regime de fretamento, municipal (4929-9/01); transporte rodoviário coletivo de passageiros, sob regime de fretamento, intermunicipal, interestadual e internacional (4929-9/02); organização de excursões em veículos rodoviários próprios, municipal (4929-9/03); organização de excursões em veículos rodoviários próprios, intermunicipal, interestadual e internacional (4929-9/04); transporte marítimo de cabotagem - passageiros (5011-4/02); transporte marítimo de longo curso - passageiros (5012-2/02); transporte aquaviário para passeios turísticos (5099-8/01); restaurantes e similares (5611-2/01); bares e outros estabelecimentos especializados em servir bebidas, sem entretenimento (5611-2/04); bares e outros estabelecimentos especializados em servir bebidas, com entretenimento (5611-2/05); agências de viagem (7911-2/00); operadores turísticos (7912-1/00); atividades de museus e de exploração de lugares e prédios históricos e atrações similares (9102-3/01); atividades de jardins botânicos, zoológicos, parques nacionais, reservas ecológicas e áreas de proteção ambiental (9103-1/00); parques de diversão e parques temáticos (9321-2/00); atividades de organizações associativas ligadas à cultura e à arte (9493-6/00). (Incluído pela Lei nº 14.592, de 2023)” (grifos meus)
Porém, no momento da publicação da Lei 14.592/23 (30/05/2023) a impetrante já possuía o direito de gozar do benefício do PERSE.
Assim, não pode a nova Lei, que estabeleceu novo requisito para fruição de benefício fiscal, retroagir para atingir fatos praticados anteriormente à sua publicação, pois isso implicaria violação ao direito adquirido (CF/88, art. 5º, XXXVI) e ao princípio da irretroatividade da lei tributária (CF/88, art. 150, III, “a”), in verbis:
“Art. 5º (...).
XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;”
“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
III - cobrar tributos:
a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado;”
Portanto, reconheço o direito de o apelante usufruir o benefício fiscal concedido pelo art. 4º da Lei 14.148/21, sem a exigência da inscrição no CADASTUR em 18/03/2022.
Por fim, verifico o direito de repetição dos valores pagos indevidamente ou a maior, nos termos do art. 165, I, do Código Tributário Nacional (CTN).
Nesse ponto observo que o reconhecimento do indébito fiscal gera direito à compensação, observada a prescrição quinquenal, conforme critérios consagrados na jurisprudência e previstos no artigo 168 do CTN, sendo vedada a compensação tributária antes do trânsito em julgado da decisão judicial, conforme prevê o art. 170-A do CTN (tema 345/STJ).
O direito à compensação tributária somente pode ser declarado em decisão judicial com base na legislação vigente à época do ajuizamento da ação, destacando-se que eventuais modificações legislativas posteriores podem ser reconhecidas diretamente na esfera administrativa, mas não integram o objeto do processo, conforme o decidido pelo Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 1.137.738/SP, alçado como representativo de controvérsia (tema 265/STJ) e decidido sob a sistemática dos recursos repetitivos (art. 543-C do CPC de 1973).
Dito isso, deve ser observado o disposto no art. 74 da Lei 9.430/1996, bem como o art. 26-A da Lei 11.457/2007, incluído pela Lei 13.670/2018, aplicando-se os critérios de juros e correção monetária estabelecidos no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal.
A compensação pode se dar na via administrativa, mediante procedimento próprio, com comprovação e liquidação dos valores envolvidos. Todavia, não se admite a restituição administrativa do indébito reconhecido na via judicial, sendo indispensável a observância do regime constitucional de precatórios, nos termos do art. 100 da Constituição Federal, conforme a tese jurídica fixada no tema 1.262/STF (RE 1.420.691): “Não se mostra admissível a restituição administrativa do indébito reconhecido na via judicial, sendo indispensável a observância do regime constitucional de precatórios, nos termos do art. 100 da Constituição Federal”.
Ante o exposto, com a renovada vênia da relatora, divirjo de seu voto, dando provimento à apelação para (i) reconhecer o direto do apelante de usufruir o benefício fiscal concedido pelo art. 4º da Lei 14.148/21, observando-se o período de sua vigência, sem a exigência de possuir inscrição no CADASTUR em 18/03/2022; bem como (ii) reconhecer o direito de repetição dos valores eventualmente pagos indevidamente ou a maior de IRPJ, CLSS, PIS e COFINS em razão da não fruição do benefício fiscal previsto no art. 4º da Lei 14.148/21 pelo fato de não possuírem inscrição no CADASTUR na data do início do benefício (18/03/2022).
É o voto.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5026506-67.2022.4.03.6100
RELATOR: Gab. 10 - DES. FED. CONSUELO YOSHIDA
APELANTE: M.M. LANCHES E COMESTIVEIS LTDA
Advogados do(a) APELANTE: DANIEL LEIB ZUGMAN - SP343115-A, FREDERICO SILVA BASTOS - SP345658-A
APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A apelação não comporta provimento.
Instituído pela Lei nº 14.148/2021, o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos - PERSE estabelece ações emergenciais e temporárias destinadas ao setor de eventos para compensar os efeitos decorrentes das medidas de combate à pandemia da COVID-19. Dentre os benefícios fiscais, está a redução para zero, pelo prazo de 60 meses, das alíquotas de PIS, COFINS, CSLL e IRPJ devidos pelas pessoas jurídicas que exercem as atividades econômicas elencadas.
Confira-se:
Art. 2º Fica instituído o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse), com o objetivo de criar condições para que o setor de eventos possa mitigar as perdas oriundas do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020.
