Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
6ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5009296-71.2020.4.03.6100

RELATOR: Gab. 19 - DES. FED. VALDECI DOS SANTOS

APELANTE: CRUZEIRO DO SUL EDUCACIONAL S.A.

Advogado do(a) APELANTE: MARICI GIANNICO - SP149850-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

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Tribunal Regional Federal da 3ª Região
6ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5009296-71.2020.4.03.6100

RELATOR: Gab. 19 - DES. FED. VALDECI DOS SANTOS

APELANTE: CRUZEIRO DO SUL EDUCACIONAL S.A.

Advogado do(a) APELANTE: MARICI GIANNICO - SP149850-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

R E L A T Ó R I O

Trata-se de apelação interposta contra sentença que julgou procedentes os pedidos formulados com resolução do mérito, nos termos do art. 487, I, do CPC, para determinar que a UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL - UNICSUL, representada por sua mantenedora, CRUZEIRO DO SUL EDUCACIONAL S.A.: (I) Esclareça em todo o material de propaganda que utiliza, nomeadamente em seu endereço eletrônico e em suas redes sociais, que somente oferece cursos nas duas modalidades, EAD e presencial, sem qualquer menção à inexistente forma "semipresencial"; (II) Dê inequívoca ciência a todos os alunos do curso de Nutrição e dos demais cursos de graduação ofertados na modalidade EaD que a Universidade não oferece cursos semipresenciais, mas apenas as modalidades presencial e a distância; (III) Abstenha-se de continuar ou voltar a oferecer ou divulgar curso de graduação na inexistente “modalidade semipresencial". Tendo a matéria sido examinada em cognição exauriente, deferiu o pedido de tutela de urgência, pelo que concedeu à requerida o prazo de 30 (trinta) dias para cumprimento das obrigações. Custas ex lege. Sem honorários advocatícios, nos termos do art. 18 da Lei nº 7.347/85.

A Ação Civil Pública foi ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL em face da Universidade Cruzeiro do Sul - UNICSUL. Narrou o autor, em suma, que a instituição de ensino superior, Universidade Cruzeiro do Sul, para atrair alunos, tem ofertado cursos de graduação sob a denominação de “semipresenciais”. Afirmou que, entre vários cursos ofertados no site da Universidade Cruzeiro do Sul como “Semipresencial 4.0”, destacam-se cursos como Engenharia Civil; Engenharia de Produção; Engenharia Elétrica; Engenharia Mecânica; Engenharia Ambiental; Fisioterapia; Óptica e Optometria; Biomedicina; Arquitetura e Urbanismo; entre outros, como pode ser constatado em prints extraídos da página oficial da Universidade. Alegou, contudo, que inexiste a modalidade "semipresencial", uma vez que o MEC somente reconhece a existência de cursos nas modalidades presencial e a distância (EAD). Assim, afirmou o Ministério Público Federal que tal oferta se dá, inequivocamente, com o propósito de ludibriar e, desse modo, cooptar alunos, oferecendo curso sui generis, que reuniria as vantagens dos cursos presenciais e EAD, chamado de semipresencial 4.0. Alegou que “tais ofertas nada mais são do que cursos EAD, cuja metodologia já prevê, como será demonstrado mais adiante, a possibilidade de aulas presenciais sem que se descaracterize a sua natureza essencial de curso a distância”.

