AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5029302-61.2023.4.03.0000
RELATOR: Gab. 02 - DES. FED. RENATO BECHO
AGRAVANTE: IVONE DOS SANTOS CABRAL SOUZA
Advogado do(a) AGRAVANTE: MILENA RODRIGUEZ - SP393401-A
AGRAVADO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL
OUTROS PARTICIPANTES:
AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5029302-61.2023.4.03.0000 RELATOR: Gab. 02 - DES. FED. RENATO BECHO AGRAVANTE: IVONE DOS SANTOS CABRAL SOUZA Advogado do(a) AGRAVANTE: MILENA RODRIGUEZ - SP393401-A AGRAVADO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL RENATO BECHO, RELATOR: Trata-se de agravo de instrumento interposto por IVONE DOS SANTOS CABRAL SOUZA contra decisão proferida nos autos da tutela cautelar antecedente ajuizada na origem, na qual pugna, em suma, pela concessão da tutela de urgência para a anulação de leilão de imóvel. A decisão considerou que a parte autora não tem o direito à purgação da mora, pois a propriedade foi consolidada após a Lei nº 13.465/17, não concedendo a tutela de urgência por ausência de elementos que pudessem demonstrar a probabilidade do direito alegado. A agravante alega, em síntese, (ID 281428640): a) que demonstrou sua boa-fé nos autos de origem, já que se dispôs a pagar a dívida, nos termos do artigo 916 do Código de Processo Civil, purgando a mora; b) que as normas procedimentais previstas no artigo 27, § 2- A da Lei 9.514 de 1997, não foram observadas pelo credor fiduciário, na medida em que a devedora deixou de ser intimada das datas e horários designados para a realização do leilão; c) que tomou conhecimento do leilão apenas quando compareceu à Caixa, ocasião em que esta se recusou a receber os valores em atraso e exigiu o pagamento do valor total financiado. Por fim, indica a existência da probabilidade do direito e do risco de dano ao resultado útil do processo e requer a concessão da tutela para suspensão do leilão. Assim, pleiteada a antecipação da tutela recursal, foi indeferido o pedido, conforme apontado na decisão ID 283063686. A agravada apresentou contrarrazões (ID 284233542). É o relatório.
AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5029302-61.2023.4.03.0000 RELATOR: Gab. 02 - DES. FED. RENATO BECHO AGRAVANTE: IVONE DOS SANTOS CABRAL SOUZA Advogado do(a) AGRAVANTE: MILENA RODRIGUEZ - SP393401-A AGRAVADO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL RENATO BECHO (RELATOR): Por ocasião da análise do pedido de antecipação da tutela recursal, proferi a seguinte decisão, in verbis: "(...) A alienação fiduciária representa espécie de propriedade resolúvel, nos termos do art. 22 da Lei nº 9.514/97, pois o adquirente do imóvel ao celebrar contrato de financiamento, com garantia por alienação fiduciária, transfere a propriedade do imóvel ao credor fiduciário, que passa a ser o possuidor indireto da coisa até o pagamento integral do débito. Na hipótese de o devedor fiduciante honrar integralmente o financiamento, se opera a condição resolutiva da alienação fiduciária e o devedor recupera a propriedade plena do imóvel. Por sua vez, havendo inadimplência por parte do devedor fiduciante, haverá a consolidação da propriedade em nome do credor fiduciário com a possibilidade de superveniente leilão público para a alienação do imóvel. O procedimento para a consolidação da propriedade em nome do credor fiduciário e posterior alienação do imóvel restou assim prevista pela redação da Lei 9.514/97 aplicável ao caso: Art. 22. A alienação fiduciária regulada por esta Lei é o negócio jurídico pelo qual o devedor, ou fiduciante, com o escopo de garantia, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade resolúvel de coisa imóvel. (...) Art. 23. Constitui-se a propriedade fiduciária de coisa imóvel mediante registro, no competente Registro de Imóveis, do contrato que lhe serve de título. Parágrafo único. Com a constituição da propriedade fiduciária, dá-se o desdobramento da posse, tornando-se o fiduciante possuidor direto e o fiduciário possuidor indireto da coisa imóvel. (...) Art. 26. Vencida e não paga a dívida, no todo ou em parte, e constituídos em mora o devedor e, se for o caso, o terceiro fiduciante, será consolidada, nos termos deste artigo, a propriedade do imóvel em nome do fiduciário. § 1º Para os fins do disposto neste artigo, o fiduciante, ou seu representante legal ou procurador