§ 1º Para os efeitos desta Lei, consideram-se pertencentes ao setor de eventos as pessoas jurídicas, inclusive entidades sem fins lucrativos, que exercem as seguintes atividades econômicas, direta ou indiretamente:
I - realização ou comercialização de congressos, feiras, eventos esportivos, sociais, promocionais ou culturais, feiras de negócios, shows, festas, festivais, simpósios ou espetáculos em geral, casas de eventos, buffets sociais e infantis, casas noturnas e casas de espetáculos;
II - hotelaria em geral;
III - administração de salas de exibição cinematográfica; e
IV - prestação de serviços turísticos, conforme o art. 21 da Lei nº 11.771, de 17 de setembro de 2008.
§ 2º Ato do Ministério da Economia publicará os códigos da Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) que se enquadram na definição de setor de eventos referida no § 1º deste artigo. (destaque nosso)
Por sua vez, a Lei nº 11.771/2008, que dispõe sobre a Política Nacional de Turismo, assim disciplina:
Art. 21. Consideram-se prestadores de serviços turísticos, para os fins desta Lei, as sociedades empresárias, sociedades simples, os empresários individuais e os serviços sociais autônomos que prestem serviços turísticos remunerados e que exerçam as seguintes atividades econômicas relacionadas à cadeia produtiva do turismo:
I - meios de hospedagem;
II - agências de turismo;
III - transportadoras turísticas;
IV - organizadoras de eventos;
V - parques temáticos; e
VI - acampamentos turísticos.
Parágrafo único. Poderão ser cadastradas no Ministério do Turismo, atendidas as condições próprias, as sociedades empresárias que prestem os seguintes serviços:
I - restaurantes, cafeterias, bares e similares;
II - centros ou locais destinados a convenções e/ou a feiras e a exposições e similares;
III - parques temáticos aquáticos e empreendimentos dotados de equipamentos de entretenimento e lazer;
IV - marinas e empreendimentos de apoio ao turismo náutico ou à pesca desportiva;
V - casas de espetáculos e equipamentos de animação turística;
VI - organizadores, promotores e prestadores de serviços de infra-estrutura, locação de equipamentos e montadoras de feiras de negócios, exposições e eventos;
VII - locadoras de veículos para turistas; e
VIII - prestadores de serviços especializados na realização e promoção das diversas modalidades dos segmentos turísticos, inclusive atrações turísticas e empresas de planejamento, bem como a prática de suas atividades.
Art. 22. Os prestadores de serviços turísticos estão obrigados ao cadastro no Ministério do Turismo, na forma e nas condições fixadas nesta Lei e na sua regulamentação.
§ 1o As filiais são igualmente sujeitas ao cadastro no Ministério do Turismo, exceto no caso de estande de serviço de agências de turismo instalado em local destinado a abrigar evento de caráter temporário e cujo funcionamento se restrinja ao período de sua realização.
§ 2o O Ministério do Turismo expedirá certificado para cada cadastro deferido, inclusive de filiais, correspondente ao objeto das atividades turísticas a serem exercidas.
§ 3o Somente poderão prestar serviços de turismo a terceiros, ou intermediá-los, os prestadores de serviços turísticos referidos neste artigo quando devidamente cadastrados no Ministério do Turismo.
§ 4o O cadastro terá validade de 2 (dois) anos, contados da data de emissão do certificado.
§ 5o O disposto neste artigo não se aplica aos serviços de transporte aéreo.
(...)
Art. 33. São direitos dos prestadores de serviços turísticos cadastrados no Ministério do Turismo, resguardadas as diretrizes da Política Nacional de Turismo, na forma desta Lei:
I - o acesso a programas de apoio, financiamentos ou outros benefícios constantes da legislação de fomento ao turismo; (destaques nossos)
O legislador expressamente definiu quais são atividades típicas da "cadeia produtiva do turismo" (caput do art. 21 da Lei nº 11.771/2008), cujo cadastro no Ministério do Turismo é obrigatório, e quais são as atividades equiparadas (parágrafo único do art. 21) que podem se registrar no CADASTUR, cujo cadastro é obrigatório para fins de acesso a programas de apoio e outros benefícios legais (art. 33, I).
Por determinação do § 2º, do art. 2º da Lei nº 14.148/2021, o Ministério da Economia editou a Portaria ME nº 7.163/2021, trazendo os códigos da Classificação Nacional de Atividades Econômicas - CNAE considerados do setor de eventos, definindo no Anexo I as atividades econômicas que estão enquadradas no PERSE, e no Anexo II as atividades cujo enquadramento é permitido desde que, na data da publicação da Lei nº 14.148/2021, as respectivas pessoas jurídicas estivessem registradas no Cadastro de Prestadores de Serviços Turísticos – CADASTUR (art. 1º, § 2º, da Portaria ME nº 7.163/2021).
A exigência de inscrição prévia no CADASTUR para usufruir dos benefícios do programa não restringe ou limita o escopo do PERSE, na medida em que estende o benefício a empresas que exploram atividades tipicamente estranhas ao setor de turismo e eventos (por exemplo, "manutenção e reparação de embarcações e estruturas flutuantes”, "serviços marítimos de cabotagem”, “restaurantes”, “bares” ou “lanchonetes”). E tal exigência, embora conste expressamente da Portaria ME 7.163/2021, apenas repete o que disciplina a Lei 11.771/2008. Não desborda, assim, o ato do Ministério da Economia de sua função regulamentar, inexistindo qualquer ilegalidade ou abuso a atrair a interferência do Poder Judiciário.
É como tem julgado esta Corte em casos semelhantes:
TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. APELAÇÃO. PROGRAMA ESPECIAL DE RETOMADA DO SETOR DE EVENTOS - PERSE. LEI 14.148/2021. PRÉVIA INSCRIÇÃO NO CADASTUR. PORTARIA ME Nº 7.163/2021. LEI nº 11.771/2008. OBRIGATORIEDADE.
