Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000393-75.2010.4.03.6006

RELATOR: Gab. 14 - DES. FED. MARCELO SARAIVA

APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL, JOSE NELSON BOTEGA

Advogado do(a) APELANTE: MARCOS DOS SANTOS - MS12942-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL, JOSE NELSON BOTEGA

Advogado do(a) APELADO: MARCOS DOS SANTOS - MS12942-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000393-75.2010.4.03.6006

RELATOR: Gab. 14 - DES. FED. MARCELO SARAIVA

APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL, JOSE NELSON BOTEGA

Advogado do(a) APELANTE: MARCOS DOS SANTOS - MS12942-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL, JOSE NELSON BOTEGA

Advogado do(a) APELADO: MARCOS DOS SANTOS - MS12942-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

Trata-se de recursos de apelação e remessa oficial, tida por submetida, em Ação Civil Pública, proposta pelo MINISTERIO PUBLICO FEDERAL em face de JOSÉ NELSON BOTEGA, na qual foi acolhida parcialmente a pretensão para a recuperação de dano ambiental em área de preservação permanente, causada por edificação localizada na região do Porto Caiuá, à margem direita do Rio Paraná.

Alega o autor que, em auto de infração lavrado no dia 27/05/2005, uma equipe do IBAMA procedeu a autuação do réu por construir uma residência de alvenaria, em área de preservação ambiental permanente, margem direita do Rio Paraná, sem licença ambiental dos órgãos competentes, a uma distância de 3 metros da margem do Rio.

Assevera que encaminhou ofício a Prefeitura Municipal de Naviraí/MS solicitando informações acerca de eventual autorização para as construções das obras em questão.

Em resposta, o Excelentíssimo Prefeito, por meio do Oficio nº 020/07/GARH, declarou: “a) NÃO emitiu alvará de construção, ou mesmo procedeu à regularização da construção edificada em APP na região de Porto Caiuá; b) referidas construções/edificações NÃO possuem o habite-se e as ARTs; e, c) referidas construções/edificações em nome de JOSÉ NELSON BOTEGA NÃO constam no cadastro imobiliário do Município de Naviraí/MS” (ID Num. 107116830 - Pág. 14).

Conclui que a construção incidiu, sem autorização legal, sobre área de preservação permanente, que, por força do disposto no art. 2º, “a”, 5, da Lei º 4.771/65, é considerada non edficandi.

Ao final, formulou os seguintes pedidos (ID Num. 107116830- Págs. 26-27):

f) a condenação do réu JOSÉ NELSON BOTEGA, nos seguintes termos:

f.1) demolir a construção edificada em área de preservação permanente, na Região de Porto Caiuá, município de Naviraí/MS, coordenadas geográficas UTM, Zona 22K, DATUM SAD69, obtendo-se a seguinte leitura: E: 222.487m, N: 7,426.241m, removendo os entulhos para local adequado;

f.2) apresentar Projeto de Recuperação das Áreas Degradadas - PRADE, subscrito por profissional habilitado e contendo cronograma de execução das obras; o projeto será submetido à aprovação do IBAMA;

f.3) proceder à recuperação, conforme cronograma e adequações feitas pelo IBAMA;

f.4) pagar prestação pecuniária ao Fundo Nacional do Meio Ambiente, em patamar não inferior a R$ 15.000,00 (quinze mil reais);

f.5) pagar as despesas processuais e honorários advocatícios.

Em petição ID Num. 107116831- Pág. 53, a União manifestou interesse em ingressar no feito na qualidade de assistente litisconsorcial do Ministério Público Federal.

Em petição ID Num. 107116831 - Pág. 106, o IBAMA também manifestou interesse em ingressar no feito na qualidade de assistente do Ministério Público Federal.

Em decisão ID Num. 107117591 - Pág. 29, foi determinada a inspeção judicial no presente feito, a ser realizada no Porto Caiuá.

Em decisão ID Num. 107117591 - Pág. 60, foi deferida a produção da prova pericial “para identificar o período em que foi erguida a edificação objeto desta demanda, bem assim se existiram reformas e ampliações posteriores (mencionando as datas, ainda que aproximadas), verificar a distância entre a construção e a margem do Rio Paraná, e, por fim, constatar se a demolição da casa é a melhor opção do ponto de vista ambiental, além de outros quesitos a serem apresentados pelas partes”.

Laudo pericial juntado no ID Num. 107117592 - Págs. 26-31, ID Num. 107117592 - Págs. 59-66 e ID Num. 107117592 - Págs. 74-76.

Na sentença, o r. Juízo a quo julgou parcialmente procedentes os pedidos, condenando o réu nos seguintes termos (ID Num. 107117592 - Págs. 119-120):

Posto isso, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE O PEDIDO, com resolução de mérito, nos termos do artigo 269, inciso I, do CPC, para condenar o réu JOSÉ NELSON BOTEGA a:

(a) demolir a construção edificada em área de preservação permanente, na Região de Porto Caiuá, Município de Naviraí/MS, coordenadas geográficas UTM, Zona 22K, DATUM SAD69, obtendo-se a seguinte leitura: E: 222.487m, N: 7.425.241m (FL. 161), removendo os entulhos para local adequado;

(b) apresentar Projeto de Recuperação das Áreas Degradadas - PRADE, sujeito à aprovação do IBAMA, subscrito por profissional habilitado e contendo cronograma de execução das obras;

(c) proceder à recuperação da área, às suas expensas, conforme PRADE e respectivo cronograma com eventuais adequações feitas pelo IBAMA.

