Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5000033-19.2023.4.03.6000

RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI

APELANTE: RENAN CARDOSO VIEIRA

Advogado do(a) APELANTE: ALFIO LEAO - MS14454-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 
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Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5000033-19.2023.4.03.6000

RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI

APELANTE: RENAN CARDOSO VIEIRA

Advogado do(a) APELANTE: ALFIO LEAO - MS14454-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL

  

 

R E L A T Ó R I O

 

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:

Trata-se de apelação criminal interposta pela defesa de RENAN CARDOSO VIEIRA em face de sentença proferida pelo Juízo da 3ª Vara Federal de Campo Grande/MS, que condenou o réu pela prática, em concurso material, dos delitos previstos no artigo 334-A, caput, do Código Penal, no artigo 183 da Lei n. 9.472/97, no artigo 311 da Lei 9.503/1997, e no artigo 180, §3º, do Código Penal.

Narra a denúncia (ID 283807833):

A pessoa denunciada, livre e conscientemente, adquiriu, transportou e possuía cigarro de procedência estrangeira em infração às medidas de controle fiscal para o desembaraço aduaneiro, a circulação, a posse e o consumo desse tipo de produto. Também, em infração às medidas de controle e fiscalização sanitária para importação e distribuição dessa espécie de mercadoria.

Conforme Boletim de Ocorrência PRF Nº 2318313230107093005 (ID 272087719 - Pág. 9-16), foram apreendidos 37 (trinta e sete) caixas, isto é, 1.850 (hum mil, oitocentos e cinquenta) pacotes de cigarros da marca Eight e Fox, de fabricação paraguaia.

Cumpre ser mencionado que:

Cigarros, cigarrilhas, charutos e qualquer outro produto fumígero, derivado ou não do tabaco, por envolverem risco à saúde pública, são produtos submetidos ao controle e à fiscalização sanitária pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA (artigo 8º, caput e § 1º, inciso X, da Lei n. 9.782, de 26 de janeiro de 1999).

Os cigarros apreendidos são produtos fumígeros, cuja importação e distribuição devem se encontrar previamente autorizados pela ANVISA (artigo 7º, VII e VIII, da Lei n. 9.782/1999; Resolução da Diretoria Colegiada - RDC n. 226, de 30 de abril de 2018).

A pessoa denunciada ainda cometeu as seguintes condutas:

1) Desenvolveu clandestinamente atividade de telecomunicação, por meio do uso de rádio transceptor instalado no veículo utilizado para transportar a carga de cigarro contrabandeado, isto para se comunicar com os outros veículos que faziam parte do comboio de transporte de mercadorias estrangeiras desacompanhadas de documentação legal.

2) Trafegou em velocidade incompatível com a segurança em rodovia e ruas urbanas do bairro Cophavilla, onde havia grande movimentação ou concentração de pessoas, gerando grande perigo de dano, dadas as ultrapassagens arriscadas e as manobras imprudentes realizadas, tudo em alta velocidade, pondo a incolumidade de outros veículos e pessoas em grande e concreto risco.

3) Conduziu, em proveito próprio e alheio, coisa que sabe ser produto de crime, qual seja, o veículo Peugeot 2008 cor cinza placas RTD0C55/MG, que a pessoa denunciada sabia ser produto de apropriação indébita, crime que lesou locadora de veículo.

II.II. Descoberta dos fatos

Os fatos foram descobertos em 07/01/2023, por volta das 09h30min, no km 385 da rodovia BR-060, por policiais rodoviários federais.

A pessoa denunciada conduzia o seguinte veículo: Peugeot 2008 cor cinza placas RTD0C55/MG. Nesse veículo, ela transportava os cigarros de procedência estrangeira.

[...]

Já na delegacia, o PRF Celestino testificou que a pessoa denunciada informou lhes que carregou a carga de cigarro em Pedro Juan Caballero/PY, no depósito Bazar Sílvia, que é um ponto de cigarreiros comum naquela cidade estrangeira. A pessoa denunciada, segundo afirmaram os policiais na delegacia, confirmou que sabia da procedência ilícita do veículo, ou seja, que o veículo por ele conduzido era de uma locadora e que não havia sido restituído no prazo devido. Os policiais confirmaram as manobras imprudentes e arriscadas realizadas pela pessoa denunciada durante a fuga e que o rádio estava em funcionamento quando da abordagem, bem assim que o denunciado lhes confirmou que trabalha para uma pessoa ("patrão") nessa atividade de transporte de cigarro contrabandeado, fazendo isto de duas a três vezes por semana, sendo que nesta oportunidade iria receber R$ 1.500,00 de recompensa, mas esta varia conforme a quantidade de cigarro transportada.

Já o denunciado permaneceu em silêncio na delegacia [...]".

Citaram-se elementos de autoria e materialidade delitiva, e, ao final, o Ministério Público Federal denunciou RENAN CARDOSO VIEIRA como incurso  no artigo 334-A, § 1º, incisos I e II, do Código Penal, c/c artigo 3º do Decreto-Lei n. 399/1968, no artigo 70 da Lei 4.117/1962, no artigo 311 da Lei 9.503/1997, e no artigo 180 do Código Penal, em concurso material de crimes.

A denúncia foi recebida em 23 de janeiro de 2023 (ID 283807834).

Após regular instrução, sobreveio a sentença ID 283808034, pela qual o magistrado de primeiro grau julgou procedente a pretensão punitiva deduzida na denúncia, para condenar RENAN CARDOSO VIEIRA pela prática do crime descrito no artigo art. 334-A, caput, do Código Penal, artigo 183 da Lei n. 9.472/97, artigo 311 da Lei 9.503/1997, também no artigo 180, §3º, do CP, em concurso material de crimes (art. 69, CP), à pena de 2 anos, 4 meses e 15 dias de reclusão, e 3 anos, 3 meses e 20 dias de detenção, em regime inicial  semiaberto, além de 11 dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trinta avos) do salário mínimo mensal vigente à época dos fatos.

O magistrado sentenciante decretou a inabilitação do réu para conduzir veículos (cassação do documento) pelo prazo da pena, com fulcro no artigo 92, inciso III, do Código Penal, e determinou que a comunicação ao DETRAN, para os fins do art. 278-A do Código de Trânsito Brasileiro.

O réu foi condenado ao pagamento das custas processuais, e foi-lhe concedido o direito de apelar em liberdade.

A sentença foi publicada em 17 de novembro de 2023 (ID 283808046).

A defesa interpôs recurso de apelação (ID 283808044). Em suas razões recursais (ID 283808049), questiona, preliminarmente, a emendatio libelli realizada na sentença condenatória, do crime do artigo 70 da Lei 4.117/62 para aquela do artigo 183 da Lei 9.472/97, sustentando nulidade por violação aos princípios do contraditório e ampla defesa. No mérito, pugna pela absolvição do crime do artigo 70 da Lei 4.117/62, argumentando a insuficiência probatória de que o apelante tenha instalado ou utilizado os equipamentos de telecomunicações para causar dano a terceiro. Igualmente, busca o decreto absolutório relativamente ao crime previsto no artigo 311 da Lei nº 9.503/1997, em razão de insuficiência probatória. No que tange o delito previsto no artigo 180 do Código Penal, alega não haver comprovação material, e que não há "provas robustas e concretas que indiquem que o condenado teria
conhecimento técnico suficiente para saber que os produtos ali encontrados eram ilícitos" (ID 283808049, p. 08). Aduz que houve tentativa de contrabando, uma vez que o apelante foi flagrado "no meio da transação e não chegou ao êxito". Por fim, pugna pela absolvição de todos os crimes, sustentando que os depoimentos dos policiais não foram corroborados por outros meios de prova, devendo ser aplicado o princípio do in dubio pro reo. Destaca que o apelante é primário, não possui antecedentes criminais, exerce trabalho lícito, e tem residência fixa. Pugna pela concessão de liberdade provisória. Relativamente à dosimetria, pleiteia a fixação da pena no mínimo legal na primeira fase, e requer o reconhecimento da atenuante da confissão espontânea. Por fim, pede que seja realizada a detração penal, e que seja afastada a aplicação do disposto no artigo 92, III do CP e artigo 278-A do CTB, "por ausência de provas com fundamento no artigo 386, I, II, IV, V, VI e VII do CPP".

Contrarrazões do Ministério Público Federal (ID 283808052).

Parecer da Procuradoria Regional da República pelo parcial provimento da apelação, para que: a) sejam reduzidas as penas dos crimes do artigo 334-A, caput, e do artigo 180, § 3º, do Código Penal; b) seja reconhecida a atenuante da confissão espontânea na dosimetria do delito do artigo 183 da Lei nº 9.472/1997 (ID 284631382).

É o relatório.

Sujeito à revisão na forma regimental.

 

 

 

 

 


       
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11ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5000033-19.2023.4.03.6000

RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI

APELANTE: RENAN CARDOSO VIEIRA

Advogado do(a) APELANTE: ALFIO LEAO - MS14454-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL

 

V O T O

 

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:

O apelante RENAN CARDOSO VIEIRA foi condenado pela prática, em concurso material, dos delitos do artigo 334-A, caput, do Código Penal, do artigo 183 da Lei n. 9.472/97, do artigo 311 da Lei 9.503/1997, e do artigo 180, §3º, do Código Penal.

1. DO CRIME DO ARTIGO 334-A DO CÓDIGO PENAL

1.1. Da materialidade

A materialidade foi comprovada pelo auto de prisão e flagrante (ID 283807192, pp. 1/3); pelo Termo de Apreensão n° 68714/2023 (ID 283807192, pp. 4/5); pela Informação de Polícia Judiciária n. º 68720/2023, com registros fotográficos (ID 283807192, pp. 6/8); pelo Boletim de Ocorrência nº 2318313230107093005, com registros fotográficos (ID 283807192, pp. 9/16); pela Representação Fiscal para Fins Penais n. 0100100-106365/2023 (ID 283808032) e pela Relação de Mercadorias apreendidas pela Receita Federal (ID 283808033).

Com efeito, os documentos acima elencados atestam a apreensão de 2.500 (dois mil e quinhentos) maços de cigarros da marca Fox, e de 16.500 (dezesseis mil e quinhentos) maços de cigarros da marca Eight, de importação e comercialização proibidas no Brasil, tornando inconteste a materialidade delitiva.

1.2. Da autoria

A defesa pugna pela absolvição, sob o argumento de que os depoimentos dos policiais não foram corroborados por outros meios de prova, devendo ser aplicado o princípio do in dubio pro reo.

O inconformismo defensivo não merece prosperar, uma vez que a autoria delitiva restou demonstrada pelo auto de prisão em flagrante, corroborado pelas provas produzidas em juízo.

O dolo, por sua vez, foi evidenciado tanto pelas circunstâncias do flagrante como pela prova oral amealhada.

Com efeito, extrai-se do boletim de ocorrência (ID 283807192, p. 12) que, em 07 de janeiro de 2023, por volta das 09h30, na BR 060, na altura do Km 385, equipe da Polícia Rodoviária Federal avistou um comboio formado por três veículos, todos com películas escuras instaladas nos vidros, que se deslocavam em alta velocidade e realizavam manobras de ultrapassagem pelo acostamento, empreendendo direção perigosa.

A equipe retornou para efetuar a abordagem dos veículos, porém, ao realizar a aproximação do comboio com o giroflex e sirenes da viatura acionados, os veículos passaram a trafegar em velocidade ainda maior, forçando ultrapassagens pela contramão de direção, obrigando os veículos que seguiam no sentido contrário a saírem para o acostamento para evitar colisão frontal, colocando em risco diversos usuários da rodovia.

Narra que o acompanhamento tático durou aproximadamente quinze minutos, tendo sido percorridos cerca de 65 km, quando os veículos adentraram, em alta velocidade, na área urbana de Campo Grande-MS, na região do bairro Cophavilla, onde apenas um dos veículos do comboio, o Peugeot 2008 de placas RTD-0C55, foi alcançado, e seu condutor detido.

No momento da prisão, o condutor, RENAN CARDOSO VIEIRA, chegou a esboçar uma reação de fuga a pé, mas foi contido pelos integrantes da equipe policial. Ao realizar verificação no interior do veículo, foi encontrado um rádio instalado no painel, destinado à comunicação entre os integrantes do grupo, em pleno funcionamento.

No interior do veículo também havia grande quantidade de cigarros, tendo o condutor declarado haver 37 (trinta e sete) caixas, predominantemente das marcas Eight e Fox. Ao consultar o veículo junto à empresa de locação de veículos UNIDAS RENT A CAR, recebeu-se a informação de que havia ocorrência de apropriação indébita relativa ao Peugeot 2008. RENAN declarou que recebia a quantia de R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais) por viagem realizada, e admitiu que já havia sido detido anteriormente pela prática da mesma conduta delituosa.

Neste sentido foram os depoimentos prestados perante a autoridade policial pelos policiais rodoviários federais Wanderson de Souza Braga e Israel Celestino Pinheiro.

O policial rodoviário federal Wanderson de Souza Braga detalhou que o veículo estava completamente ocupado pelos cigarros. RENAN disse que os cigarros pertenciam a um patrão, que financiava a busca dos cigarros em Ponta Porã/MS, para trazê-los para Campo Grande/MS. RENAN informou que tinha duas passagens pelo Departamento de Operações de Fronteira, e mais duas na Polícia Rodoviária Federal, sendo todas elas por contrabando/descaminho. RENAN disse apenas que havia mais veículos envolvidos, sem informar quantos, porém destacou que a equipe conseguiu visualizar, em comportamento altamente perigoso e anormal, três veículos. Relatou que RENAN disse que foi aliciado pelo "patrão" há certo tempo, e que estava há três meses trabalhando desta forma, viajando de duas a três vezes por semana.