Citada, a UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL – UNICSUL apresentou contestação. Asseverou, quanto ao mérito, que “foi credenciada como universidade por meio da Portaria n.º 893, de 24.6.1993 para a oferta de cursos presenciais e, posteriormente, recredenciada por meio da Portaria n.º 644, de 18.5.2012, de modo que, com exceção daqueles elencados no artigo 41 do Decreto n.º 9.235/2017, não precisa de autorização prévia do MEC para iniciar a oferta dos seus cursos. No que tange à oferta de cursos na modalidade EaD, por sua vez, a requerida foi credenciada por meio da Portaria n.º 1.281, de 22.10.2012”. Defende, outrossim, que “[o]s cursos ofertados na modalidade EaD, ainda, podem – ou não – adotar a metodologia semipresencial. Isso porque, nos termos expressamente autorizados pelo §3º, do artigo 100, da Portaria Normativa MEC n.º 23, de 21.12.2017, tais cursos podem conter até 30% (trinta por cento) da sua carga horária total de atividades presenciais. A metodologia do curso (semipresencial), portanto, não se confunde com a sua modalidade de oferta, que é regulamentada e, nos termos dos itens 7.1 e 11 da já mencionada Portaria MEC n.º 21/2017, somente pode ser presencial ou EaD”. Afirmou a requerida que “no curso ofertado na modalidade EaD que não adota a metodologia semipresencial o acadêmico somente comparece à IES ou ao polo de educação de forma pontual, para realizar as avaliações presenciais, apresentar trabalhos ou participar das práticas profissionais e de estágio. Os cursos ofertados pela requerida na modalidade EaD que adotam a metodologia semipresencial, lado outro, além das tutorias, avaliações, estágios, práticas profissionais e de laboratório e defesa de trabalhos realizados de forma presencial, também contam com o percentual de até 30% (trinta por cento) da carga horária total do curso previsto no §3º, do artigo 100, da Portaria Normativa MEC n.º 23/2017 de aulas ministradas de forma presencial. É uma metodologia que, em última análise, simplesmente aproveita a máxima autorizada pelo MEC para compor 30% (trinta por cento) dos cursos EaD com aulas presenciais, independentemente do mínimo apontado pelo Decreto n.º 9.057/2017”. Registrou, ainda, que a lógica “é atender aos alunos que, embora tenham preferência pelos cursos ofertados a distância (seja por conta de trânsito, trabalho ou fatores pessoais diversos), não querem perder o convívio universitário. Chega a ser absurda a proposição do MPF no sentido de deslealdade quando, em última análise, a proposta da requerida é atender aos alunos em sua maior complexidade e abrangência possível”.

O pedido formulado em sede de tutela restou deferido, tendo este TRF da 3ª Região, nos autos do agravo de instrumento 5026361-46.2020.4.03.0000, indeferido o pedido para atribuição de efeito suspensivo, e posteriormente negou provimento ao recurso.

Réplica.

O MPF manifestou desinteresse na instrução probatória, ao passo que a requerida pugnou pela oitiva de testemunhas. A requerida procedeu à juntada de parecer técnico.

A UNIÃO procedeu à juntada do OFÍCIO Nº 696/2020/CPROC-TRIAGEM/DISUP/SERES-MECâe do OFÍCIO Nº 4274/2020/CGLNRS/GAB/SERES/SERES-MEC (em anexo), pelo qual são noticiadas as providências administrativas adotadas em face da ré pela Diretoria de Supervisão da Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior (SERES), em decorrência dos fatos narrados nesta Ação Civil Pública. A UNIÃO manifestou desinteresse em ingressar na lide.

À vista das alegações apresentadas pela requerida, a decisão concessiva da tutela foi posteriormente revogada, oportunidade em que restou designada a data de realização de audiência de conciliação. As partes noticiaram a impossibilidade de se ultimar um acordo, pois, enquanto o MPF propôs a utilização da expressão “curso EAD com metodologia semipresencial”, a requerida sugeriu “EAD semipresencial” ao argumento de que a “expressão mais extensa é comercialmente impraticável e porque o mercado tem se valido deste tipo de expressão mais curta (‘EAD flex’, ‘EAD híbrido’), o que deixaria a empresa em posição de fragilidade perante as concorrentes”.

A requerida noticiou o arquivamento do processo administrativo instaurado pelo MEC para apurar eventuais irregularidades em razão dos fatos narrados nesta demanda. Instado, manifestou-se o Parquet Federal pelo prosseguimento do feito.

A decisão indeferiu o pedido para a produção de prova testemunhal, com posterior manifestação do MPF e requerida.

Foi proferida a sentença ora impugnada.