- A concessão dos benefícios do Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos –Perse, instituído pela Lei nº 14.148/2021, alcança as pessoas jurídicas prestadoras de serviços turísticos regularmente cadastradas no Ministério do Turismo (CADASTUR). A exigência do cadastro junto ao Ministério do Turismo não decorre da Portaria ME nº 7.163/2021, mas sim da própria Lei nº 11.771/2008, sendo legítima tal exigência.
- A impetrante não preencheu requisito da legislação para usufruir dos benefícios previstos no Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos, qual seja, inscrição no CADASTUR à época de instituição do PERSE.
- Em se tratando de benefício fiscal outorgado ao contribuinte, as deduções fiscais devem obedecer aos critérios e condições previamente estabelecidos na lei e sobre os quais paira interpretação restritiva, consoante disposto no art. 111 do CTN.
- Recurso de apelação não provido
(TRF 3ª Região, 6ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5004049-07.2023.4.03.6100, Rel. Desembargador Federal LUIZ ALBERTO DE SOUZA RIBEIRO, julgado em 07/10/2023, Intimação via sistema DATA: 09/10/2023)
MANDADO DE SEGURANÇA. PROGRAMA EMERGENCIAL DE RETOMADA DO SETOR DE RESTAURANTES. REGISTRO NO MINISTÉRIO DO TURISMO. CADASTUR. LEI Nº 11.771/2008. PORTARIA MINISTERIAL Nº 7.163/2021. LEGALIDADE DA EXIGÊNCIA.
1. O Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos/PERSE foi instituído pela Lei nº 14.148/21, visando à retomada do setor econômico de eventos, severamente abalado durante a fase mais grave da pandemia da COVID19.
2. Foi direcionado especialmente a empresas vinculadas a atividades de realização ou comercialização de congressos, feiras, eventos esportivos, sociais, promocionais ou culturais, feiras de negócios, shows, festas, festivais, simpósios ou espetáculos em geral, casas de eventos, buffets sociais e infantis, casas noturnas e casas de espetáculos; hotelaria em geral; administração de salas de exibição cinematográfica; e prestação de serviços turísticos.
3. Não há que falar em inconstitucionalidade ou ilegalidade na disciplina normativa do PERSE - Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos, considerando que a Portaria ME 7.163/2021 contemplou o comando legal ao especificar os tipos de atividade integrados no setor de eventos, de modo que a exigência de inscrição regular no CADASTUR não viola o princípio da legalidade e da hierarquia normativa, visto que adotou critério em conformidade com a legislação reguladora do próprio setor de serviços turísticos.
4. Importante esclarecer que o registro prévio no CADASTUR é exigência que decorre não apenas da aludida Portaria, mas também da legislação que rege o Setor de Turismo, qual seja, a Lei nº 11.771/2008, que dispõe sobre a Política Nacional de Turismo e estabelece, em seu art. 22, a necessidade do CADASTUR .
5. A exigência da prévia inscrição perante o Cadastur é medida que se impõe para o gozo dos benefícios instituídos pelo Perse, não havendo qualquer espécie de ilegalidade na observância e efetivo cumprimento de tal exigência.
6. Na espécie, embora a impetrante desenvolva atividade que se enquadra no Anexo II da Portaria ME 7.163/2021 e na previsão da Lei nº 14.148/2021, ela não se encontra regularmente inscrita no Cadastrur, razão pela qual não cumpriu o requisito de enquadramento para admissão no Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos.
7. Não há que se falar em ofensa ao princípio da isonomia, previsto nos arts. 5º, caput, I e 150, II da Constituição Federal, porquanto não há tratamento tributário distinto entre os contribuintes que se encontram na mesma situação. Ora, o simples fato de pertencerem ao mesmo setor não é suficiente para equiparar aqueles que estão regulares dos que não estão, uma vez que estar na mesma situação não é, apenas, pertencer ao mesmo setor.
8. Permitir ao contribuinte, que não exercia atividade ligada ao setor de eventos no momento da edição da Lei nº 14.148/2021 usufruir do programa, equivaleria a desconsiderar toda a finalidade e regramento do PERSE, tendo em vista que se está diante de benefício fiscal, e não de direito subjetivo dos contribuintes.
9. Apelo desprovido.
(TRF 3ª Região, 4ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5017613-87.2022.4.03.6100, Rel. Desembargador Federal MARCELO MESQUITA SARAIVA, julgado em 22/08/2023, Intimação via sistema DATA: 30/08/2023)
DIREITO TRIBUTÁRIO. LEI 14.148/2021. PROGRAMA EMERGENCIAL DE RETOMADA DO SETOR DE EVENTOS – “PERSE”. REGISTRO NO MINISTÉRIO DO TURISMO. CADASTUR. LEI 11.771/2008. PORTARIA 7.163/2021. MINISTÉRIO DA ECONOMIA. VALIDADE DA EXIGÊNCIA. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS.
1. A Lei 14.148/2021 instituiu o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos – PERSE com objetivo “de criar condições para que o setor de eventos possa mitigar as perdas oriundas do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020”, permitindo ao Executivo, dentre outras medidas, disponibilizar “modalidades de renegociação de dívidas tributárias e não tributárias, incluídas aquelas para com o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), nos termos e nas condições previstos na Lei nº 13.988, de 14 de abril de 2020” (artigo 3º); reduzir a “0% (zero por cento) pelo prazo de 60 (sessenta) meses, contado do início da produção de efeitos desta Lei, as alíquotas dos seguintes tributos incidentes sobre o resultado auferido pelas pessoas jurídicas de que trata o art. 2º desta Lei: I - Contribuição para os Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Contribuição PIS/Pasep); II - Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins); III - Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL); e IV - Imposto sobre a Renda das Pessoas Juridicas (IRPJ)”.