Wanderson prosseguiu narrando que entraram em contato com um representante da seguradora do veículo, que informou que o mesmo havia sido objeto de apropriação indébita, pois fora locado em dezembro de 2022, porém não foi restituído. Afirmou que o interior do veículo estava todo destruído, tendo o forro do teto e das portas sido removido. Não puderam visualizar se ainda havia banco traseiro. RENAN alegou ter recebido o veículo do patrão, já pronto para realizar a viagem. Disse que RENAN sabia que o veículo era fruto de crime, pois sabia que ele havia sido locado e não fora devolvido. Observou que a conduta colocou em perigo a população em geral, destacando o deslocamento irresponsável, com ultrapassagem pela contramão, pelo acostamento, em local proibido, retirando outros veículos da pista, em altíssima velocidade. Apontou que somente conseguiram alcançá-lo em área urbana, pois o veículo foi forçado a reduzir a velocidade (ID 283807206).

A testemunha reiterou seu depoimento em juízo (ID's 283807976 a 283807994), e suas declarações foram consonantes com o prestado pelo policial rodoviário federal Israel Celestino Pinheiro em sede investigativa (ID 283807218), bem como em juízo (ID's 283807953 a 283807958).

Ressalte-se que os depoimentos dos policiais, sobretudo produzidos em juízo, sob o crivo do contraditório, são idôneos para ensejar um provimento condenatório, inclusive porque corroboram as provas documentais já produzidas, e gozam de fé pública e presunção juris tantum, não afastada pela defesa.

Nesse tocante, o entendimento jurisprudencial:

DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. NULIDADE. AUSÊNCIA DE CONCESSÃO DO DIREITO AO SILÊNCIO. TESE NÃO ANALISADA PELA CORTE DE ORIGEM. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. AUTORIA E MATERIALIDADE CONFIRMADA PELO TRIBUNAL LOCAL. DEPOIMENTOS DOS POLICIAIS. CREDIBILIDADE. ALTERAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE VERTICALIZAÇÃO DA PROVA. QUANTIDADE E NATUREZA DAS DROGAS APREENDIDAS. IDONEIDADE PARA EXASPERAR A PENA-BASE. ALEGAÇÃO DE BIS IN IDEM ENTRE MAUS ANTECEDENTES E REINCIDÊNCIA. CONDENAÇÕES DISTINTAS. POSSIBILIDADE. PEDIDO DE APLICAÇÃO DA ATENUANTE AO PACIENTE LEANDRO. PRETENSÃO RECHAÇADA PELA INSTÂNCIA A QUO. ALTERAÇÃO A DEMANDAR REEXAME DE PROVAS. PLEITO DE RECONHECIMENTO DO TRÁFICO PRIVILEGIADO. IMPOSSIBILIDADE. QUANTIDADE E NATUREZA DAS DRAGAS APREENDIDAS. CONVICÇÃO DA CORTE LOCAL QUE O PACIENTE EXERCIA A TRAFICÂNCIA DE FORMA HABITUAL. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.

[…]

III - Quanto à autoria e a materialidade delitiva, segundo a Corte local, essas se encontram devidamente demonstradas nos autos. O Tribunal de origem, com arrimo no depoimento dos policiais responsáveis pela prisão dos pacientes, confirmou a imputação da autoria aos pacientes. Registre-se que os depoimentos dos policiais têm valor probante, já que seus atos são revestidos de fé pública, sobretudo quando se mostram coerentes e compatíveis com as demais provas dos autos. A propósito: AgRg no AREsp n. 1.317.916/PR, Quinta Turma, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, DJe de de 05/08/2019; REsp n. 1.302.515/RS, Sexta Turma, Rel. Min. Rogerio Schiet Cruz, DJe de 17/05/2016; e HC n. 262.582/RS, Sexta Turma, Rel. Min. Nef Cordeiro, DJe de 17/03/2016.

[...]

(STJ, 5ª Turma, AgRg no HC 627.596/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, julgado em 02/03/2021, DJe 08/03/2021)

RENAN exerceu seu direito constitucional de permanecer em silêncio em seu interrogatório policial (ID 283807220).

Interrogado em juízo, o réu admitiu que conduzia o veículo e que transportava cigarros importados do Paraguai. Alegou ter recebido o carro já carregado no Paraguai, em um barracão. Afirmou que, na ocasião dos fatos, estava com dificuldades financeiras, sendo essa a razão pela qual aceitou o serviço (ID's 283807995 e 283807996).

Pelo exposto, a autoria delitiva e o dolo foram devidamente demonstrados pelo auto de prisão em flagrante, pelos depoimentos das testemunhas, e pelo próprio interrogatório judicial do apelante, comprovando que o réu era o condutor do automóvel Peugeot 2008, cor cinza, placas RTD0C55/MG, que transportava os cigarros contrabandeados apreendidos.

Embora a defesa sustente que houve tentativa de contrabando, uma vez que o apelante foi flagrado "no meio da transação e não chegou ao êxito", verifica-se que ocorreu a consumação do delito.

Deveras, o réu foi denunciado como incurso no artigo 334-A, caput, do Código Penal, que prevê a conduta de importar ou exportar mercadoria proibida. Conforme apurado, embora o agente não tenha alcançado o objetivo de entregar a mercadoria proibida na cidade de Campo Grande/MS, o réu efetivamente transpôs a fronteira entre Paraguai e Brasil, internalizando os cigarros de importação e comercialização proibidos em território nacional.

Assim, notório, pelas próprias palavras do apelante, que perpetrou o comportamento descrito na denúncia ao importar os cigarros paraguaios, ciente de que praticava ato ilícito, ao qual aderiu de forma livre e consciente, não incidindo em qualquer erro.

Destarte, o conjunto probatório colacionado aos autos - especialmente a prova oral angariada - torna induvidosa a autoria delitiva e o dolo, devendo ser mantida a condenação do réu nos moldes da r. sentença.

2. DO CRIME DO ARTIGO 183 DA LEI Nº 9.472/97

2.1. Da tipificação legal do uso de rádio transceptor

Observo que a denúncia imputou ao réu o delito do art. 70 da Lei 4.117/62, descrevendo que ele "Desenvolveu clandestinamente atividade de telecomunicação, por meio do uso de rádio transceptor instalado no veículo utilizado para transportar a carga de cigarro contrabandeado, isto para se comunicar com os outros veículos que faziam parte do comboio de transporte de mercadorias estrangeiras desacompanhadas de documentação legal".

O magistrado sentenciante aplicou a emendatio libelli, subsumindo a conduta descrita na denúncia ao crime previsto no artigo 183 da Lei 9.472/97.

A defesa sustenta nulidade por violação aos princípios do contraditório e ampla defesa.

A alegação não merece prosperar.

A emendatio libelli consiste na atribuição de definição jurídica diversa ao arcabouço fático descrito na inicial acusatória, ainda que isso implique agravamento da situação jurídica do réu, mantendo-se, contudo, intocada a correlação fática entre acusação e sentença, afinal, o réu defende-se dos fatos no processo penal. O momento adequado à realização da emendatio libelli pelo órgão jurisdicional é o momento de proferir sentença.

Estabelece o artigo 383 do Código de Processo Penal:

"Art. 383. O juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa, poderá atribuir-lhe definição jurídica diversa, ainda que, em consequência, tenha de aplicar pena mais grave."

Por outro lado, verifica-se a mutatio libelli, quando o juiz concluir que os fatos narrados na inicial não correspondem aos fatos provados na instrução processual. Nesta hipótese, deve o juiz remeter o processo ao Ministério Público, que deverá aditar a peça inaugural, de modo que a defesa possa se defender dos novos fatos narrados na exordial acusatória. Tal situação está prevista no artigo 384 do Código de Processo penal:

"Art. 384. Encerrada a instrução probatória, se entender cabível nova definição jurídica do fato, em consequência de prova existente nos autos de elemento ou circunstância da infração penal não contida na acusação, o Ministério Público deverá aditar a denúncia ou queixa, no prazo de 5 (cinco) dias, se em virtude desta houver sido instaurado o processo em crime de ação pública, reduzindo-se a termo o aditamento, quando feito oralmente."

Na hipótese dos autos, não se há falar em mutatio libelli, mas sim, em emendatio libelli. O magistrado, quando da prolação da sentença, não acresceu fato novo à imputação penal, mas somente verificou que a tipificação não correspondia aos fatos narrados na petição inicial, apontando sua correta definição jurídica. Os fatos analisados foram exatamente os fatos narrados, pelo que não se há falar em nulidade por violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa.

Perfilho do entendimento do magistrado sentenciante, no sentido de que o suposto uso do rádio transceptor pelo réu subsome-se ao tipo penal do artigo 183, caput, da Lei nº 9.472/97.

Não se olvida que a conduta típica descrita no artigo 70 da Lei nº 4.117/62, com redação mantida pelo Decreto-Lei nº 236 de 28/02/1967, não se encontra revogada. É embasada na instalação ou utilização de telecomunicações, sem observância do disposto em lei e nos regulamentos, apenada com detenção de 1 (um) a 2 (dois) anos, aumentada da metade se houver dano a terceiro.

O delito do aludido artigo 183, caput, da Lei nº 9.472/97, por sua vez, consiste em desenvolver clandestinamente atividades de telecomunicação, ao qual é cominada a pena de detenção de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, aumentada da metade se houver dano a terceiro.

Desse modo, qualquer equipamento que opere com transmissão de rádio frequência é capaz de emitir sinais indesejáveis fora do canal de operação normal, os quais, não sendo devidamente atenuados por filtros elétricos internos ao aparelho, podem causar interferência em outras telecomunicações, inclusive de aeronaves, polícia, bombeiros etc.

Conforme previsão constitucional, a radiodifusão sonora, de sons e imagens são serviços explorados diretamente pela União, ou mediante concessão, permissão ou autorização do Poder Executivo (artigo 21, inciso XII, alínea "a", com redação dada pela Emenda nº 8, de 15/08/95, e artigo 223, ambos da Constituição Federal).

Permanece assente o entendimento de que a radiodifusão é espécie do gênero telecomunicações. Todavia, necessita de prévia autorização da ANATEL para funcionamento.

O tipo penal definido no artigo 183, caput, da Lei nº 9.472/97 reafirmou a ilicitude da atividade de radiodifusão clandestina, sendo até então prevista no artigo 70 da Lei nº 4.117/62 a utilização de telecomunicação sem observância do disposto em lei e nos regulamentos.

Assim, enquanto o delito da Lei nº 4.117/62 incrimina o desenvolvimento de telecomunicação, em desacordo com os regulamentos, embora com a devida autorização para funcionar, o delito insculpido no artigo 183, caput, da Lei nº 9.472/97 tipifica a operação clandestina de tal atividade, ou seja, sem a devida autorização, como no caso dos autos, em que o apelante não tinha licença da ANATEL para utilização de equipamentos de telecomunicação. O mesmo diploma legal define o que seria a atividade clandestina:

"Art. 184. São efeitos da condenação penal transitada em julgado:

I - tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime;

II - a perda, em favor da Agência, ressalvado o direito do lesado ou de terceiros de boa-fé, dos bens empregados na atividade clandestina, sem prejuízo de sua apreensão cautelar.

Parágrafo único. Considera-se clandestina a atividade desenvolvida sem a competente concessão, permissão ou autorização de serviço, de uso de radiofreqüência e de exploração de satélite.(grifo nosso)

Os julgados do E. Superior Tribunal de Justiça destacam esse entendimento:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RÁDIO INSTALADA EM VEÍCULO SEM A DEVIDA AUTORIZAÇÃO. DELITO TIPIFICADO NO ART. 183 DA LEI N. 9.472/1997. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.

1. Esta Corte possui o entendimento pacífico de que "a prática de atividade de telecomunicação sem a devida autorização dos órgãos públicos competentes subsume-se no tipo previsto no art. 183 da Lei 9.472/97; divergindo da conduta descrita no art. 70 da Lei 4.117/62, em que se pune aquele que, previamente autorizado, exerce a atividade de telecomunicação de forma contrária aos preceitos legais e aos regulamentos" (CC 101.468/RS, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Terceira Seção, DJe 10.9.2009).

2. O réu foi condenado por fazer uso de rádio comunicador, desenvolvendo clandestinamente atividade de telecomunicação, pois operava rádio instalado em veículo automotor sem a devida autorização da autoridade competente, o que configura a conduta do art. 183 da Lei n. 9.472/1997. Precedentes.

Agravo regimental desprovido.

(AgRg no AREsp 1060786/MS, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 17/08/2017, DJe 28/08/2017)

PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ALEGAÇÃO DE PRESCRIÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. AGENTE COM IDADE INFERIOR A 70 ANOS NA DATA DA SENTENÇA CONDENATÓRIA. CRIME CONTRA AS TELECOMUNICAÇÕES. INSTALAÇÃO E FUNCIONAMENTO DE ESTAÇÃO DE RADIODIFUSÃO SONORA. ART. 183 DA LEI N. 9.472/1997. OFENSA AO ART. 619 DO CPP NÃO CONFIGURADA. DELITO TIPIFICADO NO ART. 183 DA LEI N. 9.472/1997. ACÓRDÃO A QUO EM CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE SUPERIOR E DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. SÚMULA 83/STJ. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. (...) 4. Julgados recentes do Supremo Tribunal Federal entendem que a atividade de telecomunicações desenvolvida de forma habitual e clandestina tipifica o delito previsto no art. 183 da Lei n. 9.472/1997, e não aquele previsto no art. 70 da Lei n. 4.117/1962. 5. Agravo regimental improvido.

