APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0006714-48.2009.4.03.6108
RELATOR: Gab. 47 - DES. FED. WILSON ZAUHY
APELANTE: JORNAL DA CIDADE DE BAURU LTDA
Advogados do(a) APELANTE: AGEU LIBONATI JUNIOR - SP144716-A, EDSON FRANCISCATO MORTARI - SP259809-A
APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0006714-48.2009.4.03.6108 RELATOR: Gab. 47 - DES. FED. WILSON ZAUHY APELANTE: JORNAL DA CIDADE DE BAURU LTDA Advogado do(a) APELANTE: AGEU LIBONATI JUNIOR - SP144716-A APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Cuida-se de mandado de segurança impetrado por JORNAL DA CIDADE DE BAURU LTDA. em face do DELEGADO DA RECEITA FEDERAL EM BAURU/SP. Valorada a causa em R$ 10.000,00. Proferida sentença nos seguintes termos, em síntese: “Jornal da Cidade de Bauru, devidamente qualificado (folha 02), impetrou mandado de segurança em detrimento do Delegado da Receita Federal de Bauru, postulando a concessão de medida liminar para que seja autorizado o creditamento dos valores pagos pelo impetrante à título de IPI, por conta da aquisição de insumos (matéria-prima, produto intermediário, material de embalagem, etc.) utilizados no processo produtivo de industrialização de produtos isentos; tributados à alíquota zero, não tributados ou mesmo imunes. Ao final do processo requereu a convalidação da medida liminar, como também o reconhecimento judicial do direito à compensação, com base no artigo 11 da Lei 9.779 de 1999 (c.c artigo 74 da Lei 9430/96) dos créditos de IPI advindos da aquisição de insumos adquiridos nos últimos 10 (dez) anos, a contar da distribuição da ação, para a industrialização de produtos imunes, isentos, tributados com alíquota zero e não tributados, com valores devidos pelo impetrante a título de quaisquer outros tributos e contribuições administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil. (...) Partindo, então, do balizamento fixado pela Suprema Corte de nosso país, onde, reitere-se, ficou decidido que "A ficção jurídica prevista no artigo 11 da Lei n°. 9.779/99 não alcança situação reveladora de isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI que a antecedeu" (RE 475.551/PR), chega-se à conclusão que o pedido autoral não deve ser acolhido. (...) Descartado, na forma da fundamentação exposta, o prazo decenal da compensação reivindicada, tem-se que os valores, objeto da compensação postulada, retroagem a cinco anos da data da propositura da ação, ou seja, até 31 de julho de 2004, isto é, em época na qual, já se encontrava em pleno vigor a Lei 9.779 de 1999. Assim, diante do princípio da legalidade, que norteia a atuação dos órgãos da administração pública, bem como também tendo em mira que a parte autora não juntou nenhuma prova de resistência ou embaraço por parte da administração pública na operacionalização do seu direito, vislumbra-se que não ostentou demonstrar o impetrante interesse jurídico para agir em juízo, até mesmo porque a própria autoridade coatora consignou, em suas informações, não haver resistência, por parte do erário, quanto ao direito do contribuinte de se creditar dos valores de IPI incidentes nas aquisições de insumos havidas nos últimos cinco anos e empregados na industrialização de produtos não-tributados em relação àquele imposto (folha 261). Assim sendo, julgo extinto o processo, sem a resolução do mérito, na forma prevista pelo artigo 267, inciso VI, do Código de Processo Civil, denegando, com isso, a segurança postulada.” Apela a impetrante. Reitera o pedido inicial. Com contrarrazões. O MPF manifestou-se pelo improvimento da apelação. É o relatório.
VOTO VENCEDOR Apelação interposta por JORNAL DA CIDADE DE BAURU LTDA. contra sentença que que denegou a ordem para que fosse autorizado o creditamento dos valores pagos pelo impetrante a título de IPI por conta da aquisição de insumos (matéria-prima, produto intermediário, material de embalagem, etc.) utilizados no processo produtivo de industrialização de produtos isentos; tributados à alíquota zero, não tributados ou mesmo imunes, nos últimos dez anos (tese dos cinco mais cinco). O eminente Relator votou para: DOU PARCIAL PROVIMENTO à apelação da impetrante e, nos termos do art. 1013 do CPC, CONCEDO PARCIALMENTE A SEGURANÇA para declarar o direito da impetrante à repetição dos indébitos de IPI relativos aos cinco anos anteriores ao ajuizamento, declarando seu direito à repetição por: 1- restituição judicial (mediante liquidação da sentença e requisição de precatório) ou 2- por compensação administrativa (submetendo-se à fiscalização da Autoridade Administrativa e devendo ser observado o art. 26-A da Lei 11.457/2007). Concordo com o voto, à exceção da expedição de precatório no mandado de segurança para pagamento do indébito anterior à impetração. - Do precatório em mandado de segurança Deve-se consignar que o mandado de segurança não é a via adequada para obter efeitos patrimoniais pretéritos à impetração, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal pacificado por meio das Súmulas nº 269 e nº 271, porquanto a legislação de regência não prevê fase de liquidação no âmbito mandamental. Todavia, no julgamento do RE nº 889.173/MS (Tema 831 do STF), o STF determinou que os pagamentos devidos pela fazenda pública em razão de decisão judicial proferida em ação mandamental devem se dar mediante a expedição de precatório ou de requisição de pequeno valor, conforme o valor da condenação, nos termos do artigo 100 da Constituição Federal, apenas quanto ao montante apurado entre a data da impetração do mandado de segurança e a da efetiva implementação da ordem concessiva de segurança. A respeito: STF - ARE: 1393633/PR, Relator Min. NUNES MARQUES, Data de Julgamento: 02/03/2023, DJe-043 DIVULG 07/03/2023 PUBLIC 08/03/2023). Destarte, revejo posicionamento anterior e passo a adotar a orientação firmada pelo STF, a fim de consignar a impossibilidade da utilização da via administrativa para restituição de indébito fiscal reconhecido judicialmente, mantido o direito à compensação de acordo com os critérios apontados e a expedição de precatório/requisitório nos moldes do Tema 831 do STF. Ante o exposto, dou provimento ao apelo do contribuinte em menor extensão que o Relator, para somente reconhecer o cabimento da expedição de precatório nos moldes do Tema 831 do STF, mantidos os demais aspectos de seu voto. É como voto. ANDRÉ NABARRETE DESEMBARGADOR FEDERAL RELATOR PARA ACÓRDÃO mcc
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V O T O
Conforme consignado na inicial:
“A IMPETRANTE, pessoa jurídica de direito privado, tem como objetivo social a industrialização e produção de jornal, cuja saída, pela legislação do IPI, está imune, conforme consta de seu contrato social, devidamente registrado na junta comercial (documento anexo).