2. A 14.148/2021 considerou integrados ao setor de eventos pessoas jurídicas, inclusive entidades sem fins lucrativos, com atuação em atividades econômicas, direta ou indiretamente, nos termos do artigo 2º; e, por sua vez, quanto aos serviços turísticos, o artigo 21 da Lei 11.771/2008 dispôs sobre o que são considerados prestadores de serviços, e no artigo 22 tratou da obrigatoriedade, para empresas do ramo, de cadastro junto Ministério do Turismo. Diante do arcabouço legal, que envolve tais leis, foi editada a Portaria ME 7.163/2021, que tratou da inscrição regular no Cadastur para enquadramento no PERSE, nos termos da Lei 11.771/2008.
3. Os benefícios concedidos, sobretudo tributários, podem ser objeto de normas complementares, nos termos do artigo 100, CTN, interpretando-se literalmente a legislação tributária que trate de suspensão ou exclusão de crédito tributário, outorga de isenção e dispensa do cumprimento de obrigações tributárias acessórias (artigo 111, CTN). Não existe, pois, reserva legal, senão para efeito de instituição ou majoração de tributos, razão pela qual a lei pode instituir benefício fiscal e as normas complementares podem dispor acerca da respectiva aplicação, observada a hierarquia normativa de conteúdo, sem a necessária exigência da forma da lei para a disciplina da matéria, dentro, assim, do princípio da legalidade em sentido amplo.
4. A exigência de inscrição regular no Cadastrur não viola o princípio da legalidade e da hierarquia normativa de conteúdo da Portaria ME 7.163/2021 em relação à Lei 14.148, de 2021, por se tratar de aspecto essencial à identificação objetiva dos beneficiários do tratamento fiscal favorável, e ter sido adotado critério em conformidade com a legislação reguladora do próprio setor de serviços turísticos. Perceba-se que o artigo 2º da Lei 14.148/2021, para fins dos benefícios tributários, equiparou diversos ramos de atividade econômica, nos incisos do § 1º, destacando, em relação aos prestadores de serviços turísticos, a definição e o tratamento dado pelo artigo 21 da Lei 11.771/2008.
5. O ramo de atividade, exercido pela impetrante é, especificamente, o descrito no inciso IV do § 1º do artigo 2º da Lei 14.148/2021, não se tratando, pois, de empresa do setor de congressos, feiras e eventos, de hotelaria em geral ou de administração de salas de exibição cinematográfica, tratados nos incisos I a III do § 1º do preceito legal destacado. Embora alegado que o parágrafo único do artigo 21 da Lei 11.771/2008 previa facultatividade do Cadastrur para as atividades descritas nos respectivos incisos - dentre os quais os serviços de restaurantes, cafeterias, bares e similares -, é certo a legislação apenas ofereceu a contrapartida da inclusão de tais atividades, previstas nos incisos do parágrafo único do artigo 21, na Política Nacional de Turismo caso houvesse o cumprimento da exigência, prevista no artigo 22, de cadastro no Ministério do Turismo. Assim, o setor de restaurantes, cafeterias, bares e similares, dentre outros, não era obrigado ao cadastro no Ministério do Turismo, sendo facultativo fazê-lo, porém somente com o cumprimento de tal exigência, a que se refere o artigo 22, é que poderiam participar dos benefícios e vantagens da Política Nacional de Turismo. É expressa e inequívoca a Lei 11.771/2008 neste sentido, ao dispor que: "Art. 33. São direitos dos prestadores de serviços turísticos cadastrados no Ministério do Turismo, resguardadas as diretrizes da Política Nacional de Turismo, na forma desta Lei: I - o acesso a programas de apoio, financiamentos ou outros benefícios constantes da legislação de fomento ao turismo; (...)".
6. Os setores de atividade previstos nos incisos do parágrafo único do artigo 21 da Lei 11.771/2008, dentre dos quais se insere a impetrante, devem cumprir a exigência do artigo 22 para serem beneficiados pela Política Nacional de Turismo, a demonstrar que a previsão do § 2º do artigo 1º da Portaria ME 7.163/2021 encontra-se em plena conformidade com o ordenamento jurídico, sem produzir qualquer inovação ou contrariedade à Lei 14.148/2021, que disciplina o PERSE e que, ao tratar do alcance do programa de benefícios fiscais e tributários, adotou critérios objetivos da Lei 11.771/2008, no que fixou os requisitos para enquadramento de empresas no setor de serviços turísticos.
7. A conjugação de ambas as leis - a do PERSE e a da Política Nacional de Turismo -, evidencia que somente podem atuar como prestadores de serviços turísticos os previamente cadastrados no Ministério do Turismo, de modo que o benefício fiscal concedido a partir da Lei 14.148/2021 somente poderia atingir quem já atuava regularmente no setor, mediante registro da atividade, dada a própria natureza emergencial e temporária das ações adotadas para compensação das medidas de isolamento ou de quarentena no enfrentamento da pandemia sanitária. A legislação delimitou o alcance das pessoas jurídicas contempladas com o benefício fiscal, dela excluindo, claramente, diante de sua própria finalidade, a prestação de serviço de turismo irregular porque sem prévio cadastro junto ao Ministério do Turismo, ou a atuação econômica em período distinto e posterior ao atingido pelos efeitos da política para cuja compensação excepcional foi instituída a legislação em referência. A política de compensação excepcional não se destinou a toda e qualquer pessoa jurídica do setor de turismo, mas exclusivamente para aquelas que, previamente cadastradas conforme a lei, atuaram e sofreram os efeitos das políticas de restrição da pandemia no respectivo período.
