APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0000186-65.2018.4.03.6113
RELATOR: Gab. 40 - DES. FED. NINO TOLDO
APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL
APELADO: ANDREIA CRISTINA DA SILVA, FABERVAL DE OLIVEIRA CAMPOS
Advogado do(a) APELADO: VALTER DOS REIS FALEIROS - SP107560-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0000186-65.2018.4.03.6113 RELATOR: Gab. 40 - DES. FED. NINO TOLDO APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL APELADO: ANDREIA CRISTINA DA SILVA, FABERVAL DE OLIVEIRA CAMPOS Advogado do(a) APELADO: VALTER DOS REIS FALEIROS - SP107560-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO (Relator): Trata-se de apelação interposta pelo Ministério Público Federal (MPF) em face da sentença proferida pela 1ª Vara Federal de Araraquara (SP) que, com fundamento no art. 386, VII, do Código de Processo Penal, absolveu ANDRÉIA CRISTINA DA SILVA e FABERVAL DE OLIVEIRA CAMPOS da imputação de prática do crime previsto no art. 171, § 3º, c.c. arts. 29 e 71, do Código Penal. A denúncia (ID 175160774, pp. 3/9), recebida em 16.5.2018 (idem, pp. 11/12), narra: A denunciada Andréia, com a colaboração do denunciado Faberval, simulou casamento com o pai deste, com o fim de fraudar a Previdência Social e obter pensão por morte indevida. A Procuradoria da República em Uberlândia/MG requisitou a instauração do Inquérito Policial em epígrafe, após ter recebido notícia de que o denunciado Faberval teria feito com que seu pai, Faber de Oliveira Campos, segurado do INSS, com idade avançada e graves problemas de saúde, se casasse com a denunciada Andréia, sua nora, com o único propósito desta se tornar sua beneficiária junto à autarquia previdenciária e passar a receber pensão por morte, o que de fato aconteceu poucos meses após referido simulacro. Com efeito, embora preenchidos os requisitos para a celebração do matrimônio da denunciada com o senhor Faber de Oliveira Campos, com a expedição da respectiva certidão de casamento (fls. 25 e 132), o ato visou somente a obtenção da vantagem indevida: a futura e iminente pensão. Restou apurado que por ocasião do "enlace", ocorrido em Igarapava-SP, em 04 de janeiro de 2007, o então segurado Faber contava com 86 (oitenta e seis) anos e graves problemas de saúde, enquanto a denunciada Andréia 54 (cinquenta e quatro) anos mais jovem convivia, de fato e sob o mesmo teto, como marido e mulher com o denunciado Faberval, filho do de cujos. Ou seja, Andréia contraiu casamento com o sogro. Como esperado pelos denunciados, dois meses após pretenso casamento, Faber, que era titular do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição NB n° 42/000.586.109-8 (fls. 27-verso), veio a óbito, e, em 30.03.2007, a denunciada Andréia, com o auxílio de seu convivente, Faberval, requereu, na Agência da Previdência Social de Ituverava/SP, a concessão do benefício de pensão por morte, conforme documentos de fls. 24-verso e 26-verso. De acordo com ofício de fls. 19, Andréia passou a receber indevidamente o benefício de pensão por morte NB n°21/136.354.970-4, em 24.03.2007, data do óbito do instituidor, recebendo-o até os dias atuais, fls. 139. Comprovando a união estável dos denunciados à época, a autoridade policial consignou, fls 18, que em consulta a bancos de dados, constatou que Andréia e Faberval compartilhavam mesmo endereço. (...) Como se vê, os elementos amealhados não deixam dúvidas de que os denunciados conviveram como casados, em união estável, antes e durante o casamento contraído com o de cujos. Não bastasse a notória simulação, voltada a ludibriar o INSS, tem-se que o matrimônio realizado entre afins em linha reta, nos termos dos artigos 1548. II cc 1521. II e 1595,_§ 2° todos do Código Civil. É NULO por infringência de impedimento, valendo lembrar que dito parentesco não cessa em razão de eventual separação. A sentença (ID 175160774, pp. 56/162) foi publicada em 12.7.2019 (idem, p. 163). Em seu recurso (ID 175160774, pp. 166/177), o MPF pede a condenação dos apelados, alegando, em síntese, que ficou suficientemente provado que o casamento entre ANDREIA e Faber fora realizado apenas para garantir o pagamento do benefício de pensão por morte. Destaca que os apelados viviam em união estável, inclusive quando ocorreu o casamento supostamente forjado. Por isso, pede a condenação dos réus ao pagamento de reparação de danos, nos termos do art. 387, IV, do Código de Processo Penal e a comunicação ao INSS para a imediata suspensão do pagamento do benefício. Foram apresentadas contrarrazões (ID 175160774, pp. 182/192) A Procuradoria Regional da República opinou pelo parcial provimento do recurso, que os apelados sejam condenados, fixando-se valor mínimo de reparação de danos, bem como seja decretado o sequestro dos valores pagos a ANDREIA CRISTINA DA SILVA em razão da pensão por morte (ID 175160774, pp. 195/205). É o relatório. À revisão.