regularmente constituído, será intimado, a requerimento do fiduciário, pelo oficial do competente Registro de Imóveis, a satisfazer, no prazo de quinze dias, a prestação vencida e as que se vencerem até a data do pagamento, os juros convencionais, as penalidades e os demais encargos contratuais, os encargos legais, inclusive tributos, as contribuições condominiais imputáveis ao imóvel, além das despesas de cobrança e de intimação. § 2º O contrato definirá o prazo de carência após o qual será expedida a intimação. § 3º A intimação far-se-á pessoalmente ao fiduciante, ou ao seu representante legal ou ao procurador regularmente constituído, podendo ser promovida, por solicitação do oficial do Registro de Imóveis, por oficial de Registro de Títulos e Documentos da comarca da situação do imóvel ou do domicílio de quem deva recebê-la, ou pelo correio, com aviso de recebimento. (...) § 7º Decorrido o prazo de que trata o § 1º sem a purgação da mora, o oficial do competente Registro de Imóveis, certificando esse fato, promoverá a averbação, na matrícula do imóvel, da consolidação da propriedade em nome do fiduciário, à vista da prova do pagamento por este, do imposto de transmissão inter vivos e, se for o caso, do laudêmio.” (...) Cumpre esclarecer que a Lei nº 9.514/97, sofreu alterações significativas pela Lei nº 13.465/2017, ocasião em que o art. 27, passou a ter a seguinte redação: Art. 27. Uma vez consolidada a propriedade em seu nome, o fiduciário, no prazo de trinta dias, contados da data do registro de que trata o § 7º do artigo anterior, promoverá público leilão para a alienação do imóvel. § 1o Se no primeiro leilão público o maior lance oferecido for inferior ao valor do imóvel, estipulado na forma do inciso VI e do parágrafo único do art. 24 desta Lei, será realizado o segundo leilão nos quinze dias seguintes. (Redação dada pela Lei nº 13.465, de 2017) § 2º No segundo leilão, será aceito o maior lance oferecido, desde que igual ou superior ao valor da dívida, das despesas, dos prêmios de seguro, dos encargos legais, inclusive tributos, e das contribuições condominiais. § 2o-A. Para os fins do disposto nos §§ 1o e 2o deste artigo, as datas, horários e locais dos leilões serão comunicados ao devedor mediante correspondência dirigida aos endereços constantes do contrato, inclusive ao endereço eletrônico. (Incluído pela Lei nº 13.465, de 2017) § 2o-B. Após a averbação da consolidação da propriedade fiduciária no patrimônio do credor fiduciário e até a data da realização do segundo leilão, é assegurado ao devedor fiduciante o direito de preferência para adquirir o imóvel por preço correspondente ao valor da dívida, somado aos encargos e despesas de que trata o § 2o deste artigo, aos valores correspondentes ao imposto sobre transmissão inter vivos e ao laudêmio, se for o caso, pagos para efeito de consolidação da propriedade fiduciária no patrimônio do credor fiduciário, e às despesas inerentes ao procedimento de cobrança e leilão, incumbindo, também, ao devedor fiduciante o pagamento dos encargos tributários e despesas exigíveis para a nova aquisição do imóvel, de que trata este parágrafo, inclusive custas e emolumentos. (Incluído pela Lei nº 13.465, de 2017) – grifos nosso. Postas essas balizas, passo a análise do caso concreto. Compulsando os autos, verifico que o contrato de financiamento com garantia por alienação fiduciária foi firmado em 06 de maio de 2022 (processo originário n.º 5006163-23.2023.4.03.6130 – ID 301674215), razão porque deverá ser aplicado ao caso as alterações trazidas pela Lei nº 13.465/2017. De acordo com a nova redação dada ao artigo 27, parágrafo 2º-B, da Lei 9.514/1997, consolidada a propriedade do bem em nome do credor fiduciário, ao devedor fiduciante somente é assegurado exercer o direito de preferência para a aquisição do imóvel por preço correspondente ao valor da dívida somado aos encargos e despesas legais, sendo defeso purgar a mora a partir deste marco temporal. Ressalte-se que, diversamente do que ocorre nos contratos firmados antes da promulgação da Lei nº 13.465/2017, onde era assegurado ao devedor fiduciante o direito de purgar a mora até a assinatura do auto de arrematação, nos contratos celebrados após a edição da mencionada Lei nº 13.465/201, como no caso subjudice (contrato firmado em 2022), a purgação da mora cabe apenas até a