APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5004947-20.2023.4.03.6100
RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO
APELANTE: BRUNO SALGADO HERNANDES
Advogados do(a) APELANTE: JEAN CARLOS ROCHA - SP434164-A, TASSIA DE TARSO DA SILVA FRANCO - SP434831-A
APELADO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL
Advogado do(a) APELADO: SONIA MARIA BERTONCINI - SP142534-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5004947-20.2023.4.03.6100 RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO APELANTE: BRUNO SALGADO HERNANDES Advogados do(a) APELANTE: JEAN CARLOS ROCHA - SP434164-A, TASSIA DE TARSO DA SILVA FRANCO - SP434831-A APELADO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL Advogado do(a) APELADO: SONIA MARIA BERTONCINI - SP142534-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O Exmo. Sr. Desembargador Federal Carlos Francisco (Relator): Trata-se de recurso de apelação interposto por BRUNO SALGADO HERNANDES (ID 284311870) em face da r. sentença (IDs 284311868 e 284311869) que julgou improcedente os pedidos formulados, extinguindo o feito com resolução de mérito, nos termos do art. 487, I, do Código de Processo Civil, tendo a parte-autora sido condenada ao pagamento de honorários advocatícios arbitrados em 10% do valor da causa (devidamente corrigido quando do efetivo pagamento). Em síntese, a parte-autora argumenta no sentido da necessidade de revisão de seu contrato habitacional com o objetivo de que seja afastada a capitalização dos juros e a respectiva abusividade. Questiona, também, a “Taxa de Administração” e o “Seguro” cobrados pela instituição financeira. Ao cabo, requer a condenação do banco à repetição do indébito pelo dobro (sendo que, subsidiariamente, na forma simples) e a inversão dos ônus sucumbenciais. Com contrarrazões (ID 284311879), subiram os autos a este E. Tribunal. É o breve relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5004947-20.2023.4.03.6100 RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO APELANTE: BRUNO SALGADO HERNANDES Advogados do(a) APELANTE: JEAN CARLOS ROCHA - SP434164-A, TASSIA DE TARSO DA SILVA FRANCO - SP434831-A APELADO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL Advogado do(a) APELADO: SONIA MARIA BERTONCINI - SP142534-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O Exmo. Sr. Desembargador Federal Carlos Francisco (Relator): Inicialmente, lembro que contrato é negócio jurídico bilateral na medida em que retrata o acordo de vontades com o fim de criar, de modificar ou de extinguir direitos, gerando obrigações aos envolvidos; vale dizer, o contrato estabelece relação jurídica entre credor e devedor, podendo aquele exigir o cumprimento da prestação por este assumida. Há dois vetores que norteiam as relações contratuais: o primeiro é a autonomia de vontade, que confere às partes liberdade para estabelecer ou não avenças, fixando seu conteúdo desde que em harmonia com as leis e a ordem pública; o segundo é a obrigatoriedade, pois, uma vez firmado o acordo de vontades, as partes devem cumprir o contratado (primado “pacta sunt servanda”), garantidor da seriedade e da segurança jurídica. Qualquer alteração do contrato deverá ocorrer de forma voluntária e bilateral, salvo em casos como mudanças decorrentes de atos normativos supervenientes (cuja eficácia se viabilize sem prejuízo ao ato jurídico perfeito e ao direito adquirido) ou situações imprevistas e extraordinárias que alterem o equilíbrio do que foi pactuado. Dificuldades financeiras não são fundamentos jurídicos para justificar o inadimplemento de obrigações livremente assumidas pelo devedor-fiduciante, porque a alteração do contrato exige voluntário e bilateral acordo de vontade. Também não há legislação viabilizando que o devedor deixe de pagar as prestações avençadas por enfrentar desafios financeiros, do mesmo modo que essa circunstância unilateral não altera o equilíbrio do que foi pactuado (já que o objeto é o mútuo com alienação fiduciária de coisa imóvel). Ademais, contratos firmados com cláusula de alienação fiduciária de bem imóvel em garantia já desfrutam de previsões especiais nos termos da Lei nº 9.514/1997, integrando políticas públicas que atendem à proteção do direito fundamental à moradia, mesmo que não integrem operações do Programa Minha Casa – Minha Vida (Lei nº 11.977/2009), com recursos advindos da integralização de cotas no Fundo de Arrendamento Residencial (FAR). Ressalte-se que o C. STJ já decidiu quanto à aplicabilidade do CDC nos contratos firmados no âmbito do SFH, desde que estes tenham sido celebrados posteriormente à sua entrada em vigor e não estejam vinculados ao FCVS, verbis: PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. SISTEMA FINANCEIRO DE HABITAÇÃO. FCVS. VIOLAÇÃO DOS ARTS. 458 E 535 DO CPC. NÃO-OCORRÊNCIA. INAPLICABILIDADE DAS NORMAS DE PROTEÇÃO AO CONSUMIDOR CONTRÁRIAS À LEGISLAÇÃO ESPECÍFICA. CONTROVÉRSIA DECIDIDA PELA PRIMEIRA SEÇÃO, NO JULGAMENTO DO RESP 489.701/SP. ADIANTAMENTO DAS DESPESAS DECORRENTES DA PERÍCIA. OBRIGAÇÃO DA PARTE AUTORA. 