Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
3ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000938-19.2023.4.03.6131

RELATOR: Gab. 07 - DES. FED. NERY JÚNIOR

APELANTE: JOAO BATISTA DAMASCENO

Advogado do(a) APELANTE: RONALDO CAMILO - PR26216-A

APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL DA FAZENDA NACIONAL DA 3ª REGIÃO

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
3ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000938-19.2023.4.03.6131

RELATOR: Gab. 07 - DES. FED. NERY JÚNIOR

APELANTE: JOAO BATISTA DAMASCENO

Advogado do(a) APELANTE: RONALDO CAMILO - PR26216-A

APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL DA FAZENDA NACIONAL DA 3ª REGIÃO

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

 

 

Trata-se de apelação interposta por JOÃO BATISTA DAMASCENO E OUTROS em ação ordinária ajuizada em face da União Federal com o objetivo de obter a anulação do ato administrativo que decretou a pena de perdimento do veículo RENAULT/Master, placas FDB 4E72, Renavam 00496936093, apreendido quando da prisão em flagrante de CAYQUE FELIX DOS SANTOS, condutor do veículo, ocorrida no dia 01/04/2023 (IPL nº 500337-13.2023.403.6131).

Narram os autores que atuam na área de transporte de cargas de forma autôma (serviço de frete) e que exercem a atividade de serviço de entrega por meio do aplicativo FRETEBRÁS, plataforma online onde as empresas transportadoras são contratadas. Informam ainda que o veículo está em nome do Sr. JOÃO BATISTA DAMASCENO, contudo quem o utiliza para fins comerciais é o seu filho, Sr João Paulo Ferreira Damasceno e sua nora Sra. Michelle Zimiani Yoshikawa. (M.E, com CNPJ 41.012.466/0001-94). 

Relatam que, em março de 2023 foram contratados pela empresa KR BEBIDAS, representada pelo Sr. ROGÉRIO LAGEMAMN, para transportar mercadorias e que subcontrataram o Sr. CAYQUE FELIX DOS SANTOS para ser o motorista. Informam que o frete partiu da cidade de Umuarama-PR, com parada em Capanema-PR e com destino final a cidade de Valinhos-SP. Ocorre que em 01/04/2023, o veículo em questão   teria sido apreendido por transportar mercadoria de procedência estrangeira sem documentação probatória de sua regular importação, estando sujeito a pena de perdimento. Alegam que não tinham conhecimento de nenhuma irregularidade referente à mercadoria transportada e que na verdade são vítimas do ocorrido. 

Sustentam os autores que a referida pena de perdimento aplicada ao veículo é totalmente ilegal e indevida por violação dos comandos legais expostos no §2º do art. 688 do decreto lei 6.759/2009 e parte final do art. 104 do decreto lei 37/66, que obrigatoriamente condicionam a decretação de perdimento de veículo automotor à demonstração de responsabilidade do proprietário na prática do ilícito, sendo indiscutível a nulidade do ato administrativo pois não  tiveram nenhuma participação na conduta delituosa. (ID 279767435)

O juízo de origem julgou extinto o processo sem resolução de mérito, nos termos do artigo 485, V, do CPC, por litispendência relativamente ao processo nº 5000393-46.2023.403.6131 e por ilegitimidade ativa. Sem condenação em custas processuais horários advocatícios.

Apelaram os autores sustentando a legitimidade ativa tendo em vista que o que se pretende seja restituído é objeto de contrato de alienação fiduciária entre o apelante e o Banco Votorantim S/A.

Após contrarrazões apresentadas pela União Federal, vieram os autos a este Tribunal.

É o relatório.
 
 

 

 

 

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
3ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000938-19.2023.4.03.6131

RELATOR: Gab. 07 - DES. FED. NERY JÚNIOR

APELANTE: JOAO BATISTA DAMASCENO

Advogado do(a) APELANTE: RONALDO CAMILO - PR26216-A

APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL DA FAZENDA NACIONAL DA 3ª REGIÃO

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

Trata-se de apelação interposta pelos autores em ação ordinária ajuizada em face da União Federal com o objetivo de obter a anulação do ato administrativo que decretou a pena de perdimento do veículo RENAULT/Master, placas FDB 4E72.

O juízo de origem extinguiu o processo sem resolução de mérito, nos termos do artigo 485, V, do CPC, por entender que o autor não possui legitimidade para ajuizar a presente ação e por vislumbrar a ocorrência de litispendência relativamente ao processo nº 5000393-46.2023.403.6131.