Em razões de apelação, a parte Ré sustenta (ID 267908452), em síntese, que a sentença é nula de pleno direito, uma vez que o juízo indeferiu o pedido de oitiva de testemunhas, o que viola o direito à prova e os princípios do contraditório e da ampla defesa. Afirma que a possibilidade de utilização da expressão “semipresencial” para a divulgação de cursos na modalidade EAD é questão meramente jurídica, mas a eventual confusão que tal expressão pode ou causar aos interessados é questão fática que justifica a produção de prova requerida. Salienta que a mudança de posição do juízo a quo enfatiza a necessidade da prova. Defende que a prova constante dos autos e encaminhada pela SERES/MEC é suficiente para o julgamento de improcedência da demanda, uma vez que aquele órgão reconheceu que a oferta de cursos na modalidade EAD com metodologia semipresencial é perfeitamente regular e não representa a oferta de terceira modalidade não admitida no ordenamento, nos termos do art. 72, I, II e X do Decreto nº 9.235/2017, entendimento confirmado mesmo após a realização de visita in loco. Argumenta que a escolha pela metodologia é uma prerrogativa da instituição de ensino que deriva de sua autonomia didática e pedagógica concedida pelo art. 207 da CF, além de ser um consectário lógico dos princípios da liberdade de aprender e de ensinar, com pluralidade de ideias e concepções pedagógicas (art. 206, II e III, da CF). Aduz que o juízo ultrapassou os limites da própria capacidade técnica, data maxima venia, ao contrariar a decisão do órgão administrativo competente para apuração da matéria em discussão, por expressa previsão do art. 6º da Lei 4.024/1961 e do art. 5º do Decreto 9.235/2017. Aponta julgado do STF em que se afirma que o Poder Judiciário tem o dever de deferência à discricionariedade técnica dos órgãos de regulação.  Destaca trecho do parecer anteriormente apresentado segundo o qual a existência de atividades presenciais em cursos superiores oferecidos na modalidade de educação à distância é exigência normativa, mas o peso destas atividades no projeto pedagógico de determinado curso é escolha metodológica da instituição, nos limites definidos pela Portaria Normativa nº 23/2017 do MEC que prevê expressamente “que as atividades presenciais obrigatórias nos cursos oferecidos na modalidade de Educação à Distância não podem ultrapassar 30% da sua carga horária total”. Alega que jamais utilizou a metodologia semipresencial como uma modalidade autônoma de oferta, o que sequer teria sentido prático, levando em consideração que (I) a inclusão de carga horária presencial em cursos EAD é lícita e regularmente prevista pelo art. 100 da PN 23; e (II) a modalidade sequer pode constar do diploma a ser expedido, de modo que não serviria como um atrativo ou diferencial para a escolha de determinado curso pelo aluno. Assim, não há nenhuma vantagem à IES em adotar um nome supostamente irregular (“EAD semipresencial”) para ofertar um serviço lícito (curso EAD com carga horária presencial), que pode ser regularmente ofertado de todo modo. Protesta que o juiz não deve produzir um discurso superficial, meramente retórico, vazio de conteúdo, ao qual se adere por emoção, gerando um consenso irracional. Assere que o público-alvo da Cruzeiro do Sul não é formado por pessoas leigas, mas indivíduos que já concluíram o ensino fundamental e que buscam aprimorar a sua formação profissional por meio de um curso de graduação e que, portanto, não poderiam ser vítimas de publicidade enganosa. Argui que os Tribunais pátrios reconhecem que a informação a respeito do volume de carga horária EAD é um aspecto fundamental do serviço, cuja ausência pode, inclusive, conduzir à nulidade da relação contratual. Afirma que sua conduta tem amparo na lei de liberdade econômica, art. 4º, VII da Lei 13.874/2019 e que o MPF não pode instituir tratamento que fere as condições de concorrência no mercado e o princípio da isonomia, uma vez que outras instituições de ensino adotam a mesma prática.

Contrarrazões do MPF (ID 267908458).

Parecer da Procuradoria Regional da República da 3ª Região pelo não provimento do recurso.

Frustrada a tentativa de conciliação, a apelante apresentou petição sobre a qual se manifestou o MPF.