1. Não viola os arts. 458 e 535 do CPC, tampouco nega a prestação jurisdicional, o acórdão que, mesmo sem ter examinado individualmente cada um dos argumentos trazidos pelo vencido, adota, entretanto, fundamentação suficiente para decidir de modo integral a controvérsia. 2. A Primeira Seção desta Corte, no julgamento do REsp 489.701/SP, de relatoria da Ministra Eliana Calmon (DJ de 16.4.2007), decidiu que: (a) "o CDC é aplicável aos contratos do Sistema Financeiro da Habitação, incidindo sobre contratos de mútuo"; (b) "entretanto, nos contratos de financiamento do SFH vinculados ao Fundo de Compensação de Variação Salarial - FCVS, pela presença da garantia do Governo em relação ao saldo devedor, aplica-se a legislação própria e protetiva do mutuário hipossuficiente e do próprio Sistema, afastando-se o CDC, se colidentes as regras jurídicas". 3. A inversão do ônus da prova não implica a transferência, ao demandado, da obrigação pelo pagamento ou adiantamento das despesas do processo. 4. "A questão do ônus da prova diz respeito ao julgamento da causa quando os fatos alegados não restaram provados. Todavia, independentemente de quem tenha o ônus de provar este ou aquele fato, cabe a cada parte prover as despesas dos atos que realiza ou requer no processo, antecipando-lhes o pagamento (CPC, art. 19), sendo que compete ao autor adiantar as despesas relativas a atos cuja realização o juiz determinar de ofício ou a requerimento do Ministério Público (CPC, art. 19, § 2º)" (REsp 538.807/RS, 1ª Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 7.11.2006). 5. Recurso especial parcialmente provido (REsp 797.079/SP, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 18/03/2008, DJe 24/04/2008). Entretanto, o CDC não pode ser aplicado indiscriminadamente para socorrer alegações genéricas de que houve violação ao princípio da boa-fé, onerosidade excessiva ou existência de cláusula abusiva no contrato. Adentrando ao caso concreto, nota-se que a parte-autora celebrou, com a CAIXA ECONÔMICA FEDERAL – CEF, contrato de venda e compra de imóvel, mútuo e alienação fiduciária em garantia, no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação – SFH, com a utilização de recursos de conta vinculada do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS, no valor de R$ 174.817,80, a ser pago em 420 meses, com taxa de juros nominal “balcão” de 8,6395% ao ano, taxa de juros efetiva “balcão” de 8,9900% ao ano, taxa de juros nominal “reduzida” de 8,2785% ao ano e taxa de juros efetiva “reduzida” de 8,5999% ao ano, atualizado pelo Sistema de Amortização SAC (ID 284311838). Analisando os termos do contrato em litígio, observa-se que o imóvel objeto do financiamento imobiliário foi alienado à CEF em caráter fiduciário, nos termos do art. 22 e seguintes da Lei nº 9.514/1997. Ademais, especificamente em relação aos juros, a Lei nº 8.692/1993, em seu art. 25, estabeleceu, para os contratos de financiamento celebrados no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação (SFH), o limite de 12% (doze por cento) ao ano, sendo que a avença em tela prevê, conforme já adiantado, taxa de juros efetiva dentro dos parâmetros legais, não exorbitante da média aplicada pelo mercado. Indo adiante, o C. STJ, no julgamento representativo de controvérsia do REsp 1070297/PR, pacificou entendimento segundo o qual, nos contratos celebrados no âmbito do SFH, é vedada a capitalização de juros em qualquer periodicidade, verbis: RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS VEDADA EM QUALQUER PERIODICIDADE. TABELA PRICE. ANATOCISMO. INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS 5 E 7. ART. 6º, ALÍNEA "E", DA LEI Nº 4.380/64. JUROS REMUNERATÓRIOS. AUSÊNCIA DE LIMITAÇÃO. 1. Para efeito do art. 543-C: 1.1. Nos contratos celebrados no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação, é vedada a capitalização de juros em qualquer periodicidade. Não cabe ao STJ, todavia, aferir se há capitalização de juros com a utilização da Tabela Price, por força das Súmulas 5 e 7. 