Quanto a questão de ilegitimidade, assim estabelecem os artigos 1361 e 1363 do Código Civil:

“Art. 1361 - Considera-se fiduciária a propriedade resolúvel de coisa móvel infungível que o devedor, com escopo de garantia, transfere ao credor.

§ 1º Constitui-se a propriedade fiduciária com o registro do contrato, celebrado por instrumento público ou particular, que lhe serve de título, no Registro de Títulos e Documentos do domicílio do devedor, ou, em se tratando de veículos, na repartição competente para o licenciamento, fazendo-se a anotação no certificado de registro.

§ 2º Com a constituição da propriedade fiduciária, dá-se o desdobramento da posse, tornando-se o devedor possuidor direto da coisa.

§ 3º A propriedade superveniente, adquirida pelo devedor, torna eficaz, desde o arquivamento, a transferência da propriedade fiduciária.'

 

“Art. 1.363 - Antes de vencida a dívida, o devedor, a suas expensas e risco, pode usar a coisa, segundo sua destinação, sendo obrigado, como depositário:

I - a empregar na guarda da coisa a diligência exigida por sua natureza;

II - a entregá-la ao credor, se a dívida não for paga no vencimento.”

 

No presente caso, o veículo foi adquirido pelo autor JOÃO BATISTA DAMASCENO por meio de alienação fiduciária com o Banco Votorantim com quitação prevista para 28/04/2026.  A relação jurídica estabelecida entre eles é de leasing financeiro, ou seja, modalidade de arrendamento mercantil no qual se agrega às parcelas pagas pelo arrendatário valor substancial correspondente à antecipação da quantia necessária à aquisição do bem ao final do contrato. Transfere-se, portanto, ao arrendatário todos os riscos inerentes ao uso do bem arrendado, distanciando-se do simples contrato de locação.

A propriedade formal do veículo em nome do credor tem a função estrita de garantia do recebimento do crédito, em situação próxima à do credor fiduciário. Desta forma, a responsabilidade pelo bem é do arrendatário, uma vez que o arrendador (banco) não tem a guarda fática ou jurídica do bem. Portanto, possui o autor legitimidade para ajuizar a presente ação.

 

Nesse sentido, a jurisprudência do C. Superior Tribunal de Justiça:
 

CIVIL E PROCESSUAL. ARRENDAMENTO MERCANTIL. DPVAT. AÇÃO REGRESSIVA MOVIDA CONTRA A ARRENDATÁRIA. ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. RESPONSABILIDADE DA EMPRESA ARRENDANTE, CAUSADORA DO SINISTRO.

I. Tratando-se o arrendamento mercantil de contrato peculiar, de natureza mista, em que se mesclam a locação com a compra e venda do bem financiado, pertence à arrendatária, que detém a posse direta do bem, a legitimidade passiva para a ação regressiva movida pela seguradora, objetivando o ressarcimento do valor que pagou aos beneficiários do DPVAT por acidente causado pelo veículo objeto de arrendamento.

II. Recurso especial conhecido e provido, julgada extinta a ação intentada contra a arrendante, nos termos do art. 267, VI, do CPC.

(REsp n. 436.201/SP, relator Ministro Aldir Passarinho Junior, Quarta Turma, julgado em 13/11/2007, DJe de 5/5/2008)
 

 

PROCESSUAL CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE EM RODOVIA. OCORRÊNCIA DE DANOS AO ERÁRIO. DNIT. ARGUMENTAÇÃO DE SOLIDARIEDADE ENTRE O CONDUTOR DO VEÍCULO E O BANCO ARRENDANTE.  VEÍCULO ADQUIRIDO SOB O CONTRATO DE ARRENDAMENTO MERCANTIL. ILEGITIMIDADE DA ARRENDADORA PARA COMPOR O PÓLO PASSIVO.

- Trata-se de demanda indenizatória decorrente de acidente de trânsito, envolvendo veículo objeto de arrendamento mercantil.

- O Banco Itaucard S/A, arrendador do veículo, é parte ilegítima para responder pelo evento danoso provocado pela conduta de arrendatári-o.

- No contrato de arrendamento mercantil transfere-se ao credor o domínio resolúvel e a posse indireta da coisa móvel alienada. O arrendatário, possuidor direto e depositário, é responsável civilmente pelos prejuízos causados a terceiros, pelo uso do bem.