8. É inequívoco, pois, como destacado, que a portaria ministerial não inovou o ordenamento legal, mas apenas a disciplinou de acordo com a finalidade, conteúdo e objeto da própria legislação, explicitando o alcance nela materialmente contido, razão pela qual a pretensão de afastar a delimitação - que, como visto, decorre não da portaria em si, mas do regime vigente, seja a Lei 14.148/2021, que instituiu regime de benefícios, seja a Lei 11.771/2008, que trata da disciplina da prestação dos serviços de turismo - incorre em ilegalidade, ao almejar a ampliação do benefício fiscal, em detrimento não apenas do princípio da legalidade, como o da interpretação literal da legislação tributária em casos que tais.
9. Nem se alegue, assim, violação aos princípios da isonomia e livre concorrência, pois difere, substancialmente, por força de lei e não apenas de mera portaria ministerial, a condição legal de quem é prestador de serviços turísticos, observando, assim, a exigência de cadastrado no Ministério do Turismo, daqueles que não o são. A ofensa a tais princípios ocorreria se admitida fosse, como se pretende no caso, concessão de benefícios fiscais e tributários reservados apenas a pessoas jurídicas com atuação regular como prestador de serviços turísticos, nos termos da legislação.
10. Apelação desprovida.
(TRF 3ª Região, 3ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5002266-27.2022.4.03.6128, Rel. Desembargador Federal LUIS CARLOS HIROKI MUTA, julgado em 12/09/2023, Intimação via sistema DATA: 15/09/2023)
De igual modo, não fere o princípio da isonomia a redução da alíquota dos tributos apenas para os prestadores de serviços de turismo e eventos. Ao contrário, a distinção visa exatamente reequilibrar as condições de competição saudável, concedendo compensações àqueles que tiveram suas atividades mais afetadas pelas medidas de isolamento impostas pela pandemia de Covid-19. É também por esse motivo que somente aqueles que já possuíam inscrição no CADASTUR quando da publicação da lei que instituiu o PERSE podem dele se beneficiar.
Nesse sentido:
TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. APELAÇÃO. PROGRAMA ESPECIAL DE RETOMADA DO SETOR DE EVENTOS - PERSE. LEI 14.148/2021. SETOR TURÍSTICO. LEI 11.771/08. PORTARIA ME 7.163/2021. OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE E ISONOMIA. NÃO CONFIGURAÇÃO. RECURSO DESPROVIDO.
- A Lei nº 14.148/21 instituiu, entre outros benefícios, em seu art. 4º, a redução a zero das alíquotas para os tributos PIS/PASEP, COFINS, CSLL e IRPJ pelo prazo de 60 (sessenta meses) para as pessoas jurídicas que exercem atividades econômicas ligadas ao setor de eventos, nos termos da legislação de regência. Deve-se ressaltar que o artigo 4° foi vetado por ocasião da primeira publicação da lei, ocorrida em 04/05/2021. O veto, todavia, foi revisto e derrubado pelo Congresso Nacional e a lei foi republicada em 18/03/2022, data na qual passou a viger o citado dispositivo. O inciso IV do § 1º do artigo 2º dessa lei, no que tange à definição de prestação de serviços turísticos, remete ao artigo 21 da Lei nº 11.771/2008. De acordo com essa norma, que dispõe sobre a Política Nacional de Turismo, para aqueles cuja atividade se enquadra no parágrafo único, o registro no CADASTUR é uma faculdade e não um dever.
- A fim de dar cumprimento ao § 2º do artigo 2º da Lei nº 14.148/21, foi editada a Portaria ME nº 7163/2021, que definiu os códigos da Classificação Nacional de Atividades Econômicas – CNAE, que se consideram setor de eventos.
-No CNPJ da recorrente (id 274316340), consta que exerce atividade de consultoria em gestão empresarial, exceto consultoria técnica específica desde 22/10/2010, a qual está relacionada no anexo II da portaria.
- Consoante a Lei nº 11.771/2008, a empresa que intenciona fazer jus ao enquadramento como atividade turística deve realizar o cadastro junto ao Ministério do Turismo, conforme versa o artigo 22 da Lei 11.771/2008. Por fim, ao se admitir como empresa do ramo turístico, na forma dessa lei, passa a estar sujeita a direitos, obrigações e sanções (artigos 33, 34, 35 e 36).
- Em suma, conforme as normas citadas da Lei nº 11.771/2008, a empresa que não exerce essencialmente atividade turística, mas que eventualmente a ela possa estar relacionada, não tem obrigação de se cadastrar no CADASTUR, porém se quiser se beneficiar dessa condição precisa ter esse registro, a partir do qual passa a ser sujeito de direitos e obrigações nos termos estabelecidos. Desse modo, está claro que a portaria não inovou no ponto em que exige a regularidade cadastral do candidato aos benefícios fiscais mencionados. Ademais, não se vislumbra ofensa ao princípio da igualdade como quer fazer crer a apelante, ao contrário, a norma visa claramente a sua observância, uma vez que aqueles que não possuem cadastro não estão sujeitos às mesmas imposições legais, ou seja, estão em situação distinta daqueles que o legislador pretendeu beneficiar.
- No que toca à exigência temporal de estar com a situação regular no CADASTUR na data de publicação da Lei nº 14.148, de 2021, também não se constata violação ao princípio da legalidade, eis que a norma regulamentadora somente explicitou o que é do espírito da lei, ou seja, beneficiar aquelas atividades que o legislador considerou que, em razão dos graves danos causados pelas medidas de combate à pandemia da COVID - 19, se impunha uma compensação emergencial. Destarte, o cadastro posterior não cumpre o objetivo da própria lei.
- Na espécie, a impetrante não comprovou o cadastro, razão pela qual a sentença deve ser mantida.
- Apelação desprovida.
(TRF 3ª Região, 4ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5022438-74.2022.4.03.6100, Rel. Desembargador Federal ANDRE NABARRETE NETO, julgado em 05/10/2023, DJEN DATA: 17/10/2023) - destaque nosso.