Assinalo ao réu o prazo de 90 (noventa) dias, a contar da intimação após o trânsito em julgado da sentença, para execução dos itens "a" e "b", restando o prazo de execução do item "c" condicionado ao cronograma do PRADE a ser apresentado.

No caso de descumprimento dos prazos fixados, deverá o requerido arcar com multa de R$300,00 (trezentos reais), por dia de descumprimento. Na eventual comprovação de inviabilidade da obrigação de fazer, caberá ao réu obrigação indenizatória a ser apurada em posterior liquidação de sentença.

Inconformado, apela o réu, aduzindo, em síntese, que: a) a construção de origem do imóvel remonta à década de 40, sendo anterior à legislação ambiental do Código Florestal - Lei nº 4771/65 e da Lei 9605/98; b) há de se levar em conta a razoabilidade, a proporcionalidade e a isonomia do local, eis que se deu a ocupação da área em litígio, a antropização e urbanização de fato, em tempos antes dos rigores da lei ambiental; c) a lei anterior (Código Florestal de 1934) não previa delimitação da faixa de proteção nas margens de rios ou cursos d'agua; d) o art. 61-A, caput e § 12, da Lei nº 12.651/2012 autorizou a continuidade das atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo e de turismo rural em áreas rurais consolidadas até 22 de julho de 2008; e) todas as construções existentes no Porto Caiuá estão em área de preservação permanente, inclusive o Posto de Saúde da localidade em plena atividade, Escola Municipal, Igrejas, 79 outras residenciais, além de Rede de Energia Elétrica e Rede de Água Potável, no entanto, somente 24 dessas construções são objeto da ação ministerial ou embargo pelo IBAMA; f) foi criado o Distrito urbano do Porto Caiuá, através da Lei Municipal nº 1603/2011, fato incontroverso que referido povoado já servia como área antropizada e urbana consolidada de fato, desde há muito tempo - longínqua décadas de 1940/1950.

Apela o Ministério Público Federal para requerer a condenação do réu ao pagamento de prestação pecuniária ao Fundo Nacional do Meio Ambiente, em patamar não inferior a R$ 15.000,00 (quinze mil reais).

Regulamente intimadas, todas as partes apresentaram contrarrazões.

Processado o feito, subiram os autos a esta E. Corte.

Em parecer, o Ministério Público Federal, por meio da Procuradoria da República, manifestou-se pelo provimento do recurso do MPF e o desprovimento do apelo do réu (ID Num. 107115871 - Págs. 92-110).

É o relatório.

 

 

 


VOTO VENCEDOR

Remessa oficial e apelações interpostas pelo réu e pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL contra sentença por meio da qual foi acolhida parcialmente a pretensão deduzida pelo Parquet para apuração e recuperação de dano ambiental em área de preservação permanente.

O eminente Relator votou no sentido de desprover os recursos e a remessa oficial. Relativamente ao apelo do Parquet, entendeu que, verbis:

 Nesse sentido, o E. Superior Tribunal de Justiça já decidiu que, demostrada a possibilidade de reparação plena da área degradada através da obrigação de fazer e de não fazer, é incabível a reparação indireta: (...) 

Concordo inteiramente com o Relator, com relação ao apelo do réu. Quanto ao do MPF e à remessa, divirjo quanto à não fixação dos danos morais coletivos.

A sentença não acolheu o pleito de condenação ao pagamento de indenização pelos danos ambientais, questão contra a qual se insurgiu o  MPF. Passo, pois, ao seu exame.

O desmatamento, ocupação ou exploração de área de preservação permanente, bem como a supressão de vegetação ou impedimento à sua regeneração em tais terrenos, configuram dano ecológico in re ipsa, o qual dispensa até mesmo prova técnica de lesividade específica e enseja a obrigação propter rem de restaurar a plenitude ambiental , indenizar pela degradação e igualmente terceiros afetados, sob a sistemática da responsabilidade civil objetiva. Significa, assim, que responde pelo dano não somente aquele que perpetra a ação lesiva como, de igual forma, quem contribui para sua manutenção.