- Apenas o arrendatário deve figurar no polo passivo da demanda na qual se pleiteia indenização proveniente do uso indevido do bem objeto do contrato. Precedentes do STJ.

- Apelação provida, para excluir do processo o Banco Itaucard S/A, por ilegitimidade passiva (art. 485, inc. VI, do CPC).

(TRF 3ª Região, QUARTA TURMA, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 2238241 - 0008799-71.2009.4.03.6119, Rel. DESEMBARGADORA FEDERAL MÔNICA NOBRE, julgado em 15/08/2019, e-DJF3 Judicial 1 DATA:23/08/2019)

 

 

Quanto à questão de litispendência, esta é caraterizada sempre que duas ações em curso possuírem as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido, nos termos do art. 337, §2º do CPC/15.

Revela-se equivocado, data venia, o ato decisório de primeiro grau, uma vez que, bem analisada a questão, se conclui pela inexistência de litispendência. No processo nº 5000393-46.2023.4.03.6131 ajuizado na esfera criminal para apuração do ilícito, o pedido dos autores referiu-se à restituição da coisa apreendida, o qual restou indeferido e foi arquivado em 05/07/2023 e a presente ação, na esfera cível, tem por objetivo a anulação do ato administrativo que decretou a pena de perdimento do bem.

 

Neste sentido, colaciono o seguinte entendimento desta Corte:

PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. REDISTRIBUIÇÃO DO PROCESSO EM PRIMEIRA INSTÂNCIA, EM RAZÃO DE POSSÍVEL PREVENÇÃO. FEITO ANTERIOR JÁ SENTENCIADO. SENTENÇA QUE, COM BASE EM SUPOSTA LITISPENDÊNCIA, EXTINGUE O PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. DEMANDAS COM ELEMENTOS DISTINTOS. LITISPENDÊNCIA AFASTADA.

1. Em primeira instância, não se procede à redistribuição do feito por prevenção se o processo anterior já houver sido sentenciado (Código de Processo Civil, artigo 55, § 1º).
2. Verificada a distinção entre os elementos de identificação das demandas, não se mantém a sentença que, a conta de litispendência, extinguiu o processo sem resolução do mérito.

3. Anulada a sentença e não estando a causa madura para julgamento do mérito, as questões processuais remanescentes devem ser apreciadas pelo juízo singular.

4. Provida a apelação do Ministério Público Federal. Não conhecidos os demais apelos.

(ApelRemNec - APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA / SP 5001172-70.2018.4.03.6100 Relator(a) Desembargador Federal NELTON AGNALDO MORAES DOS SANTOS Órgão Julgador 3ª Turma Data do Julgamento 06/08/2021 Data da Publicação/Fonte Intimação via sistema DATA: 09/08/2021)

 

PROCESSUAL PENAL: RECURSO CABÍVEL. INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE RESTITUIÇÃO DE BEM APREENDIDO. CONTRABANDO. CIGARROS E JAQUETAS DE COURO. PERDIMENTO DECRETADO NA ESFERA ADMINISTRATIVA. DECISÃO DEFINITIVA. INDEPENDÊNCIA DAS INSTÂNCIAS. I - O recurso cabível da decisão que indefere pedido de restituição de coisas apreendidas é o recurso de apelação, conforme previsão do artigo 593, II, do CPP. II - Aplicabilidade do princípio da fungibilidade, a teor do disposto no artigo 579 do CPP. Satisfeitos os requisitos legais, pedido conhecido como apelação. III - Aplicada a pena de perdimento na esfera administrativa, não cabe a restituição de bens apreendidos na esfera penal. IV - Nosso ordenamento jurídico consagrou a independência entre as instâncias administrativa e penal, razão pela qual a responsabilidade administrativa independe da responsabilidade penal. V - Tendo sido decretada a perda do bem em sede administrativa, a impugnação daquela decisão deve ser feita por instrumento específico, na via civil, não sendo o procedimento criminal a via apropriada. VI - Recurso improvido. (TRF-3 - RSE: 3870 SP 1999.61.08.003870-8, Segunda Turma. Relator: DESEMBARGADORA FEDERAL CECILIA MELLO, Data de Julgamento: 15/12/2009).

 

Dessa forma, deve ser afastada a extinção do feito sem resolução do mérito, com fundamento no artigo 485, V, do Código de Processo Civil.