(AGARESP 201501678481, SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, STJ - SEXTA TURMA, DJE DATA:03/05/2016)

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO PENAL. PRETENSA DESCLASSIFICAÇÃO DA CONDUTA DO ART. 183 DA LEI N. 9.472/1997 PARA O ART. 70 DA LEI N. 4.117/1962. IMPOSSIBILIDADE. AGENTE QUE EXPLORAVA ATIVIDADE DE RADIODIFUSÃO SEM AUTORIZAÇÃO. HABITUALIDADE NA INSTALAÇÃO. UTILIZAÇÃO CLANDESTINA. TIPIFICAÇÃO NOS TERMOS DO ART. 183 DA LEI N. 9.472/97. AGRAVO IMPROVIDO. 1. O art. 183 da Lei n. 9.472/97 não revogou o art. 70 da Lei n. 4.117/62, haja vista a distinção dos tipos penais. Nos termos da jurisprudência desta Corte, a prática habitual de atividade de telecomunicação sem a prévia autorização do órgão público competente subsume-se ao tipo descrito no art. 183 da Lei n. 9.472/97, enquanto a conduta daquele que, previamente autorizado, exerce atividade de telecomunicação de forma contrária aos preceitos legais e regulamentares encontra enquadramento típico-normativo no art. 70 da Lei n. 4.117/62. 2. No caso, correto o acórdão proferido pelo Tribunal de origem que, verificando a conduta do agente em explorar e exercer, de forma habitual, os serviços de telecomunicação de radiodifusão sem a autorização do órgão competente, o condena pelo crime descrito no art. 183 da Lei n. 9.472/97. 3. Agravo regimental a que se nega provimento.

(AGRESP 201300943890, MARCO AURÉLIO BELLIZZE, STJ - QUINTA TURMA, DJE DATA:20/11/2013) (grifo nosso)

2.2. Da materialidade

A materialidade foi demonstrada pelo auto de prisão e flagrante (ID 283807192, pp. 1/3); pelo Termo de Apreensão n° 68714/2023 (ID 283807192, pp. 4/5); pela Informação de Polícia Judiciária n. º 68720/2023, com registros fotográficos (ID 283807192, pp. 6/8), Boletim de Ocorrência nº 2318313230107093005, com registros fotográficos (ID 283807192, pp. 9/16); e pelo Laudo de Perícia Criminal Federal - Eletroeletrônicos (ID 283807825, pp. 14/21).

Com efeito, referidos documentos atestam a apreensão, no veículo Peugeot 2008, placas RTD0C55/MG, conduzido por RENAN, de um equipamento de radiocomunicação marca YAESU, modelo FTM-3100R, número de série 2H762814, instalado de forma visível no painel, desprovido de selo de homologação da ANATEL (embora o modelo deste aparelho possua o certificado de homologação da ANATEL de número 00803-18-00534).

O laudo pericial esclareceu que o rádio instalado no veículo ocupado pelo réu estava configurado para operar na frequência de 136 a 174 MHz, com potência nominal de 65W, sendo que a faixa dessas frequências abrange diversos serviços, tornando segura a materialidade delitiva.

O perito federal observou que, "acionando-se o interruptor de transmissão (push-to-talk ou PTT), verifica-se na saída do Transceptor a transmissão da portadora na frequência central de 154,355 MHz e na potência de 58 Watts", sendo que esta frequência estava "armazenada na memória do equipamento em teste e corresponde ao último canal selecionado para transmissão e recepção. Ademais, nota-se no visor do equipamento a indicação do bloqueio temporário do teclado (ícone em forma de uma pequena chave), utilizado para evitar a alteração acidental da frequência durante o uso".

Por fim, o perito assinalou que o equipamento é capaz de provocar interferência prejudicial em canais de telecomunicação que utilizem a mesma radiofrequência na área de influência das transmissões envolvidas, implicando obstrução, degradação ou interrupção dos serviços realizados.

Logo, incontroversa a materialidade delitiva.

2.3. Da autoria

A defesa pugna pela absolvição do crime do artigo 70 da Lei 4.117/62, argumentando a insuficiência do conjunto probatório em demonstrar que o apelante tenha instalado ou utilizado os equipamentos de telecomunicações para causar dano a terceiro. Também aponta que os depoimentos dos policiais não foram corroborados por outros meios de prova, devendo ser aplicado o princípio do in dubio pro reo.

O inconformismo defensivo não merece prosperar, uma vez que a autoria delitiva restou demonstrada pelo auto de prisão em flagrante, corroborado pelas provas produzidas em juízo.

O dolo, por sua vez, foi evidenciado tanto pelas circunstâncias em que os cigarros foram apreendidos como pela prova oral amealhada.

Com efeito, extrai-se do boletim de ocorrência (ID 283807192, p. 12) que, após a abordagem policial do veículo Peugeot 2008 de placas RTD-0C55, foi realizada verificação em seu interior, tendo sido encontrado um rádio instalado no painel, destinado à comunicação entre os integrantes do grupo, em pleno funcionamento.

Neste sentido foram os depoimentos prestados perante a autoridade policial pelos policiais rodoviários federais Wanderson de Souza Braga e Israel Celestino Pinheiro.

O policial rodoviário federal Wanderson de Souza Braga detalhou que o rádio estava instalado no painel, de maneira visível, ligado e em pleno funcionamento. Afirmou que a potência do rádio Yaeso é mais elevada, e que RENAN declarou que o rádio era utilizado para comunicação entre os batedores e a equipe. O apelante disse apenas que havia mais veículos envolvidos, sem informar quantos, porém a testemunha destacou que a equipe conseguiu visualizar, em comportamento altamente perigoso e anormal, três veículos (ID 283807206).

Wanderson reiterou seu depoimento em juízo (ID's 283807976 a 283807994). Reafirmou que no momento da abordagem o rádio estava ligado, em funcionamento, e que puderam ouvir outros condutores se comunicando pelo equipamento. 

Tal depoimento foi consonante com o prestado pelo policial rodoviário federal Israel Celestino Pinheiro em sede investigativa, ocasião em que relatou que RENAN disse que o rádio era para estabelecer a comunicação com os outros membros da equipe, pois em pontos das estradas não havia possibilidade de utilizar o celular (ID 283807218).

Em juízo, o policial atestou que, no momento da abordagem, o rádio estava funcionando. RENAN foi detido, e puderam ouvir a comunicação entre as demais pessoas participando da empreitada criminosa (ID's 283807953 a 283807958).

RENAN exerceu seu direito constitucional de permanecer em silêncio em seu interrogatório policial (ID 283807220).

Interrogado em juízo, o réu admitiu que havia um rádio instalado no veículo, mas negou que estivesse ligado e que tenha usado o aparelho para se comunicar com batedores durante o período em que conduziu o veículo. Alegou que não havia veículos trafegando junto com ele, e sequer saber como o rádio funcionava. Negou que houvesse batedores, questionando como teria se deparado com a Polícia Rodoviária Federal se utilizava rádio e era informado (ID's 283807995 e 283807996).

Embora o apelante tenha negado a prática delitiva, o conjunto probatório amealhado durante a instrução demonstrou a autoria.

É corriqueiro o emprego de rádio comunicador para a perpetração do crime de contrabando, em especial para emitir alertas sobre eventuais fiscalizações policiais, a fim de assegurar o sucesso da empreitada criminosa, o que somente corrobora a prática do delito em tela. Os policiais relataram que o apelante afirmou que o grupo criminoso trafegava também por estradas vicinais, nas quais o recebimento de sinal da rede telefônica fica prejudicado, surgindo os rádios transceptores como recurso de que o acusado se utilizou para buscar o seu intento.

Destaco o quanto observado pelo perito federal no laudo elaborado sobre o equipamento, registrando-se que o rádio entrou em funcionamento imediato após a energização, e que "acionando-se o interruptor de transmissão, verifica-se na saída do Transceptor a transmissão da portadora na frequência central de 154,355 MHz", sendo que esta frequência estava "armazenada na memória do equipamento em teste e corresponde ao último canal selecionado para transmissão e recepção. Ademais, nota-se no visor do equipamento a indicação do bloqueio temporário do teclado (ícone em forma de uma pequena chave), utilizado para evitar a alteração acidental da frequência durante o uso".

É irrelevante para o juízo de tipicidade da conduta se foi o apelante o responsável pela instalação do rádio, uma vez que o artigo 183 da Lei nº 9.472/1997 descreve a conduta de “desenvolver clandestinamente atividades de telecomunicação”.

Por fim, observo que o crime sob análise possui natureza formal, de perigo abstrato, que tutela a segurança e higidez das telecomunicações no Brasil, bem como o controle e fiscalização estatal sobre tais atividades, bastando, pois, a prática da conduta para que se configure em concreto a conduta típica em questão. Assim, não se há de falar em necessidade de lesão significativa aos serviços de telecomunicação nacional para que se torne típica a conduta (o que, de resto, tornaria crime apenas condutas clandestinas de imenso impacto, em absoluto desacordo seja com a dicção do tipo, seja com a finalidade e o bem jurídico tutelado pelo enunciado normativo).

Neste sentido:                                            


PENAL. PROCESSO PENAL. ARTIGO 183 DA LEI N. 9.472/1997. CRIME CONTRA AS TELECOMUNICAÇÕES. RÁDIO TRANSCEPTOR. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. NULIDADE DA PROVA POR CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO CONFIGURADA. MATERIALIDADE DELITIVA E ELEMENTO SUBJETIVO COMPROVADOS. CONTRABANDO DE CIGARROS. ARTIGO 334-A, CAPUT E § 1º, INCISO I, CÓDIGO PENAL. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. DOSIMETRIA DO CRIME DE CONTRABANDO. MAJORAÇÃO DA PENA-BASE EM RAZÃO DA QUANTIDADE DE CIGARROS. APLICAÇÃO DA AGRAVANTE DE PROMESSA DE RECOMPENSA. COMPENSAÇÃO COM A ATENUANTE DA CONFISSÃO. DOSIMETRIA DO CRIME CONTRA AS TELECOMUNICAÇÕES RECONHECIMENTO DA ATENUANTE DA CONFISSÃO. PENA DE MULTA REDUZIDA. CONCURSO MATERIAL DE CRIMES. FIXAÇÃO DO REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO DE PENA SEMIABERTO. NÃO CABIMENTO DA SUBSTITUIÇÃO DA PENA CORPORAL POR RESTRITIVAS DE DIREITOS. DECRETAÇÃO DA INABILITAÇÃO PARA DIRIGIR VEÍCULO AUTOMOTOR. APELAÇÃO DO RÉU PROVIDA EM PARTE. APELAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROVIDA EM PARTE.
1. Da pretensão de desclassificação do crime contra as telecomunicações. As Cortes Superiores consolidaram entendimento no sentido de que o artigo 183 da Lei nº 9.742/1997 não revogou o artigo 70 da Lei n.º 4.117/1962 quanto à radiodifusão, ressaltando-se que: 1) Uma vez reconhecida a atividade clandestina de telecomunicações, o réu deve ser condenado como incurso no art. 183 da Lei n.º 9.742/1997; e 2) Caso seja constatada apenas a conduta de instalação ou desenvolvimento da atividade devidamente autorizada, mas em desacordo com os regulamentos, restará tipificada a conduta insculpida no artigo 70 da Lei n.º 4.117 /1962. Portanto, a instalação e uso clandestino de rádio transceptor, ou seja, sem autorização legal da ANATEL, subsome-se ao tipo penal do artigo 183 da Lei n.º 9.472/97, refutando-se a pretensão ministerial de desclassificação para o tipo penal menos gravoso.
2. Da tipificação do delito previsto no artigo 183 da Lei n. 9.472/1997. O desenvolvimento clandestino de atividades de telecomunicação é delito de natureza formal, sendo prescindível resultado naturalístico para a sua consumação, razão pela qual não se mostra necessário que a conduta do agente cause efetivo prejuízo a outrem. Além disso, trata-se de crime de perigo abstrato, cuja lesividade é presumida, ou seja, para a sua caracterização, basta a comprovação de que o agente desenvolveu atividade de telecomunicação sem a devida autorização do órgão competente, já que a lei traz uma presunção juris et de jure de que tal conduta gera perigo, isto é, compromete, por si só, a segurança, a regularidade e a operabilidade do sistema de telecomunicações do país. Por tais motivos, a jurisprudência pátria é uníssona em não permitir o reconhecimento do princípio da insignificância.
3. A materialidade delitiva do crime contra as telecomunicações restou comprovada nos autos por meio do Auto de Prisão em Flagrante, pelo Auto de Apresentação e Apreensão, pelo Boletim de Ocorrência PRF 2388568180713100000, pelo Relatório Fotográfico, e pelo Laudo de Perícia Criminal Federal (Eletroeletrônicos) 1376/2018-SETEC/SR/PF/MS, o qual atestou que o equipamento instalado no caminhão conduzido pelo acusado tratava-se de um transceptor móvel FM, marca YAESU, modelo FTM-3100R, número de série 7F161179, em regular estado de conservação, o qual estava em plenas condições de funcionamento, ausente, contudo, a necessária autorização da ANATEL para o uso.
[...]
16. Apelação da defesa provido em parte.
17. Apelação do Ministério Público Federal provida em parte.
 
(TRF 3ª Região, 11ª Turma, ApCrim - APELAÇÃO CRIMINAL - 0001539-91.2018.4.03.6000, Rel. Desembargador Federal FAUSTO MARTIN DE SANCTIS, julgado em 11/12/2023, Intimação via sistema DATA: 14/12/2023)
                                        

Assim, restou demonstrado que o apelante desenvolveu atividade clandestina de telecomunicações, ao utilizar rádio sem certificação na ANATEL, com aptidão para interferir em serviços de radiocomunicação que operem na mesma frequência ou em frequências próximas. 

Destarte, o conjunto probatório torna induvidosos a autoria delitiva e o dolo do acusado, devendo ser mantida a condenação do réu.

