APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0014605-94.1998.4.03.6112
RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZACAO E REFORMA AGRARIA - INCRA
Advogado do(a) APELANTE: GUSTAVO AURELIO FAUSTINO - SP264663-N
APELADO: WILSON KOZO KOGA, KIMIKA KOGA, EDSON SHOSABURO KOGA, EUNICE MISSAE KAMIJI KOGA
Advogado do(a) APELADO: FERNANDO ANTONIO NEVES BAPTISTA - SP66897
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0014605-94.1998.4.03.6112 RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZACAO E REFORMA AGRARIA - INCRA Advogado do(a) APELANTE: GUSTAVO AURELIO FAUSTINO - SP264663-N APELADO: WILSON KOZO KOGA, KIMIKA KOGA, EDSON SHOSABURO KOGA, EUNICE MISSAE KAMIJI KOGA Advogado do(a) APELADO: FERNANDO ANTONIO NEVES BAPTISTA - SP66897 OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O EXMO SR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS FRANCISCO (Relator): Trata-se de apelação interposta pelo INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA (INCRA) e de reexame necessário em face de sentença proferida pela 3ª Vara Federal de Presidente Prudente/SP que, em ação objetivando a anulação de vistoria realizada na propriedade dos autores, que concluiu ser a mesma improdutiva e, por conseguinte, passível de desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária, assim decidiu: 3. DISPOSITIVO Ante o exposto, julgo PROCEDENTE o pedido formulado pelos autores, e resolvo o mérito, nos termos do artigo 269, inciso I, do Código de Processo Civil, para anular o processo administrativo 54190.000109/98-18 do INCRA, a partir do laudo de fls. 260/270. Concedo a antecipação de tutela requerida, determinando a suspensão do trâmite do processo administrativo referido até decisão definitiva neste feito. Condeno o réu ao ressarcimento das custas processuais e honorários periciais adiantados pelos autores. Condeno ainda a ré ao pagamento de honorários advocatícios que arbitro em R$ 10.000,00 (dez mil reais). Deve esta sentença ser submetida ao reexame do Tribunal. Em suas razões recursais, a parte apelante sustenta, preliminarmente, a necessidade de apreciação do agravo retido interposto nos autos. No mérito, aduz que o laudo elaborado pelo perito judicial é atécnico e desprovido de fundamento documental ou fático. Sustenta que a apuração do Grau de Eficiência na Exploração da Terra (GEE) deve levar em consideração o momento da vistoria, pouco importando os investimentos posteriormente realizados no imóvel, sendo que, em se tratando de propriedade pecuária, a grandeza "unidades de animais" (ou "número de cabeças"), que compõe o cálculo do GEE, pressupõe interpretar os "garrotes" e "novilhas" dos Demonstrativos de Movimentação de Gado (DMG), respectivamente, como bovinos machos e fêmeas com idade inferior a dois anos, o que ensejaria a aplicação do fator de conversão 0,37, diferentemente do critério injustificadamente utilizado pelos recorridos e pela perícia, que os considerou como bovinos machos e fêmeas maiores de dois anos, utilizando o fator de conversão 0,87 e, portanto, aumentando o índice do GEE. Aduz, ainda, que as fichas de vacinação utilizadas pelo perito são incompatíveis com o Demonstrativo de Movimentação de Gado (DMG), não servindo para fundamentar o cálculo efetuado e que a "Área Efetivamente Utilizada" para pecuária deve ser aquela constante na Declaração para Cadastro de Imóvel Rural, incluindo-se os 316,2 hectares de culturas temporárias excluídos do cálculo pelo perito judicial por considerá-los como área de reforma de pastagem. Pugna pela reforma da sentença. Com as contrarrazões, vieram os autos a esta Corte. Parecer do Ministério Público Federal pelo desprovimento do agravo retido, da apelação e do reexame necessário. É o breve relatório. Passo a decidir.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0014605-94.1998.4.03.6112 RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZACAO E REFORMA AGRARIA - INCRA Advogado do(a) APELANTE: GUSTAVO AURELIO FAUSTINO - SP264663-N APELADO: WILSON KOZO KOGA, KIMIKA KOGA, EDSON SHOSABURO KOGA, EUNICE MISSAE KAMIJI KOGA Advogado do(a) APELADO: FERNANDO ANTONIO NEVES BAPTISTA - SP66897 OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS FRANCISCO (Relator): Tendo em vista a data da prolação da sentença (09/12/2014), aos presentes recursos aplica-se o CPC/1973, conforme orientação do Enunciado Administrativo nº 2 do C. STJ. Preliminarmente, conheço do agravo retido interposto pelo INCRA (ID 90339319, fls. 83/85), visto que houve a reiteração prevista no art. 523, § 1º, do CPC/1973. O recurso, contudo, não comporta provimento. Muito embora não reste dúvida de que o INCRA realmente não foi intimado pessoalmente do início dos trabalhos periciais, fato é que não se verificou qualquer prejuízo para a defesa da Autarquia agrária. De fato, no caso dos autos, houve vistoria administrativa com a produção do laudo respectivo na época apropriada. O que se percebe, do exame do laudo pericial produzido em juízo é que este tomou por base justamente a avaliação administrativa e a documentação constante do processo administrativo. Não há que se falar, portanto, em prejuízo para a defesa do agravante, o que é confirmado pelo substancioso parecer divergente oferecido pelo INCRA (ID 90339319, fls, 74/77), bem como pelas próprias razões de apelação oferecidas. A jurisprudência do C. STJ orienta-se nesse mesmo sentido: AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL - AUTOS DE AGRAVO DE INSTRUMENTO NA ORIGEM - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE DEU PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL MANEJADO PELA PARTE ADVERSA. IRRESIGNAÇÃO RECURSAL DA PARTE AGRAVANTE. Assim, se a falta de intimação para acompanhar a perícia gera simples nulidade relativa (ou anulabilidade), é preciso que o interessado direto alegue o vício na primeira oportunidade em que lhe couber falar nos autos e comprove o prejuízo daí decorrente, o que não se verifica no caso sob exame. Desprovido o agravo retido, passa-se ao exame da apelação e do reexame necessário. Trata-se de ação anulatória que tem por objeto a suposta invalidade do laudo da vistoria realizada pelo INCRA no imóvel dos apelados ("Fazenda São Joaquim") que concluiu se tratar de propriedade rural improdutiva e, portanto, passível de desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária. Como se sabe, a improdutividade do imóvel é pressuposto básico indispensável para a desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária, de acordo com o disposto no art. 184, caput, da CF/1988, in verbis: Art. 184. Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei. A desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária, portanto, configura verdadeira sanção imposta ao proprietário do imóvel rural que não cumpre sua função social. Ao reverso, não há que se falar em desapropriação do imóvel rural que esteja cumprindo sua função social, assim considerada a propriedade que atinge a produtividade segundo índices estabelecidos pelas normas de regência. Nessa linha, o disposto no art. 185 da CF/1988: Art. 185. São insuscetíveis de desapropriação para fins de reforma agrária: I - a pequena e média propriedade rural, assim definida em lei, desde que seu proprietário não possua outra; II - a propriedade produtiva. Parágrafo único. A lei garantirá tratamento especial à propriedade produtiva e fixará normas para o cumprimento dos requisitos relativos a sua função social. Por outro lado, coube ao art. 186 da CF/1988 definir quando o imóvel cumpre com sua função social: Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: I - aproveitamento racional e adequado; II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho; IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores. Os dispositivos constitucionais acima transcritos, por sua vez, foram regulamentados pela Lei nº 8.629/1993, que, em seu art. 4º, fixa determinados conceitos relativos ao objeto da desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária, definindo o que se deve entender por imóvel rural e classificando-o em três espécies: pequena, média e grande propriedade rural. Confira-se: Art. 4º Para os efeitos desta lei, conceituam-se: I- Imóvel Rural - o prédio rústico de área contínua, qualquer que seja a sua localização, que se destine ou possa se destinar à exploração agrícola, pecuária, extrativa vegetal, florestal ou agro-industrial; II - Pequena Propriedade - o imóvel rural: a) de área até quatro módulos fiscais, respeitada a fração mínima de parcelamento; (Redação dada pela Lei nº 13.465, de 2017) b) (Vetado) c) (Vetado) III - Média Propriedade - o imóvel rural: a) de área superior a 4 (quatro) e até 15 (quinze) módulos fiscais; b) (Vetado) Parágrafo único. São insuscetíveis de desapropriação para fins de reforma agrária a pequena e a média propriedade rural, desde que o seu proprietário não possua outra propriedade rural. § 1º São insuscetíveis de desapropriação para fins de reforma agrária a pequena e a média propriedade rural, desde que o seu proprietário não possua outra propriedade rural. (Redação dada pela nº Lei nº 13.465, de 2017) § 2o É obrigatória a manutenção no Sistema Nacional de Cadastro Rural (SNCR) de informações específicas sobre imóveis rurais com área de até um módulo fiscal. (Redação dada pela nº Lei nº 13.465, de 2017) Prosseguindo, verifica-se que o art. 6º da Lei nº 8.629/1993 especifica o conceito de propriedade produtiva, prevendo como tal a propriedade rural que atinja, ao mesmo tempo, um determinado nível de utilização da terra (GUT) e um determinado nível de eficiência em sua exploração (GEE), conforme índices fixados pelo órgão federal competente, que, no caso, é o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). Esse é o teor do dispositivo legal: Art. 6º Considera-se propriedade produtiva aquela que, explorada econômica e racionalmente, atinge, simultaneamente, graus de utilização da terra e de eficiência na exploração, segundo índices fixados pelo órgão federal competente. § 1º O grau de utilização da terra, para efeito do caput deste artigo, deverá ser igual ou superior a 80% (oitenta por cento), calculado pela relação percentual entre a área efetivamente utilizada e a área aproveitável total do imóvel. § 2º O grau de eficiência na exploração da terra deverá ser igual ou superior a 100% (cem por cento), e será obtido de acordo com a seguinte sistemática: I - para os produtos vegetais, divide-se a quantidade colhida de cada produto pelos respectivos índices de rendimento estabelecidos pelo órgão competente do Poder Executivo, para cada Microrregião Homogênea; II - para a exploração pecuária, divide-se o número total de Unidades Animais (UA) do rebanho, pelo índice de lotação estabelecido pelo órgão competente do Poder Executivo, para cada Microrregião Homogênea; III - a soma dos resultados obtidos na forma dos incisos I e II deste artigo, dividida pela área efetivamente utilizada e multiplicada por 100 (cem), determina o grau de eficiência na exploração. § 3º Considera-se efetivamente utilizadas: I - as áreas plantadas com produtos vegetais; II - as áreas de pastagens nativas e plantadas, observado o índice de lotação por zona de pecuária, fixado pelo Poder Executivo; III - as áreas de exploração extrativa vegetal ou florestal, observados os índices de rendimento estabelecidos pelo órgão competente do Poder Executivo, para cada Microrregião Homogênea, e a legislação ambiental; IV - as áreas de exploração de florestas nativas, de acordo com plano de exploração e nas condições estabelecidas pelo órgão federal competente; V - as áreas sob processos técnicos de formação ou recuperação de pastagens ou de culturas permanentes, tecnicamente conduzidas e devidamente comprovadas, mediante documentação e Anotação de Responsabilidade Técnica. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.183-56, de 2001) § 4º No caso de consórcio ou intercalação de culturas, considera-se efetivamente utilizada a área total do consórcio ou intercalação. § 5º No caso de mais de um cultivo no ano, com um ou mais produtos, no mesmo espaço, considera-se efetivamente utilizada a maior área usada no ano considerado. § 6º Para os produtos que não tenham índices de rendimentos fixados, adotar-se-á a área utilizada com esses produtos, com resultado do cálculo previsto no inciso I do § 2º deste artigo. § 7º Não perderá a qualificação de propriedade produtiva o imóvel que, por razões de força maior, caso fortuito ou de renovação de pastagens tecnicamente conduzida, devidamente comprovados pelo órgão competente, deixar de apresentar, no ano respectivo, os graus de eficiência na exploração, exigidos para a espécie. § 8º São garantidos os incentivos fiscais referentes ao Imposto Territorial Rural relacionados com os graus de utilização e de eficiência na exploração, conforme o disposto no art. 49 da Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964. É importante deixar claro, desde já, que o Supremo Tribunal Federal, de há muito, teve a oportunidade de atestar a constitucionalidade da atribuição dada pelo art. 6º para que o INCRA fixe os índices mínimos de utilização da terra e de eficiência de sua exploração. Nessa linha, o seguinte precedente: EMENTA: Desapropriação de imóvel rural para fins de reforma agrária. Alegação de cerceamento de defesa contrariada pelo conteúdo das informações. Impertinência da invocação dos artigos 1º e 2º do Decreto nº 2.250-97, só sendo exigível o acompanhamento da entidade representativa dos agricultores, na hipótese - que não é a presente - da indicação ao órgão fundiário federal de áreas passíveis de expropriação. Constitucionalidade da atribuição, pelo art. 6º da Lei nº 8.629-93, à autarquia competente, da fixação dos índices mínimos do grau de utilização da terra e da eficiência da sua exploração. (MS 23391, Relator(a): OCTAVIO GALLOTTI, Tribunal Pleno, julgado em 11/05/2000, DJ 24-11-2000 PP-00088 EMENT VOL-02013-01 PP-00166) E, no exercício de seu poder-dever de aferição de produtividade, conforme o disposto no art. 6°, caput, da Lei nº 8.629/1993, o INCRA fiscalizará o cumprimento da plenitude da função social mediante a realização de vistoria no imóvel rural, na qual serão medidos o uso e a produção do imóvel nos 12 meses anteriores à comunicação da fiscalização prevista no art. 2º, §2º, da mesma Lei. No caso dos autos, o laudo do INCRA, cuja anulação os autores pretendem, apontou um grau de utilização da terra (GUT) de 100%, mas um grau de eficiência na exploração (GEE) de 88%, conforme conclusão do Relatório de Levantamento de Dados (ID 122750184, fls. 25/72). Em vista disso, concluiu o INCRA, no bojo do processo administrativo, que a propriedade rural não atendia a função social unicamente em razão do grau de eficiência na exploração (GEE) ser inferior aos 100% mínimos exigidos pela legislação de regência da matéria, mais especificamente o art. 6º, § 2º, da Lei nº 8.629/1993. O grau de eficiência na exploração (GEE), por outro lado, é calculado a partir de duas variáveis (art. 6º, § 2º, I e II, da Lei nº 8.629/1993), quais sejam: a) o quociente da quantidade colhida de cada produto, pelos respectivos índices de rendimento estabelecidos pelo órgão competente do Poder Executivo para cada Microrregião Homogênea, relativamente aos produtos vegetais; e b) o produto da divisão do número total de Unidades Animais (UA) do rebanho, pelo índice de lotação estabelecido pelo órgão competente do Poder Executivo para cada Microrregião Homogênea, no que se refere à exploração pecuária. A soma dos resultados obtidos na forma dos incisos I e II do artigo 6º, dividida pela área efetivamente utilizada e multiplicada por 100 (cem), determina o grau de eficiência na exploração (art. 6º, § 2º, III, da Lei nº 8.629/1993). A questão controvertida gira em torno do critério utilizado para a apuração do efetivo pecuário e, por consequência, da área efetivamente utilizada. No que se refere ao cálculo do efetivo pecuário, alega o INCRA, ora apelante, que o laudo pericial interpretou, sem apresentar qualquer justificativa jurídica ou fática, os "garrotes" e "novilhas" constantes nos Demonstrativos de Movimento de Gado (DMG - ID 122750185, fls. 51/59 e ID 122750186, fls. 1/13) como bovinos maiores de 2 (dois) anos, aplicando-lhes o fator de conversão 0,87, quando, na verdade, deveria tê-los considerado menores de 2 (dois) anos, empregando o fator de conversão 0,37 para se alcançar o número total de Unidades Animais (UAs). Sustenta que, para a elaboração do laudo, o perito se utilizou do quadro resumo ID 90339352, fls. 61 e das Fichas de Vacinação ID 122750186, fls. 20/23, mas o fez indevidamente, pois estas seriam incompatíveis com o DMG e aquele foi trazido pelos próprios recorridos no processo administrativo. Nesse sentido, tem-se que a Instrução Normativa INCRA n° 08/1993 estabelecia as diretrizes para o procedimento administrativo das desapropriações por interesse social para fins de reforma agrária, sendo que o item 3.4.3 do seu Anexo 1 previa como fonte primária para apuração do efetivo pecuário as "Fichas de Registro de Vacinação e Movimentação de Gado e/ou Ficha do Serviço de Erradicação da Sarna e Piolheira dos Ovinos, obtidas junto ao Órgão Estadual de controle de sanidade animal, sediado no Município, ou junto ao proprietário" (ID 90339352, fls. 127). Subsidiariamente, o cálculo deverá ter por fundamento as informações contidas na última declaração do Imposto de Renda apresentada pelo proprietário, se possuidor de um único imóvel no país, ou na última declaração do Imposto Territorial Rural referente ao imóvel. E, em última hipótese, o efetivo pecuário será levantado por ocasião da