Para a fabricação de seus produtos, a impetrante compra insumos tributados pelo IPI, conforme consta da relação de notas fiscais anexas, e vende o seu produto, jornal, imune pela saída do aludido imposto.
Portanto, a IMPETRANTE vem acumulando créditos em virtude de ser imune na saída de seu produto industrializado, tratando a demanda de crédito decorrente dos insumos, matérias primas e materiais de embalagem tributos quando da nota de entrada destes.
A Lei n. 9.779/99, em seu art. 11, determinou a manutenção do crédito nesta hipótese, in verbis:
Art. 11. O saldo credor do Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI, acumulado em cada trimestre -calendário, decorrente de aquisição de matéria-prima, produto intermediário e material de embalagem, aplicados na industrialização, inclusive de produto isento ou tributado à alíquota zero, que o contribuinte não puder compensar com o IPI devido na saída de outros produtos, poderá ser utilizado de conformidade com o disposto nos artigos 73 e 74 da Lei n° 9.430, de 1996, observadas norma expedidas pela Secretaria da Receita Federal - SRF, do Ministério da Fazenda.
Portanto, pretende a IMPETRANTE creditar do valor escriturado a título de IPI, ao período em que entrou em vigou a Lei n. 9.779/99.
(...)
A resistência da Receita Federal na aceitação da utilização do crédito do IPI gerado pela não incidência desse imposto na saída do produto do estabelecimento industrial, apurado em data anterior a 1.° de janeiro de 1999, para compensação com outros tributos por ela administrados encontra guarida no art. 174 do Decreto n. 2.637/98 (RIPI), que determina o estorno do crédito dessa exação, quando o produto industrializado for isento, não tributado ou sujeito à alíquota zero, tornando, dessa forma, inócuo o benefício fiscal concedido. Tem referido artigo o seguinte teor:
“Art. 174. Será anulado, mediante estorno na escrita fiscal, o crédito do imposto:
I - relativo a matérias-primas, produtos intermediários e material de embalagem, que tenham sido:
a) empregados na industrialização, ainda que para acondicionamento, de produtos isentos; não-tributados ou que tenha suas alíquotas reduzidas a zero, respeitadas as ressalvas admitidas,”
(...)
Apesar do art. 11 da Lei n. 9.779/99 autorizar o aproveitamento dos créditos do IPI auferidos na entrada dos insumos na industrialização de produtos isentos ou com alíquota zero, tem-se entendido que também essa autorização deve se estender às mercadorias industrializadas não tributadas ou contempladas com o benefício da imunidade.
(...)
Finalmente, após parecer do ilustre representante do Ministério Público Federal, requer-se seja o presente mandado de segurança julgado integramente procedente, concedendo-se definitivamente a ordem para:
1) Assegurar e declarar o DIREITO À COMPENSAÇÃO, com base no artigo 11 da Lei n. 9.779/99, c/c art. 74 da Lei n. 9.430/96, do crédito a ser utiIizado para compensação de quaisquer tributos e contribuições sob a administração da Secretaria da Receita Federal do Brasil, decorrente de indevido estorno correspondente aos créditos de IPI lançados relativamente às aquisições de matéria-prima, produto intermediário e material de embalagem, bem como quaisquer insumos utilizados no processo produtivo, aplicados na industrialização, inclusive de produto isento, tributado à alíquota zero, não tributado ou IMUNE, adquiridos nos últimos 10 (dez) anos contados da distribuição desta demanda;
2) declarar o direito de creditar-se extemporâneo de todo o período reclamado nesta demanda, em especial quanto as notas ficais anexas que vai do período de 05/04/2001 a 07/06/2003, consoantes documentos anexos;
3) determinar o aproveitamento do crédito com a incidência de correção monetária e de juros, ou, sucessivamente, na forma do art. 289, CPC, seja o indébito atualizado nas mesmas condições previstas para os créditos administrados pela Receita Federal do Brasil;
4) que sejam os créditos corrigidos monetariamente a partir das datas que não foram aproveitados, com incidência integral da Taxa Selic;
5) seja afastado o ato coator que impede o creditameto do IPI, enquanto durar a situação que deu ensejo ao presente pleito.”
A liminar foi indeferida.
Nas informações, a autoridade impetrada consignou o seguinte:
“(...) com relação aos insumos empregados na industrialização de produtos imunes, isentos e tributados à alíquota zero, esse direito de creditamento, quando existente de fato, é expressamente reconhecido pela Secretaria da Receita Federal, conforme se pode ver no texto da Instrução Normativa SRF no 33, de 1999, publicada no DOU de 24/03/1999, que transcrevemos:
"Instrução Normativa SRF n°033, de 04 de março de 1999.
(...)
Do direito ao aproveitamento do saldo credor do IPI - Art. 11 da Lei. n°9.779, de 1999
Art. 4" O direito ao aproveitamento, nas condições estabelecidas no art. 11 da Lei no 9.779, de 1999, do saldo credor do IPI decorrente da aquisição de MP, PI e ME aplicados na industrialização de produtos, inclusive imunes, isentos ou tributados à alíquota zero, alcança, exclusivamente, os insumos recebidos no estabelecimento industrial ou equiparado a partir de 1°de janeiro de 1999." (grifo no original)
Portanto, não há como se discutir, neste mandado de segurança preventivo, o direito de crédito genericamente posto pela impetrante, mas sim, apenas, o eventual direito de ela se creditar de valores de IPI incidentes nas aquisições de insumos, havidas nos últimos cinco anos, e empregados na industrialização de produtos não –tributados com relação àquele imposto.
Quanto ao mais, se não há oposição da autoridade e se o direito alegado não existe nem abstratamente, não há como se defender o interesse processual de se levar avante o presente mandado. Por este motivo, espera-se que V.Ex se decida pela extinção do processo, sem julgamento do mérito, conforme previsto no art. 267, inc. VI, do Código de Processo Civil, quanto aos créditos relativos a insumos usados na produção de produtos imunes, isentos, e tributados à alíquota zero com relação ao IPI e quanto aos créditos relativos a insumos usados na industrialização de produtos não -tributados por aquele imposto há mais de cinco anos.
DO MÉRITO
DA INEXISTÊNCIA DO DIREITO AO CRÉDITO DA AUTORA
(...)
Portanto, o favor fiscal, que consiste no direito de compensar os saldos credores do IPI que decorrem da aquisição de insumos usados na industrialização de produtos isentos, imunes ou tributados à alíquota zero, quanto ao imposto, somente se aplica relativamente às aquisições feitas a partir de 1º de janeiro de 1999.