3. DO CRIME DO ARTIGO 180, § 3º, DO CÓDIGO PENAL

3.1. Da materialidade

A materialidade foi demonstrada pelo auto de prisão e flagrante (ID 283807192, p1-3); pelo Termo de Apreensão n° 68714/2023 (ID 283807192, pp. 4/5); pela Informação de Polícia Judiciária n. º 68720/2023, com registros fotográficos (ID 283807192, pp. 6/8), pelo Boletim de Ocorrência nº 2318313230107093005, com registros fotográficos (ID 283807192, pp. 9/16); pelo Boletim de Ocorrência nº 2022/1285996 da Delegacia de Furtos e Roubos de Veículos da Polícia Civil do Paraná (ID 283807192, pp. 17/19) e pelo laudo pericial nº 066/2023 – SETEC/SR/PF/MS (ID 283807825, pp. 7/13).

Os documentos colacionados indicam que o veículo Peugeot 2008, cor cinza, placas RTD0C55/MG, que estava na posse do réu, era objeto de apropriação indébita, tendo sido locado da empresa Unidas S.A., sem devolução no prazo contratado. 

3.2. Da autoria

O magistrado sentenciante desclassificou a conduta imputada a RENAN de receptação dolosa para o delito de receptação culposa, prevista no artigo 180, § 3º, do Código Penal.

Dispõe o dispositivo imputado ao réu:

Art. 180 - Adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime, ou influir para que terceiro, de boa-fé, a adquira, receba ou oculte:

Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.

§ 3º - Adquirir ou receber coisa que, por sua natureza ou pela desproporção entre o valor e o preço, ou pela condição de quem a oferece, deve presumir-se obtida por meio criminoso:

Pena - detenção, de um mês a um ano, ou multa, ou ambas as penas.

A defesa alega não haver comprovação material, e que não há "provas robustas e concretas que indiquem que o condenado teria conhecimento técnico suficiente para saber que os produtos ali encontrados eram ilícitos" (ID 283808049, p. 08).

Inicialmente, observo que a conduta sob análise não diz respeito aos produtos encontrados no interior do veículo, mas sim em relação ao próprio automóvel.

Extrai-se do boletim de ocorrência (ID 283807192, p. 12) que, após a abordagem policial do veículo Peugeot 2008 de placas RTD-0C55, os policiais consultaram-no, e receberam a informação de que o veículo pertencia à empresa de locação UNIDAS RENT A CAR, e havia ocorrência de apropriação indébita relativa ao mesmo. 

O policial rodoviário federal Wanderson de Souza Braga detalhou perante a autoridade policial que entraram em contato com um representante da seguradora do veículo, que informou que o mesmo havia sido objeto de apropriação indébita, pois fora locado em dezembro de 2022, porém não foi restituído. Afirmou que o interior do veículo estava todo destruído, tendo o forro do teto e das portas sido removido. Não puderam visualizar se ainda havia banco traseiro. RENAN alegou ter recebido o veículo do patrão, já pronto para realizar a viagem. Disse que RENAN sabia que o veículo era fruto de crime, pois sabia que ele havia sido locado e não fora devolvido (ID 283807206).

A testemunha reiterou seu depoimento em juízo (ID's 283807976 a 283807994).  Questionado, respondeu que conversaram com RENAN sobre a origem do veículo, de maneira informal, enquanto era lavrado o Boletim de Ocorrência, e RENAN disse que provavelmente seria "bob", um veículo com boletim de ocorrência, em relação ao qual haveria algo de errado. A testemunha respondeu que não havia nenhum tipo de documentação do veículo.

Tal depoimento foi consonante com o prestado pelo policial rodoviário federal Israel Celestino Pinheiro em sede investigativa, ocasião em que destacou que havia películas escuras instaladas inclusive no para-brisa dos veículos que trafegavam em comboio. Relatou que RENAN disse trabalhar com uma organização criminosa, sendo que recebia os veículos de seu patrão para fazer o transporte da carga de cigarros de Pedro Juan Caballero, no depósito Silva, onde era montado o comboio, com os batedores para fazerem a escolta da carga de cigarros (ID 283807218).

Em juízo, a testemunha foi questionada se RENAN conhecia a origem do veículo, e relatou que o acusado disse que havia certo tempo integrava grupo voltado à prática de contrabando, sendo que alguns integrantes locam os veículos, inclusive em outros estados. Relatou que RENAN disse que um de seus comparsas havia locado o veículo e não o devolveu. Afirmou que o veículo estava totalmente preparado para o transporte de cigarros, com remoção dos bancos e dos forros das portas. Novamente questionado, disse que RENAN não afirmou saber que o veículo era fruto de apropriação indébita, tendo somente declarado que pegou o veículo preparado (ID's 283807953 a 283807958).

RENAN exerceu seu direito constitucional de permanecer em silêncio em seu interrogatório policial (ID 283807220).

Interrogado em juízo, o réu alegou ter recebido o carro já carregado no Paraguai, em um barracão, e asseverou que não sabia ou desconfiou da procedência do veículo, pois o carro era novo (ID's 283807995 e 283807996).

Não obstante tenha confessado a prática do crime de contrabando, o apelante afirmou que não tinha conhecimento de que o veículo que conduzia era objeto de apropriação indébita e não há provas suficientes em sentido contrário ao de sua afirmação.

Portanto, da análise do conjunto probatório, bem como das circunstâncias nas quais ocorreram o delito, tenho que não restou comprovado, de maneira indene de dúvidas, que o apelante tinha ciência de que o veículo que transportava os cigarros contrabandeados era objeto de apropriação indébita.

Ressalte-se: o fato de um indivíduo aceitar transportar cigarros contrabandeados, em troca de dinheiro, não significa que sabe que o veículo no qual a mercadoria proibida será transportada é objeto de apropriação indébita. Isso porque não é raro que ocorram flagrantes de contrabando em que os veículos são de origem lícita, razão pela qual também entendo realmente não ser o caso de reconhecimento do dolo eventual.

Entretanto, sua conduta se amolda perfeitamente à receptação culposa, pois o réu recebeu coisa (o veículo) que pela condição de quem a oferece (o grupo criminoso de contrabando de cigarros), deve presumir-se obtida por meio criminoso, até porque quando abordado pela polícia, sequer tinha os documentos do carro. Além disso, o veículo havia sido alterado, com os bancos retirados, restando apenas o do motorista. O laudo veicular consignou que havia calços de borracha e lona, bem como molas helicoidais adicionadas na suspensão traseira do veículo, os quais permitem disfarçar visualmente eventual excesso de carga (laudo pericial ID 283807825, pp. 7/13).

Conforme exposto pelo magistrando sentenciante, "ao não se atentar para essas características, e deixar de conferir o veículo e sua procedência, o réu incidiu em negligência penalmente relevante".

Nesse sentido:

APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO TRANSNACIONAL DE DROGAS. RECEPTAÇÃO CULPOSA. (...)

- O réu foi condenado pela prática do delito previsto no artigo 180, em sua forma fundamental, do Código Penal (receptação dolosa). A defesa recorre pleiteando a edição de um decreto de natureza absolutória, por entender que o réu não tinha ciência acerca da procedência espúria do bem (dolo direto). De maneira subsidiária, pede a desclassificação ao delito de receptação culposa (artigo 180, § 3º, do Código Penal).

- É o caso de reformar-se a sentença para desclassificar a conduta inicialmente capitulada (art. 180, caput, do CP) para o crime de receptação culposa (artigo 180, § 3º, do CP).

- Não está comprovado que o réu agiu imbuído do dolo direto, exigido para a consumação do crime. De seu interrogatório judicial extrai-se que ele recebeu o automóvel em Ponta Porã/MS, fronteira com o Paraguai, de um indivíduo cuja identidade não quis revelar, mas que lhe forneceu a documentação de porte obrigatório correspondente (CRLV). Acreditou que o carro era regular, porquanto o documento era aparentemente autêntico e, inclusive, continha as mesmas placas identificatórias daquelas ostentadas pelo veículo. Em outras palavras, o réu não tinha a certeza (exigida pelo tipo penal) de que o carro era furtado. A propósito, a cópia reprográfica do referido CRLV está anexada à fl. 11 e, embora não haja perícia técnica, trata-se aparentemente de documento em suporte materialmente autêntico, o que dificulta ainda mais a percepção de que o veículo era produto de crime. Outrossim, os policiais federais que atenderam a ocorrência, testemunha supranominadas, em momento algum afirmaram que o réu admitiu ter ciência acerca da origem espúria do automóvel, o que reforça a tese de que ele não agiu com o necessário dolo direto.

- Pela natureza da coisa (veículo utilizado para o transporte de drogas), aliado à condição de quem a ofereceu (notadamente um traficante de drogas aliado a organizações criminosas internacionais), deveria o réu presumir (indicativo de culpa, na modalidade imprudência) que fora obtida por meios criminosos. De acordo com Guilherme de Souza Nucci, presumir é suspeitar, desconfiar, conjecturar ou imaginar, tornando a figura compatível com a falta do dever objetivo de cuidado, caracterizador da imprudência (ob. cit., página 1102).

(...)

- Apelações da Defesa e da Acusação providas em parte.

(TRF-3 - ApCrim: 0011146-54.2016.4.03.6112/SP SP, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS, Data de Julgamento: 12/03/2020, DÉCIMA PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: e-DJF3 Judicial 1 DATA: 17/04/2020)

 

PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. RECEPTAÇÃO E USO DE DOCUMENTO PÚBLICO FALSO (CRLV). ART. 180 E ART. 304 C/C ART. 299, NA FORMA DO ART. 69, TODOS DO CP. MATERIALIDADE COMPROVADA. CRLV IDEOLOGICAMENTE ADULTERADO. VEÍCULO OBJETO DE FURTO. RECEPTAÇÃO CULPOSA RECONHECIDA. USO DE DOCUMENTO PÚBLICO FALSO. AUSÊNCIA DE DOLO. ABSOLVIÇÃO. RECURSO ACUSATÓRIO DESPROVIDO. RECURSO DA DEFESA PARCIALMENTE PROVIDO.

(...)

4. Receptação culposa, prevista no art. 180, § 3º, do Código Penal, reconhecida, conforme pleiteado pela defesa. O tipo penal do art. 180, caput, do Código Penal pressupõe dolo direto acerca da ilicitude do objeto da receptação, situação que não se evidenciou. As provas acostadas e circunstâncias extrínsecas à conduta, em tese, criminosa, não informaram certeza inequívoca da procedência criminosa do veículo por parte do réu. Presente tão somente juízo de presunção da origem criminosa, mas não de certeza inequívoca, tem-se consubstanciada a modalidade culposa do delito de receptação, nos termos do art. 180, § 3º, do Código Penal.

5. De rigor, portanto, sua condenação como incurso nas penas do art. 180, § 3º, do Código Penal. Prejudicado, o pedido defensivo referente à absolvição da prática do delito de receptação própria por ausência de dolo.

(...)

11. Recurso da acusação desprovido. 12. Recurso da defesa parcialmente provido.

(TRF-3 - ApCrim: 00090906120154036119 SP, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO FONTES, Data de Julgamento: 26/08/2019, QUINTA TURMA, Data de Publicação: e-DJF3 Judicial 1 DATA:03/09/2019)

Assim, o conjunto probatório demonstra que o réu praticou o crime de receptação culposa, nos termos do artigo 180, §3° do CP, pelo que resta mantida a condenação.

4. DO CRIME DO ARTIGO 311 do CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO

A acusatória imputa ao réu o crime do art. 311 do Código de Trânsito Brasileiro, que dispõe:

“Art. 311. Trafegar em velocidade incompatível com a segurança nas proximidades de escolas, hospitais, estações de embarque e desembarque de passageiros, logradouros estreitos, ou onde haja grande movimentação ou concentração de pessoas, gerando perigo de dano:

Penas - detenção, de seis meses a um ano, ou multa.”

A defesa busca o decreto absolutório relativamente ao crime previsto no artigo 311 da Lei nº 9.503/1997, alegando insuficiência probatória. 

A materialidade e autoria delitivas restaram cabalmente comprovadas pelo auto de prisão e flagrante (ID 283807192, pp. 1/3); pelo Termo de Apreensão n° 68714/2023 (ID 283807192, pp. 4/5); pela Informação de Polícia Judiciária nº 68720/2023, com registros fotográficos (ID 283807192, pp. 6/8), pelo Boletim de Ocorrência nº 2318313230107093005, com registros fotográficos (ID 283807192, pp. 9/16), e pelos depoimentos dos policiais (IDs 283807206 e 283807218).

RENAN exerceu seu direito constitucional de permanecer em silêncio em seu interrogatório policial (ID 283807220).

Interrogado em juízo, o réu narrou que visualizou as viaturas da PRF atrás de si, pelo retrovisor, já na entrada da cidade, tendo apenas acelerado o carro, normalmente, para entrar no perímetro urbano. Encostou o carro, abriu a porta e colocou as mãos para fora. Afirmou que seu carro estava pesado, de modo que não era possível trafegar em alta velocidade (ID's 283807995 e 283807996).

Não obstante a não admissão pelo réu da veracidade dos fatos a ele imputados, sua versão resta isolada nos autos, visando eximir-se de responsabilidade penal. 

Com efeito, extrai-se do boletim de ocorrência (ID 283807192, p. 12) que, em 07 de janeiro de 2023, por volta das 09h30, na BR 060, na altura do Km 385, equipe da Polícia Rodoviária Federal avistou um comboio formado por três veículos, todos com películas escuras instaladas nos vidros, que se deslocavam em alta velocidade e realizavam manobras de ultrapassagem pelo acostamento, empreendendo direção perigosa.

A equipe retornou para efetuar a abordagem dos veículos, porém, ao realizar a aproximação do comboio com o giroflex e sirenes da viatura acionados, os veículos passaram a trafegar em velocidade ainda maior, forçando ultrapassagens pela contramão de direção, obrigando os veículos que seguiam no sentido contrário a saírem para o acostamento para evitar colisão frontal, colocando em risco diversos usuários da rodovia.