1.2. O art. 6º, alínea "e", da Lei nº 4.380/64, não estabelece limitação dos juros remuneratórios. 2. Aplicação ao caso concreto: 2.1. Recurso especial parcialmente conhecido e, na extensão, provido, para afastar a limitação imposta pelo acórdão recorrido no tocante aos juros remuneratórios (REsp 1070297/PR, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 09/09/2009, DJe 18/09/2009). Contudo, é pacífica a possibilidade de utilização da Tabela Price, bem como dos Sistemas SAC ou SACRE, nos contratos de mútuo habitacional, visto que referidos métodos de amortização não provocam desequilíbrio econômico-financeiro, tampouco geram enriquecimento ilícito ou qualquer outra ilegalidade. Tais sistemas, que aplicam juros compostos (não necessariamente capitalizados), encontram previsão contratual e legal, sendo amplamente aceitos na jurisprudência pátria. Anote-se, por oportuno, que o contrato ora em apreciação prevê a utilização do Sistema de Amortização Constante – SAC, o qual faz com que as prestações sejam gradualmente reduzidas com o passar do tempo. Tal sistema consiste em um método em que as parcelas tendem a reduzir ou, no mínimo, a se manter estáveis, o que não causa prejuízo ao mutuário, havendo, inclusive, a redução do saldo devedor com o decréscimo de juros, os quais não são capitalizados. Nesse sentido: CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. SFH. MÚTUO COM ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA. REVISÃO CONTRATUAL. SISTEMA DE AMORTIZAÇÃO CONSTANTE – SAC. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS: INOCORRÊNCIA. 1. O sistema de prévia correção do saldo devedor no procedimento de amortização é operação que se ajusta ao princípio da correção monetária do valor financiado e não fere a comutatividade das obrigações pactuadas, uma vez que o capital emprestado deve ser remunerado pelo exato prazo em que ficou à disposição do mutuário. 2. Ressalte-se que não há norma constitucional vedando a capitalização de juros, de tal sorte que poderia ser instituída pela lei ordinária. Inexiste, igualmente, dispositivo na Constituição Federal limitando ou discriminando os acréscimos em razão da mora. Assim, estipular correção monetária e juros ou qualquer outro encargo, inclusive os que guardem semelhança com os do sistema financeiro, é matéria entregue à discricionariedade legislativa. 3. O Superior Tribunal de Justiça, contudo, no julgamento representativo de controvérsia do REsp 1070297/PR, submetido à sistemática do artigo 543-C do Código de Processo Civil, pacificou entendimento segundo o qual, nos contratos celebrados no âmbito do SFH, é vedada a capitalização de juros em qualquer periodicidade. 4. Por sua vez, os contratos de mútuo habitacional encontram limites próprios, em normas específicas, tais como as Leis n. 8.100/1990 e 8.692/1993. Diversamente do que acontece genericamente nos contratos de mútuo, os mútuos inerentes ao SFH encontram previsão legal de amortização mensal da dívida (artigo 6°, "c", da Lei nº 4.380/1964). 5. Dessa disposição decorre, para as instituições operadoras dos recursos do SFH, a possibilidade de utilização da Tabela Price – bem como da SACRE e da SAC (atualmente os três sistemas mais praticados pelos bancos) – para o cálculo das parcelas a serem pagas. Por esses sistemas de amortização, as prestações são compostas de um valor referente aos juros e de outro valor, referente à própria amortização. 6. Os três sistemas importam juros compostos (mas não necessariamente capitalizados), que encontram previsão contratual e legal, sem qualquer violação à norma constitucional. Utilizando-se o sistema SAC, as prestações e os acessórios são reajustados pelo mesmo índice que corrige o saldo devedor, permitindo a quitação do contrato no prazo estipulado. Assim, quando as prestações são calculadas de acordo com o SAC, os juros serão progressivamente reduzidos, de modo que sua utilização, tomada isoladamente, não traz nenhum prejuízo ao devedor. Precedentes. 7. No caso dos autos, verifica-se que o encargo diminui com o passar do tempo, o que infirma qualquer alegação de que a ré vem descumprindo as cláusulas contratuais, ou cometendo abusos. 8. Ademais, é assente na jurisprudência que nos contratos firmados pelo Sistema de Amortização Constante – SAC não se configura o anatocismo. 