Em resumo, até 31/12/1998, em se tratando de créditos de IPI relativos a matérias-primas, produtos intermediários e material de embalagem aplicados nas saídas de que não resultassem produtos tributados, a regra era que esses créditos deveriam ser estornados. A partir de 01/01/1999, com a edição da Lei n.° 9.779/99, a regra passou a ser a manutenção e utilização dos créditos relativos a matérias-primas, produtos intermediários e material de embalagem recebidos a partir dessa data, e aplicados em saídas de produtos imunes, isentos ou tributados à alíquota zero. O crédito relativo a produtos não -tributados não foi contemplado por aquela Lei e, portanto, permaneceu existindo sua impossibilidade de aproveitamento e, por isso, o dever de se estorná-lo.
O EVENTUAL RECONHECIMENTO DO DIREITO PLEITEADO PELA AUTORA SÓ PODERÁ TER EFEITOS EXNUNC
Conforme já dissemos, para nós, a autora não tem o direito de se creditar pelo IPI incidente sobre insumos que utilize na industrialização de produtos não-tributados quanto àquele imposto, porque inexiste lei que lhe defira esse benefício.
Mas, supondo que V.Ex.a entendesse que os casos de saídas não-tributadas estivessem amparados pelo benefício concedido pela Lei n.° 9.779/1999, ou então contidos na hipótese constitucional de não-cumulatividade do imposto, então seria necessário estabelecer-se o momento a partir do qual sua decisão poderia ter eficácia. Ou, mais especificamente, quais os créditos que a autora poderia utilizar em decorrência de decisão que lhe deferisse o direito que se invoca nesta ação.
Ora, se a autora não podia manter os créditos de IPI com que arcara na aquisição de insumos (que é justamente contra o que ora se insurge), é natural que ela tivesse incorporado os respectivos valores no custo de seus produtos fabricados e, conseqüentemente, repassado -os aos seus clientes.
Assim sendo, é impossível o eventual deferimento do direito à própria impetrante, quanto aos seus produtos já fabricados, sem que com isso se lhe propicie um enriquecimento ilícito.
(...)
Ademais, na remota hipótese de V.Ex.a decidir que a autora tem o direito de crédito que ora se discute, temos que o efeito dessa decisão para ela só poderá significar a diminuição do preço de venda de seus produtos ou o aumento de sua margem de lucro.
Então, como é impossível aceitar-se o aumento retroativo de margem de lucro para a autora sem que se configure um indevido enriquecimento de sua parte, e como não há maneira de ela vir, agora, diminuir o preço de todos os produtos que já vendeu, reembolsando, conseqüentemente, todos os seus clientes, temos que uma decisão que lhe seja favorável somente pode ter efeitos ex nunc.
(...)
A IMPETRANTE NÃO DEMONSTRA QUE TERIA, EM TESE, O DIREITO ALEGADO
Conforme já dissemos, o Regulamento do IPI - que é o instrumento onde se poderia pesquisar a eventual ofensa do direito abstrato alegado pela autora - determinava, até o advento da Lei n.° 9.779/1 999, que as empresas estornassem todos os créditos de insumos que tivessem sido utilizados na industrialização de bens cuja saída não desse origem a débitos do imposto.
Também como já dissemos, presume-se que a autora, não se podendo creditar dos valores de IPI que pagara na aquisição de seus insumos, incluía-os no custo dos produtos e repassava-os aos seus clientes. É bom lembrar, inclusive, que essa presunção é feita pela própria lei (o art. 166 do CTN) e, portanto, deveria ter sido afastada pela impetrante, com prova pré -constituída, já que o processo do mandado de segurança não permite a dilação probatória.
Seria necessário que tivesse trazido, ao menos, cópias de seus livros de apuração do IPI, onde constassem os estornos de créditos respectivos, além de suas apurações de custo dos produtos fabricados. Deveria demonstrar ainda que aqueles créditos estornados passaram a compor o custo de seus produtos e de suas apurações de resultado do exercício, provando que o aumento do custo de seus produtos significou-lhe diminuição de lucro e não aumento de preço de venda dos produtos.
Acontece que a impetrante juntou à sua inicial apenas cópias de algumas notas fiscais relativas a aquisições de insumos em que houve incidência do IPI, as quais, evidentemente, não bastam para afastar a presunção legal a que nos referimos acima e, conseqüentemente, não servem para que se lhe defira a ordem pleiteada.
SE EXISTISSE O DIREITO DE CRÉDITO PLEITEADO, SOBRE ESTE NÃO INCIDIRIA CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS.
(...)”
Sobreveio, então, a sentença com a seguinte fundamentação:
“(...)
Com efeito, a demanda mandamental foi aforada no dia 31 de julho de 2.009 (folha 02), tendo o impetrante requerido ao juízo o reconhecimento do direito à compensação, com base no artigo 11 da Lei 9.779 de 1999 (c.c artigo 74 da Lei 9430/96), dos créditos de IPI advindos da aquisição de insumos adquiridos nos últimos 10 (dez) anos, para a industrialização de produtos imunes, isentos, tributados com alíquota zero e não tributados, com valores devidos pela parte autora a título de quaisquer outros tributos e contribuições administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil.
Descartado, na forma da fundamentação exposta, o prazo decenal da compensação reivindicada, tem-se que os valores, objeto da compensação postulada, retroagem a cinco anos da data da propositura da ação, ou seja, até 31 de julho de 2004, isto é, em época na qual, já se encontrava em pleno vigor a Lei 9.779 de 1999.
Assim, diante do princípio da legalidade, que norteia a atuação dos órgãos da administração pública, bem como também tendo em mira que a parte autora não juntou nenhuma prova de resistência ou embaraço por parte da administração pública na operacionalização do seu direito, vislumbra-se que não ostentou demonstrar o impetrante interesse jurídico para agir em juízo, até mesmo porque a própria autoridade coatora consignou, em suas informações, não haver resistência, por parte do erário, quanto ao direito do contribuinte de se creditar dos valores de IPI incidentes nas aquisições de insumos havidas nos últimos cinco anos e empregados na industrialização de produtos não -tributados em relação àquele imposto (folha 261)”.
Pois bem.
Entendo presente o interesse processual, dada a dubiedade da manifestação da autoridade impetrada.