Narra que o acompanhamento tático durou aproximadamente quinze minutos, tendo sido percorridos cerca de 65 km, quando os veículos adentraram, em alta velocidade, na área urbana de Campo Grande-MS, na região do bairro Cophavilla, onde apenas um dos veículos do comboio, o Peugeot 2008 de placas RTD-0C55, foi alcançado, e seu condutor detido. No momento da prisão, o condutor, RENAN CARDOSO VIEIRA, chegou a esboçar uma reação de fuga a pé, mas foi contido pelos integrantes da equipe policial.

Neste sentido foi o depoimento prestado perante a autoridade policial pelo policial rodoviário federal Wanderson de Souza Braga, o qual observou que a conduta colocou em perigo a população em geral, destacando o deslocamento irresponsável, com ultrapassagem pela contramão, pelo acostamento, em local proibido, retirando outros veículos da pista, em altíssima velocidade. Apontou que somente conseguiram alcançá-lo em área urbana, pois o veículo foi forçado a reduzir a velocidade (ID 283807206).

A testemunha reiterou seu depoimento em juízo (ID's 283807976 a 283807994). Acrescentou que naquele local há muitos assentamentos, inclusive à margem da rodovia, de modo que há famílias e crianças nas proximidades. 

Tal depoimento foi consonante com o prestado pelo policial rodoviário federal Israel Celestino Pinheiro em sede investigativa, ocasião em que destacou que havia películas escuras instaladas inclusive no para-brisa dos veículos que trafegavam em comboio, em alta velocidade. Explicou que o giroflex e as sirenes das viaturas foram ligadas, e foi dada clara ordem de parada aos veículos, que a desobedeceram. Os condutores continuaram a empreender fuga, fizeram ultrapassagens perigosas, andaram na contramão, forçando veículos a saírem pelo acostamento. Destacou que a fuga é a parte mais violenta do procedimento criminoso, por comprometer a segurança de todos, do próprio motorista, de outros veículos, e da equipe policial (ID 283807218).

Em juízo, a testemunha declarou que, caso não tivessem tido êxito em abordar o veículo Peugeot naquele momento, a equipe policial não iria prosseguir com a perseguição dentro da cidade, pois a situação expôs a perigo muitas pessoas. Afirmou que, caso tivesse ocorrido um acidente, seria de muita gravidade, pois a velocidade era incompatível com a segurança da Rodovia. Explicou que, como a viatura estava no sentido contrário ao do deslocamento do comboio, acredita que os condutores tenham pensado que a Polícia Rodoviária Federal não faria o retorno, ou, caso fizesse, que a viatura não teria condições de alcançá-los (ID's 283807953 a 283807958).

A defesa do apelante aduz que ele “não estava próximo de escolas, de hospitais, rodoviárias, ruas estreitas urbanas ou gerou perigo a alguém” (ID 283808049, p. 7), além do que “não houve danos materiais e danos causados a vida de nenhuma criança ou adulto” (ID 283808049, p. 12), e, “se realmente houvesse direção perigosa, teriam que apresentar testemunhas para comprovar tal alegação, não fizeram” (ID 283808049, p. 11). Os argumentos não socorrem o apelante.

Verifica-se do quanto exposto que os policiais que realizaram o flagrante, ouvidos na condição de testemunhas compromissadas, elaboraram relatos coesos entre si, trazendo detalhes do transcorrido. Apontaram que o que ensejou o acompanhamento tático foi o fato de que três veículos, que trafegavam em comboio na estrada, estavam em alta velocidade e realizavam ultrapassagens perigosas. Iniciado o acompanhamento, a condução se agravou, com o emprego de maior velocidade, a realização de mais ultrapassagens, a direção na contramão e no acostamento, jogando veículos para fora para evitar colisão frontal.

Conforme destacado, o boletim de ocorrência registra que, no período de quinze minutos, foram percorridos cerca de sessenta e cinco quilômetros, evidenciando a alta velocidade do veículo. Além disso, o policial Wanderson apontou que, no local onde os fatos ocorreram, há assentamento, com famílias, crianças. Há de se considerar também que a perseguição findou já dentro do perímetro urbano, onde há fluxo ainda maior de pessoas e animais, gerando mais riscos à integridade de terceiros.

Ressalte-se que os depoimentos dos policiais, sobretudo produzidos em juízo, sob o crivo do contraditório, são idôneos para ensejar um provimento condenatório, inclusive porque corroboram as provas documentais já produzidas, e gozam de fé pública e presunção juris tantum, não afastada pela defesa.

Nesse tocante, o entendimento jurisprudencial:

DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. NULIDADE. AUSÊNCIA DE CONCESSÃO DO DIREITO AO SILÊNCIO. TESE NÃO ANALISADA PELA CORTE DE ORIGEM. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. AUTORIA E MATERIALIDADE CONFIRMADA PELO TRIBUNAL LOCAL. DEPOIMENTOS DOS POLICIAIS. CREDIBILIDADE. ALTERAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE VERTICALIZAÇÃO DA PROVA. QUANTIDADE E NATUREZA DAS DROGAS APREENDIDAS. IDONEIDADE PARA EXASPERAR A PENA-BASE. ALEGAÇÃO DE BIS IN IDEM ENTRE MAUS ANTECEDENTES E REINCIDÊNCIA. CONDENAÇÕES DISTINTAS. POSSIBILIDADE. PEDIDO DE APLICAÇÃO DA ATENUANTE AO PACIENTE LEANDRO. PRETENSÃO RECHAÇADA PELA INSTÂNCIA A QUO. ALTERAÇÃO A DEMANDAR REEXAME DE PROVAS. PLEITO DE RECONHECIMENTO DO TRÁFICO PRIVILEGIADO. IMPOSSIBILIDADE. QUANTIDADE E NATUREZA DAS DRAGAS APREENDIDAS. CONVICÇÃO DA CORTE LOCAL QUE O PACIENTE EXERCIA A TRAFICÂNCIA DE FORMA HABITUAL. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.

[…]

III - Quanto à autoria e a materialidade delitiva, segundo a Corte local, essas se encontram devidamente demonstradas nos autos. O Tribunal de origem, com arrimo no depoimento dos policiais responsáveis pela prisão dos pacientes, confirmou a imputação da autoria aos pacientes. Registre-se que os depoimentos dos policiais têm valor probante, já que seus atos são revestidos de fé pública, sobretudo quando se mostram coerentes e compatíveis com as demais provas dos autos. A propósito: AgRg no AREsp n. 1.317.916/PR, Quinta Turma, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, DJe de de 05/08/2019; REsp n. 1.302.515/RS, Sexta Turma, Rel. Min. Rogerio Schiet Cruz, DJe de 17/05/2016; e HC n. 262.582/RS, Sexta Turma, Rel. Min. Nef Cordeiro, DJe de 17/03/2016.

[...]

(STJ, 5ª Turma, AgRg no HC 627.596/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, julgado em 02/03/2021, DJe 08/03/2021)

PENAL. TRÁFICO TRANSNACIONAL DE DROGAS. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. DEPOIMENTOS DOS POLICIAIS. VALIDADE. PENA MANTIDA.

1. Materialidade comprovada. Autoria demonstrada pela prova testemunhal produzida durante as investigações e em juízo.

2. Diante do conjunto probatório, não se sustenta o argumento ventilado pela defesa de que o réu estava na companhia dos demais acusados, mas desistiu de praticar o delito.

3. O fato de a testemunha afirmar que não se recorda de determinada passagem, não retira credibilidade daquilo que afirma saber sobre os fatos.

4. A sistemática processual penal vigente não impõe qualquer restrição na eficácia probatória decorrente de depoimentos feitos por agentes policiais, até porque, ordinariamente, suas declarações têm expressiva relevância na elucidação do delito e de sua autoria.

5. Transnacionalidade do crime evidenciada pelos depoimentos das testemunhas.

6. Dosimetria da pena inalterada. Diante da ausência de recurso ministerial e do princípio da non reformatio in pejus, mantida a pena-base e a redução decorrente do art. 33, § 4º, da Lei n.º 11.343/2006.

7. Impossibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos em razão do quantum da pena aplicada (CP, art. 44, I).

8. Apelação improvida.

(TRF 3ª Região, DÉCIMA PRIMEIRA TURMA, ACR - APELAÇÃO CRIMINAL - 40252 - 0000197-79.2008.4.03.6005, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO, julgado em 28/10/2014, e-DJF3 Judicial 1 DATA:05/11/2014) (grifo nosso)

No que diz respeito à comprovação de dano, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que o crime em comento é de perigo abstrato, sendo suficiente a comprovação de que o condutor trafegou em velocidade incompatível com a segurança nas proximidades de escolas, hospitais, estações de embarque e desembarque de passageiros, logradouros estreitos, ou onde haja grande movimentação ou concentração de pessoas, gerando perigo de dano.

Neste sentido: 

AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO HABEAS CORPUS. ARTIGOS 306, § 1º E 311 DO CTB. NULIDADE DA AÇÃO PENAL. DESCONSIDERAÇÃO DE DEPOIMENTOS DE TESTEMUNHAS DA DEFESA. FALSIDADE DO LAUDO DE CONSTATAÇÃO DE ALTERAÇÃO DE SINAIS PSICOMOTORES. VIOLAÇÃO À SÚMULA 11/STF. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. INÉPCIA DA DENÚNCIA. SUPERVENIÊNCIA DA SENTENÇA CONDENATÓRIA. PREJUDICIALIDADE. ARTIGO 306. CRIME DE PERIGO ABSTRATO. TESTE ALVEOLAR OU SANGUÍNEO. DESNECESSIDADE. CRIME PRATICADO APÓS A LEI N. 12.760/2012. DECLARAÇÕES DE POLICIAIS. VALIDADE. ARTIGO 311 DO CTB. COMPROVAÇÃO DE PERIGO À VIDA DE PESSOAS. PRESCINDIBILIDADE. SEGURANÇA DO TRÂNSITO. CRIMES DE PERIGO. CONSTITUCIONALIDADE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. [...]
5. "É válido e revestido de eficácia probatória o testemunho prestado por policiais envolvidos com a ação investigativa, mormente quando em harmonia com as demais provas e confirmado em juízo, sob a garantia do contraditório" (AgRg no AREsp 366.258/MG, Rel. Ministra LAURITA VAZ, Quinta Turma, DJe 27/03/2014).
6. O crime previsto no artigo 311 do CTB não exige para sua configuração dano efetivo a outras pessoas por ser o perigo presumido por lei, haja vista a proteção da segurança do trânsito, sendo suficiente que reste comprovado estar o condutor trafegando em velocidade incompatível com a segurança nas proximidades de escolas, hospitais, estações de embarque e desembarque de passageiros, logradouros estreitos, ou onde haja grande movimentação ou concentração de pessoas, gerando perigo de dano. 7. No caso, as instâncias ordinárias entenderam restar configurado o delito por ter o paciente, durante perseguição policial de abordagem, dirigido pela contramão, exigindo, assim, que os demais condutores que vinham em sua direção, realizassem manobras bruscas para evitar acidentes, por encontrar-se em velocidade acima de 100 km/h e por ter, ainda, percorrido um grande percurso com o pneu furado (e-STJ fls. 108/109), tudo a demonstrar que sua conduta gerou efetivo perigo de dano a outras pessoas, sendo, pois, inviável a reversão de tais conclusões por demandarem revolvimento de provas, providência não compatível com a via estreita do mandamus.
8. "A criação de crimes de perigo abstrato não representa, por si só, comportamento inconstitucional do legislador" (HC n. 102.087/MG, Relator o Ministro Celso de Mello, Relator para acórdão o Ministro Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJe de 13/8/2012)" (HC 356.554/RS, Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 23/05/2017, DJe 30/05/2017).
9. Agravo regimental a que se nega provimento.
(AgRg nos EDcl no HC n. 354.810/PB, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 17/10/2017, DJe de 23/10/2017.) (grifo nosso)
 

Assim, extrai-se o dolo do contexto fático, consistente na vontade livre e consciente de praticar conduta que se amolda ao disposto no artigo 311 do Código de Trânsito Brasileiro. 

Demonstrada a autoria delitiva, bem como a presença do elemento subjetivo do tipo, mantenho a condenação de RENAN pela prática do crime previsto no artigo 311 do Código de Trânsito Brasileiro, e passo à dosimetria. 

5. DA DOSIM TRIA

5.1. Do crime do artigo 334-A do Código Penal

1ª fase

Na primeira fase, o juiz sentenciante valorou negativamente as circunstâncias do crime, exasperando a pena ao patamar de 2 (dois) anos, 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias de reclusão.

A defesa pugna pela fixação da pena no mínimo legal.

As circunstâncias do crime dizem respeito ao modus operandi empregado na prática do delito. São elementos que, embora não componham o crime, influenciam em sua gravidade e devem ser negativamente valoradas quando demonstrarem uma maior ousadia do acusado. O caso dos autos deveras configura situação que justifica a valoração negativa das circunstâncias do crime, uma vez que o veículo teve partes removidas, de modo a permitir o transporte da maior quantidade possível de mercadoria proibida, e de, valendo-se de molas adicionais e calços na suspensão traseira, disfarçar a carga excessiva. Além disso, o delito foi praticado com o auxílio de batedores.

Também perfilho do entendimento de que a excessiva quantidade de cigarros apreendidos em poder do réu - 19.000 (dezenove mil) maços - constitui fator apto a elevar a pena-base. Nesse sentido, os seguintes precedentes desta Corte: 1ª Turma, ACR 00020214320084036112, Rel. Des. Fed. Hélio Nogueira, e-DJF3: 03.02.2016; 11ª Turma, ACR 00032297520114036106, Rel. Juiz Convocado Leonel Ferreira, e-DJF3: 01.02.2016.

Insta salientar que a individualização da pena representa direito fundamental, previsto no artigo 5º, inciso XLVI, da Constituição Federal. Neste contexto, a fixação da pena constitui processo judicial de discricionariedade do julgador, que, diante de seu livre convencimento, estabelece o quantum ideal, de acordo com as circunstâncias judiciais desfavoráveis que verifica no caso concreto.