É o relatório.

 

 


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6ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5009296-71.2020.4.03.6100

RELATOR: Gab. 19 - DES. FED. VALDECI DOS SANTOS

APELANTE: CRUZEIRO DO SUL EDUCACIONAL S.A.

Advogado do(a) APELANTE: MARICI GIANNICO - SP149850-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

V O T O

 

A presente ação civil pública teve como origem mais remota representação protocolizada junto ao MPF por alunos da Universidade Cruzeiro do Sul noticiando que Conselhos de Classe de Nutrição estariam envidando esforços para impedir o registro em seus quadros de profissionais formados em cursos de ensino à distância. Na ocasião relataram que somente em decorrência destes fatos é que tomaram conhecimento de que o curso de Nutrição em que se matricularam, vendido como "semipresencial", era um curso de ensino à distância (EAD) para fins legais e nos termos reconhecidos pelo MEC. Solicitaram a intervenção do MPF com a finalidade de verificar a regularidade do curso de nutrição semipresencial ofertado atualmente pela Unicsul.

O parquet ajuizou a presente ação com o fito de obrigar a parte Ré a esclarecer que oferece cursos na modalidade presencial ou na modalidade à distância, sem qualquer menção a cursos semipresenciais, uma vez que tal modalidade não encontra previsão na legislação e tem induzido os consumidores a erro.

Em sua defesa, a parte Ré esclareceu que se utiliza do termo "semipresencial" para qualificar sua metodologia de ensino, diferenciando os cursos oferecidos totalmente em ambiente virtual dos cursos oferecidos com uma fração de disciplinas presenciais, ambos, contudo, na modalidade ensino à distância (EAD).

No curso da ação a União foi oficiada e esclareceu (ID 267908240, 5 de 10) que, em consulta aos dados constantes no Cadastro do Sistema e-MEC, foi localizada a UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL - UNICSUL, mantida pela CRUZEIRO DO SUL EDUCACIONAL S.A., credenciada por meio da Portaria nº 893, publicada em 25/06/1993, credenciada lato sensu EAD por meio da Portaria nº 938, publicada em 05/08/2008, e credenciada EAD por meio da Portaria nº 1281, publicada em 22/10/2012.

Discorreu o MEC a respeito dos atos de credenciamento e recredenciamento de uma IES, além da autorização para oferta de curso de graduação, bem como sua supervisão, avaliação e posterior reconhecimento. Elencou as condições para oferta de cursos à distância, destacando o percentual máximo de disciplinas presenciais passível de ser oferecido nesta modalidade, e vice-versa, é dizer, o percentual máximo para oferta de disciplinas à distância na modalidade de ensino presencial.

Na ocasião, o MEC destacou, ainda, que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional prevê apenas duas modalidades de ensino, a saber, presencial e à distância, ressaltando que não há na lei de regência da educação nacional a previsão do ensino “semipresencial”.

Após apurações administrativas, incluindo  auditoria in loco com o propósito de verificar e confrontar documentação sobre a oferta de cursos de graduação, na modalidade EAD, inclusive o curso de Bacharelado em Nutrição, a Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior (SERES/MEC) (ID 267908432, 5 de 10) concluiu que não existiam fatos que comprovassem irregularidade administrativa cometida pela Unicsul, nos termos do art. 72, I, II e X do Decreto 9.235, de 2017, decidindo pelo arquivamento do processo de supervisão instaurado após a solicitação de informações pelo MPF e pelo juízo.

De início, cumpre destacar que, nos termos do art. 1º da Lei 8.234/91, a designação e o exercício da profissão de Nutricionista, profissional de saúde, em qualquer de suas áreas, são privativos dos portadores de diploma expedido por escolas de graduação em nutrição, oficiais ou reconhecidas, devidamente registrado no órgão competente do Ministério da Educação e regularmente inscrito no Conselho Regional de Nutricionistas da respectiva área de atuação profissional.