Note-se que, se por um lado a autoridade afirmou que “com relação aos insumos empregados na industrialização de produtos imunes, isentos e tributados à alíquota zero, esse direito de creditamento, quando existente de fato, é expressamente reconhecido pela Secretaria da Receita Federal, conforme se pode ver no texto da Instrução Normativa SRF no 33, de 1999, publicada no DOU de 24/03/1999”, por outro lado afirmou que “supondo que V.Ex.a entendesse que os casos de saídas não-tributadas estivessem amparados pelo benefício concedido pela Lei n.° 9.779/1999, ou então contidos na hipótese constitucional de não-cumulatividade do imposto, então seria necessário estabelecer-se o momento a partir do qual sua decisão poderia ter eficácia”, e, “como é impossível aceitar-se o aumento retroativo de margem de lucro para a autora sem que se configure um indevido enriquecimento de sua parte, e como não há maneira de ela vir, agora, diminuir o preço de todos os produtos que já vendeu, reembolsando, conseqüentemente, todos os seus clientes, temos que uma decisão que lhe seja favorável somente pode ter efeitos ex nunc”, além do que afirmou que “seria necessário que tivesse trazido, ao menos, cópias de seus livros de apuração do IPI, onde constassem os estornos de créditos respectivos, além de suas apurações de custo dos produtos fabricados. Deveria demonstrar ainda que aqueles créditos estornados passaram a compor o custo de seus produtos e de suas apurações de resultado do exercício, provando que o aumento do custo de seus produtos significou-lhe diminuição de lucro e não aumento de preço de venda dos produtos. Acontece que a impetrante juntou à sua inicial apenas cópias de algumas notas fiscais relativas a aquisições de insumos em que houve incidência do IPI, as quais, evidentemente, não bastam para afastar a presunção legal a que nos referimos acima e, conseqüentemente, não servem para que se lhe defira a ordem pleiteada.”
Assim, verifica-se ter havido pretensão resistida. Presente, portanto, o interesse processual da impetrante.
Nos termos do artigo 1.013, §3º, I, do CPC:
“Art. 1.013. A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada.
(...)
§ 3º Se o processo estiver em condições de imediato julgamento, o tribunal deve decidir desde logo o mérito quando:
I - reformar sentença fundada no art. 485 ; “
Previsão semelhante já estava contida no CPC/73:
Art. 515. A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada.
(...)
§ 3º Nos casos de extinção do processo sem julgamento do mérito (art. 267), o tribunal pode julgar desde logo a lide, se a causa versar questão exclusivamente de direito e estiver em condições de imediato julgamento. (Incluído pela Lei nº 10.352, de 26.12.2001)
Assim, passo à análise do mérito.
Prescrição quinquenal
Inicialmente, destaco que o prazo prescricional para a restituição em exame é de cinco anos, tendo em vista que o feito foi ajuizado em 31/07/2009.
Nesse sentido:
TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PRAZO DE PRESCRIÇÃO PARA A REPETIÇÃO DE INDÉBITO NOS TRIBUTOS SUJEITOS A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. ART. 3º, DA LC 118/2005. TERMO INICIAL. IMPOSTO DE RENDA RETIDO NA FONTE - IRPF FONTE. DATA DA RETENÇÃO (ANTECIPAÇÃO) VS. DATA DO PAGAMENTO APÓS A ENTREGA DA DECLARAÇÃO. RENDIMENTOS NÃO SUJEITOS A TRIBUTAÇÃO EXCLUSIVA/DEFINITIVA. 1. Tanto o STF quanto o STJ entendem que para as ações de repetição de indébito relativas a tributos sujeitos a lançamento por homologação ajuizadas de 09.06.2005 em diante, deve ser aplicado o prazo prescricional quiquenal previsto no art. 3º, da Lei Complementar n. 118/2005, ou seja, prazo de cinco anos com termo inicial na data do pagamento. Já para as mesmas ações ajuizadas antes de 09.06.2005, deve ser aplicado o entendimento anterior que permitia a cumulação do prazo do art. 150, §4º com o do art. 168, I, do CTN (tese do 5+5). Precedentes: recurso representativo da controvérsia REsp. n. 1.269.570-MG, Primeira Seção, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 23.05.2012; e EREsp 1.265.939/SP, Corte Especial, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 01/08/2013, DJe 12/08/2013. 2. Ressalvados os casos em que o recolhimento do tributo é feito exclusivamente pela retenção na fonte (rendimentos sujeitos a tributação exclusiva/definitiva), que não admite compensação ou abatimento com os valores apurados ao final do período, a prescrição da ação de repetição do indébito tributário flui a partir do pagamento realizado após a declaração anual de ajuste do imposto de renda e não a partir da retenção na fonte (antecipação). Precedente: EDcl nos EDcl nos EDcl no REsp. n. 1.233.176/PR, Primeira Turma, Rel. Min. Ari Pargendler, julgado em 21/11/2013, DJe 27/11/2013. 3. Caso em que o contribuinte ajuizou ação de repetição de indébito em 21.10.2011 postulando a restituição de IRPF indevidamente cobrado sobre verba de natureza indenizatória (PDV) recebida em 31.7.2006. Sabe-se que a declaração de ajuste é entregue em abril de 2007, ocasião em que também se dá o pagamento das diferenças. Desse modo, conta-se a partir daí o lustro prescricional, não estando prescrita a pretensão. 4. Agravo regimental não provido. ..EMEN:
(AGRESP - AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL - 1533840 2015.01.05781-1, MAURO CAMPBELL MARQUES, STJ - SEGUNDA TURMA, DJE DATA:28/09/2015 ..DTPB:.)
(destaquei)
Prova pré-constituída
Alega a impetrada que as provas juntadas não são suficientes para demonstrar o direito alegado.
Juntou o contribuinte cópias de notas fiscais relativas ao período entre 05/04/2001 a 07/06/2003.
Nas notas fiscais constam discriminados os valores pagos a título de IPI.
Embora as notas fiscais juntadas se refiram a período anterior àquele a que tem direito o contribuinte (tendo em vista o prazo prescricional quinquenal), verifica-se que há prova pré-constituída do recolhimento frequente do IPI.
Observo que o valor específico da restituição dependerá de liquidação da sentença ou, se optar pela compensação administrativa, da devida apresentação das notas fiscais à autoridade competente, notas essas relativas ao período ora reconhecido (cinco anos anteriores ao ajuizamento).
A impetrada ainda afirmou que “seria necessário que tivesse trazido, ao menos, cópias de seus livros de apuração do IPI, onde constassem os estornos de créditos respectivos, além de suas apurações de custo dos produtos fabricados. Deveria demonstrar ainda que aqueles créditos estornados passaram a compor o custo de seus produtos e de suas apurações de resultado do exercício, provando que o aumento do custo de seus produtos significou-lhe diminuição de lucro e não aumento de preço de venda dos produtos”.
Contudo, tal alegação não pode ser acolhida. O direito da impetrante não tem relação com a análise do preço dos produtos por ela vendidos.