Tendo em vista o entendimento ora manifestado, resta prejudicada a pretensão de recuperação dos valores que teriam sido indevidamente recolhidos.
Em face do exposto, nego provimento à apelação da impetrante.
É como voto.
E M E N T A
TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. PERSE. EXIGÊNCIA DE REGULARIDADE NO CADASTUR. RESTAURANTES, CAFETERIAS, BARES E SIMILARES. ILEGALIDADE PORTARIA ME 7.163/2021. NECESSIDADE DE OBSERVÂNICAS DOS PRINCÍPIOS DA IRRETROATIVIDADE E ANTERIORIDADE QUANTO À LEI 14.592/2023. ISENÇÃO SIMPLES. COMPENSAÇÃO. RESTITUIÇÃO EXCLUSIVAMENTE POR MEIO DE PRECATÓRIO. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA.
1. Discute-se a legalidade da exigência prevista no § 2º, do artigo 1º, da Portaria ME n.º 7.163/2021, do Ministério da Economia, que, em relação às pessoas jurídicas prestadoras de serviços qualificadas, dentre outros, como restaurantes, cafeterias, bares e similares, condicionou-as à situação regular no Cadastro de Prestadores de Serviços Turísticos – Cadastur na data publicação do artigo 4º da Lei n.º 14.148/2021, em 18.03.2022, para fins de enquadramento no Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos – PERSE.
2. A Lei n.º 14.148/2021 instituiu o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos – PERSE, com o objetivo de criar condições para que o setor de eventos pudesse mitigar as perdas oriundas do estado de calamidade pública. Dentre os benefícios do Programa foi prevista, inicialmente, a redução a zero 0% (zero por cento), pelo prazo de 60 (sessenta) meses, das alíquotas da tributação de PIS, COFINS, CSLL e IRPJ, incidentes sobre as receitas e o resultado auferido pelas pessoas jurídicas do setor de eventos. Ressalta-se que, posteriormente, com a vigência da Medida Provisória n.º 1.147/2022, convertida na Lei n.º 14.592/2023, referida redução a zero 0% (zero por cento) das alíquotas tributárias passou a incidir, restritivamente, sobre o resultado auferido pelas pessoas jurídicas pertencentes ao setor de eventos nas atividades relacionadas no ato do Ministério da Economia.
3. A fim de delimitar as pessoas jurídicas do denominado setor de eventos, a Lei n.º 14.148/2021 estabeleceu que se consideram pertencentes ao setor de eventos as pessoas jurídicas, inclusive entidades sem fins lucrativos, que exercem, direta ou indiretamente, dentre outras atividades econômicas aquela referente à “prestação de serviços turísticos, conforme o art. 21 da Lei nº 11.771, de 17 de setembro de 2008”. Em relação à atividade econômica de “prestação de serviços turísticos”, remeteu-se à Lei n.º 11.771/2008, que, dentre as disposições sobre a Política Nacional de Turismo, disciplinou a prestação de serviços turísticos, seu cadastro, classificação e fiscalização.
4. Editada para o fim de definir os códigos da Classificação Nacional de Atividades Econômicas - CNAE que se consideram inclusos no denominado setor de eventos, a Portaria ME n.º 7.163/2021, do Ministério da Economia, restou expresso no § 2º, de seu artigo 1º, a exigência de situação regular no Cadastur na data publicação do artigo 4º da Lei n.º 14.148/2021 (em 18.03.2022), para que as pessoas jurídicas prestadoras de serviços qualificadas, dentre outros, como restaurantes, cafeterias, bares e similares, pudessem ser enquadradas no PERSE.
5. Posteriormente, a Lei n.º 14.592/2023, publicada em 30.05.2023, alterando em parte as disposições da Lei n.º 14.148/2021, passou a exigir, para o enquadramento no PERSE, a regularidade, em 18 de março de 2022, da situação no Cadastur quanto às pessoas jurídicas prestadoras de serviços qualificadas, dentre outros, como restaurantes, cafeterias, bares e similares.
6. O poder regulamentar é uma das formas de manifestação da função normativa do Poder Executivo, que no exercício dessa atribuição pode editar atos normativos que visem explicitar a lei, para sua fiel execução. No ordenamento jurídico brasileiro (artigo 84, IV, da CF), nos limites do princípio da legalidade, o ato regulamentar se limita a estabelecer normas sobre a forma como a lei será cumprida pela Administração, de sorte que não pode estabelecer normas contra legem ou ultra legem, nem pode inovar na ordem jurídica, criando direitos, obrigações, proibições, medidas punitivas (PIETRO, Maria Sylvia Zanella di. Direito Administrativo. 36. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2024, p. 132-133).
7. À pretensão de regulamentação sobreveio indevida inovação jurídica, com restrição de direitos do contribuinte, na medida em que, originariamente, a lei instituidora do PERSE não estabeleceu qualquer exigência relacionada à regularidade no Cadastur e, por consequência, tampouco estabeleceu limite temporal para tal regularização, para o fim do enquadramento no Programa das pessoas jurídicas prestadoras de serviços qualificadas, dentre outros, como restaurantes, cafeterias, bares e similares.
8. Importante frisar que a Lei n.º 11.771/2008, indicada no ato normativo infralegal para justificar a exigência de regularidade no Cadastur, não estabelecia, e permanece não estabelecendo, qualquer obrigatoriedade para que se cadastrem no Ministério do Turismo as pessoas jurídicas prestadoras de serviços qualificadas, dentre outros, como restaurantes, cafeterias, bares e similares; tal medida, nos estritos termos do parágrafo único de seu artigo 21, consiste numa faculdade. O artigo 22 da Lei n.º 11.771/2008 obriga ao cadastro no Ministério do Turismo apenas e tão somente os prestadores de serviços turísticos, os quais, por seu turno, encontram-se elencados nos incisos I a VI, do caput, do artigo 21 do referido ato legal.