9. Cumpre consignar que o pacto em análise não se amolda ao conceito de contrato de adesão, não podendo ser analisado sob o enfoque social, considerando que a entidade financeira não atua com manifestação de vontade, já que não tem autonomia para impor as regras na tomada do mútuo que viessem a lhe favorecer, devendo seguir as regras impostas pela legislação específica do Sistema Financeiro Imobiliário, criado pela Lei n. 4.380/64. 10. Não se discute a aplicação das medidas protetivas ao consumidor, previstas no Código de Defesa do Consumidor, aos contratos de mútuo habitacional vinculados ao SFH que não sejam vinculados ao FCVS e que tenham sido assinados posteriormente à entrada em vigor da Lei nº 8.078/1990, conforme já pacificado pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. 11. Essa proteção, porém, não é absoluta e deve ser invocada de forma concreta, comprovando o mutuário efetivamente a existência de abusividade das cláusulas contratuais ou de excessiva onerosidade da obrigação pactuada. Assim, não tendo a parte apelante comprovado a existência de eventual abuso no contrato firmado, fica vedada a revisão do contrato mediante mera alegação genérica nesse sentido. 12. Apelação desprovida (TRF 3ª Região, 1ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5005418-31.2017.4.03.6105, Rel. Desembargador Federal HELIO EGYDIO DE MATOS NOGUEIRA, julgado em 03/04/2020, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 14/04/2020). Sem prejuízo do que se acaba de expor, a parte autora requer a revisão do contrato para que incida juros em sua forma simples (juntando, para tanto, o documento ID 284311842). Todavia, não se justifica a revisão pretendida, pois o contrato livremente celebrado entre as partes prevê expressamente a utilização do Sistema SAC. A propósito, confiram-se os seguintes julgados desta E. Corte: PROCESSO CIVIL. APELAÇÃO EM AÇÃO REVISIONAL. CONTRATOS BANCÁRIOS. CERCEAMENTO DE DEFESA. CDC. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. ANATOCISMO. SISTEMAS DE AMORTIZAÇÃO. APELAÇÃO IMPROVIDA. (...) VII – Não existe vedação legal à utilização da Tabela Price (SFA), do SAC ou do Sacre, estes sistemas de amortização não provocam desequilíbrio econômico-financeiro no contrato, enriquecimento ilícito ou qualquer outra ilegalidade, cada um deles possui uma configuração própria de vantagens e desvantagens. Na ausência de nulidade na cláusula contratual que preveja a utilização de qualquer um destes sistemas, na ausência de óbices à prática de juros compostos, não se justifica a revisão do contrato para a adoção do Método Gauss. VIII – No caso em tela, a parte autora limitou-se a questionar a validade das cláusulas contratadas, as quais são regulares. Ademais, não logrou demonstrar que a CEF deixou de aplicá-las ou que sua aplicação provocou grande desequilíbrio em virtude das alterações das condições fáticas em que foram contratadas, apresentando fundamentação insuficiente para a produção de prova pericial. Em suma, na ausência de comprovação de abuso ou desequilíbrio contratual, não havendo qualquer ilegalidade nas cláusulas contratadas, não há que se falar em compensação dos valores pagos a maior, repetição do indébito, enriquecimento sem causa ou devolução em dobro, não assistindo razão à embargante. IX – Apelação improvida (TRF 3ª Região, Primeira Turma, ApCiv/SP 5001765-91.2017.4.03.6114, Relator Desembargador Federal Valdeci dos Santos, e – DJF3 14/08/2019). AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE REVISÃO CONTRATUAL - TUTELA DE URGÊNCIA - ART. 300 NCPC - AUSÊNCIA DOS REQUISITOS ENSEJADORES - PREVISÃO DO SISTEMA SAC - PAGAMENTO DAS PRESTAÇÕES - VALOR MUITO INFERIOR AO ENCARGO INICIAL - ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA - LEI 9.514/97 - CONSOLIDAÇÃO DA PROPRIEDADE DO IMÓVEL EM FAVOR DA CREDORA - RECURSO DESPROVIDO. I - A concessão da tutela de urgência é medida de exceção, sendo imprescindível a verificação de elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo (NCPC, art. 300). II - Não prospera a pretensão do agravante em alterar, unilateralmente, o Sistema de Amortização adotado para Gauss, uma vez que vige em nosso sistema em matéria contratual, o princípio da autonomia da vontade atrelado ao do "pacta sunt servanda". III - O Sistema de Amortização Constante (SAC), não implica em capitalização de juros e consiste num método em que as parcelas tendem a reduzir ou, no mínimo, a se manter estáveis, o que não causa prejuízo ao mutuário, havendo, inclusive, a redução do saldo