O direito da impetrante decorre diretamente da incidência de IPI na aquisição dos insumos empregados na industrialização e da previsão expressa da Lei 9.779/99:
Art. 11. O saldo credor do Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI, acumulado em cada trimestre-calendário, decorrente de aquisição de matéria-prima, produto intermediário e material de embalagem, aplicados na industrialização, inclusive de produto isento ou tributado à alíquota zero, que o contribuinte não puder compensar com o IPI devido na saída de outros produtos, poderá ser utilizado de conformidade com o disposto nos arts. 73 e 74 da Lei no 9.430, de 27 de dezembro de 1996, observadas normas expedidas pela Secretaria da Receita Federal do Ministério da Fazenda.
Nesse sentido:
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. APLICABILIDADE. IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS - IPI. OUTORGA DE CRÉDITO POR MEIO DO ART. 11 DA LEI N. 9.779/1999. CREDITAMENTO AUTÔNOMO. DESVINCULAÇÃO DA REGRA DA NÃO CUMULATIVIDADE - DISTINGUISHING. UTILIZAÇÃO DO SALDO CREDOR DE IPI NA INVIABILIDADE DA COMPENSAÇÃO COM O MENCIONADO TRIBUTO INCIDENTE NA SAÍDA. HIPÓTESE DE PRODUTO NÃO TRIBUTADO. POSSIBILIDADE.
I - Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte, na sessão realizada em 09.03.2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação do provimento jurisdicional impugnado. Aplica-se, in casu, o Código de Processo Civil de 2015.
II - A Constituição da República contempla o creditamento de Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI em três hipóteses distintas:
(i) em decorrência da regra da não cumulatividade (art. 153, § 3º, II); (ii) como exceção constitucionalmente justificável à não cumulatividade, alcançada por meio de interpretação sistemática (arts. 43, § 1º, II, e § 2º, III; 153, § 3º, II; e 40 do ADCT); e (iii) mediante outorga diretamente concedida por lei específica (art. 150, § 6º).
III - A Lei n. 9.779/1999 instituiu o aproveitamento de créditos de IPI como benefício fiscal autônomo, uma vez que não traduz mera explicitação da regra da não cumulatividade.
IV - Por tratar-se do aproveitamento de créditos de IPI como benefício autônomo, diretamente outorgado por lei para a saída desonerada, a discussão devolvida pelos Embargos de Divergência distancia-se do núcleo da polêmica envolvendo a não cumulatividade desse tributo - necessidade de distinguishing -, cuidando-se, inclusive, de matéria eminentemente infraconstitucional.
V - O art. 11 da Lei n. 9.779/1999 confere o crédito de IPI quando se revelar inviável ao contribuinte a compensação desse montante com o mencionado tributo incidente na saída de outros produtos. Na impossibilidade da utilização da soma decorrente da entrada onerada, o apontado artigo oportuniza a consolidada via dos arts. 73 e 74 da Lei n. 9.430/1996. Autorizado, portanto, o emprego do valor lançado na escrita fiscal, justamente com a saída "de outros produtos".
Reitere-se que os produtos outros, nesse contexto, podem ser isentos, sujeitos à alíquota zero ou não tributados.
VI - Inaceitável restringir, por ato infralegal, o benefício fiscal conferido ao setor produtivo, mormente quando as três situações - isento, sujeito à alíquota zero e não tributado -, são equivalentes quanto ao resultado prático delineado pela Lei do benefício.
VII - Encontra, portanto, abrigo legal o aproveitamento do saldo de IPI decorrente das aquisições de matérias-primas, produtos intermediários e materiais de embalagem tributados, nas saídas de produtos não tributados no período posterior à vigência do art. 11 da Lei n. 9.779/1999.
VIII - A manutenção do acórdão embargado representa: (i) a observância da disciplina legal específica; (ii) a escorreita interpretação sistemática do aproveitamento de saldo de IPI à luz dos múltiplos níveis normativos do creditamento admitidos pela Constituição da República; e (iii) uma prestação jurisdicional alinhada com os recentes pronunciamentos do Supremo Tribunal Federal quanto à temática (e.g. PLENO, RE n. 596.614/SP, Rel. p/ o acórdão Ministro EDSON FACHIN, julgado em 25.04.2019; PLENO, Projeto de Súmula Vinculante n. 26/DF, Rel. Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, DJe 07.05.2020 - Ata n. 340/2020; e 2ª TURMA, AgR no AgR no RE n. 379.843/PR, Rel. Ministro EDSON FACHIN, julgado em 07.03.2017).
IX - Embargos de Divergência improvidos.
(EREsp n. 1.213.143/RS, relatora Ministra Assusete Magalhães, relatora para acórdão Ministra Regina Helena Costa, Primeira Seção, julgado em 2/12/2021, DJe de 1/2/2022.)
No caso, a impetrante é empresa que tem como objeto social a industrialização e a produção de jornal (fls. 48 dos autos físicos), sendo alcançada pela imunidade constitucional prevista no 150, VI, “d”:
“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
(...)
VI - instituir impostos sobre: (Vide Emenda Constitucional nº 3, de 1993)
(...)
d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão”.
Por fim, alega a impetrada que não haveria direito à correção monetária e juros. Para fundamentar essa alegação, juntou precedente do STJ relativo a operação escritural de ICMS.
Contudo, no caso dos autos, está se tratando de restituição de tributo efetivamente recolhido, e não de técnica de contabilização para efeito de equação entre débitos e créditos.
Dessa forma, a segurança deve ser concedida parcialmente.
Repetição em MS (e razões pelas quais entendo possível a repetição de valores recolhidos anteriormente à impetração do mandado de segurança).
Dispõem as Súmulas 269 e 271 do STF:
Súmula 269: O mandado de segurança não é substitutivo de ação de cobrança.
Súmula 271: Concessão de mandado de segurança não produz efeitos patrimoniais em relação a período pretérito, os quais devem ser reclamados administrativamente ou pela via judicial própria.
Entretanto, esses entendimentos sumulados devem ser interpretados ‘cum granu salis’, podendo a execução ser promovida nos próprios autos de mandado de segurança, sem prejuízo de eventual reconhecimento e pagamento administrativo, desde que a concessão da ordem importe em efeitos financeiros pretéritos.
Com efeito, não é razoável exigir que o impetrante ingresse novamente em juízo com uma ação de cobrança, objetivando apenas a cobrança de parcelas atrasadas anteriormente à impetração, a respeito de direito sobre o qual já existe uma sentença transitada em julgado.
Tal entendimento prestigia o princípio da celeridade processual, estampado no artigo 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal, ‘in verbis’:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
LXXVIII - a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.