Os conselhos de classe não tem competência legal para autorizar ou supervisionar cursos de graduação oficiais ou reconhecidas pelo Ministério da Educação, tampouco para recusar a inscrição em seus quadros de profissionais munidos de diplomas regularmente expedidos por instituições de ensino, apenas por discordarem da modalidade de ensino adotada no curso de graduação daquelas IES.

A celeuma que deu causa ao ajuizamento da ação, deste modo, pouco tem a ver com legislação que rege a educação superior no país e remotamente se reportam à conduta da parte Ré.

É sabido que os índices relativos à educação superior no Brasil ainda revelam sua condição de país gravemente atrasado nesta área, com reflexos na qualificação de sua mão de obra, nas condições necessárias para seu avanço científico e tecnológico, e para o seu desenvolvimento social e econômico de modo mais amplo.

Diante deste diagnóstico, o país nas últimas décadas adotou políticas públicas concebidas para expandir rapidamente a oferta de vagas no ensino superior, em especial aquelas oferecidas pela iniciativa privada.

A opção de privilegiar o ensino privado, a dimensão dos subsídios oferecidos, bem como a velocidade com que foram criados conglomerados educacionais e oferecidos novos cursos à população, despertou polêmicas diversas relativas à qualidade destes cursos e dos profissionais por eles formados, bem como à capacidade do poder público de efetivamente realizar sua supervisão. A modalidade de ensino à distância, neste contexto, ainda pouco disseminada no país, passou a causar desconfiança e a ser um dos alvos preferenciais das críticas surgidas nestas condições.

Se, por um lado, é legítima a preocupação com a qualidade do ensino, é de se destacar, igualmente, que os esforços de democratização de acesso ao ensino superior provocaram a afluência de inúmeros profissionais no mercado de trabalho, representando grande pressão econômica nas condições de oferta e demanda e, portanto, na remuneração de toda uma categoria de trabalhadores.

Neste contexto, é inevitável constatar que boa parte das reações de conselhos de classe representam mera defesa da corporação, nem sempre legítima, mas calcada no receio de que o aumento indiscriminado do número de profissionais poderia gerar desvalorização da profissão, muitas das quais já inseridas num contexto prévio de pouco prestígio econômico, ainda quando oferecidas em proporções deficitárias ao que seria necessário para o bem estar da sociedade.

A balizar os atritos sociais, a Constituição Federal define que o ensino é livre à iniciativa privada, desde que observado o cumprimento das normas gerais da educação nacional e a autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público (art. 209, I e II da CF), no mesmo sentido dispõe a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional que alude, ainda à capacidade de autofinanciamento das instituições privadas (art. 7º, I, II e III da Lei 9.394/96). A autonomia universitária só pode ser interpretada à luz de tais parâmetros constitucionais.

A LDB, reforçada por decretos e farta regulamentação administrativa, como Portaria MEC  21/2017, expressamente prevê que o ensino superior pode ser oferecido pela modalidade presencial ou à distância.

A despeito da ausência de previsão de uma modalidade de ensino "semipresencial", o Decreto 9.057/2017 define que o "polo de educação à distância" é a unidade descentralizada da IES para o desenvolvimento de atividades presenciais relativas aos cursos ofertados na modalidade a distância (art. 5º, caput). Para se constituírem como tais,  devem manter infraestrutura física, tecnológica e de pessoal adequada aos projetos pedagógicos dos cursos ou de desenvolvimento da instituição de ensino, vedada a oferta de cursos superiores presenciais em suas instalações (art. 5º, §§ 1º e 2º).

Referidas normas tiveram seu teor reproduzido pelo art. 100, caput, §§ 1º e 2º da Portaria MEC 23 de 2017, que, em seu § 3º, previu ainda que as atividades à distância não deveriam ser inferiores à 70% da carga horária total do curso, limitando as atividades presenciais oferecidas na modalidade EAD a 30% daquela carga horária.

Paralelamente, a Portaria MEC 1.428 de 2018 disciplina a oferta de disciplinas com metodologia à distância em cursos de graduação presencial até o limite de 20% ou 40% da carga horária do total do curso quando atendidas determinadas condições.