vistoria, mediante contagem física do rebanho. Nesse diapasão, cada animal do rebanho deve ser convertido para a mesma unidade de referência padrão ("unidade animal"), de acordo com sua categoria e idade, nos termos do item 3.4.3.1, Quadro 4, Anexo 1, da IN n° 08/93 (ID 90339352, fls. 129), a fim de uniformizar o cálculo da produtividade. No caso dos autos, a vistoria foi realizada pelo INCRA em 06/11/1997, correspondendo ao ano agrícola 1996/1997 (de julho/96 a junho/97). Segundo o Relatório de Levantamento de Dados elaborado naquela oportunidade, a média identificada para o período, tendo como base os Demonstrativos de Movimento do Gado (DMG) pertencentes ao Frigorífico Bertin Ltda. (antigo arrendatário), relativos ao período de julho/1996 a janeiro/1997, e aqueles pertencentes aos apelados, atuais proprietários do imóvel, para o período de janeiro a julho de 1997, foi de 853 bovinos menores de dois anos de idade e 715 maiores de dois anos, resultando em um GEE de 88% (ID 122750184, fls. 28/35). Ocorre que os Demonstrativos de Movimentação de Gado (ID 122750185, fls. 51/59 e ID 122750186, fls. 1/13) não atribuem classificação clara e precisa aos "garrotes" e "novilhas", no que tange a sua idade (se maiores ou menores de dois anos de idade) para fins de incidência do fator de conversão previsto na IN INCRA n° 08/1993, levando as partes a considerá-los ora como bovinos maiores, ora como menores de dois anos, circunstância que altera, diretamente, o resultado do grau de eficiência na exploração (GEE). Por outro lado, muito embora as Fichas de Vacinação (ID 122750186, fls. 20/23) discriminem a idade dos animais, o fato é que não correspondem a todo o período analisado, sendo insuficientes para subsidiar a apuração do efetivo pecuário. Além disso, o cotejo das Fichas de Vacinação com os Demonstrativos de Movimentação de Gado revela serem incompatíveis as informações neles contidos. Diante da discrepância acima narrada, deveria ter incidência, para fins de cálculo do GEE, a última declaração do Imposto Territorial Rural referente ao imóvel, mas, no entanto, não há nos autos qualquer documento que indique a utilização de tal critério, nem, ao menos, cópia da declaração do ITR. Neste sentido, correto o Ministério Público Federal em seu parecer, quando manifesta entendimento no sentido de que, no momento da realização da vistoria administrativa, o INCRA deveria ter adotado o último critério previsto na ordem estabelecida pelo item 3.4.3, Anexo 1, da IN n° 08/1993, promovendo a contagem física do rebanho, tal como sugeriu o laudo pericial, em resposta a quesito do requerente (ID 90339319, fls. 107): 2. A Vistoria elaborada pelo INCRA atendeu a Instrução Normativa (IN) n° 08 de 03 de Dezembro de 1993, nos termos da Lei n° 4.504 de 30 de Novembro de 1964, Lei n° 8629 de 25 de Julho de 1993 e Lei complementar n°75 de 06 de Julho de 1993? Resposta: Em parte. A Vistoria realizada pelo 1NCRA atendeu de forma parcial ao que preconiza a referida IN no momento em que não considerou as reais idades dos bovinos por ocasião da conversão do rebanho em relação unidade de referencia (UA - Unidade Animal) estipulada pela respectiva. Com a devida vênia, já esclarecido no iten 3.1 do laudo, foi informado de forma equivocada por parte da Requerente (fis 51) as idades dos animais. Animais adultos que deveriam ser convertidos em UA pelo fator 0,87 foram convertidos pelo fator 0,37 e vice versa. Por sua vez, a Requerida, em sua análise não atentou pelo fato e manteve de forma irrevogável o mesmo entendimento de outrora, do que resultou pela improdutividade do imóvel, pois naqueles patamares, ficou impossível de atender os índices de produtividade previstos na IN. e No entendimento da Perícia, a Requerida transcreveu os dados inseridos pela Requerente, não atentando para a real idade dos animais constantes nos DMGs, pois caso houvesse realizado, os desdobramentos seriam diferentes. Outro procedimento previsto na IN poderia ser adotado pela Requerida tendo em vista a divergência suscitada em tomo do efetivo pecuário. A IN estabelece no anexo 1 item3.4.3. letra "d" que na ausência de documentos que comprove o efetivo pecuário deve ser adotada a contagem dos animais levando em conta o efetivo encontrado no momento da Vistoria. No entender da Perícia houve grande divergência em tomo do real Efetivo Pecuário da propriedade, sobretudo se considerar o fato de que a propriedade era recém adquirida, ou seja, a propriedade estava em vias de ocupação. Sendo assim, já existiam subsídios suficientes para que se adotasse a contagem do rebanho. Ocorre, porém, que segundo a documentação existente nos autos, mais especificamente os itens 17 e 18 da contestação apresentada pelo INCRA, este último deixou de proceder à contagem física dos animais por entender desnecessário. Dessa forma, até mesmo por conta da incidência do princípio da boa-fé, naquilo em que veda a prática de comportamentos contraditórios e impõe a lealdade entre as partes, não pode agora se insurgir contra a utilização do quadro resumo de ID 90339352, fls. 127 para o cálculo das unidades animais, sob o argumento que o documento fora produzido unilateralmente pelos apelados. Ademais, percebe-se que o citado documento contém os elementos necessários e suficientes para a apuração do efetivo pecuário conforme os critérios previstos na IN INCRA n° 08/1993 e, ao menos no que diz respeito a quantidade total de animais, não contraria os Demonstrativos de Movimentação de Gado (ID 122750185, fls. 51/59 e ID 122750186, fls. 1/13). Diante das considerações até aqui expostas, conclui-se que não merece acolhimento a alegação do apelante, no sentido de que as fichas de vacinação utilizadas pelo perito são incompatíveis com o Demonstrativo de Movimentação de Gado (DMG), não servindo para fundamentar o cálculo efetuado e que a "Área Efetivamente Utilizada" para pecuária deve