devedor com o decréscimo de juros, os quais não são capitalizados. IV - O procedimento de execução do mútuo com alienação fiduciária em garantia, não ofende a ordem constitucional vigente, sendo passível de apreciação pelo Poder Judiciário, caso o devedor assim considerar necessário. V - Como bem pontuou o Magistrado de primeiro grau, o depósito judicial das prestações vencidas, somente se realizado no montante integral e atualizado tem o condão de suspender a exigibilidade do débito, impedindo a consolidação da propriedade. VI - No que concerne à eventual inscrição do nome do mutuário junto ao Serviço de Proteção ao Crédito (CADIN, SPC, etc.), cumpre consignar que o risco de inclusão em tais cadastros é consectário lógico da inadimplência, sendo que a existência de ação ordinária, por si só, não torna incabível a inscrição do nome do devedor em instituições dessa natureza. Precedentes desta E. Corte. VII - Agravo de instrumento desprovido (TRF 3ª Região, 2ª Turma, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 5010334-22.2019.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal LUIZ PAULO COTRIM GUIMARAES, julgado em 29/08/2019, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 02/09/2019). Na realidade, somente caberia a mitigação do princípio do pacta sunt servanda, com a adoção da Teoria da Imprevisão, que autoriza a revisão das obrigações previstas em contrato, se demonstrado que as condições econômicas do momento da celebração se alteraram de tal maneira, em razão de algum acontecimento inevitável, que passaram a gerar para o mutuário extrema onerosidade e para o credor, por outro lado, excessiva vantagem, o que não é o caso dos autos – nesse sentido, vide o seguinte julgado do C. STJ: AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL. CONTRATO DE FINANCIAMENTO HABITACIONAL. SFH. REVISÃO DAS PARCELAS. REDUÇÃO DA RENDA. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. Ação de revisão de contrato de financiamento imobiliário firmado pelo SFH, visando a renegociação do valor das prestações mensais e o alongamento do prazo de liquidação, com fundamento no Código de Defesa do Consumidor. 2. O Tribunal de origem, examinando as condições contratuais, concluiu que o recálculo da parcela estabelecida contratualmente não está vinculado ao comprometimento de renda do mutuário, mas sim à readequação da parcela ao valor do saldo devedor atualizado. Nesse contexto, entendeu que, para justificar a revisão contratual, seria necessário fato imprevisível ou extraordinário, que tornasse excessivamente oneroso o contrato, não se configurando como tal eventual desemprego ou redução da renda do contratante. 3. Efetivamente, a caracterização da onerosidade excessiva pressupõe a existência de vantagem extrema da outra parte e acontecimento extraordinário e imprevisível. Esta Corte já decidiu que tanto a teoria da base objetiva quanto a teoria da imprevisão "demandam fato novo superveniente que seja extraordinário e afete diretamente a base objetiva do contrato" (AgInt no REsp 1.514.093/CE, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, DJe de 7/11/2016), não sendo este o caso dos autos. 4. Agravo interno não provido (AINTARESP - AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL - 1340589 2018.01.97146-0, RAUL ARAÚJO, STJ - QUARTA TURMA, DJE DATA:27/05/2019). Especificamente em relação à “Taxa de Administração”, sua cobrança está prevista expressamente no item “B10” e na “Cláusula 04” do contrato livremente pactuado entre as partes (ID 284311838), não havendo que se falar em abusividade. Confira-se a esse respeito o julgado que segue: CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. APLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. CONTRATAÇÃO DE SEGURO HABITACIONAL: OBRIGATORIEDADE. INEXISTÊNCIA DE VENDA CASADA. REAJUSTE DOS PRÊMIOS DE SEGURO. LEGALIDADE. COBRANÇA DA TAXA DE ADMINISTRAÇÃO. ABUSIVIDADE NÃO DEMONSTRADA. TABELA PRICE. ANATOCISMO. FALTA DE COMPROVAÇÃO. PRECLUSÃO. (...) 10. A cobrança da taxa de administração e risco de crédito está prevista no item ‘C13’ do quadro resumo do contrato firmado, e tendo sido livremente pactuada, cabia à parte apelante demonstrar eventual abusividade na sua cobrança, ônus do qual não se desincumbiu. Precedente. (...) 