Além disso, pela literalidade da lei, a limitação dos efeitos patrimoniais do ‘mandamus’ às prestações que vencerem após o ajuizamento da ação somente se aplicaria aos servidores, conforme se verifica do artigo 14, § 4º, da Lei nº 12.016/09:
Art. 14. Da sentença, denegando ou concedendo o mandado, cabe apelação.
§ 4º O pagamento de vencimentos e vantagens pecuniárias assegurados em sentença concessiva de mandado de segurança a servidor público da administração direta ou autárquica federal, estadual e municipal somente será efetuado relativamente às prestações que se vencerem a contar da data do ajuizamento da inicial.
Se o legislador quisesse limitar os efeitos patrimoniais do ‘mandamus’ em qualquer caso, não teria feito menção apenas às ações que envolvessem pagamento a servidores públicos. Isso reforça a posição pela relativização da aplicação da Súmula nº 269 do STF.
Ademais, o status constitucional do mandado de segurança (artigo 5º, inciso LXIX, da Constituição Federal) em relação às demais ações componentes do sistema processual brasileiro justifica o tratamento diferenciado no que concerne à execução da sentença judicial transitada em julgado.
Finalmente, a alteração no texto constitucional que excluiu do regime de precatório o pagamento de obrigações definidas em lei como de pequeno valor aponta para a necessidade de revisão do alcance das referidas súmulas e, por conseguinte, do disposto no artigo 14, § 4º, da Lei nº 12.016/09, até mesmo no que concerne a verbas devidas a servidores públicos e principalmente em se tratando de débitos de natureza alimentar.
No mesmo sentido, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:
CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. PRELIMINARES. REJEIÇÃO. PROCURADOR FEDERAL. PROMOÇÃO E PROGRESSÃO NA CARREIRA. ESTÁGIO PROBATÓRIO E ESTABILIDADE. INSTITUTOS JURÍDICOS DISTINTOS. EFEITOS FINANCEIROS RETROATIVOS. SÚMULAS 269/STF E 271/STF. ART. 1º DA LEI 5.021/66. NÃO-INCIDÊNCIA NA HIPÓTESE. SEGURANÇA CONCEDIDA.
1. O mandado de segurança foi impetrado contra o ato do Advogado-Geral da União que indeferiu o recurso hierárquico que a impetrante interpôs contra a decisão da Procuradora-Geral Federal. Em conseqüência, sobressai a legitimidade passiva da autoridade impetrada. Preliminar rejeitada.
2. Em se tratando de um ato administrativo decisório passível de impugnação por meio de mandado de segurança, os efeitos financeiros constituem mera conseqüência do ato administrativo impugnado. Não há utilização do mandamus como ação de cobrança.
3. A impossibilidade de retroagir os efeitos financeiros do mandado de segurança, a que alude a Súmula 271/STF, não constitui prejudicial ao exame do mérito, mas mera orientação limitadora de cunho patrimonial da ação de pedir segurança. Preliminares rejeitadas.
4. Estágio probatório e estabilidade são institutos jurídicos distintos. O primeiro tem por objetivo aferir a aptidão e a capacidade do servidor para o desempenho do cargo público de provimento efetivo. O segundo, constitui uma garantia constitucional de permanência no serviço público outorgada àquele que transpôs o estágio probatório. Precedente.
5. O servidor público federal tem direito de ser avaliado, para fins de estágio probatório, no prazo de 24 (vinte e quatro) meses. Por conseguinte, apresenta-se incabível a exigência de que cumpra o interstício de 3 (três) anos para que passe a figurar em listas de progressão e de promoção na carreira a qual pertence.
6. Na hipótese em que servidor público deixa de auferir seus vencimentos, parcial ou integralmente, por ato ilegal ou abusivo da autoridade impetrada, os efeitos patrimoniais da
concessão da ordem em mandado de segurança devem retroagir à data da prática do ato impugnado, violador de direito líquido e certo. Inaplicabilidade dos enunciados das Súmulas 269/STF e 271/STF.
7. A alteração no texto constitucional que excluiu do regime de precatório o pagamento de obrigações definidas em lei como de pequeno valor aponta para a necessidade de revisão do alcance das referidas súmulas e, por conseguinte, do disposto no art. 1º da Lei 5.021/66, principalmente em se tratando de débitos de natureza alimentar, tal como no caso, que envolve verbas remuneratórias de servidores públicos.
8. Segurança concedida.
(MS 12.397/DF, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 09/04/2008, DJe 16/06/2008)
Sendo assim, o reconhecimento do direito da impetrante gera como consequência automática o direito à repetição dos valores indevidamente recolhidos, sem que tal fato implique em violação às orientações sumuladas.
Por fim, destaco que não acompanho a interpretação dada em alguns julgados deste Tribunal no sentido de que o STF, no Tema 831, decidiu que “os pagamentos devidos pela Fazenda Pública em razão de decisão judicial proferida em ação mandamental devem se dar mediante a expedição de precatório ou de requisição de pequeno valor, conforme o valor da condenação, nos termos do artigo 100 da Constituição Federal, apenas quanto ao montante apurado entre a data da impetração do mandado de segurança e a da efetiva implementação da ordem concessiva de segurança”.
Explico.
A decisão do STF, sintetizada na tese fixada, teve a seguinte redação: “O pagamento dos valores devidos pela Fazenda Pública entre a data da impetração do mandado de segurança e a efetiva implementação da ordem concessiva deve observar o regime de precatórios previsto no artigo 100 da Constituição Federal.”
Porém, no Tema 831/STF não se tratou do período anterior à impetração, conforme se verifica da ementa:
“EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NA REPERCUSSÃO GERAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL. MANDADO DE SEGURANÇA. VALORES DEVIDOS ENTRE A DATA DA IMPETRAÇÃO E A IMPLEMENTAÇÃO DA ORDEM CONCESSIVA. SUBMISSÃO AO REGIME DE PRECATÓRIOS. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. REAFIRMAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. OMISSÃO. INEXISTÊNCIA. EFEITOS INFRINGENTES. IMPOSSIBILIDADE.
1. Não houve omissão quanto aos limites da coisa julgada, pois, in casu, a decisão que concedeu a segurança nada disse a respeito da necessidade ou não de observância do regime de precatórios para o pagamento dos valores relativos a período anterior à implementação da ordem concessiva. Tal discussão foi inaugurada por ocasião do cumprimento da referida decisão.
2. O pagamento dos valores devidos pela Fazenda Pública entre a data da impetração do mandado de segurança e a efetiva implementação da ordem concessiva deve observar o disposto no artigo 100 da Constituição Federal. 3. Embargos de declaração DESPROVIDOS.