ser aquela constante na Declaração para Cadastro de Imóvel Rural. Igualmente improcedente é o argumento do recorrente, de que, em se tratando de propriedade pecuária, a grandeza "unidades de animais" (ou "número de cabeças"), que compõe o cálculo do GEE, pressupõe interpretar os "garrotes" e "novilhas" dos Demonstrativos de Movimentação de Gado (DMG), respectivamente, como bovinos machos e fêmeas com idade inferior a dois anos, o que ensejaria a aplicação do fator de conversão 0,37, diferentemente do critério injustificadamente utilizado pelos recorridos e pela perícia, que os considerou como bovinos machos e fêmeas maiores de dois anos, utilizando o fator de conversão 0,87 e, portanto, aumentando o índice do GEE. Com efeito, o exame do documento ID 122750185, fls. 51/59 e ID 122750186, fls. 1/13 (Demonstrativos de Movimentação do Gado) revela que tal documento realmente inverteu a quantidade de bovinos maiores e menores de dois anos de idade, pois estes deveriam totalizar 555 cabeças, enquanto aqueles deveriam totalizar 1.196 cabeças, e não o contrário. Entretanto, esse equívoco foi notado pelo perito judicial, segundo o qual (ID 90339318, fls. 101): Na análise realizada pela Perícia com relação as quantidades de animais verificou-se relativa coerência, no entanto com relação à classificação por categoria (idade) houve significativo equivoco por parte da Requerente. Na verdade, os animais classificados como Boi Gordo, Boi, e Vaca discriminados nos DMGs, ao invés de serem considerados como animais acima de 2 anos, foram considerados como abaixo de dois anos e vice versa. Neste entendimento, no momento da conversão, os fatores utilizados influenciaram significativamente no nº de UAs da propriedade, contribuindo fortemente para reduzir os índices considerados de produtividade, pois a grande maioria de animais acima de 2 anos foram multiplicados por 0,37 quando deveriam ser multiplicados por 0,87; Consta dos autos que o assistente técnico do então proprietário da Fazenda São Joaquim teria apresentado informações equivocadas ao INCRA ocasionando conclusões equivocadas quanto à quantidade de bovinos maiores e menores de dois anos, o que afetou o cálculo da produtividade do imóvel. No entanto, o perito, corrigindo o equívoco cometido, houve por bem reavaliar o efetivo pecuário, padronizando-o em unidades animais (UAs) conforme o fator de conversão próprio para cada categoria e idade, o que o levou a concluir pela produtividade da propriedade, ante o GEE de 114,81% encontrado, bem superior ao patamar mínimo de 100%, exigido pelo art. 6º, § 2º, da Lei nº 8.629/1993. Deste modo, com razão, tanto a D. Procuradoria Regional da República, quanto o MM Juízo de 1ª Instância, ao afirmar que tal equívoco já seria motivo bastante para viciar o processo administrativo, o qual se baseou em falsa premissa para afastar a impugnação apresentada pelos autores. Não há que se falar, portanto, em ausência de fundamento técnico e documental da perícia. Prosseguindo, sustenta o apelante que a "Área Efetivamente Utilizada" para pecuária deve ser aquela constante na Declaração para Cadastro de Imóvel Rural (1.972,6 hectares), incluindo-se os 316,2 hectares de culturas temporárias excluídos do cálculo pelo perito judicial por considerá-los como área de reforma de pastagem. Defende o INCRA que não pode prevalecer o laudo pericial, que excluiu do seu cálculo os 316,2 hectares correspondentes às culturas temporárias (sementes) por considerá-las como "área de reforma de pastagem", sustentando, sob esta perspectiva, que os dados considerados na elaboração da prova técnica são posteriores ao período analisado para fins de produtividade, e devem, pois, ser desconsiderados. O apelante não tem razão. Realmente, as informações de que se valeu o perito judicial para chegar à "Área Efetivamente Utilizada" para pecuária constam do Relatório de Levantamento de Dados da Fazenda São Joaquim (ID 122750184, fls. 25/35) elaborado pelo próprio INCRA quando da vistoria administrativa. De novo, a aplicação do princípio da boa-fé, consistente no dever de probidade, transparência e lisura entre as partes, impede que a Autarquia agrária procure, agora, afastar a utilização no caso concreto, pelo perito judicial, de documentação por ela mesma elaborada. Além disso, os índices de produtividade não podem ser tomados com base em dados estanques, mas dentro de um período razoável, sendo certo que, embora ocorrida em 06/11/1997, a vistoria apurou a produtividade referente ao período agrícola imediatamente anterior (julho/96 a junho/97), refletindo as circunstâncias fáticas daquela época. Atestou ainda o perito judicial, ao responder aos quesitos da requerida (ID 90339318, fls. 117): 2. Solicita-se ao Senhor Perito Judicial que informe a área total e a área de pastagens do imóvel rural em tela no mesmo período da Vistoria do INCRA (ano agrícola96/97). Resposta: De acordo com as matrículas, a propriedade apresenta uma área total de 1.972,60 hectares. Já para a área de pastagens observa nos autos que a Requerida diverge nos seus apontamentos. Pelas fis 81 dos autos, na declaração cadastral "Ex-Oficio" a área informada relativa à Pastagens é equivalente à 1.808,7 há. Em uma segunda oportunidade, a Requerida apresenta novo Relatório Cadastral informando uma área menor equivalente a 1.492,50 há. Depreende-se que neste segundo relatório foi deduzido da área anterior cerca de 316,2 há como sendo área de culturas temporárias (sementes). Desta forma não há como a Perícia prevalecer diante destas duas assertivas. O que ocorre normalmente em grandes propriedades, como é o caso, é o destaque de uma área em torno de 20% do total para reforma, não sendo destinada para pastagem. Tudo indica que a propriedade já se encontrava em fase de melhoramento, e as reformas de pastagens são práticas bastante comuns neste tipo de propriedade. Sendo assim a dedução