consolidação da propriedade ao credor fiduciário. Vale dizer que, decorrido o prazo para a purgação da mora e consolidada a propriedade ao credor fiduciário, restará ao devedor fiduciante apenas exercer o seu direito de preferência no leilão designado, conforme disposto no art. 27 da Lei 9.514/97, alterada pela Lei 13.465/2017. Estando assente que o devedor fiduciante foi regularmente intimado a purgar a mora, tendo por sua livre escolha deixado decorrer o prazo sem o exercício do seu direito, não pode, por esta via processual, pretender a sustação/cancelamento do leilão que decorreu da sua inadimplência e manifesta inércia. Neste momento, resta verificar se a parte suportou efetivo prejuízo pela suposta ausência da intimação das datas designadas para o leilão do imóvel. Da análise dos autos se depreende que o devedor fiduciário teve ciência das datas designadas para leilão antes da sua ocorrência, o que lhe facultaria exercer seu direito de preferência nos termos do artigo 27 da Lei nº 9.514/97. Todavia, mais uma vez a parte deixou de exercer o direito que lhe assistia, limitando-se a apresentar alegações superficiais de lesão em abstrato, sem a demonstração inequívoca de qualquer dano sofrido ou ilegalidade praticada, passíveis de servir de fundamento para a suspensão e/ou reforma da decisão atacada. A propósito, no sentido dos fundamentos aqui expostos converge a jurisprudência desta 1ª Turma do e.TRF3: DIREITO PROCESSUAL CIVIL. DIREITO PRIVADO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. FINANCIAMENTO IMOBILIÁRIO COM ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL. TUTELA DE URGÊNCIA. REQUISITOS NÃO COMPROVADOS. RECURSO DESPROVIDO. 1. No que concerne a vícios do procedimento extrajudicial, o devedor fiduciante deve provar o prejuízo sofrido, consistente em supressão de oportunidade para exercer direito, que poderia e intentava efetivamente exercer para afastar a inadimplência e retomar o curso regular do financiamento, não sendo bastante, pois, mera alegação de lesão em abstrato por violação da legislação. A formulação de razões recursais genéricas quanto a eventuais nulidades e ilegalidades do procedimento, focando mais, nitidamente, no aspecto do dano decorrente da perda do imóvel, não autoriza tutela recursal de urgência. 2. Ademais, não basta eventualmente afirmar intento de purgar mora ou exercer direito de preferência, pois, além de provar objetivamente as condições econômicas para tanto, é essencial, anteriormente, demonstrar que a pretensão ainda pode ser exercida segundo a legislação. Não existe, portanto, direito de purgar mora e exercer direito de preferência fora dos limites e parâmetros legais, a qualquer tempo ou de qualquer modo, segundo a conveniência ou possibilidade de uma das partes da relação contratual, ainda que se afirme o direito à moradia e outros correlatados, os quais não prevalecem como absolutos em detrimento de princípios do ordenamento jurídico, como são os da segurança jurídica, legalidade, autonomia e liberdade contratual, entre outros. 3. Agravo de instrumento desprovido. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Primeira Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo de instrumento, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. ( AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO / MS 5018690-64.2023.4.03.0000; Desembargador Federal LUIS CARLOS HIROKI MUTA; 1ª Turma; DJEN DATA: 21/11/2023 ). Portanto, considerando as premissas próprias da cognição da via, entendo ausentes elementos que justifiquem a suspensão da decisão proferida pelo juízo de primeiro grau, bem como a ocorrência dos requisitos legais de probabilidade do direito e o dano ao resultado útil do processo para conceder a tutela pretendida pela parte Diante do exposto, indefiro o pedido de efeito suspensivo ao agravo de instrumento, bem como a concessão de tutela na forma pleiteada. (...) " Por sua vez, verifico que não foi trazido argumento ou fato novo a ensejar a reforma da decisão que indeferiu o pedido de efeito suspensivo, bem como de antecipação dos efeitos da tutela recursal, para reformar a decisão do juízo a quo, que não deferiu o pedido de tutela de urgência pleiteado na origem de anulação de leilão de imóvel, sendo mister a sua manutenção nestes termos. Ante o exposto, nego provimento ao agravo de instrumento. É como voto.