O Código Penal não define critérios para majoração da pena-base em razão do reconhecimento de circunstâncias judiciais desfavoráveis, de modo que a existência de uma única circunstância negativa pode elevar a pena ao patamar máximo, desde que para tanto haja fundamentação idônea.

Entendimento diverso implicaria restringir o magistrado na avaliação da gravidade concreta de cada crime e, no limite, impor um aumento igual a autores com culpabilidade de graus muito diversos, o que representaria afronta ao princípio da individualização da pena.

Assim, a exasperação da pena-base não se dá com base em critério matemático, uma vez admissível certa discricionariedade do órgão julgador, desde que vinculada a elementos concretos dos autos, e pautando-se nos postulados da razoabilidade e proporcionalidade.

Nesse sentido, trago precedentes do Superior Tribunal de Justiça:

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. NÃO CABIMENTO. TRÁFICO DE DROGAS. DOSIMETRIA. PENA-BASE FIXADA ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. ELEVADA QUANTIDADE DE ENTORPECENTES APREENDIDOS. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. REGIME SEMIABERTO. CIRCUNSTÂNCIA JUDICIAL DESFAVORÁVEL. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. [...] No presente caso, o Tribunal de origem, de forma motivada e de acordo com o caso concreto, atento as diretrizes do art. 42 da Lei de Drogas e do art. 59, do Código Penal, considerou a quantidade, a natureza e a variedade dos entorpecentes apreendidos com o paciente, vale dizer, 56 porções de cocaína pesando 17,5 gramas, 44 porções de maconha pesando 43 gramas, 107 pedras de crack pesando 18 gramas, para exasperar a reprimenda-base, inexistindo flagrante ilegalidade a ser sanada pela via do writ. IV - Quanto ao critério numérico de aumento para cada circunstância judicial negativa, insta consignar que "A análise das circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal não atribui pesos absolutos para cada uma delas a ponto de ensejar uma operação aritmética dentro das penas máximas e mínimas cominadas ao delito." (AgRg no REsp n. 143.071/AM, Sexta Turma, Relª. Minª. Maria Thereza de Assis Moura, DJe de 6/5/2015). Precedentes. V - No que tange ao regime inicial de cumprimento de pena, cumpre registrar que o Plenário do col. Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional o art. 2º, § 1º, da Lei n. 8.072/90 - com redação dada pela Lei n. 11.464/07, não sendo mais possível, portanto, a fixação de regime prisional inicialmente fechado com base no mencionado dispositivo. Dessa forma, para o estabelecimento de regime de cumprimento de pena mais gravoso, é necessária fundamentação específica, com base em elementos concretos extraídos dos autos. VI - Não obstante a primariedade do paciente e o quantum de pena estabelecido, considerando a existência de circunstância judicial desfavorável, utilizada para exasperar a pena-base, o regime mais gravoso sequente, qual seja, o semiaberto, mostra-se adequado ao caso. Precedentes. Habeas corpus não conhecido. (STJ. HC 2018.02.82162-8. Quinta Turma. Relator Felix Fischer. DJe 03/12/2018)

 

PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO. TENTATIVA DE HOMICÍDIO QUALIFICADO. VALORAÇÃO NEGATIVA DAS CONSEQUÊNCIAS DO CRIME MANTIDA. ACRÉSCIMO CONCRETAMENTE MOTIVADO. AUMENTO DA FRAÇÃO DE REDUÇÃO PELA TENTATIVA. CRITÉRIO DO ITER CRIMINIS PERCORRIDO OBSERVADO. ÓBICE AO REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO NA VIA ELEITA. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. (...) III - Quanto ao critério numérico de aumento para cada circunstância judicial negativa, insta consignar que 'A análise das circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal não atribui pesos absolutos para cada uma delas a ponto de ensejar uma operação aritmética dentro das penas máximas e mínimas cominadas ao delito'. Assim, é possível que 'o magistrado fixe a pena-base no máximo legal, ainda que tenha valorado tão somente uma circunstância judicial, desde que haja fundamentação idônea e bastante para tanto' (AgRg no REsp 143071/AM, Sexta Turma, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe 6/5/2015). No presente caso, em relação ao quantum de exasperação na primeira fase da dosimetria, não há desproporção na reprimenda-base aplicada, porquanto existe motivação particularizada, vinculada à discricionariedade e à fundamentação da r. sentença, ausente, portanto, notória ilegalidade a justificar a concessão da ordem de ofício. Precedentes. (...) (HC 426.444/RS, Rel. Min. FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 01/03/2018, DJe 07/03/2018).

Sendo assim, entendo adequada a exasperação da pena para o patamar de 2 (dois) anos, 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias de reclusão.

2ª fase

Na segunda etapa da dosimetria, presente a agravante do artigo 62, inciso IV, bem como a atenuante do artigo 65, inciso III, alínea "d", todos do Código Penal.

No que concerne à atenuante do artigo 65, inciso III, alínea "d", do Código Penal, o apelante confessou os fatos em tela, sendo a confissão utilizada inclusive para embasar a condenação, o que, por si só, permite a aplicação da aludida atenuante, nos termos da Súmula nº 545 do Superior Tribunal de Justiça.

O réu também confirmou ter atuado mediante paga, pois recebeu quantia em dinheiro para realizar o transporte dos cigarros de procedência estrangeira.

Com ressalva do meu entendimento pessoal, passo a adotar a orientação do C. Superior Tribunal de Justiça quanto à incidência da referida agravante do artigo 62, inciso IV, no sentido de que não constitui elementar do tipo previsto nos artigos 334 e 334-A do Código Penal.

Nesse tocante:

PENAL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CRIMES DE DESCAMINHO E CONTRABANDO. PAGA OU PROMESSA DE RECOMPENSA. AGRAVANTE. POSSIBILIDADE. CIRCUNSTÂNCIAS NÃO INERENTES AO TIPO. PRECEDENTE DO STJ. AGRAVO IMPROVIDO.

1. Admite-se a incidência da agravante prevista no art. 62, IV, do CP ao delito do art. 334 do CP, se caracterizada a paga ou promessa de recompensa, por não se tratarem de circunstâncias inerentes ao tipo penal.

2. Quem deixa de recolher os tributos aduaneiros, cometendo o ilícito do descaminho, pode perfeitamente assim o executar, por meio de paga, ato que antecede ao cometimento do crime, ou por meio de recompensa, ato posterior à execução do crime, ou até mesmo desprovido de qualquer desses propósitos (REsp 1317004/PR, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 23/09/2014, DJe 09/10/2014).

3. Agravo interno improvido.

(AgInt no REsp 1457834/PR, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 17/05/2016, DJe 25/05/2016) (grifo nosso)

RECURSO ESPECIAL. PENAL E PROCESSO PENAL. DESCAMINHO. TRANSPORTE DE CIGARROS. PAGA OU PROMESSA DE RECOMPENSA. AGRAVANTE. ARTIGO 62, IV, DO CÓDIGO PENAL. INCIDÊNCIA. AUSÊNCIA DE INTERPOSIÇÃO DE APELAÇÃO. PRECLUSÃO CONSUMATIVA. RECONHECIMENTO DE FLAGRANTE ILEGALIDADE. CONCESSÃO DE HABEAS CORPUS DE OFÍCIO. REINCIDÊNCIA. COMPENSAÇÃO COM A ATENUANTE DA CONFISSÃO. POSSIBILIDADE.

1. É cabível a agravante prevista no art. 62, IV, do Código Penal a incidir no delito de descaminho, quando caracterizado que o crime ocorreu mediante paga ou promessa de pagamento, por não constituir elementar do tipo previsto no artigo 334 do Código Penal.

2. Inexistindo recurso de apelação perante o Tribunal de origem, a questão estará preclusa para apreciação do Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso especial.

3. Todavia, verificada a flagrante ilegalidade, observadas as peculiaridades do caso, "é possível, na segunda fase da dosimetria da pena, a compensação da agravante da reincidência com a atenuante da confissão espontânea, por serem igualmente preponderantes, de acordo com o artigo 67 do Código Penal" (EREsp n. 1.154.752/RS, 3ª Seção, DJe 4/9/2012 e RESP. n. 1.341.370/MT, julgado pelo rito dos recursos repetitivos, 3ª Seção, DJe 17/4/2013).

4. Recurso especial do Ministério Publico Federal provido para reconhecer a agravante prevista no art. 62, IV, do Código Penal, e não conhecer do recurso especial interposto por Ilton Mendes Ferraz. Habeas corpus concedido de ofício para, na segunda fase da dosimetria da pena, proceder à compensação entre a agravante da reincidência e a atenuante da confissão espontânea, tornando a reprimenda definitiva em 1 ano e 6 meses de reclusão.

(REsp 1317004/PR, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 23/09/2014, DJe 09/10/2014) (grifo nosso)

No mesmo sentido, o entendimento deste E. Tribunal Regional Federal:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. DESCAMINHO. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO. ART. 62, IV, DO CP. CONFISSÃO ESPONTÂNEA. COMPENSAÇÃO ENTRE AGRAVANTE E ATENUANTE. INABILITAÇÃO PARA DIRIGIR VEÍCULO.

1. Materialidade, autoria e dolo comprovados.

2. Não basta a mera alegação de ausência de dolo por desconhecimento da mercadoria transportada para afastar a culpabilidade. É necessário perquirir se as circunstâncias fáticas e o conjunto probatório coadunam-se de forma consistente com a versão do acusado, o que não ocorre na espécie.

3. Dosimetria da pena. Incidência da agravante do art. 62, IV, do Código Penal, visto que a prática do crime mediante paga ou promessa não constitui elementar dos delitos de contrabando e descaminho.

4. Efetuada a compensação entre a atenuante da confissão espontânea e a agravante da paga ou promessa de recompensa, visto que são, igualmente, circunstâncias preponderantes, que resultam da personalidade do agente e dos motivos determinantes do crime (CP, art. 67).

5. Mantidos o regime inicial aberto de cumprimento de pena e a substituição da pena privativa de liberdade por uma pena restritiva de direito, nos moldes fixados na sentença condenatória.

6. Mantida a aplicação do efeito extrapenal da inabilitação para dirigir veículo (CP, art. 92, III) pelo prazo da pena aplicada.

7. Apelação da defesa não provida. Apelação da acusação parcialmente provida.

(TRF 3ª Região, DÉCIMA PRIMEIRA TURMA, Ap. - APELAÇÃO CRIMINAL - 75400 - 0000191-39.2014.4.03.6142, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO, julgado em 19/02/2019, e-DJF3 Judicial 1 DATA:25/02/2019) (grifo nosso)

PENAL. PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. ART. 334-A, §1º, INCISO I E V, CP. CONTRABANDO. CIGARROS. MATERIALIDADE AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. PENA-BASE ACIMA DO MINIMO LEGAL. AGRAVANTE DO ART. 62, IV, CP APLICADA. ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPONTANEA RECONHECIDA. REGIME INICIAL ABERTO. PRSENTES OS REQUISITOS PARA SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RETRITIVA DE DIREITOS. REDUÇÃO DO VALOR DA PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA.

[...]

4. Incide a agravante prevista no art. 62, IV, do Código Penal para o crime de contrabando, dada a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que a paga ou promessa de recompensa não é circunstância inerente ao tipo penal do art. 334-A do Código Penal (STJ, AgInt no REsp n. 1.457.834, Rel. Min. Nefi Cordeiro, j. 17.05.16; STJ, REsp n. 1.317.004, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, j. 23.09.14).

5. Reconhecida a atenuante da confissão espontânea.

6. Fixado o regime inicial aberto, nos termos do art. 33, §2º, c do CP.

7. Presentes os requisitos do art. 44 do CP, mister a substituição da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos.

8. Reduzido o valor da prestação pecuniária a par da extensão do dano, dos fins da pena e da condição econômica do réu.

9. Recurso da defesa parcialmente provido.

(TRF 3ª Região, QUINTA TURMA, Ap. - APELAÇÃO CRIMINAL - 76293 - 0000927-31.2015.4.03.6107, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO FONTES, julgado em 05/11/2018, e-DJF3 Judicial 1 DATA:14/11/2018) (grifo nosso)

Ressalto, por fim, que a confissão espontânea e a paga ou promessa de recompensa são, igualmente, circunstâncias preponderantes, que resultam da personalidade do agente e dos motivos determinantes do crime, nos moldes do artigo 67 do Código Penal, razão pela qual deve ser operada a compensação entre ambas.

Assim, neste momento da dosimetria, mantenho a pena no patamar de 2 (dois) anos, 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias de reclusão.

3ª fase

Na terceira etapa da dosimetria não incidem causas de aumento ou de diminuição da pena.

Dessa forma, mantenho a reprimenda no patamar de 2 (dois) anos, 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias de reclusão.

5.2. Do crime do artigo 183 da Lei nº 9.472/97

1ª fase

Na primeira fase da dosimetria, a pena-base foi estabelecida no mínimo legal, devido à ausência de fatores que ensejassem valoração negativa de qualquer das circunstâncias judiciais previstas no art. 59 do Código Penal. Mantenho a pena no mínimo legal, tanto por inexistirem fatores a implicarem aumento concreto da reprimenda quanto por não haver recurso ministerial.

2ª fase

Na segunda etapa da dosimetria foi aplicada a agravante do artigo 61, II, "b", do Código Penal, sob o fundamento de que o crime contra as telecomunicações foi cometido para facilitar ou assegurar a execução do crime de contrabando, uma vez que a utilização de radiotransmissor facilita a detecção de eventuais barreiras policiais nas rodovias.

Deveras, a utilização dos rádios transceptores consubstanciou assegurar e facilitar a execução do delito fim, já que o emprego desses aparelhos não é intrínseco ao comportamento engendrado, caracterizador do contrabando.