realizada pela Requerida foi técnica. Subsidiariamente, o apelante alega que os produtos vegetais (sementes) também entram no cálculo do GEE e as áreas plantadas com produtos vegetais se consideram efetivamente utilizadas, nos termos do artigo 6º, § 2º, I e §3°, I, da Lei n° 8.629/1993, de modo que, mesmo considerando o denominado Quadro Resumo do Uso da Terra (documento ID 122750184, fls. 29) e descontando-se os 316,2 hectares de culturas temporárias, o perito deveria ter calculado o GEE especificamente para a "área de reforma de pastagem". Entretanto, os elementos de convicção existentes nos autos conduzem à conclusão de que o imóvel rural objeto do presente feito destina-se exclusivamente à pecuária, de sorte que os dispositivos invocados pelo apelante não se aplicam à espécie, na medida em que dizem respeito à agricultura. Outrossim, a área em questão tampouco poderia ser qualificada como efetivamente utilizada nos termos do artigo 6º, § 3º, V, da Lei n° 8.629/1993, pois, o projeto técnico de ID 122750187, fls. 83/94, que orienta a recuperação de pastagem não é acompanhado de Anotação de Responsabilidade Técnica, requisito indispensável para enquadrá-la no dispositivo mencionado. É certo, ainda, que não será considerada, para os fins estabelecidos na Lei nº 8.629/1993, qualquer modificação, quanto ao domínio, à dimensão e às condições de uso do imóvel, introduzida ou ocorrida até seis meses após a data da comunicação para levantamento de dados e informações, efetuada ao proprietário, preposto ou seu representante. É o que preconiza o art. 2º, § 4º, da referida Lei 8.629, com apoio na jurisprudência do C. STF: MS 23598 Órgão julgador: Tribunal Pleno Relator(a): Min. MAURÍCIO CORRÊA Julgamento: 13/09/2000 Publicação: 27/10/2000 Ementa EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. DESAPROPRIAÇÃO PARA FINS DE REFORMA AGRÁRIA. INTERPRETAÇÃO DO § 4º DO ARTIGO 2º DA Lei Nº 8.629/93. QUESTÕES CONTROVERTIDAS INSUSCETÍVEIS DE EXAME EM MANDADO DE SEGURANÇA. NOTIFICAÇÕES PRÉVIAS ENTREGUES A PESSOA CREDENCIADA. 1. O § 4º do artigo 2º da Lei nº 8.629/93 não fixa prazo de validade do laudo pericial nem termo final para a edição do decreto expropriatório. Dispõe apenas que o laudo não deverá levar em conta as alterações sobre domínio, dimensão e condições de uso do imóvel ocorridas no período de seis meses contados a partir da vistoria. 2. Questões controvertidas a exigir dilação probatória não são suscetíveis de análise em mandado de segurança. 3. O administrador do imóvel rural, como preposto do proprietário, tem legitimidade para receber a notificação prévia. Segurança denegada. Conclui-se, portanto, que a aferição da (im)produtividade, para fins de afetação do imóvel rural ao Programa de Reforma Agrária, deve levar em conta as condições que o imóvel apresentava no momento da vistoria administrativa realizada pelo INCRA. Entretanto, o caso sob exame guarda uma particularidade que não pode ser desconsiderada, uma vez que os apelados adquiriram o imóvel em 31/10/1996 (ID 90339319, fls. 33/36), ou seja, poucos meses após o início do período considerado para a aferição da produtividade (julho/1996 a junho/1997), sendo que a partir de então foram promovidas diversas melhorias na propriedade, orientadas, inclusive, por projeto técnico de pastagens. É o que se observa da comparação das fotografias acostadas no ID 90339318, fls. 110/114 e no ID 122750184, fls. 64/71), bem como da resposta dada pelo perito judicial a quesitos formulados pelo requerente ID 90339318, fls. 110): 6. Passados 13 anos de trâmite processual e fazendo um parâmetro com o estado atual da Fazenda, no dia de hoje ela pode ser considerada como produtiva? Resposta: Sim, apensa pelos DMGs dos anos imediatamente após a Vistoria do INCRA já se verifica que o imóvel é considerado produtivo em vista dos índices considerados pela IN. 7. Nestes 13 anos, os autores efetuaram algum tipo de investimento na propriedade? Resposta: Sim. Por ocasião da Vistoria realizada por esta Perícia constatou que foram realizadas inúmeras benfeitorias, dentre as quais podemos citar, divisões e reforma das pastagens, redes de distribuição de água para todas as invernadas, estruturas cobertas para arraçoamento dos os animais nas invernadas, conservação do solo em forma de bacias secas e terraços nas áreas susceptíveis à erosão. Em termos de construções foram realizadas 06(seis) casas em alvenaria de médio padrão para moradia de funcionários, ampliação dos currais com implementação dos bretes, balanças, sistema de aparte entre outras do gênero. Verifica-se também instalação de dois silos para armazenamento de grãos, balança tipo rodoviária. Observa-se também abastecimento de água com poços semi-artesiano entre várias outras de pequeno porte. A seguir seguem algumas imagens das principais benfeitorias existentes no imóvel Tanto é assim, que a sentença apelada consignou que "(...) o próprio INCRA reconheceu que a propriedade é produtiva, tanto que em 07 de janeiro de2003, paralisou o processo administrativo, informando à fl. 1.019 que o código foi desbloqueado e que não paira ação de desapropriação da autarquia sobre este imóvel" (ID 90339319, fls. 100). À luz de todas as considerações supra, resta evidenciado nos autos que se está diante de propriedade rural produtiva, insuscetível de desapropriação para fins de reforma agrária (art. 185, II, da CF/1988), não havendo qualquer justificativa para afastar as conclusões a que chegou o laudo pericial oficial, elaborado por perito judicial imparcial, com conhecimento técnico sobre o tema (art. 145 do CPC/73) e que goza da confiança do juízo da causa. Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO ao agravo retido, à apelação do INCRA e ao reexame necessário. Deixo de aplicar a sucumbência recursal (art. 85, § 11, do CPC/2015), uma vez que a sentença foi proferida na vigência do CPC/1973. É como voto.