Infere-se, portanto, que muito embora não exista a modalidade de ensino "semipresencial", a regulamentação da legislação do ensino superior prevê tanto a hipótese de oferta de disciplinas à distância no âmbito do ensino presencial, quanto a oferta de disciplinas presenciais no âmbito do ensino à distância, sendo certo, ainda, que a Portaria MEC 1.428/2018 utiliza a expressão "metodologia à distância", conceito distinto do que seria a "modalidade de ensino à distância".

Diante deste quadro normativo, verifica-se que as instituições de ensino superior passaram a adotar terminologia tecnicamente ambígua e imprecisa com vistas a promover a diferenciação dos cursos oferecidos a seus potenciais consumidores. Com efeito, esclarecer se um curso é oferecido de maneira integralmente presencial, completamente à distância, ou de maneira híbrida é informação essencial para a formação da vontade de contratar de seu público alvo.

Ocorre que, do ponto de vista da legislação que rege o ensino superior, a simples oferta de curso "semipresencial" não esclarece se referido curso é oferecido na modalidade presencial, com uma fração de disciplinas à distância, ou se o curso em questão é oferecido em modalidade à distância, com uma fração de disciplinas presenciais.

Num contexto sociopolítico em que ainda se observa certa resistência aos cursos à distância, a despeito de sua legalidade e legitimidade diante das carências e dificuldades brasileiras, a oferta publicitária não pode deixar qualquer margem a dúvidas ao consumidor, que ainda vivencia certo grau de temor de não poder exercer a profissão desejada após a conclusão do curso contratado.

Considerando como direitos básicos do consumidor a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços (art. 6°, III do CDC) e a devida proteção contra a publicidade enganosa ou abusiva (art. 6°, IV, art. 37, caput e § 1º do CDC), a sentença merece ser mantida por seus próprios fundamentos.

Saliento que, no curso da ação, em virtude da notícia pela parte Ré de que várias de suas correntes adotam publicidade semelhante às suas, o MPF interpelou várias instituições de ensino. Ao contrário da resistência oferecida pela Unicsul, no entanto, referidas IES demonstraram, por meio de medidas diversas, uma conduta ativa para dirimir as ambiguidades apontadas, evitando uma dispendiosa e desnecessária judicialização da questão, razão pela qual não há que se falar em distorções concorrenciais, em ofensa ao princípio da isonomia ou à livre iniciativa.

Ante o exposto, nego provimento à apelação, na forma da fundamentação acima.

É o voto.