E M E N T A
PROCESSO CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONTRATO DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. CONSOLIDAÇÃO DE PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA E ALIENAÇÃO. EXECUÇÃO EXTRAJUDUCIAL. PROCEDIMENTO DA LEI Nº 9.514/97. TUTELA DE URGÊNCIA. REQUISITOS NÃO COMPROVADOS. MANTIDA DECISÃO PROFERIDA EM ANTECIPAÇÃO DE TUTELA.
A alienação fiduciária representa espécie de propriedade resolúvel, nos termos do art. 22 da Lei nº 9.514/97, pois o adquirente do imóvel ao celebrar contrato de financiamento, com garantia por alienação fiduciária, transfere a propriedade do imóvel ao credor fiduciário, que passa a ser o possuidor indireto da coisa até o pagamento integral do débito. Na hipótese de o devedor fiduciante honrar integralmente o financiamento, se opera a condição resolutiva da alienação fiduciária e o devedor recupera a propriedade plena do imóvel. Havendo inadimplência por parte do devedor fiduciante, haverá a consolidação da propriedade em nome do credor fiduciário com a possibilidade de superveniente leilão público para a alienação do imóvel.
O contrato de financiamento com garantia por alienação fiduciária foi firmado em 06 de maio de 2022 (processo originário n.º 5006163-23.2023.4.03.6130 – ID 301674215), razão porque deverá ser aplicado ao caso as alterações trazidas pela Lei nº 13.465/2017.
O procedimento para a consolidação da propriedade em nome do credor fiduciário e posterior alienação do imóvel é previsto na Lei 9.514/97, a qual sofreu alterações significativas pela Lei nº 13.465/2017. Com a nova redação dada ao artigo 27, parágrafo 2º-B, da Lei 9.514/1997, consolidada a propriedade do bem em nome do credor fiduciário, ao devedor fiduciante somente é assegurado exercer o direito de preferência para a aquisição do imóvel por preço correspondente ao valor da dívida somado aos encargos e despesas legais, sendo defeso purgar a mora a partir deste marco temporal.
Diversamente do que ocorre nos contratos firmados antes da promulgação da Lei nº 13.465/2017, onde era assegurado ao devedor fiduciante o direito de purgar a mora até a assinatura do auto de arrematação, nos contratos celebrados após a edição da mencionada Lei nº 13.465/201, como no caso subjudice (contrato firmado em 2022), a purgação da mora cabe apenas até a consolidação da propriedade ao credor fiduciário. Decorrido o prazo para a purgação da mora e consolidada a propriedade ao credor fiduciário, restará ao devedor fiduciante apenas exercer o seu direito de preferência no leilão designado, conforme disposto no art. 27 da Lei 9.514/97, alterada pela Lei 13.465/2017.
O devedor fiduciante foi regularmente intimado a purgar a mora, tendo por sua livre escolha deixado decorrer o prazo sem o exercício do seu direito, não pode, por esta via processual, pretender a sustação/cancelamento do leilão que decorreu da sua inadimplência e manifesta inércia. Da análise dos autos se depreende que o devedor fiduciário teve ciência das datas designadas para leilão antes da sua ocorrência, o que lhe facultaria exercer seu direito de preferência nos termos do artigo 27 da Lei nº 9.514/97. A parte deixou de exercer o direito que lhe assistia, limitando-se a apresentar alegações superficiais de lesão em abstrato, sem a demonstração inequívoca de qualquer dano sofrido ou ilegalidade praticada, passíveis de servir de fundamento para a suspensão e/ou reforma da decisão atacada.
Agravo de instrumento não provido.