1. Em relação à alegada violação aos arts. 489 e 1.022 do CPC e a tese de negativa de prestação jurisdicional, não assiste razão à recorrente, porquanto clara e suficiente a fundamentação adotada pelo Tribunal de origem para o deslinde da controvérsia, ainda que contrária ao interesse da ora recorrente.
2. "Nos termos da jurisprudência desta Corte, a falta de intimação para acompanhar a perícia gera nulidade relativa, cabendo à parte a demonstração de eventual prejuízo sofrido (...)" (AgInt no AREsp 1552999/SC, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 01/06/2020, DJe 04/06/2020).
2.1. "O vício relativo à ausência de intimação constitui nulidade relativa, devendo ser alegada na primeira oportunidade em que couber à parte se manifestar nos autos, sob pena de preclusão" (REsp 1838279/SP, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 22/10/2019, DJe 28/10/2019).
3. Agravo interno desprovido.
(AgInt no REsp n. 1.955.610/MT, relator Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, julgado em 6/3/2023, DJe de 10/3/2023.)
E M E N T A
APELAÇÃO. REEXAME NECESSÁRIO. AGRAVO RETIDO. DESAPROPRIAÇÃO POR INTERESSE SOCIAL PARA FINS DE REFORMA AGRÁRIA. PRODUTIVIDADE DO IMÓVEL RURAL. GUT E GEE. ATIVIDADE PECUÁRIA. PREVALÊNCIA DO LAUDO PERICIAL PRODUZIDO EM JUÍZO.
- Muito embora não reste dúvida de que o INCRA realmente não foi intimado pessoalmente do início dos trabalhos periciais, fato é que não se verificou qualquer prejuízo para a defesa da Autarquia agrária. Se a falta de intimação para acompanhar a perícia gera simples nulidade relativa (ou anulabilidade), é preciso que o interessado direto alegue o vício na primeira oportunidade em que lhe couber falar nos autos e comprove o prejuízo daí decorrente, o que não se verifica no caso sob exame.
- O art. 6º da Lei nº 8.629/1993 especifica o conceito de propriedade produtiva, prevendo como tal a propriedade rural que atinja, ao mesmo tempo, um determinado nível de utilização da terra (GUT) e um determinado nível de eficiência em sua exploração (GEE), conforme índices fixados pelo órgão federal competente, que, no caso, é o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). O Supremo Tribunal Federal, de há muito, teve a oportunidade de atestar a constitucionalidade da atribuição dada pelo art. 6º para que o INCRA fixe os índices mínimos de utilização da terra e de eficiência de sua exploração.
- No exercício de seu poder-dever de aferição de produtividade, conforme o disposto no art. 6°, caput, da Lei nº 8.629/1993, o INCRA fiscalizará o cumprimento da plenitude da função social mediante a realização de vistoria no imóvel rural, na qual serão medidos o uso e a produção do imóvel nos 12 meses anteriores à comunicação da fiscalização prevista no art. 2º, §2º, da mesma Lei.
- O grau de eficiência na exploração (GEE) é calculado a partir de duas variáveis (art. 6º, § 2º, I e II, da Lei nº 8.629/1993), quais sejam: a) o quociente da quantidade colhida de cada produto, pelos respectivos índices de rendimento estabelecidos pelo órgão competente do Poder Executivo para cada Microrregião Homogênea, relativamente aos produtos vegetais; e b) o produto da divisão do número total de Unidades Animais (UA) do rebanho, pelo índice de lotação estabelecido pelo órgão competente do Poder Executivo para cada Microrregião Homogênea, no que se refere à exploração pecuária. A soma dos resultados obtidos na forma dos incisos I e II do artigo 6º, dividida pela área efetivamente utilizada e multiplicada por 100 (cem), determina o grau de eficiência na exploração (art. 6º, § 2º, III, da Lei nº 8.629/1993).
- A Instrução Normativa INCRA n° 08/1993 estabelecia as diretrizes para o procedimento administrativo das desapropriações por interesse social para fins de reforma agrária, sendo que o item 3.4.3 do seu Anexo 1 previa como fonte primária para apuração do efetivo pecuário as "Fichas de Registro de Vacinação e Movimentação de Gado e/ou Ficha do Serviço de Erradicação da Sarna e Piolheira dos Ovinos, obtidas junto ao Órgão Estadual de controle de sanidade animal, sediado no Município, ou junto ao proprietário". Subsidiariamente, o cálculo deverá ter por fundamento as informações contidas na última declaração do Imposto de Renda apresentada pelo proprietário, se possuidor de um único imóvel no país, ou na última declaração do Imposto Territorial Rural referente ao imóvel. E, em última hipótese, o efetivo pecuário será levantado por ocasião da vistoria, mediante contagem física do rebanho.