Tendo em vista que a causa se encontra em condições de imediato julgamento, nos termos do artigo 1013, §3ºdo CPC, passo à análise do mérito.

A presente ação foi ajuizada com o escopo de obter a anulação do ato administrativo que decretou a pena de perdimento sobre o veículo RENAULT/Master, placas FDB 4E72, Renavam 00496936093.

A pena de perdimento imposta encontra-se prevista no inciso V do artigo 104 e inciso X do artigo 105 do Decreto-Lei 37/66, regulamentado pelo artigo 688 do Regulamento Aduaneiro (Decreto n 6.759/2009):

 
Art.104 - Aplica-se a pena de perda do veículo nos seguintes casos:
(...)
V - quando o veículo conduzir mercadoria sujeita à pena de perda, se pertencente ao responsável por infração punível com aquela sanção;

Art.105 - Aplica-se a pena de perda da mercadoria:

(...)
X - estrangeira, exposta à venda, depositada ou em circulação comercial no país, se não for feita prova de sua importação regular;

(...)
 
Art. 688. Aplica-se a pena de perdimento do veículo nas seguintes hipóteses, por configurarem dano ao Erário:

(...)
V – quando o veículo conduzir mercadoria sujeita a perdimento, se pertencente ao responsável por infração punível com essa penalidade;

 
No presente caso, a conduta ilícita restou configurada eis que as mercadorias estrangeiras sem documentação estavam sendo transportadas no interior do veículo. O cerne da questão consiste em verificar se os autores devem ser responsabilizados pelo fato delituoso.

O Superior Tribunal de Justiça possui entendimento no sentido de que, para ser aplicada a pena de perdimento, deve haver prova de que o proprietário é responsável:

 

"PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. MANDADO DE SEGURANÇA. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA. PENA DE PERDIMENTO. TRIBUNAL DE ORIGEM CONSIGNOU TER RESTADO INCONTROVERSO O FATO DO ÔNIBUS TRANSPORTAR DIVERSAS MERCADORIAS COM NÍTIDA DESTINAÇÃO COMERCIAL. A INVERSÃO DO JULGADO IMPLICARIA NOVA INCURSÃO NO ACERVO PROBATÓRIO DOS AUTOS. AGRAVO REGIMENTAL DA EXPRESSO KAIOWA LTDA DESPROVIDO. 1. Consoante se depreende dos autos, apesar do Tribunal de origem não ter se manifestado expressamente acerca dos arts. 73 do Decreto 2.521/98, 739 do CC/2002 e 78 e seguintes do CTN, empregou fundamentação adequada e suficiente para dirimir a controvérsia, desse modo, não há como acolher a alegada ofensa ao art. 535 do CPC. 2. No mais, a decisão proferida pela Corte a quo está em consonância com a jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça de que, para a aplicação da pena de perdimento devem ser levados em consideração a existência de prova da responsabilidade do proprietário na prática do ilícito fiscal, também a razoabilidade e proporcionalidade entre o valor da mercadoria apreendida e o do veículo. 3. Infirmar as conclusões do acórdão implicaria o reexame de fatos e provas, o que é defeso nesta seara recursal, ante o óbice da Súmula 7/STJ. 4. Agravo Regimental da EXPRESSO KAIOWA LTDA desprovido." (AgRg no REsp 1181297/PR, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 02/08/2016, DJe 15/08/2016)


No caso, o veículo em questão foi adquirido pelo autor JOÃO BATISTA DAMASCENO por meio de alienação fiduciária com o Banco Votorantim com quitação prevista para 28/04/2026, sendo ele responsável pelo veículo. Contudo,  não restou comprovada a sua participação na infração ou, pelo menos, o seu conhecimento acerca do uso ilegal do veículo, devendo ser considerada a sua boa-fé.

Deve-se ressaltar que a pena de perdimento consiste numa restrição extrema ao direito de propriedade do particular, direito protegido constitucionalmente, não se podendo permitir excessos na sua aplicação e o nosso ordenamento não admite a responsabilidade de quem não tenha praticado ou concorrido com a infração aduaneira, havendo necessidade de se demonstrar a má-fé do proprietário.