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0000186-65.2018.4.03.6113 RELATOR: Gab. 40 - DES. FED. NINO TOLDO APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL APELADO: ANDREIA CRISTINA DA SILVA, FABERVAL DE OLIVEIRA CAMPOS Advogado do(a) APELADO: VALTER DOS REIS FALEIROS - SP107560-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO (Relator): Trata-se de apelação interposta pelo Ministério Público Federal (MPF) em face da sentença que absolveu ANDRÉIA CRISTINA DA SILVA e FABERVAL DE OLIVEIRA CAMPOS da imputação de prática do crime previsto no art. 171, § 3º, do Código Penal. O juízo a quo entendeu que não ficou comprovado o ardil e, por isso, absolveu os réus com fundamento no art. 386, VII, do Código de Processo Penal. O MPF pede a reforma da sentença, alegando que as provas produzidas são suficientes para a condenação. Sem razão, contudo. Conforme relatado, a denúncia imputou aos acusados a prática do crime de estelionato majorado porque a corré ANDRÉIA teria contraído matrimônio com Faber de Oliveira Campos enquanto ainda vivia em união estável com FABERVAL, filho de Faber, com o intuito de obter benefício de pensão por morte. O casamento entre Faber de Oliveira Campos e ANDRÉIA está comprovado (ID 175160926, p. 36), assim como a concessão do benefício de pensão por morte NB 21/136.970-4, que teve início em 24.3.2007 (ID 175160926, pp. 28/30). Não se nega que alguns fatos demonstrados no curso da instrução processual causam estranheza a respeito da motivação do casamento entre Faber e ANDRÉIA. Nesse sentido, destaco que a apelada não acompanhou o tratamento de saúde nem compareceu ao enterro do seu marido, como ela própria confirmou em seu interrogatório judicial (IDs 253506568 e 253506569). Também não há nenhum registro fotográfico da cerimônia do casamento, nem da pequena confraternização que teria ocorrido depois, o que também é incomum. Por outro lado, os depoimentos dos filhos de Faber, Magaly e Dagoberto (ID 253506558), foram uníssonos no sentido de que Faber era uma pessoa reservada, que não discutia sua vida pessoal, o que está em consonância com a declaração da apelada de que não conheceu os filhos de seu esposo por opção dele, assim como também não o acompanhou a Uberlândia (MG) para o seu tratamento de saúde, a fim de evitar comentários da família dele. A situação do corréu FABERVAL - fruto de um relacionamento extraconjugal de Faber, cuja existência era de conhecimento de sua esposa e filhos dele, porém sem que houvesse convivência e mesmo questionamentos - denota a forma pouco usual com que Faber conduzia suas relações pessoais. Partindo-se desse contexto, é verossímil a versão da apelada de que não teria comparecido ao enterro ou participado do tratamento de saúde do marido por opção dele. Outro elemento apontado pela acusação contra os acusados é o fato de eles alegarem que, após o término do relacionamento havido entre eles (de 2002 a 2003), não mantiveram proximidade, mas apenas contatos superficiais. Contudo, ANDRÉIA supostamente teria "emprestado" seu endereço a FABERVAL, para fins de registro eleitoral, assim como FABERVAL cedeu sua residência a ANDRÉIA, enquanto ela buscava casa para alugar. Tais condutas não são características de quem não mantém uma relação próxima, mas são insuficientes para atestar que continuaram seu relacionamento em concomitância com o casamento dela (ocorrido em 2007). Além disso, a coincidência - isoladamente considerada - de endereço em alguns bancos de dados também é prova suficiente da permanência da união estável entre FABERVAL e ANDRÉIA. No entanto, se não pode ser usada como prova única de união estável perante o INSS