- Cada animal do rebanho deve ser convertido para a mesma unidade de referência padrão ("unidade animal"), de acordo com sua categoria e idade, nos termos do item 3.4.3.1, Quadro 4, Anexo 1, da IN n° 08/1993, a fim de uniformizar o cálculo da produtividade.
- No momento da realização da vistoria administrativa, o INCRA deveria ter adotado o último critério previsto na ordem estabelecida pelo item 3.4.3, Anexo 1, da IN n° 08/1993, promovendo a contagem física do rebanho, tal como sugeriu o laudo pericial. Porém, segundo a documentação existente nos autos, o INCRA deixou de proceder à contagem física dos animais por entender desnecessário. Dessa forma, até mesmo por conta da incidência do princípio da boa-fé, naquilo em que veda a prática de comportamentos contraditórios e impõe a lealdade entre as partes, não pode agora se insurgir contra a utilização do quadro resumo para o cálculo das unidades animais, sob o argumento que o documento fora produzido unilateralmente pelos apelados. Ademais, percebe-se que o citado documento contém os elementos necessários e suficientes para a apuração do efetivo pecuário conforme os critérios previstos na IN INCRA n° 08/1993 e, ao menos no que diz respeito a quantidade total de animais, não contraria os Demonstrativos de Movimentação de Gado.
- É improcedente o argumento do recorrente, de que em se tratando de propriedade pecuária, a grandeza "unidades de animais" (ou "número de cabeças"), que compõe o cálculo do GEE, pressupõe interpretar os "garrotes" e "novilhas" dos Demonstrativos de Movimentação de Gado (DMG), respectivamente, como bovinos machos e fêmeas com idade inferior a dois anos, o que ensejaria a aplicação do fator de conversão 0,37, diferentemente do critério injustificadamente utilizado pelos recorridos e pela perícia, que os considerou como bovinos machos e fêmeas maiores de dois anos, utilizando o fator de conversão 0,87 e, portanto, aumentando o índice do GEE.
- O exame da documentação revela que tal documento realmente inverteu a quantidade de bovinos maiores e menores de dois anos de idade, pois estes deveriam totalizar 555 cabeças, enquanto aqueles deveriam totalizar 1.196 cabeças, e não o contrário. Entretanto, esse equívoco foi notado pelo perito judicial que, corrigindo o equívoco cometido, houve por bem reavaliar o efetivo pecuário, padronizando-o em unidades animais (UAs) conforme o fator de conversão próprio para cada categoria e idade, o que o levou a concluir pela produtividade da propriedade, ante o GEE de 114,81% encontrado, bem superior ao patamar mínimo de 100%, exigido pelo art. 6º, § 2º, da Lei nº 8.629/1993. Tal equívoco já seria motivo bastante para viciar o processo administrativo, o qual se baseou em falsa premissa para afastar a impugnação apresentada pelos autores.
- Não há que se falar em ausência de fundamento técnico e documental da perícia. As informações de que se valeu o perito judicial para chegar à "Área Efetivamente Utilizada" para pecuária constam do Relatório de Levantamento de Dados da Fazenda São Joaquim elaborado pelo próprio INCRA quando da vistoria administrativa. De novo, a aplicação do princípio da boa-fé, consistente no dever de probidade, transparência e lisura entre as partes, impede que a Autarquia agrária procure, agora, afastar a utilização no caso concreto, pelo perito judicial, de documentação por ela mesma elaborada. Além disso, os índices de produtividade não podem ser tomados com base em dados estanques, mas dentro de um período razoável, sendo certo que, embora ocorrida em 06.11.1997, a vistoria apurou a produtividade referente ao período agrícola imediatamente anterior (julho/96 a junho/97), refletindo as circunstâncias fáticas daquela época.
- Os elementos de convicção existentes nos autos conduzem à conclusão de que o imóvel rural objeto do presente feito destina-se exclusivamente à pecuária, de sorte que os dispositivos invocados pelo apelante não se aplicam à espécie, na medida em que dizem respeito à agricultura.
- É certo que não será considerada, para os fins estabelecidos na Lei nº 8.629/1993, qualquer modificação, quanto ao domínio, à dimensão e às condições de uso do imóvel, introduzida ou ocorrida até seis meses após a data da comunicação para levantamento de dados e informações, efetuada ao proprietário, preposto ou seu representante. É o que preconiza o art. 2º, § 4º, da referida Lei 8.629, com apoio na jurisprudência. Conclui-se, portanto, que a aferição da (im)produtividade, para fins de afetação do imóvel rural ao Programa de Reforma Agrária, deve levar em conta as condições que o imóvel apresentava no momento da vistoria administrativa realizada pelo INCRA.
- No caso sob exame os apelados adquiriram o imóvel em 31/10/1996, ou seja, poucos meses após o início do período considerado para a aferição da produtividade (julho/1996 a junho/1997), sendo que a partir de então foram promovidas diversas melhorias na propriedade, orientadas, inclusive, por projeto técnico de pastagens.
- O próprio INCRA reconheceu que a propriedade é produtiva, tanto que em 07/01/2003, paralisou o processo administrativo, informando que o código foi desbloqueado e que não paira ação de desapropriação da autarquia sobre este imóvel.
- À luz de todas as considerações supra, resta evidenciado nos autos que se está diante de propriedade rural produtiva, insuscetível de desapropriação para fins de reforma agrária (art. 185, II, da CF/1988), não havendo qualquer justificativa para afastar as conclusões a que chegou o laudo pericial oficial, elaborado por perito judicial imparcial, com conhecimento técnico sobre o tema (art. 145 do CPC/73) e que goza da confiança do juízo da causa.
- Agravo retido, apelação e reexame necessário desprovidos.