(RE 889173 RG-ED, Relator(a): LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 05-10-2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-226 DIVULG 23-10-2018 PUBLIC 24-10-2018)”
(destaquei)
Compensação administrativa (e razões pelas quais o contribuinte, se optar pela compensação “cruzada”, deverá se submeter ao artigo 26-A da Lei 11.457/2007).
A compensação só pode ser efetuada após o trânsito em julgado (art. 170-A do CTN), e o crédito deve ser corrigido exclusivamente pela taxa Selic.
Obviamente mantém-se o direito da autoridade competente de fiscalizar a compensação efetuada. A compensação deverá observar a legislação pertinente.
Com relação à legislação aplicável à compensação, tese comum levantada pelos contribuintes é de que têm direito de optar pela lei vigente à época do encontro de contas na compensação administrativa, traçando uma possível distinção quanto à forma da compensação, distinguindo-se a judicial, que deveria observar a data do ajuizamento do pedido, da administrativa, em que vigoraria a legislação existente na data do encontro de contas.
Sob esse aspecto, na linha do entendimento do REsp 1.137.738, pode-se afirmar que tratando-se de compensação tributária, deve ser considerado o regime jurídico vigente à época do ajuizamento da demanda, não podendo ser a causa julgada à luz do direito superveniente.
Essa regra, portanto, não é absoluta, e foi relativizada (esclarecida) pelo Superior Tribunal de Justiça, que, a par desse entendimento primeiro, admite a possibilidade de legislação posterior disciplinar a compensação de forma diversa da existente no momento do ajuizamento, permitindo a aplicação da lei vigente no momento do encontro de contas.
Confira-se o que restou decidido pelo STJ no REsp 1.164.452:
"É importante não confundir esse entendimento com o adotado pela jurisprudência da 1a. Seção, a partir do Eresp 488.452 (Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 07.06.04), precedente, que, às vezes, é interpretado como tendo afirmado que a lei aplicável à compensação é a data da propositura da ação. Não foi isso o que lá se decidiu, até porque, para promover a compensação tributária, não se exige o ajuizamento da ação. O que se decidiu, na oportunidade, após ficar historiada a evolução legislativa corrida nos anos anteriores tratando da matéria de compensação tributária, foi, conforme registrou a ementa, simplesmente que:
'6. É inviável, na hipótese, apreciar o pedido à luz do direito superveniente, porque os novos preceitos normativos, ao mesmo tempo em que ampliaram o rol das espécies normativas, ao mesmo tempo em que ampliaram o rol das espécies tributárias compensáveis, condicionaram a realização da compensação a outros requisitos, cuja existência não constou da causa de pedir e nem foi objeto de exame nas instâncias ordinárias'.
Em outras palavras, o que se disse é que não se poderia julgar aquela causa, então em fase de embargos infringentes, à luz do direito superveniente à propositura da demanda. De modo algum se negou a tese de que a lei aplicável à compensação é a vigente à data do encontro de contas. Pelo contrário, tal tese foi, na oportunidade, explicitamente afirmada no item 4 do voto que proferi como relator. Mais: embora julgando improcedente o pedido, ficou expressamente consignada a possibilidade da realização da compensação à luz das normas (que não as da data da propositura da ação) vigente quando da efetiva realização da compensação (ou seja, do encontro de contas). Constou da ementa:
'7. Assim, tendo em vista a causa de pedir posta na inicial e o regime normativo vigente à época da postulação (1995), é de se julgar improcedente o pedido, o que não impede que a compensação seja realizada nos termos atualmente admitidos, desde que presentes os requisitos próprios."
(grifei)
Como se extrai da orientação jurisprudencial, não existe a aponta rigidez quanto aos requisitos da compensação tributária, dado que esse mecanismo mostrou-se, nos últimos tempos, extremamente dinâmico no que se refere a seus requisitos e limites, a exemplo do advento do artigo 26-A da Lei 11.457/2007.
Pois bem.
Ocorre que no campo das contribuições tributárias, o regime previsto em lei para o encontro de contas sempre foi o de permitir esse ajuste, exclusivamente, com tributos da mesma espécie.
Com o advento da Lei n. 13.670/2018, que introduziu o artigo 26-A na Lei 11.457/2007, rompendo aquela restrição à compensação de tributos de espécies diversas, criou-se a falsa ideia de que a partir do advento da nova regra todas as contribuições declaradas repetíveis em favor do contribuinte, poderiam ser compensadas, não só com as mesmas contribuições vincendas, como também com quaisquer outros tributos administrados pela Receita Federal do Brasil.
Tendo em conta essa interpretação, apressada, da legislação superveniente, estabeleceu-se nova discussão sobre a forma, o momento e os limites da compensação tributária da espécie contribuição social.
Essa discussão, no entanto, perde qualquer sentido quando se realiza a leitura da nova regra (art. 26-A, da Lei 11.457/2007), dado que a nova disciplina estabeleceu limites temporais para a realização da compensação ampliada (contribuição com tributos de espécies diversas), convivendo o instituto da compensação com a disciplina anterior, restritiva (contribuição com contribuição, exclusivamente).
E essa convivência de duas possibilidades de compensação tributária é que tem gerado a falsa expectativa dos contribuintes acerca da possibilidade de se aplicar a nova regra sem levar em conta o momento em que o indébito tributário efetivamente ocorreu.
O artigo 26 da Lei 11.457/2007 não foi revogado, aplicando-se a todas as hipóteses não contempladas no artigo 26-A.
O artigo 26-A da Lei 11.457/2007 apenas afastou a aplicabilidade, nos casos expressamente consignados, do artigo 74, da Lei 9.430/96.
Isso porque, como se fará ver, doravante, o novel instituto possibilitou a compensação ampliada apenas para os créditos constituídos sob a modalidade de pagamento pelo eSocial.
Para os créditos constituídos (com direito à repetição reconhecido) fora dessa modalidade de declaração e pagamento (eSocial), aplica-se a norma do artigo 26, da Lei 11.457/2007, que não foi revogado.
Com relação à definição dos tributos compensáveis, impõe-se a observância do disposto no artigo 26-A da Lei 11.457/2007, tendo em vista que atualmente é o dispositivo que está em vigor, prevendo limitações a serem observadas pelo contribuinte.
A Jurisprudência formada no Superior Tribunal de Justiça não contradiz a interpretação legal ora formulada, como se vê do precedente já referido.
Passa-se, assim, à análise dos termos do disposto na legislação superveniente.
Com relação ao artigo 26-A da Lei 11.457/2007, observo o seguinte.