para a obtenção de benefício previdenciário, também não pode ser valorada como prova cabal para fins de condenação em ação penal. Outra prova apresentada pela acusação é o depoimento da filha de ANDREIA, Maria Vitória da Silva dos Santos, em sede policial, que ficou isolado nos autos (ID 175160926, p. 62). Essa depoente afirmou à autoridade policial que sua mãe e FABERVAL mantiveram relacionamento até 2013. Contudo, a acusação não logrou trazer a juízo qualquer outra prova que corroborasse o testemunho de Maria Vitória, exceto o registro de mesmo endereço perante a Justiça Eleitoral, o que é insuficiente para se atestar - sem sombra de dúvidas - a união estável entre os dois no ano de 2007, quando ANDRÉIA casou-se com Faber. Os elementos colhidos na fase de investigação e não corroborados por provas produzidas sob contraditório judicial não são aptos a fundamentar condenação penal, conforme dispõe o art. 155 do Código de Processo Penal. Nesse sentido: PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CONTRARIEDADE AO ART. 155 DO CPP. CONDENAÇÃO BASEADA EM PROVAS COLHIDAS NA FASE INQUISITORIAL E EM JUÍZO. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE. ACÓRDÃO EM CONFORMIDADE COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. SÚMULA 568/STJ. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO ESPECIAL. NEGATIVA DE VIGÊNCIA AO ART. 155 DO CPP. OCORRÊNCIA. CONDENAÇÃO FUNDAMENTADA EXCLUSIVAMENTE EM ELEMENTOS DO INQUÉRITO POLICIAL. IMPOSSIBILIDADE. OFENSA À GARANTIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL, DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. VIOLAÇÃO AO ART. 386, VII, DO CPP. OCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE PROVA SUFICIENTE PARA A CONDENAÇÃO. RECURSO ESPECIAL A QUE SE DÁ PROVIMENTO. HABEAS CORPUS. ROUBO CIRCUNSTANCIADO PELO CONCURSO DE PESSOAS. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. ACÓRDÃO CONDENATÓRIO EMBASADO EXCLUSIVAMENTE EM ELEMENTOS INFORMATIVOS COLHIDOS DURANTE O INQUÉRITO POLICIAL. OFENSA À GARANTIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. ORDEM CONCEDIDA. Além disso, o casamento foi celebrado em Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais, precedido dos proclamas e concedida a habilitação (ID 175160926, pp. 144, 151 e 155), sendo que o cartorário responsável não observou qualquer óbice para o enlace, o que (em princípio) demonstra que Faber estava lúcido, e não à beira da morte, como alega o MPF. Ainda que o relatório médico confeccionado quando de sua internação em Uberlândia traga a informação de que ele estava com confusão mental, tal fato é próximo à data de sua morte, não sendo possível afirmar que ele já estivesse nessa situação antes (ID 175160926, p. 130). Ao contrário, o depoimento dos filhos Dagoberto e Magaly em juízo nada indicou nesse sentido. Registro que a doença que tinha Faber existia desde 1993 (ID 175160926, p. 138) e não foi demonstrado que ele estivesse em situação de saúde precária quando casou-se com ANDRÉIA, em 2007. Por fim, saliento que o INSS concedeu o benefício de pensão por morte, que continuou a ser pago mesmo após o início desta ação penal, o que indica que essa autarquia não vislumbrou fraude na concessão. Assim, inexistindo prova (sob contraditório judicial) de que os apelados viviam em união estável quando a ANDRÉIA casou-se com o pai de FABERVAL (em 2007) e que o intuito de ambos era apenas o de receber o benefício de pensão por morte deixado por ele, não pode haver condenação, pois a dúvida razoável deve ser considerada em favor da defesa, em estrita observância ao princípio in dubio pro reo. Posto isso, NEGO PROVIMENTO à apelação. É o voto.