E M E N T A

APELAÇÃO EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ADMINISTRATIVO. DIREITO DO CONSUMIDOR. DIREITO À EDUCAÇÃO. ENSINO SUPERIOR. MODALIDADES DE ENSINO. ENSINO PRESENCIAL. ENSINO À DISTÂNCIA. FLEXIBILIDADE DA REGULAMENTAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE ENSINO "SEMIPRESENCIAL". DIREITO À INFORMAÇÃO. VEDAÇÃO DA PUBLICIDADE ENGANOSA. AUSÊNCIA DE OFENSA À AUTONOMIA UNIVERSITÁRIA À ISONOMIA OU À LIVRE INICIATIVA. APELAÇÃO IMPROVIDA.
I - Ação civil pública que teve como origem representação junto ao MPF em que alunos da Universidade Cruzeiro do Sul noticiaram que Conselhos de Classe de Nutrição estariam envidando esforços para impedir o registro em seus quadros de profissionais formados em cursos de ensino à distância. Relataram que somente em decorrência destes fatos é que tomaram conhecimento de que o curso de Nutrição, vendido como "semipresencial", era um curso de ensino à distância (EAD). Solicitaram a intervenção do MPF com a finalidade de verificar a regularidade do curso ofertado pela Unicsul.
II - O parquet ajuizou a presente ação com o fito de obrigar a parte Ré a esclarecer que oferece cursos na modalidade presencial ou na modalidade à distância, sem qualquer menção a cursos semipresenciais, uma vez que tal modalidade não encontra previsão na legislação e tem induzido os consumidores a erro.
III - Em sua defesa, a parte Ré esclareceu que se utiliza do termo "semipresencial" para qualificar sua metodologia de ensino, diferenciando os cursos oferecidos totalmente em ambiente virtual dos cursos oferecidos com uma fração de disciplinas presenciais, ambos, contudo, na modalidade ensino à distância (EAD).
IV - No curso da ação a União foi oficiada e esclareceu que a UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL - UNICSUL, mantida pela CRUZEIRO DO SUL EDUCACIONAL S.A., é credenciada por meio da Portaria nº 893, publicada em 25/06/1993, credenciada lato sensu EAD por meio da Portaria nº 938, publicada em 05/08/2008, e credenciada EAD por meio da Portaria nº 1281, publicada em 22/10/2012. Na ocasião, o MEC destacou que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
prevê apenas duas modalidades de ensino, a saber, presencial e à distância, ressaltando que não há na lei de regência da educação nacional a previsão do ensino “semipresencial”. Após apurações administrativas, incluindo  auditoria in loco, a Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior (SERES/MEC) concluiu que não existiam fatos que comprovassem irregularidades administrativas, nos termos do art. 72, I, II e X do Decreto 9.235, de 2017, decidindo pelo arquivamento do processo de supervisão instaurado após a solicitação de informações pelo MPF e pelo juízo.
V - Nos termos do art. 1º da Lei 8.234/91, a designação e o exercício da profissão de Nutricionista, profissional de saúde, em qualquer de suas áreas, são privativos dos portadores de diploma expedido por escolas de graduação em nutrição, oficiais ou reconhecidas, devidamente registrado no órgão competente do Ministério da Educação e regularmente inscrito no Conselho Regional de Nutricionistas da respectiva área de atuação profissional.
VI - Os conselhos de classe não tem competência legal para autorizar ou supervisionar cursos de graduação oficiais ou reconhecidas pelo Ministério da Educação, tampouco para recusar a inscrição em seus quadros de profissionais munidos de diplomas regularmente expedidos por instituições de ensino, apenas por discordarem da modalidade de ensino adotada no curso de graduação daquelas IES.
VII - A celeuma que deu causa ao ajuizamento da ação pouco tem a ver com legislação que rege a educação superior no país e remotamente se reportam à conduta da parte Ré.  O
país nas últimas décadas adotou políticas públicas concebidas para expandir rapidamente a oferta de vagas no ensino superior, em especial aquelas oferecidas pela iniciativa privada. A dimensão dos subsídios oferecidos, bem como a velocidade com que foram criados conglomerados educacionais e oferecidos novos cursos à população, despertou polêmicas diversas relativas à qualidade destes cursos e dos profissionais por eles formados, bem como à capacidade do poder público de efetivamente realizar sua supervisão. A modalidade de ensino à distância, neste contexto, ainda pouco disseminada no país, passou a causar desconfiança e a ser um dos alvos preferenciais das críticas surgidas nestas condições.
VII - É legítima a preocupação com a qualidade do ensino, é de se destacar, porém, que os esforços de democratização de acesso ao ensino superior provocaram a afluência de inúmeros profissionais no mercado de trabalho, representando grande pressão econômica nas condições de oferta e demanda e, portanto, na remuneração de toda uma categoria de trabalhadores. É inevitável constatar que boa parte das reações de conselhos de classe representam mera defesa da corporação, nem sempre legítima, mas calcada no receio de que o aumento indiscriminado do número de profissionais poderia gerar desvalorização da profissão, muitas das quais já inseridas num contexto prévio de pouco prestígio econômico, ainda quando oferecidas em proporções deficitárias ao que seria necessário para o bem estar da sociedade.