9. Com a edição da Lei n.º 14.592/2023 a exigência de cadastro no Ministério do Turismo passou a ser requisito indispensável para o enquadramento no PERSE; contudo, a alteração legislativa posterior não tem o condão de legitimar pretérito ato infralegal, tampouco pode atingir os fatos geradores que lhe precedem, sob pena de ofensa ao princípio da irretroatividade (artigo 150, III, a, da CF).
10. A fixação dos termos inicial e final de fruição do benefício fiscal do PERSE demanda um aprofundamento sobre a possibilidade de revogação ou alteração de benefício fiscal, bem como sobre o tipo de benefício concedido no âmbito do Programa.
11. O poder constituinte originário conferiu ao Estado o poder de tributar os contribuintes, para obter recursos para financiar suas atividades. A fim de que o exercício desse poder estatal seja legítimo, contudo, deve-se observar não só os limites da competência atribuída pela Constituição Federal a cada ente da federação, como também as imunidades e as garantias individuais do contribuinte previstas principalmente no artigo 150 da Constituição Federal.
12. Na seara tributária, isso se reflete na vedação do Estado de promover modificações legislativas repentinas, com efeitos concretos imediatos, que elevem a carga tributária. Assegura, ainda, ao contribuinte, um tempo mínimo para conhecer a modificação na legislação tributária e planejar a atividade econômica para suportar seus efeitos. É justamente para impedir tais “surpresas”, que o artigo 150, III, da Constituição Federal confere ao contribuinte a proteção dos princípios da anterioridade genérica e da anterioridade. Em sua modalidade genérica, o princípio da anterioridade veda que a lei que institua ou majore tributo produza efeitos no mesmo exercício financeiro em que ela foi publicada, nos termos do artigo 150, III, alínea ‘b’ da Constituição Federal. Já de acordo com o princípio da anterioridade nonagesimal, a lei que institui ou majora tributos só produz efeitos após 90 (noventa) dias da data de sua publicação.
13. A matéria em questão, inicialmente, foi apenas tratada como limitação ao poder de tributar, consoante decorre explicitamente do texto constitucional. No entanto, passou-se também a questionar a aplicação principiológica para os benefícios fiscais concedidos. O debate faz sentido na medida em que a retirada de benesses fiscais - tal como a criação ou aumento dos tributos –, da mesma forma, é passível de gerar surpresa aos contribuintes, caracterizando, na realidade, espécie de majoração indireta de tributos.
14. Não se questiona a possibilidade de eventual alteração legislativa ou mesmo da reedição de atos infralegais que tenham por consequência a supressão de benefícios, seja pela alteração do entendimento do Parlamento ou mesmo por diversa compreensão da Administração. A bem da verdade, compreende-se com naturalidade que se sucedam modificações normativas, inclusive, em curto espaço tempo, o que decorre de novos cenários e demandas. Todavia, preza-se, apenas, pela aplicação dos mesmos princípios constitucionais para situação equivalente, isto é, de exasperação da carga tributária.
15. A Lei que estabelece restrição a benefício fiscal, que implique na sua redução ou revogação, está sujeita ao princípio da anterioridade, seja a anterioridade de exercício (artigo 150, III, b, da CF), seja a anterioridade nonagesimal (alínea c), de acordo com o respectivo tributo (§ 1º), entendimento atualmente respaldado tanto no Supremo Tribunal Federal como nesta E. Corte. Precedentes.
16. Por seu turno, dispõe o artigo 178 do Código Tributário Nacional que “a isenção, salvo se concedida por prazo certo ou em função de determinadas condições, pode ser revogada ou modificada por lei a qualquer tempo, observado o disposto no inc. III do CTN, art. 104”. Exsurgem, portanto, duas modalidades de isenção: as simples e as onerosas. As isenções simples são passíveis de revogação a qualquer tempo, apenas sendo de rigor a observância dos princípios da anterioridade anual e nonagesimal, entendimento atualmente respaldado tanto no Supremo Tribunal Federal como nesta E. Corte. Já as isenções onerosas, por sua vez, são concedidas por um lapso temporal definido e, necessariamente, para a sua caracterização, devem vir acompanhadas de determinadas ações do seu beneficiário para que possam dela usufruir (“em função de determinadas condições”). Em razão de tais características, isto é, tempo determinado e contrapartida do contribuinte, não é possível se falar em revogação da isenção onerosa, devido à proteção conferida ao direito adquirido de seu beneficiário. Como elemento chave na caracterização das isenções onerosas e com conceito jurídico bem definido no ordenamento pátrio, as condições não são diferentes na esfera tributária e também se caracterizam como eventos futuros e incertos.
17. Figura como requisito legal (e não condição) para a fruição das benesses fiscais a inscrição no Cadastur na data de publicação da Lei instituidora do PERSE. A rigor, não foi estabelecido na legislação discutida qualquer ônus às empresas para a fruição dos benefícios previstos, o que implica em reconhecer a ausência de violação do artigo 178 do CTN e de distinção da situação abrangida pela Súmula 544 do STF (“Isenções tributárias concedidas, sob condição onerosa, não podem ser livremente suprimidas”).
18. Importante ressaltar que a fruição dos benefícios fiscais previstos para as pessoas jurídicas que preenchem os requisitos legais independe de qualquer ato formal de adesão ao Programa. Enquadrada na hipótese legal do PERSE, nasce para o contribuinte, de imediato, o direito à redução a zero da alíquota tributária e, para o Fisco, exsurge a impossibilidade de exigir qualquer tributo em descompasso com a Lei.
19. Ausente condição relativa à adesão ao PERSE, incabível a exigência de sua comprovação para fruição dos benefícios do Programa, bastando o cumprimento dos requisitos legais para que, desde a vigência do artigo 4º da Lei n.º 14.148/2021 (em 18.03.2022), as pessoas jurídicas façam jus à redução a zero da alíquota tributária.