Neste sentido, é o entendimento jurisprudencial:


DIREITO TRIBUTÁRIO. ADUANEIRO. LIBERAÇÃO VEÍCULO. VEÍCULO ALUGADO A TERCEIRO. AUSÊNCIA DE DOLO OU MÁ-FÉ DO PROPRIETÁRIO.  APELAÇÃO E REMESSA NECESSÁRIA NÃO PROVIDAS.
1. Não há na legislação aduaneira (Decreto 6.759/09 e Decreto-lei 37/66) possibilidade de aplicação da pena de perdimento a mercadorias, a menos que se constate a efetiva ocorrência de dolo, fraude, sonegação ou conluio com o fito de prejudicar o Erário. Precedentes.
2. Tampouco foi atestada a reiteração da conduta ilícita, haja vista que a impetrada não juntou aos autos nenhum documento que demonstrasse o cometimento, pela impetrante, de infração aduaneira em data anterior à do caso em tela.
3. O ordenamento jurídico pátrio não admite a responsabilidade objetiva de quem não tenha praticado ou concorrido com a infração aduaneira, de modo que incumbiria ao Fisco demonstrar a má-fé da impetrante ou a ciência do cometimento do ilícito, nos termos do disposto no artigo 373 do CPC. Precedentes.

4. Apelação e remessa necessária não providas.

(TRF-3. ApReeNecMS - 5000282-62.2017.4.03.6005 – órgão julgador Terceira Turma. Rel. Des. Fed. NELTON AGNALDO MORAES DOS SANTOS – Data do julgamento: 23/01/2020. Intimação via sistema:  24/01/2020)

                                                  
“PROCESSO CIVIL. ADMINISTRATIVO. ADUANEIRO. VEÍCULO DE PROPRIEDADE DO ARRENDANTE. APLICAÇÃO DE MULTA. AUSÊNCIA DE PROVA DE PARTICIPAÇÃO NO CONTRABANDO OU DESCAMINHO. SANÇÃO ANULADA. 1. A condição de arrendante do veículo não supõe que a apelante cometeu, participou ou concorreu para a infração aduaneira, devendo ser afastada a responsabilidade pelo pagamento da multa prevista no art. 75, da Lei n° 10.833/2003. 2. A multa imposta ao infrator, por certo que objetiva reprimir severamente quem atua deliberadamente violando a norma aduaneira transportando mercadorias estrangeiras desacompanhadas de documentação legal, prática que não deve ser tolerada. É consectário que decorre da dicção desse texto legal que a sanção não seja aplicada a quem não contribuiu ou não deu causa, sob qualquer pretexto, ao cometimento do contrabando e descaminho, como é o caso da apelante. Precedentes. 3. Agravo legal improvido, para manter o afastamento da multa aplicada.” (Ap 00197617920104036100, DESEMBARGADORA FEDERAL CONSUELO YOSHIDA, TRF3 - e-DJF3 Judicial 1 DATA:29/06/2017)
 
 
“DIREITO PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. LIBERAÇÃO DE VEÍCULO. PENA DE PERDIMENTO. VEÍCULO LOCADO. REMESSA OFICIAL DESPROVIDA. 1. Consolidada a jurisprudência, firme no sentido de que a pena de perdimento do veículo utilizado em contrabando ou descaminho somente cabe quando há responsabilidade do proprietário do veículo, não se admitindo, porém, a de natureza objetiva, devendo, ao contrário, ser devidamente provada a sua participação na infração ou, ao menos, a ciência do uso ilegal do veículo de sua propriedade. 2. A jurisprudência, para respaldar a aplicação da pena de perdimento,  exige que esteja comprovada, na infração imputada, a responsabilidade e má-fé do proprietário do veículo. Assim, cabe ao Fisco provar que teve o proprietário do veículo transportador responsabilidade quanto a ato ou fato praticado pelo respectivo condutor, demonstrando que agiu em conluio, com má-fé, que se aproveitou ou consentiu com o proveito que este teve da atividade ilícita exercida. 3. Encontra-se fartamente comprovado nos autos que, quando da apreensão, a impetrante não estava na posse de seu veículo. Ao contrário, tem ressonância probatória a constatação de que a conduta do locatário, enveredando na prática de ilícito de apropriação indevida, mais vitimou a impetrante do que a tornou responsável pela infração aduaneira, praticada, isoladamente, pelo próprio locatário, por meio do veículo locado. 4. Assim, a apreensão fiscal não ocorreu em razão da comprovação da participação efetiva da requerente na infração, mas a partir de responsabilidade praticamente objetiva, pelo mero fato de ser proprietária do veículo conduzido por terceiro, o que, porém, não se coaduna com a legislação e a jurisprudência para fundamentar a aplicação do perdimento, sanção grave e que fulmina com o direito de propriedade. 5. O caso dos autos não revela peculiaridade que justifique excluir a aplicação da jurisprudência firmada, assim a alegação de ofensa a normas legais ou de negativa da respectiva vigência não se sustenta, diante da interpretação do direito federal dada pela Corte Superior competente. 6. Não se autoriza a pena de perdimento, em razão dos fatos narrados nos autos, assistindo à impetrante o direito de ver liberado o bem objeto da apreensão, prejudicado o perdimento por tal motivo, devendo, pois, ser confirmada a sentença. 7. Remessa oficial desprovida.” (REOMS 00069497220144036000, DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS MUTA, TRF3 - TERCEIRA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:02/06/2017)


 ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. PERDIMENTO DE VEÍCULO INTRODUTOR DE MERCADORIA ESTRANGEIRA SEM REGULAR DOCUMENTAÇÃO. EMPRESA DE LOCAÇÃO DE AUTOMÓVEIS. BOA-FÉ COMPROVADA. APREENSÃO DESCABIDA. DESPROVIMENTO DA APELAÇÃO E DA REMESSA OFICIAL.

1. A questão posta nos autos diz respeito à apuração da legalidade da pena de perdimento do veículo de propriedade de empresa locadora de veículos (impetrante), decorrente da apreensão de mercadorias introduzidas clandestinamente no país pelo locatário.
2. In casu, a impetrante tem como atividade empresária principal, a locação de veículos. Um de seus veículos sofreu apreensão enquanto alugado para o Sr. Max Suel de Oliveira Freitas, que teria utilizado o carro locado para transportar mercadorias de origem estrangeira, desacompanhada de documentação comprobatória de sua importação regular.
3. De efeito, restou comprovado nos autos que o motorista havia locado o veículo junto à empresa recorrida, f. 40, inexistindo aos autos, como firmado pelo E. Juízo a quo, qualquer indício de participação ou conhecimento da locadora acerca da prática delituosa flagrada.
4. Portanto, do mandamus emana a boa-fé do polo impetrante, não prosperando o perdimento do automóvel de sua propriedade.

5. Foi nesse sentido que o Colendo Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento de que, embora possível a aplicação da pena de perdimento do veículo de transporte de bens, em caso de contrabando ou descaminho, deve-se observar no caso concreto a boa-fé, por parte do proprietário ou possuidor direto do veículo, caso o mesmo não tenha envolvimento com o ato ilícito.

6. Ressalte-se que a pena de perdimento em questão consiste numa restrição ao direito de propriedade do particular, o qual é protegido constitucionalmente, de sorte que não se pode admitir excessos na sua aplicação. Daí, a necessidade de ser apurada a presença do dolo no comportamento do proprietário do veículo, vale dizer, não basta a mera responsabilização por culpa in elegendo ou in vigilando, eis que há que ser provada a intenção do dono do veículo em participar na prática do ilícito.

7. Precedentes dessa E. Corte Regional: AI: 7530 SP 2010.03.00.007530-1, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS MUTA, Data de Julgamento: 13/05/2010, TERCEIRA TURMA; TRF 3ª Região, AMS 00127022020084036000, Relatora Juíza Convocada Eliana Marcelo, Terceira Turma, e-DJF3 Judicial 1 25.10.2013; TRF 3ª Região, AMS 00026559820104036005, Relator Desembargador Federal Carlos Muta, Terceira Turma, e-DJF3 Judicial 1 15.07.2013; TRF 3ª Região, AMS 00074658620104036112, Relator Desembargador Federal Nery Junior, Terceira Turma, e-DJF3 Judicial 1 19.12.2012; TRF3, APELREEX nº 0013458-18.2007.4.03.6112, Rel. Juiz Convocado CIRO BRANDANI, Terceira Turma, j. 08/05/2014, e-DJF3 16/05/2014.
8. Precedentes do entendimento do Colendo Superior Tribunal de Justiça: STJ, RESP 201100525168, Segunda Turma, Relatora Ministra Eliana Calmon, DJE 18.04.2013, RSTJ, vol:00230, p.00520; AgRg no REsp 1313331/PR, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 11/06/2013, DJe 18/06/2013;AgRg no REsp 1116394/MS, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 01/09/2009, DJe 18/09/2009; REsp 657.240/RS, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, julgado em 14/06/2005, DJ 27/06/2005 p. 244.
9. Apelação da União e remessa oficial desprovidas.