VIII - A balizar os atritos sociais, a
Constituição Federal define que o ensino é livre à iniciativa privada, desde que observado o cumprimento das normas gerais da educação nacional e a autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público (art. 209, I e II da CF), no mesmo sentido dispõe a LDB que alude, ainda, à capacidade de autofinanciamento das instituições privadas (art. 7º, I, II e III da Lei 9.394/96). A autonomia universitária só pode ser interpretada à luz de tais parâmetros constitucionais. A LDB, reforçada por decretos e farta regulamentação administrativa, como Portaria MEC 21/2017, expressamente prevê que o ensino superior pode ser oferecido pela modalidade presencial ou à distância.
IX - A despeito da ausência de previsão de uma modalidade de ensino "semipresencial", o Decreto 9.057/2017 define que o "polo de educação à distância" é a unidade descentralizada da IES para o desenvolvimento de atividades presenciais relativas aos cursos ofertados na modalidade a distância (art. 5º, caput). Para se constituírem como tais,  devem manter infraestrutura física, tecnológica e de pessoal adequada aos projetos pedagógicos dos cursos ou de desenvolvimento da instituição de ensino, vedada a oferta de cursos superiores presenciais em suas instalações (art. 5º, §§ 1º e 2º). Referidas normas tiveram seu teor reproduzido pelo art. 100, caput, §§ 1º e 2º da Portaria MEC 23 de 2017, que, em seu § 3º, previu ainda que as atividades à distância não deveriam ser inferiores à 70% da carga horária total do curso, limitando as atividades presenciais oferecidas na modalidade EAD a 30% daquela carga horária.
X - Paralelamente, a Portaria MEC 1.428 de 2018 disciplina a oferta de disciplinas com metodologia à distância em cursos de graduação presencial até o limite de 20% ou 40% da carga horária do total do curso quando atendidas determinadas condições.
XI - Infere-se, portanto, que muito embora não exista a modalidade de ensino "semipresencial", a regulamentação da legislação do ensino superior prevê tanto a hipótese de oferta de disciplinas à distância no âmbito do ensino presencial, quanto a oferta de disciplinas presenciais no âmbito do ensino à distância, sendo certo, ainda, que a Portaria MEC 1.428/2018 utiliza a expressão "metodologia à distância", conceito distinto do que seria a "modalidade de ensino à distância".
XII - Diante deste quadro normativo, verifica-se que as instituições de ensino superior passaram a adotar terminologia tecnicamente ambígua e imprecisa com vistas a promover a diferenciação dos cursos oferecidos a seus potenciais consumidores. Com efeito, esclarecer se um curso é oferecido de maneira integralmente presencial, completamente à distância, ou de maneira híbrida é informação essencial para a formação da vontade de contratar de seu público alvo.
XIII - Ocorre que, do ponto de vista da legislação que rege o ensino superior, a simples oferta de curso "semipresencial" não esclarece se referido curso é oferecido na modalidade presencial, com uma fração de disciplinas à distância, ou se o curso em questão é oferecido em modalidade à distância, com uma fração de disciplinas presenciais.
XIV - Num contexto sociopolítico em que ainda se observa certa resistência aos cursos à distância, a despeito de sua legalidade e legitimidade diante das carências e dificuldades brasileiras, a oferta publicitária não pode deixar qualquer margem a dúvidas ao consumidor, que ainda vivencia certo grau de temor de não poder exercer a profissão desejada após a conclusão do curso contratado.
XV - Considerando como direitos básicos do consumidor a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços (art. 6°, III do CDC) e a devida proteção contra a publicidade enganosa ou abusiva (art. 6°, IV, art. 37, caput e § 1º do CDC), a sentença merece ser mantida por seus próprios fundamentos
.
XVI - Salienta-se que, no curso da ação, em virtude da notícia pela parte Ré de que várias de suas correntes adotam publicidade semelhante às suas, o MPF interpelou várias instituições de ensino. Ao contrário da resistência oferecida pela Unicsul, no entanto, referidas IES demonstraram, por meio de medidas diversas, uma conduta ativa para dirimir as ambiguidades apontadas, evitando uma dispendiosa e desnecessária judicialização da questão, razão pela qual não há que se falar em distorções concorrenciais, em ofensa ao princípio da isonomia ou à livre iniciativa.
XVII - Apelação improvida.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sexta Turma, por unanimidade, negou provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.