20. Com a vigência da Lei n.º 14.592/2023, para fins de fruição dos benefícios do PERSE passou a se exigir a comprovação de situação regular no Cadastur na data de 18.03.2022, o que implica revogação do benefícios fiscal para os contribuintes que não atendem a este requisito legal, observado o critério da anterioridade de exercício em relação ao IRPJ e à anterioridade nonagesimal quanto às contribuições à seguridade social.
21. Reconhecida a ilegalidade do quanto disposto no § 2º, do artigo 1º, da Portaria ME n.º 7.163/2021 e, por consequência, o direito ao enquadramento no PERSE do contribuinte prestador de serviços qualificados como restaurantes, cafeterias, bares e similares, sem que se lhe exija a comprovação de situação regular no Cadastur na data publicação do artigo 4º da Lei n.º 14.148/2021 (em 18.03.2022), observada a sujeição à anterioridade constitucional da restrição prevista na Lei n.º 14.592/2023.
22. Observado o prazo quinquenal de prescrição disposto no artigo 168, I, do CTN, contado da data do ajuizamento desta ação, reconhecido direito à compensação dos valores recolhidos indevidamente relativamente aos tributos inclusos no PERSE e objeto de redução da alíquota a zero por cento.
23. O reconhecimento do direito à compensação não é de cunho de meramente declaratório, mas, sim, condenatório, uma vez que obriga a União a suportar a compensação daquilo cuja conclusão, em regra, implicaria execução nos próprios autos.
24. Na forma dos artigos 39, § 4º, da Lei n.º 9.250/95 e 3º da Emenda Constitucional n.º 113/2021, bem como das teses fixadas nos Temas n.º 810/TSF e 905/STJ, os créditos serão atualizados pela taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia – Selic (composta de taxa de juros moratórios e correção monetária), calculada a partir do recolhimento indevido (Súmula STJ n.º 162) até o mês anterior ao da repetição, vedada sua cumulação com quaisquer outros índices.
25. Após o trânsito em julgado (artigo 170-A do CTN), poderá ser requerida a compensação do indébito administrativamente junto à Secretaria da Receita Federal do Brasil, observando-se o disposto nos artigo 74 da Lei n.° 9.430/96 e artigo 26-A da Lei n.º 11.457/2007, vigentes na data da propositura da ação, ressalvando-se o direito de proceder à compensação em conformidade com normas posteriores, desde que atendidos os requisitos próprios, nos termos da tese firmada pelo c. STJ no julgamento do Tema Repetitivo n.º 265 (REsp n.º 1.137.738/SP).
26. Ressalta-se que compete à Secretaria da Receita Federal do Brasil disciplinar os procedimentos necessários para o requerimento administrativo da compensação (artigo 74, § 14, da Lei n.° 9.430/96 e artigo 26-A, § 2º, da Lei n.º 11.457/2007).
27. O e. Supremo Tribunal Federal, em 08.08.2015, no julgamento do Tema de Repercussão Geral n.º 831, delimitado como “obrigatoriedade de pagamento, mediante o regime de precatórios, dos valores devidos pela Fazenda Pública entre a data da impetração do mandado de segurança e a efetiva implementação da ordem concessiva”, reafirmou sua jurisprudência e firmou tese no sentido de que “o pagamento dos valores devidos pela Fazenda Pública entre a data da impetração do mandado de segurança e a efetiva implementação da ordem concessiva deve observar o regime de precatórios previsto no artigo 100 da Constituição Federal”. Em 13.09.2019, a Corte Suprema julgou procedente a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n.º 250/DF para estabelecer a necessidade de uso de precatórios no pagamento de dívidas da Fazenda Pública, independente de o débito ser proveniente de decisão concessiva de mandado de segurança, ressalvada a exceção prevista no § 3º do art. 100 da Constituição da República (obrigações definidas em leis como de pequeno valor). Ainda, em 10.02.2010, no julgamento pelo c. Superior Tribunal de Justiça do Tema Repetitivo n.º 228 (REsp n.ºs 1.114.404/MG e 937.890/SP), delimitado como “questiona-se se é facultado ao contribuinte que detém crédito contra a Fazenda Pública por tributo indevidamente pago optar pela restituição via precatório ou compensação, conforme previsão legal do ente tributante”, e assim analisado, fixou-se a tese no sentido de que “o contribuinte pode optar por receber, por meio de precatório ou por compensação, o indébito tributário certificado por sentença declaratória transitada em julgado”, posteriormente convertida na Súmula STJ n.º 461. Sedimentando a questão, o Tribunal Pleno do e. Supremo Tribunal Federal reconheceu repercussão geral à matéria (Tema n.º 1.262 – RE 1.420.691) e, reafirmando sua jurisprudência, firmou tese no sentido de que “não se mostra admissível a restituição administrativa do indébito reconhecido na via judicial, sendo indispensável a observância do regime constitucional de precatórios, nos termos do art. 100 da Constituição Federal”.
28. Em consonância com o entendimento da Corte Suprema, a quem compete assegurar o devido atendimento dos preceitos da Carta, entende-se ser incabível a restituição, em espécie, na via administrativa. Assim, uma vez reconhecida judicialmente a existência de valores de tributos recolhidos indevidamente ou a maior, cabe ao contribuinte optar pela sua compensação, na via administrativa, ou por sua restituição, por meio de precatório.
29. Adota-se o entendimento firmado por esta 3ª Turma no sentido de que a restituição do indébito tributário é cabível, inclusive, por meio de cumprimento de sentença nos próprios autos do mandado de segurança.
30. Apelação parcialmente provida. Segurança parcialmente concedida.