A defesa pugna pelo reconhecimento da atenuante da confissão espontânea, o que não merece prosperar. Isto porque o réu negou ter utilizado o rádio transceptor, alegando que sequer sabia como operá-lo, e que não havia batedores. O juízo condenatório não foi formado a partir das declarações do réu em seu interrogatório, pelo que não é possível reduzir a pena à luz desta atenuante.

De rigor, portanto, a exasperação da pena para 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de detenção, e 11 (onze) dias-multa.

3ª fase

Na terceira etapa da dosimetria, não existem causas de aumento ou de diminuição de pena.
Dessa forma, fixo a reprimenda definitivamente em 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de detenção, e 11 (onze) dias-multa.

Mantenho a pena de multa no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo mensal vigente à época dos fatos. 

5.3. Do crime do artigo 180, § 3º, do Código Penal

1ª fase

Na primeira fase, o juiz sentenciante valorou negativamente as circunstâncias do crime, exasperando a pena ao patamar de 3 (três) meses de detenção.

A defesa pugna pela fixação da pena no mínimo legal.

O magistrado sentenciante teceu as seguintes considerações:

"[...] relativamente às circunstâncias do crime, verifico que denotam maior juízo de reprovabilidade que o ordinário, uma vez que o veículo foi modificado (segundo o laudo ID 272840713, p. 7-13, o veículo encontrava-se com molas adicionais e calços na suspensão traseira poderiam disfarçar eventual excesso de carga no seu interior, bem como a ausência dos bancos de passageiros e forração das portas, o que proporcionava um maior espaço útil para o transporte de carga em seu interior) e preparado para transporte de mercadorias estrangeiras de importação proibida (cigarros), com rádio comunicador instalado".

Verifico que tais elementos foram considerados para exasperação da pena do crime de contrabando. Assim, de modo a não incorrer em bis in idem, afasto a valoração negativa das circunstâncias do crime de receptação culposa, reduzindo a pena ao mínimo legal.

2ª fase

Na segunda fase da dosimetria da pena, o juiz sentenciante aplicou a agravante prevista no artigo 61, "b", do Código Penal, majorando a pena intermediária em 1/6. 

Deveras, o crime de receptação culposa foi praticado para facilitar a execução do crime de contrabando.

A defesa pugna pelo reconhecimento da atenuante da confissão espontânea, o que não merece acolhida, tendo em vista que o réu não admitiu a prática delitiva em seu interrogatório judicial, e permaneceu em silêncio em sede investigativa.

Assim, mantendo a fração de 1/6 (um sexto), estabeleço a pena intermediária no patamar de 1 (um) mês e 5 (cinco) dias de detenção.

3ª fase

Não se constatam causas de aumento ou diminuição que interferiram na pena, pelo que se fixa definitivamente a pena em 1 (um) mês e 5 (cinco) dias de detenção.

5.4. Do crime do artigo 311 do Código de Trânsito Brasileiro

1ª fase

Na primeira fase, o juiz sentenciante valorou negativamente as circunstâncias do crime, exasperando a pena ao patamar de 7 (sete) meses de detenção.

A defesa pugna pela fixação da pena no mínimo legal.

O magistrado sentenciante teceu as seguintes considerações:

"[...] relativamente às circunstâncias do crime, verifico que denotam maior juízo de reprovabilidade que o ordinário, tendo em vista que o acusado trafegou em velocidade incompatível por cerca de 10 a 15 minutos, tanto na BR, como no perímetro urbano, em bairro desta cidade. Ademais, na estrada, no local onde os fatos ocorreram, há assentamento, com famílias, crianças; e, no perímetro urbano, há um fluxo ainda maior de pessoas e animais, gerando mais riscos à integridade de terceiros".

Deveras, perfilho do entendimento de que as circunstâncias do crime extrapolam o ordinário em ocorrências análogas. No período de aproximadamente quinze minutos, foram percorridos 65km, o que resulta em velocidade média de 230 km/h no trecho. Além disso, ao ultrapassar pela contramão, pelo acostamento, em local proibido, retirando outros veículos da pista, o réu colocou em risco as pessoas que trafegavam na rodovia, as pessoas dos assentamentos estabelecidos à margem da estrada, bem como os transeuntes do perímetro urbano. 

Assim, mantenho a exasperação da pena ao patamar de 7 (sete) meses de detenção.

2ª fase

Na segunda fase da dosimetria da pena, o juiz sentenciante aplicou a agravante prevista no artigo 61, "b", do Código Penal, majorando a pena intermediária em 1/6. 

Deveras, o crime foi praticado para garantir a impunidade e a vantagem do crime de contrabando.

A defesa pugna pelo reconhecimento da atenuante da confissão espontânea, o que não merece acolhida, tendo em vista que o réu não admitiu a prática delitiva em seu interrogatório judicial, e permaneceu em silêncio em sede investigativa.

Assim, mantenho a pena intermediária no patamar de 8 (oito) meses e 05 (cinco) dias de detenção.

3ª fase

Não se constatam causas de aumento ou diminuição que interferiram na pena, pelo que se fixa definitivamente a pena em 8 (oito) meses e 05 (cinco) dias de detenção.

5.5. Do concurso material

Nos termos do artigo 69 do Código Penal, as penas impostas ao réu pela prática das infrações penais em epígrafe deveriam ser somadas, pois mediante mais de uma ação praticou dois crimes.

Todavia, no caso em apreço, em virtude da aplicação cumulativa de penas de reclusão e detenção, a regra é que deve ser executada primeiro aquela, consoante preceitua a parte final do referido artigo 69. Assim, inicialmente deve ser cumprida a pena atribuída ao crime de contrabando e, em seguida, aquela cominada aos delitos do artigo 183, caput, da Lei nº 9.472/97, do artigo 311 do Código de Trânsito Brasileiro, e do artigo 180, § 3º, do Código Penal.

5.6. Do regime inicial de cumprimento da pena

Frise-se, entretanto, que para a determinação do regime inicial de cumprimento da pena devem ser somadas as reprimendas - ainda que concorrendo penas de reclusão e detenção - dos crimes praticados.

Preceitua o artigo 111 da Lei de Execução Penal:

Art. 111. Quando houver condenação por mais de um crime, no mesmo processo ou em processos distintos, a determinação do regime de cumprimento será feita pelo resultado da soma ou unificação das penas, observada, quando for o caso, a detração ou remição.

Nesse sentido, a jurisprudência do E. Superior Tribunal de Justiça:

EXECUÇÃO PENAL - HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO - INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA - REGIME PRISIONAL - UNIFICAÇÃO DAS PENAS - ART. 111 DA LEP - RÉU CONDENADO ÀS PENAS DE RECLUSÃO E DE DETENÇÃO - SOMATÓRIO DE AMBAS AS REPRIMENDAS PARA FIXAÇÃO DO REGIME - POSSIBILIDADE - WRIT NÃO CONHECIDO.
1. O Supremo Tribunal Federal, por sua Primeira Turma, e o Superior Tribunal de Justiça, por sua Terceira Seção, diante da utilização crescente e sucessiva do habeas corpus, passaram a restringir a sua admissibilidade quando o ato ilegal for passível de impugnação pela via recursal própria, sem olvidar a possibilidade de concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade. Esse entendimento objetivou preservar a utilidade e a eficácia do mandamus, que é o instrumento constitucional mais importante de proteção à liberdade individual do cidadão ameaçada por ato ilegal ou abuso de poder, garantindo a celeridade que o seu julgamento requer.
2. Concorrendo penas de reclusão e detenção, ambas devem ser somadas para efeito de fixação da totalidade do encarceramento, porquanto constituem reprimendas de mesma espécie, ou seja, penas privativas de liberdade. Inteligência do art. 111 da Lei n. 7.210/84.
Precedentes do STF e desta Corte Superior de Justiça. 
3. Habeas corpus não conhecido.
(HC 389.437/ES, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 08/08/2017, DJe 22/08/2017) (grifo nosso)

Tendo em vista a pena total de 5 (cinco) anos, 5 (cinco) meses e 25 (vinte e cinco) dias, mantenho o regime inicial semiaberto para seu cumprimento, com base no disposto no artigo 33, §2º, alínea "b", do Código Penal.

A detração prevista no artigo 387, §2º, do Código de Processo Penal não aproveita ao réu na hipótese, visto que, computado o período em que o acusado permaneceu preso provisoriamente (de 07/01/2023 a 13/03/2023), a pena permanece no patamar previsto na alínea "b", §2º, do artigo 33 do Código Penal, devendo ser mantido regime semiaberto.

Por derradeiro, incabível a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, pois não estão preenchidos os requisitos legais exigidos para tanto (artigo 44 do Código Penal).

6. DA INABILITAÇÃO PARA DIRIGIR VEÍCULOS

A defesa pugna pelo afastamento da inabilitação para dirigir veículo.

O artigo 92 do Código Penal é claro ao dispor sobre os efeitos da condenação:

"Art. 92 - São também efeitos da condenação:

I - a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo:

a) quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública;

b) quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a 4 (quatro) anos nos demais casos.

II - a incapacidade para o exercício do pátrio poder, tutela ou curatela, nos crimes dolosos, sujeitos à pena de reclusão, cometidos contra filho, tutelado ou curatelado;

III - a inabilitação para dirigir veículo, quando utilizado como meio para a prática de crime doloso.

Parágrafo único - Os efeitos de que trata este artigo não são automáticos, devendo ser motivadamente declarados na sentença." (grifo nosso)

A sentença, ao aplicar a pena de inabilitação para dirigir veículos, asseverou (ID 283808035):

“No mais, aplicável ao caso a decretação da inabilitação do réu para conduzir veículos (cassação do documento), com fulcro no artigo 92, inciso III, do Código Penal, tendo em vista que a habilitação para conduzir veículo foi utilizada reiteradamente como meio para a prática do crime de contrabando. Trata-se de efeito da condenação. Quanto ao art. 278-A do Código de Trânsito Brasileiro, trata-se de punição administrativa, a ser aplicada pela autoridade de trânsito, comunicada da decisão.”

Ainda que dado veículo tenha sido utilizado como meio para a prática de crime doloso, como no caso em apreço, em que o carro foi empregado, de forma dolosa, para o transporte de cigarros contrabandeados, o Superior Tribunal de Justiça entende que tal efeito da sentença condenatória não é automático, devendo ser demonstrada a imprescindibilidade da sua decretação.

Nesse aspecto:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. SÚMULA 182/STJ. AFASTAMENTO. DESCAMINHO. HABITUALIDADE DELITIVA. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. IMPOSSIBILIDADE. INABILITAÇÃO PARA DIRIGIR VEÍCULO. ART. 92, INCISO III, DO CP. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. PENA ACESSÓRIA AFASTADA.

1. Efetivamente impugnados os fundamentos da decisão de inadmissão do recurso especial, o agravo merece ser conhecido, em ordem a que se evolua para o mérito.

2. A habitualidade delitiva afasta a aplicação do princípio da insignificância nos crimes de descaminho, sobretudo na hipótese de multiplicidade de procedimentos administrativos, como na espécie.

Precedentes.

3. O entendimento do acórdão, de que a aplicação da penalidade prevista no art. 92, III, do CP "exige apenas que o veículo tenha sido utilizado como meio para a prática de crime doloso", diverge da jurisprudência desta Corte, firmada na compreensão de que a aplicação da pena acessória de inabilitação para dirigir veículo ao crime de descaminho exige, além da constatação de que o veículo tenha sido utilizado para a prática do delito, a demonstração da necessidade da medida no caso concreto, sobretudo por não se tratar de efeito automático da condenação.

4. Agravo regimental parcialmente provido, para afastar a penalidade prevista no art. 92, III, do CP.

(AgRg no AREsp n. 2.078.176/SP, relator Ministro Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Sexta Turma, julgado em 2/8/2022, DJe de 5/8/2022.) (grifo nosso)

Também nesse sentido: AgRg no AgRg no AREsp nº 2.283.166/PR, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, j. 06.06.2023, DJe 15.06.2023; AgRg no HC nº 594.092/SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, Quinta Turma, j. 15.02.2022, DJe 21.02.2022; EDcl no AgRg no REsp nº 1.922.918/PR, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, j. 13.12.2021, DJe 16.12.2021).

No mesmo sentido, já decidiu esta E. Décima Primeira Turma:

PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. DESCAMINHO. INABILITAÇÃO PARA DIRIGIR VEÍCULO.

1. O parágrafo único do art. 92 do Código Penal dispõe que os efeitos de que trata esse artigo não são automáticos, "devendo ser motivadamente declarados na sentença".

2. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é firme no sentido de que esse efeito da sentença condenatória não é automático, devendo ser demonstrada, de forma concreta, a imprescindibilidade dessa medida.

3. No caso, o juízo não apresentou motivação suficiente para a aplicação da inabilitação para dirigir veículo como efeito da sentença condenatória.

4. Apelação provida.

(ApCrim - APELAÇÃO CRIMINAL - 5000878-41.2020.4.03.6005, Rel. Desembargador Federal NINO OLIVEIRA TOLDO, julgado em 11/08/2023, DJEN DATA: 17/08/2023)

Ocorre que no presente caso o juiz de primeiro grau argumentou que a medida deve ser imposta porque o réu se utilizou de veículo para perpetrar o crime de contrabando reiteradamente, o que não restou demonstrado, tratando-se de apelante primário, com bons antecedentes, sem que tivessem sido trazidos aos autos elementos apontando a existência de procedimentos administrativos fiscais em desfavor do réu.

Portanto, não restou demonstrada a imprescindibilidade da medida, que por não ser automática em decorrência da condenação, não deve ser aplicada.