1. "Nos termos do art. 155 do CPP, é vedada a condenação fundada exclusivamente em elementos informativos do inquérito policial, não submetidos ao crivo do contraditório e da ampla defesa. A existência de prova judicializada a amparar a condenação afasta a violação do art. 155 do Código de Processo Penal". (AgRg no AREsp 757.610/RJ, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 13/12/2016, DJe 19/12/2016). Súmula 568 do STJ.
2. Agravo regimental a que se nega provimento.
(AgRg no AREsp nº 1.096.705/PR, Sexta Turma, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, j. 13.6.2017, DJe 21.6.2017)
1. Segundo entendimento desta Corte, a prova idônea para arrimar sentença condenatória deverá ser produzida em juízo, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, de modo que se mostra impossível invocar para a condenação, somente elementos colhidos no inquérito, se estes não forem confirmados durante o curso da instrução criminal.
2. Não existindo, nos autos, prova judicializada suficiente para a condenação, nos termos do que reza o artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal, impõe-se a absolvição do recorrente.
3. Recurso especial provido para, reconhecendo a violação aos artigos 155 e 386, inciso VII, ambos do Código de Processo Penal, absolver o recorrente.
(REsp nº 1.253.537/SC, Sexta Turma, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, j. 1.9.2011, DJe 19.10.2011)
1. Em respeito à garantia constitucional do devido processo legal, a legitimidade do poder-dever do Estado aplicar a sanção prevista em lei ao acusado da prática de determinada infração penal deve ser exercida por meio da ação penal, no seio da qual ser-lhe-á assegurada a ampla defesa e o contraditório.
2. Visando afastar eventuais arbitrariedades, a doutrina e a jurisprudência pátrias já repudiavam a condenação baseada exclusivamente em elementos de prova colhidos no inquérito policial.
3. Tal vedação foi abarcada pelo legislador ordinário com a alteração da redação do artigo 155 do Código de Processo Penal, por meio da Lei n. 11.690/2008, o qual prevê a proibição da condenação fundada exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação.
4. Constatado que o Tribunal de origem utilizou-se unicamente de elementos informativos colhidos no inquérito policial para embasar o édito condenatório em desfavor da paciente, imperioso o reconhecimento da ofensa à garantia constitucional ao devido processo legal. REPRIMENDA. [...].
(HC nº 118.296/SP, Quinta Turma, Rel. Ministro Jorge Mussi, j. 16.11.2010, DJe 14.02.2011)
E M E N T A
PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. ESTELIONATO MAJORADO. PENSÃO POR MORTE. INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. IN DUBIO PRO REO.
1. Os elementos colhidos na fase de investigação e não corroborados por provas produzidas em contraditório judicial não são aptos a fundamentar condenação penal, conforme dispõe o art. 155 do Código de Processo Penal.
2. Inexistindo prova (sob contraditório judicial) de que os apelados viviam em união estável quando a corré casou-se com o pai do corréu (em 2007) e que o intuito de ambos era apenas o de receber o benefício de pensão por morte deixado por ele, não pode haver condenação, pois a dúvida razoável deve ser considerada em favor da defesa, em estrita observância ao princípio in dubio pro reo.
3. Apelação não provida.