Dispõe referido artigo:
"Art. 26-A. O disposto no art. 74 da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996:
I - aplica-se à compensação das contribuições a que se referem os arts. 2º e 3º desta Lei efetuada pela sujeito passivo que utilizar o Sistema de Escrituração Digital das Obrigações Fiscais, Previdenciárias e Trabalhistas (eSocial), para apuração das referidas contribuições, observado o disposto no § 1º deste artigo;
II - não se aplica à compensação das contribuições a que se referem os arts. 2º e 3º desta Lei efetuada pelos demais sujeitos passivos; e
III - não se aplica ao regime unificado de pagamento de tributos, de contribuições e dos demais encargos do empregador doméstico (Simples Doméstico).
§ 1º Não poderão ser objeto da compensação de que trata o inciso I do caput deste artigo:
I - o débito das contribuições a que se referem os arts. 2º e 3º desta Lei:
a) relativo a período de apuração anterior à utilização do eSocial para a apuração das referidas contribuições; e
b) relativo a período de apuração posterior à utilização do eSocial com crédito dos demais tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil concernente a período de apuração anterior à utilização do eSocial para apuração das referidas contribuições; e
II - o débito dos demais tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil:
a) relativo a período de apuração anterior à utilização do eSocial para apuração de tributos com crédito concernente às contribuições a que se referem os arts. 2º e 3º desta Lei; e
b) com crédito das contribuições a que se referem os arts. 2º e 3º desta Lei relativo a período de apuração anterior à utilização do eSocial para apuração das referidas contribuições.
§ 2º A Secretaria da Receita Federal do Brasil disciplinará o disposto neste artigo.
Como se percebe pela dicção do dispositivo legal transcrito acima, para que o contribuinte possa compensar seus créditos com outros tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, diversas condições devem ser preenchidas. Essa possibilidade tem por mira contribuições sociais previstas pelo art. 11, parágrafo único, alíneas "a", "b", "c", da Lei n. 8.212/1991 e contribuições de terceiro, e o contribuinte deve se valer do recém-instituído e-Social, não podendo ser estendida aos demais sujeitos passivos de obrigações tributárias, nem mesmo para o empregador doméstico.
Portanto, o afastamento da disciplina posta pelo art. 74 da Lei n. 9.430/1996 não induz à conclusão de que qualquer crédito constituído antes do advento (e da adesão) ao e-Social possa ser objeto de compensação com quaisquer tributos administrados pela Receita Federal do Brasil; as condições impostas pela lei para tal modalidade de compensação são bem claras: não são compensáveis a) débitos apurados anteriormente ao e-Social e b) créditos das contribuições relativos a períodos anteriores. Em suma: só se admite a compensação indistinta de créditos novos com débitos novos.
Há, portanto, restrições que tomam em conta o período de apuração das contribuições sociais e de terceiros, sendo certo que para aquelas exações anteriores à utilização do e-Social (ou para exações posteriores que serão compensadas com tributos anteriores à utilização do e-Social), a compensação nos moldes do art. 74, da Lei n. 9.430/1996 igualmente não se revela possível.
Ante o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO à apelação da impetrante e, nos termos do art. 1013 do CPC, CONCEDO PARCIALMENTE A SEGURANÇA para declarar o direito da impetrante à repetição dos indébitos de IPI relativos aos cinco anos anteriores ao ajuizamento, declarando seu direito à repetição por: 1- restituição judicial (mediante liquidação da sentença e requisição de precatório) ou 2- por compensação administrativa (submetendo-se à fiscalização da Autoridade Administrativa e devendo ser observado o art. 26-A da Lei 11.457/2007).
É o voto.
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. APELAÇÃO. MANDADO DE SEGURANÇA. IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS - IPI. OUTORGA DE CRÉDITO POR MEIO DO ART. 11 DA LEI N. 9.779/1999. UTILIZAÇÃO DO SALDO CREDOR DE IPI NA INVIABILIDADE DA COMPENSAÇÃO COM O MENCIONADO TRIBUTO INCIDENTE NA SAÍDA. HIPÓTESE DE PRODUTO NÃO TRIBUTADO (IMUNIDADE). POSSIBILIDADE. EXPEDIÇÃO DE PRECATÓRIO. TEMA 831 DO STF. RECURSO PROVIDO EM PARTE.
- O direito da impetrante decorre diretamente da incidência de IPI na aquisição dos insumos empregados na industrialização e da previsão expressa da Lei 9.779/99: “Art. 11. O saldo credor do Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI, acumulado em cada trimestre-calendário, decorrente de aquisição de matéria-prima, produto intermediário e material de embalagem, aplicados na industrialização, inclusive de produto isento ou tributado à alíquota zero, que o contribuinte não puder compensar com o IPI devido na saída de outros produtos, poderá ser utilizado de conformidade com o disposto nos arts. 73 e 74 da Lei no 9.430, de 27 de dezembro de 1996, observadas normas expedidas pela Secretaria da Receita Federal do Ministério da Fazenda.” (
- Precedente do STJ: “(...) O art. 11 da Lei n. 9.779/1999 confere o crédito de IPI quando se revelar inviável ao contribuinte a compensação desse montante com o mencionado tributo incidente na saída de outros produtos. Na impossibilidade da utilização da soma decorrente da entrada onerada, o apontado artigo oportuniza a consolidada via dos arts. 73 e 74 da Lei n. 9.430/1996. Autorizado, portanto, o emprego do valor lançado na escrita fiscal, justamente com a saída "de outros produtos"(...)” (EREsp n. 1.213.143/RS, relatora Ministra Assusete Magalhães, relatora para acórdão Ministra Regina Helena Costa, Primeira Seção, julgado em 2/12/2021, DJe de 1/2/2022.).
- O mandado de segurança não é a via adequada para obter efeitos patrimoniais pretéritos à impetração, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal pacificado por meio das Súmulas nº 269 e nº 271, porquanto a legislação de regência não prevê fase de liquidação no âmbito mandamental. Todavia, no julgamento do RE nº 889.173/MS (Tema 831 do STF), o STF determinou que os pagamentos devidos pela fazenda pública em razão de decisão judicial proferida em ação mandamental devem se dar mediante a expedição de precatório ou de requisição de pequeno valor, conforme o valor da condenação, nos termos do artigo 100 da Constituição Federal, apenas quanto ao montante apurado entre a data da impetração do mandado de segurança e a da efetiva implementação da ordem concessiva de segurança. A respeito: STF - ARE: 1393633/PR, Relator Min. NUNES MARQUES, Data de Julgamento: 02/03/2023, DJe-043 DIVULG 07/03/2023 PUBLIC 08/03/2023). Destarte, é inviável a utilização da via administrativa para restituição de indébito fiscal reconhecido judicialmente, mantido o direito à compensação de acordo com os critérios apontados e a expedição de precatório/requisitório nos moldes do Tema 831 do STF.
- Apelação provida em parte.