 

Ante o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao apelo interposto pela defesa, para: (a) relativamente ao delito previsto no artigo 180, § 3º, do Código Penal, afastar a valoração negativa das circunstâncias do crime, fixando a pena do mesmo definitivamente em 1 (um) mês e 5 (cinco) dias de detenção; e (b) para excluir da condenação a inabilitação para dirigir veículos.

É o voto. 



 

E M E N T A

APELAÇÃO CRIMINAL. ARTIGO 334-A DO CÓDIGO PENAL. CRIME CONSUMADO. ARTIGO 183 DA LEI Nº 9.472/97. ARTIGO 180, § 3º, DO CÓDIGO PENAL. ARTIGO 311 do CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO. MATERIALIDADE  E AUTORIA DEMONSTRADAS. REGIME INICIAL SEMIABERTO. NÃO CABIMENTO DA SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS. INABILITAÇÃO PARA DIRIGIR AFASTADA. APELO DEFENSIVO PARCIALMENTE PROVIDO.

1. O apelante foi condenado pela prática, em concurso material, dos delitos do artigo 334-A, caput, do Código Penal, do artigo 183 da Lei n. 9.472/97, do artigo 311 da Lei 9.503/1997, e do artigo 180, §3º, do Código Penal.

2. A materialidade do crime do artigo 334-A do Código Penal foi comprovada pelo auto de prisão e flagrante; pelo Termo de Apreensão; pela Informação de Polícia Judiciária, pelo Boletim de Ocorrência; pela Representação Fiscal para Fins Penais e pela relação de mercadorias apreendidas pela Receita Federal, os quais atestam a apreensão de 2.500 (dois mil e quinhentos) maços de cigarros da marca Fox, e de 16.500 (dezesseis mil e quinhentos) maços de cigarros da marca Eight, de importação e comercialização proibidas no Brasil.

3. A autoria delitiva e o dolo foram devidamente demonstrados pelo auto de prisão em flagrante, pelos depoimentos das testemunhas, e pelo próprio interrogatório judicial do apelante, comprovando que o réu era o condutor do automóvel Peugeot 2008, cor cinza, placas RTD0C55/MG, que transportava os cigarros contrabandeados apreendidos.

4. Não prospera a tese defensiva de que houve tentativa de contrabando, pois verifica-se que ocorreu a consumação do delito. Conforme apurado, embora o agente não tenha alcançado o objetivo de entregar a mercadoria proibida na cidade de Campo Grande/MS, o réu efetivamente transpôs a fronteira entre Paraguai e Brasil, internalizando os cigarros de importação e comercialização proibidos em território nacional.

5. A materialidade do delito previsto no artigo 183 da Lei nº 9.472/97 foi demonstrada pelo auto de prisão e flagrante; pelo Termo de Apreensão; pela Informação de Polícia Judiciária, com registros fotográficos; pelo Boletim de Ocorrência; e pelo Laudo de Perícia Criminal Federal - Eletroeletrônicos, os quais atestam a apreensão, no veículo conduzido por RENAN, de um equipamento de radiocomunicação marca YAESU, modelo FTM-3100R, número de série 2H762814, instalado de forma visível no painel, desprovido de selo de homologação da ANATEL, e configurado para operar na frequência de 136 a 174 MHz, com potência nominal de 65W. A faixa dessas frequências abrange diversos serviços, e o equipamento era capaz de provocar interferência prejudicial em canais de telecomunicação que utilizem a mesma radiofrequência na área de influência das transmissões envolvidas, implicando obstrução, degradação ou interrupção dos serviços realizados.

6. A autoria delitiva restou demonstrada pelo auto de prisão em flagrante, corroborado pelas provas produzidas em juízo. O dolo, por sua vez, foi evidenciado tanto pelas circunstâncias em que se deu o flagrante, como pela prova oral amealhada. É corriqueiro o emprego de rádio comunicador para a perpetração do crime de contrabando, em especial para emitir alertas sobre eventuais fiscalizações policiais, a fim de assegurar o sucesso da empreitada criminosa, o que somente corrobora a prática do delito em tela.

7. Os policiais relataram que o apelante afirmou que o grupo criminoso trafegava também por estradas vicinais, nas quais o recebimento de sinal da rede telefônica fica prejudicado, surgindo os rádios transceptores como recurso de que o acusado se utilizou para buscar o seu intento. Além disso, o laudo pericial apontou elementos que permitem concluir que o equipamento estava funcionamento, sendo que a frequência estava "armazenada na memória do equipamento em teste e corresponde ao último canal selecionado para transmissão e recepção. Ademais, nota-se no visor do equipamento a indicação do bloqueio temporário do teclado (ícone em forma de uma pequena chave), utilizado para evitar a alteração acidental da frequência durante o uso".

8. É irrelevante para o juízo de tipicidade da conduta se foi o apelante o responsável pela instalação do rádio, uma vez que o artigo 183 da Lei nº 9.472/1997 descreve a conduta de “desenvolver clandestinamente atividades de telecomunicação”.

9. A materialidade do crime do artigo 180, § 3º, do Código Penal foi demonstrada pelo auto de prisão e flagrante; pelo Termo de Apreensão; pela Informação de Polícia Judiciária; pelo Boletim de Ocorrência nº 2318313230107093005; pelo Boletim de Ocorrência nº 2022/1285996 da Delegacia de Furtos e Roubos de Veículos da Polícia Civil do Paraná e pelo laudo pericial, os quais indicam que o veículo que estava na posse do réu, era objeto de apropriação indébita, tendo sido locado da empresa Unidas S.A., sem devolução no prazo contratado. 

10. Sua conduta se amolda perfeitamente à receptação culposa, pois o réu recebeu coisa (o veículo) que pela condição de quem a oferece (o grupo criminoso de contrabando de cigarros), deve presumir-se obtida por meio criminoso, até porque, quando abordado pela polícia, sequer tinha os documentos do carro. Além disso, o veículo havia sido alterado. O laudo veicular consignou que itens foram removidos e havia calços de borracha e lona, bem como molas helicoidais adicionadas na suspensão traseira do veículo, os quais permitem disfarçar visualmente eventual excesso de carga. Conforme exposto pelo magistrando sentenciante, "ao não se atentar para essas características, e deixar de conferir o veículo e sua procedência, o réu incidiu em negligência penalmente relevante". Assim, o conjunto probatório demonstra que o réu praticou o crime de receptação culposa, nos termos do artigo 180, §3° do CP, pelo que resta mantida a condenação.

11. A materialidade e autoria do crime do artigo 311 do CTB foram comprovadas pelo auto de prisão e flagrante; pelo Termo de Apreensão; pela Informação de Polícia Judiciária; pelo Boletim de Ocorrência, e pelos depoimentos dos policiais. Não obstante a não admissão pelo réu da veracidade dos fatos a ele imputados, sua versão resta isolada nos autos, visando eximir-se de responsabilidade penal.

12. Verifica-se que os policiais que realizaram o flagrante, ouvidos na condição de testemunhas compromissadas, elaboraram relatos coesos entre si, trazendo detalhes do transcorrido. Ressalte-se que os depoimentos dos policiais, sobretudo produzidos em juízo, sob o crivo do contraditório, são idôneos para ensejar um provimento condenatório, inclusive porque corroboram as provas documentais já produzidas, e gozam de fé pública e presunção juris tantum, não afastada pela defesa.

13. No que diz respeito à comprovação de dano, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que o crime em comento é de perigo abstrato, sendo suficiente a comprovação de que o condutor trafegou em velocidade incompatível com a segurança nas proximidades de escolas, hospitais, estações de embarque e desembarque de passageiros, logradouros estreitos, ou onde haja grande movimentação ou concentração de pessoas, gerando perigo de dano. 

14. Dosimetria do crime de contrabando. O caso dos autos deveras configura situação que justifica a valoração negativa das circunstâncias do crime, uma vez que houve o auxílio de batedores na prática delitiva, e o veículo teve partes removidas, de modo a permitir o transporte da maior quantidade possível de mercadoria proibida, e de, valendo-se de molas adicionais e calços na suspensão traseira, disfarçar a carga excessiva.  Também perfilho do entendimento de que a excessiva quantidade de cigarros apreendidos em poder do réu - 19.000 (dezenove mil) maços - constitui fator apto a elevar a pena-base. Sendo assim, entendo adequada a exasperação da pena para o patamar de 2 (dois) anos, 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias de reclusão. Na segunda etapa da dosimetria, mantenho a compensação entre a agravante do artigo 62, inciso IV, e a atenuante do artigo 65, inciso III, alínea "d", ambos do Código Penal. Na terceira etapa da dosimetria não incidem causas de aumento ou de diminuição da pena, que resta mantida no patamar de 2 (dois) anos, 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias de reclusão.

15. Dosimetria do crime do artigo 183 da Lei nº 9.472/97. Na segunda etapa da dosimetria, mantenho a agravante do artigo 61, II, "b", do Código Penal, pois a utilização dos rádios transceptores consubstanciou assegurar e facilitar a execução do delito fim, já que o emprego desses aparelhos não é intrínseco ao comportamento engendrado, caracterizador do contrabando. A defesa pugna pelo reconhecimento da atenuante da confissão espontânea, o que não merece prosperar. Isto porque o réu negou ter utilizado o rádio transceptor, alegando que sequer sabia como operá-lo, e que não havia batedores. O juízo condenatório não foi formado a partir das declarações do réu em seu interrogatório, pelo que não é possível reduzir a pena à luz desta atenuante. De rigor, portanto, a exasperação da pena para 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de detenção, e 11 (onze) dias-multa, que se torna definitiva, ante a ausência de causas de aumento ou de diminuição de pena. Mantenho a pena de multa no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo mensal vigente à época dos fatos. 

16. Dosimetria do crime do artigo 180, § 3º, do Código Penal. Na primeira fase, verifico que os elementos considerados para exasperação da pena foram utilizados também para valorar negativamente as circunstâncias do crime de contrabando. Assim, de modo a não incorrer em bis in idem, afasto a valoração negativa das circunstâncias do crime de receptação culposa, reduzindo a pena ao mínimo legal. Na segunda fase da dosimetria da pena, mantenho a agravante prevista no artigo 61, "b", do Código Penal, majorando a pena intermediária em 1/6. Incabível o reconhecimento da atenuante da confissão espontânea, tendo em vista que o réu não admitiu a prática delitiva em seu interrogatório judicial, e permaneceu em silêncio em sede investigativa. Não se constatam causas de aumento ou diminuição que interferiram na pena, pelo que se fixa definitivamente a pena em 1 (um) mês e 5 (cinco) dias de detenção.

17. Dosimetria do artigo 311 do CTB.  Na primeira fase, perfilho do entendimento de que as circunstâncias do crime extrapolam o ordinário em ocorrências análogas, pelo que mantenho a exasperação da pena ao patamar de 7 (sete) meses de detenção. Na segunda fase da dosimetria da pena, mantenho a agravante prevista no artigo 61, "b", do Código Penal, majorando a pena intermediária em 1/6, pois o crime foi praticado para garantir a impunidade e a vantagem do crime de contrabando. Incabível o reconhecimento da atenuante da confissão espontânea, tendo em vista que o réu não admitiu a prática delitiva em seu interrogatório judicial, e permaneceu em silêncio em sede investigativa. Assim, mantenho a pena intermediária no patamar de 8 (oito) meses e 05 (cinco) dias de detenção, que se torna definitivo, ante a ausência de causas de aumento ou diminuição.

18. Nos termos do artigo 69 do Código Penal, as penas impostas ao réu pela prática das infrações penais em epígrafe deveriam ser somadas, pois mediante mais de uma ação praticou dois crimes. Todavia, no caso em apreço, em virtude da aplicação cumulativa de penas de reclusão e detenção, a regra é que deve ser executada primeiro aquela, consoante preceitua a parte final do referido artigo 69. Assim, inicialmente deve ser cumprida a pena atribuída ao crime de contrabando e, em seguida, aquela cominada aos delitos do artigo 183, caput, da Lei nº 9.472/97, do artigo 311 do Código de Trânsito Brasileiro, e do artigo 180, § 3º, do Código Penal.

19. Frise-se, entretanto, que para a determinação do regime inicial de cumprimento da pena devem ser somadas as reprimendas - ainda que concorrendo penas de reclusão e detenção - dos crimes praticados. Tendo em vista a pena total de 5 (cinco) anos, 5 (cinco) meses e 25 (vinte e cinco) dias, mantenho o regime inicial semiaberto para seu cumprimento, com base no disposto no artigo 33, §2º, alínea "b", do Código Penal.

20. A detração prevista no artigo 387, §2º, do Código de Processo Penal não aproveita ao réu na hipótese, visto que, computado o período em que o acusado permaneceu preso provisoriamente (de 07/01/2023 a 13/03/2023), a pena permanece no patamar previsto na alínea "b", §2º, do artigo 33 do Código Penal, devendo ser mantido regime semiaberto.

21. Incabível a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, pois não estão preenchidos os requisitos legais exigidos para tanto (artigo 44 do Código Penal).

22. A defesa pugna pelo afastamento da inabilitação para dirigir veículo. Ainda que dado veículo tenha sido utilizado como meio para a prática de crime doloso, como no caso em apreço, em que o carro foi empregado, de forma dolosa, para o contrabando de cigarros, o Superior Tribunal de Justiça entende que tal efeito da sentença condenatória não é automático, devendo ser demonstrada a imprescindibilidade da sua decretação, o que não ocorreu no presente caso. Pena de inabilitação para dirigir veículos afastada.

23. Apelo defensivo a que se dá parcial provimento. 

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Décima Primeira Turma, por unanimidade, decidiu DAR PARCIAL PROVIMENTO ao apelo interposto pela defesa, para: relativamente ao delito previsto no artigo 180, § 3º, do Código Penal, afastar a valoração negativa das circunstâncias do crime, fixando a pena do mesmo definitivamente em 1 (um) mês e 5 (cinco) dias de detenção; e para excluir da condenação a inabilitação para dirigir veículos, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.