(TRF-3 - ApReeNec370768/MS 0002528-68.2016.4.03.6000. órgão julgador: Terceira Turma. Relator. Des. Fed. NELTON DOS SANTOS. Data de julgamento: 16/05/2018 – Data de Publicação: 23/05/2018)


Portanto, não demonstrada a má-fé dos autores, a decretação de pena de perdimento do veículo em seu desfavor revelou-se ilegal.

Ante o exposto, dou provimento à apelação para reformar a r. sentença de piso e, aplicando a teoria da causa madura, no mérito, julgo procedente o pedido formulado na inicial, declarando a nulidade do ato administrativo que decretou o perdimento do veículo, determinando a imediata devolução do mesmo.

Com a procedência do pedido, nos termos do art. 85, § 3º, I do CPC, condeno a requerida ao pagamento dos honorários advocatícios no patamar de 10% sobre o valor da causa atualizado.

É como voto



E M E N T A

 

DIREITO TRIBUTÁRIO. ADMINISTRATIVO. LITISPENDÊNCIA. INOCORRÊNCIA. ADUANEIRO. PENA DE PERDIMENTO. ADUANEIRO. LIBERAÇÃO VEÍCULO. AUSÊNCIA DE DOLO OU MÁ-FÉ DO PROPRIETÁRIO.  APELAÇÃO PROVIDA

1-Quanto à legitimidade ativa, a propriedade formal do veículo em nome do credor tem a função estrita de garantia do recebimento do crédito, em situação próxima à do credor fiduciário. Desta forma, a responsabilidade pelo bem é do arrendatário, uma vez que o arrendador (banco) não tem a guarda fática ou jurídica do bem. Portanto, possui o autor legitimidade para ajuizar a presente ação.

2-Quanto à questão de litispendência, esta é caraterizada sempre que duas ações em curso possuírem as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido, nos termos do art. 337, §2º do CPC/15. Revela-se equivocado, data venia, o ato decisório de primeiro grau, uma vez que, bem analisada a questão, se conclui pela inexistência de litispendência. No processo nº 5000393-46.2023.4.03.6131 ajuizado na esfera criminal para apuração do ilícito, o pedido dos autores referiu-se à restituição da coisa apreendida, o qual restou indeferido e foi arquivado em 05/07/2023 e a presente ação, na esfera cível, tem por objetivo a anulação do ato administrativo que decretou a pena de perdimento do bem.

3-Tendo em vista que a causa se encontra em condições de imediato julgamento, nos termos do artigo 1013, §3ºdo CPC, passo à análise do mérito.

4-A presente ação foi ajuizada com o escopo de obter a anulação do ato administrativo que decretou a pena de perdimento sobre o veículo RENAULT/Master, placas FDB 4E72, Renavam 00496936093.

5-A pena de perdimento imposta encontra-se prevista no inciso V do artigo 104 e inciso X do artigo 105 do Decreto-Lei 37/66, regulamentado pelo artigo 688 do Regulamento Aduaneiro (Decreto n 6.759/2009).

6-No presente caso, a conduta ilícita restou configurada eis que as mercadorias estrangeiras sem documentação estavam sendo transportadas no interior do veículo. O cerne da questão consiste em verificar se os autores devem ser responsabilizados pelo fato delituoso.

7-O Superior Tribunal de Justiça possui entendimento no sentido de que, para ser aplicada a pena de perdimento, deve haver prova de que o proprietário é responsável. No caso, o veículo em questão foi adquirido pelo autor por meio de alienação fiduciária com o Banco Votorantim com quitação prevista para 28/04/2026, sendo ele responsável pelo veículo. Contudo,  não restou comprovada a sua participação na infração ou, pelo menos, o seu conhecimento acerca do uso ilegal do veículo, devendo ser considerada a sua boa-fé.

8-Deve-se ressaltar que a pena de perdimento consiste numa restrição extrema ao direito de propriedade do particular, direito protegido constitucionalmente, não se podendo permitir excessos na sua aplicação e o nosso ordenamento não admite a responsabilidade de quem não tenha praticado ou concorrido com a infração aduaneira, havendo necessidade de se demonstrar a má-fé do proprietário.

9-Portanto, não demonstrada a má-fé dos autores, a decretação de pena de perdimento do veículo em seu desfavor revelou-se ilegal.

10-Apelação provida.

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Terceira Turma, por unanimidade, deu provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.