18. Recurso desprovido (TRF3, 1ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5003842-69.2018.4.03.6104, Rel. Des. Fed. HELIO EGYDIO DE MATOS NOGUEIRA, julgado em 05/12/2019, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 11/12/2019). Por sua vez, no que toca ao pleito de reconhecimento de “venda casada”, importante asseverar que a contratação de seguro habitacional é obrigatória para os imóveis que são objeto de financiamento no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação, conforme artigos 20 e 21 do Decreto-Lei nº 70/1966. Assim, para que a contratação do seguro seja considerada abusiva, faz-se necessário que se comprove que as quantias cobradas a este título são consideravelmente superiores às taxas praticadas no mercado ou que a parte autora pretendeu exercer sua faculdade de contratar o seguro junto à instituição de sua preferência, o que não ocorreu no caso concreto. Nesse sentido, os seguintes julgados: RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO. TAXA REFERENCIAL (TR). LEGALIDADE. SEGURO HABITACIONAL. CONTRATAÇÃO OBRIGATÓRIA COM O AGENTE FINANCEIRO OU POR SEGURADORA POR ELE INDICADA. VENDA CASADA CONFIGURADA. 1. Para os efeitos do art. 543-C do CPC: 1.1. No âmbito do Sistema Financeiro da Habitação, a partir da Lei 8.177/91, é permitida a utilização da Taxa Referencial (TR) como índice de correção monetária do saldo devedor. Ainda que o contrato tenha sido firmado antes da Lei n.º 8.177/91, também é cabível a aplicação da TR, desde que haja previsão contratual de correção monetária pela taxa básica de remuneração dos depósitos em poupança, sem nenhum outro índice específico. 1.2. É necessária a contratação do seguro habitacional, no âmbito do SFH. Contudo, não há obrigatoriedade de que o mutuário contrate o referido seguro diretamente com o agente financeiro, ou por seguradora indicada por este, exigência esta que configura "venda casada", vedada pelo art. 39, inciso I, do CDC. 2. Recurso especial parcialmente conhecido e, na extensão, provido (STJ, REsp 969.129/MG, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 09/12/2009, DJe 15/12/2009). PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO – SFH. CDC. SEGURO. ANATOCISMO. APELAÇÃO IMPROVIDA. I - O CDC se aplica às instituições financeiras (Súmula 297 do STJ), mas as cláusulas dos contratos do SFH observam legislação cogente imperando o princípio pacta sunt servanda. A teoria da imprevisão e o princípio rebus sic standibus requerem a demonstração de que não subsistem as circunstâncias fáticas que sustentavam o contrato, justificando o pedido de revisão contratual. Mesmo nos casos em que se verifica o prejuízo financeiro, a nulidade pressupõe a incidência dos termos do artigo 6º, V, artigo 51, IV e § 1º do CDC, sendo o contrato de adesão espécie de contrato reconhecida como regular pelo próprio CDC em seu artigo 54. II - O artigo 14 da Lei nº 4.380/64 e os artigos 20 e 21 do Decreto-lei 73/66, preveem a obrigatoriedade de contratação de seguro para os imóveis que são objeto e garantia de financiamento pelas normas do SFH. A alegação de venda casada só se sustenta se as quantias cobradas a título de seguro forem consideravelmente superiores às taxas praticadas por outras seguradoras em operação similar, ou se a parte Autora pretender exercer a faculdade de contratar o seguro junto à instituição de sua preferência. (...) V - Apelação improvida (TRF 3ª Região, 1ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5005838-36.2017.4.03.6105, Rel. Desembargador Federal VALDECI DOS SANTOS, julgado em 28/11/2019, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 16/12/2019). Exauridas as teses suscitadas no apelo e não estando comprovadas irregularidades no que inicialmente restou pactuado, não se mostra possível o acolhimento da pretensão da parte-autora, devendo ser mantido o contrato em questão, livremente entabulado pelas partes. Prejudicados os pedidos de repetição de indébito (seja pelo dobro, seja na forma simples) e de inversão dos ônus de sucumbência. Pelas razões expostas, NEGO PROVIMENTO ao recurso de apelação interposto por BRUNO SALGADO HERNANDES. Tendo como base o decidido no Tema 1.059/STJ, em vista o trabalho adicional desenvolvido na fase recursal e considerando o conteúdo da controvérsia, com fundamento no art. 85, § 11, do CPC, a verba honorária fixada em primeiro grau de jurisdição deve ser majorada em 10%, respeitados os limites máximos previstos nesse mesmo preceito legal, e observada a publicação da decisão recorrida a partir de 18/03/2016, inclusive (E.STJ, Agravo Interno nos Embargos de Divergência 1.539.725/DF, Rel. Min. Antônio Carlos Ferreira, 2ª seção, DJe de 19/10/2017). É o voto.
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. FINANCIAMENTO IMOBILIÁRIO. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE BEM IMÓVEL. REVISÃO CONTRATUAL. APLICAÇÃO DO CDC. SISTEMA SAC. TAXA DE ADMINISTRAÇÃO. SEGURO.
- Dificuldades financeiras não são motivos jurídicos para justificar o inadimplemento de obrigações livremente assumidas pelo devedor-fiduciante, porque a alteração do contrato exige voluntária e bilateral acordo de vontade. Também não há legislação viabilizando inadimplência por esse motivo, do mesmo modo que essa circunstância unilateral não altera o equilíbrio do que foi pactuado entre as partes.
- O C. STJ já decidiu quanto à aplicabilidade do CDC nos contratos firmados no âmbito do SFH, desde que estes tenham sido celebrados posteriormente à sua entrada em vigor e não estejam vinculados ao FCVS. Entretanto, o CDC não pode ser aplicado indiscriminadamente para socorrer alegações genéricas de que houve violação ao princípio da boa-fé, onerosidade excessiva ou existência de cláusula abusiva no contrato.
- A Lei nº 8.692/1993, em seu art. 25, estabeleceu, para os contratos de financiamento celebrados no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação (SFH), o limite de 12% (doze por cento) ao ano. O contrato celebrado entre as partes prevê taxa de juros efetiva dentro dos parâmetros legais, não exorbitante da média aplicada pelo mercado.
- É pacífica a possibilidade de utilização da Tabela Price, bem como dos Sistemas SAC ou SACRE, nos contratos de mútuo habitacional, visto que referidos métodos de amortização não provocam desequilíbrio econômico-financeiro, tampouco geram enriquecimento ilícito ou qualquer outra ilegalidade. Tais sistemas, que aplicam juros compostos (não necessariamente capitalizados), encontram previsão contratual e legal, sendo amplamente aceitos na jurisprudência pátria.
- O contrato prevê a utilização do Sistema de Amortização Constante – SAC, o qual faz com que as prestações sejam gradualmente reduzidas com o passar do tempo. Tal sistema não implica em capitalização de juros e consiste em um método em que as parcelas tendem a reduzir ou, no mínimo, a se manter estáveis, o que não causa prejuízo ao mutuário, havendo, inclusive, a redução do saldo devedor com o decréscimo de juros, os quais não são capitalizados.
- Só caberia a mitigação do princípio do pacta sunt servanda, com adoção da Teoria da Imprevisão, que autoriza a revisão das obrigações previstas em contrato, se demonstrado que as condições econômicas do momento da celebração se alteraram de tal maneira, em razão de algum acontecimento inevitável, que passaram a gerar para o mutuário extrema onerosidade e para o credor, por outro lado, excessiva vantagem, o que não é o caso dos autos.
- A cobrança de “Taxa de Administração” está expressa no contrato livremente pactuado entre as partes, não havendo que se falar em abusividade.
- Para que a contratação do seguro seja considerada abusiva, faz-se necessário que se comprove que as quantias cobradas a este título são consideravelmente superiores às taxas praticadas no mercado ou que a parte autora pretendeu exercer sua faculdade de contratar o seguro junto à instituição de sua preferência, o que não ocorreu no caso concreto.
- Apelação desprovida.