A infração ora analisada, ocupação não autorizada em área de preservação permanente, não se esgotou com o erigir das construções. Trata-se de conduta infracional continuada, que se protrai no tempo, porquanto contínua a utilização do espaço em desacordo com as normas de proteção ambiental , a agravar cada vez mais os danos ambientais no local, na medida em que impede a natural regeneração da vegetação. Daí decorre o dever de indenizar. A jurisprudência admite que seja cumulada com a reparação, a qual, conquanto seja prioritária, não é suficiente para a reparação do malefício provocado. Ademais, seus objetos são distintos. A primeira objetiva compensar danos indiretos, passados, futuros, morais coletivos e tem efeito pedagógico, ao passo que a segunda busca a restauração direta e imediata. Nesse sentido, destaco o entendimento do STJ:

 

ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL . AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DESMATAMENTO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE (MATA CILIAR). DANOS CAUSADOS AO MEIO AMBIENTE. BIOMA DO CERRADO. ARTS. 4º, VII, E 14, § 1º, DA LEI 6.938/1981, E ART. 3º DA LEI 7.347/1985. PRINCÍPIOS DO POLUIDOR-PAGADOR E DA REPARAÇÃO INTEGRAL. REDUCTIO AD PRISTINUM STATUM. FUNÇÃO DE PREVENÇÃO ESPECIAL E GERAL DA RESPONSABILIDADE CIVIL. CUMULAÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER (RESTAURAÇÃO DA ÁREA DEGRADADA) E DE PAGAR QUANTIA CERTA ( INDENIZAÇÃO ). POSSIBILIDADE. DANO AMBIENTAL REMANESCENTE OU REFLEXO. ART. 5º DA LEI DE INTRODUÇÃO ÀS NORMAS DO DIREITO BRASILEIRO. INTERPRETAÇÃO IN DUBIO PRO NATURA.

1. Cuidam os autos de Ação Civil Pública proposta com o fito de obter responsabilização por danos ambientais causados por desmatamento de vegetação nativa (Bioma do Cerrado) em Área de Preservação Permanente. O Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais considerou provado o dano ambiental e condenou o réu a repará-lo, porém julgou improcedente o pedido indenizatório cumulativo.

2. A legislação de amparo dos sujeitos vulneráveis e dos interesses difusos e coletivos deve ser interpretada da maneira que lhes seja mais favorável e melhor possa viabilizar, no plano da eficácia, a prestação jurisdicional e a ratio essendi da norma de fundo e processual. A hermenêutica jurídico- ambiental rege-se pelo princípio in dubio pro natura.

3. A jurisprudência do STJ está firmada no sentido de que, nas demandas ambientais, por força dos princípios do poluidor-pagador e da reparação in integrum, admite-se a condenação, simultânea e cumulativa, em obrigação de fazer, não fazer e indenizar. Assim, na interpretação do art. 3º da Lei 7.347/1985, a conjunção "ou" opera com valor aditivo, não introduz alternativa excludente. Precedentes da Primeira e Segunda Turmas do STJ.

4. A recusa de aplicação, ou aplicação truncada, pelo juiz, dos princípios do poluidor-pagador e da reparação in integrum arrisca projetar, moral e socialmente, a nociva impressão de que o ilícito ambiental compensa, daí a resposta administrativa e judicial não passar de aceitável e gerenciável "risco ou custo normal do negócio". Saem debilitados, assim, o caráter dissuasório, a força pedagógica e o objetivo profilático da responsabilidade civil ambiental (= prevenção geral e especial), verdadeiro estímulo para que outros, inspirados no exemplo de impunidade de fato, mesmo que não de direito, do degradador premiado, imitem ou repitam seu comportamento deletério.

5. Se o meio ambiente lesado for imediata e completamente restaurado ao seu estado original (reductio ad pristinum statum), não há falar, como regra, em indenização . Contudo, a possibilidade técnica e futura de restabelecimento in natura (= juízo prospectivo) nem sempre se mostra suficiente para, no terreno da responsabilidade civil, reverter ou recompor por inteiro as várias dimensões da degradação ambiental causada, mormente quanto ao chamado dano ecológico puro, caracterizado por afligir a Natureza em si mesma, como bem inapropriado ou inapropriável. Por isso, a simples restauração futura - mais ainda se a perder de vista - do recurso ou elemento natural prejudicado não exaure os deveres associados aos princípios do poluidor-pagador e da reparação in integrum.

6. A responsabilidade civil, se realmente aspira a adequadamente confrontar o caráter expansivo e difuso do dano ambiental , deve ser compreendida o mais amplamente possível, de modo que a condenação a recuperar a área prejudicada não exclua o dever de indenizar - juízos retrospectivo e prospectivo. A cumulação de obrigação de fazer, não fazer e pagar não configura bis in idem, tanto por serem distintos os fundamentos das prestações, como pelo fato de que eventual indenização não advém de lesão em si já restaurada, mas relaciona-se à degradação remanescente ou reflexa.

7. Na vasta e complexa categoria da degradação remanescente ou reflexa, incluem-se tanto a que temporalmente medeia a conduta infesta e o pleno restabelecimento ou recomposição da biota, vale dizer, a privação temporária da fruição do bem de uso comum do povo (= dano interino, intermediário, momentâneo, transitório ou de interregno), quanto o dano residual (= deterioração ambiental irreversível, que subsiste ou perdura, não obstante todos os esforços de restauração) e o dano moral coletivo. Também deve ser restituído ao patrimônio público o proveito econômico do agente com a atividade ou empreendimento degradador, a mais-valia ecológica que indevidamente auferiu (p. ex., madeira ou minério retirados ao arrepio da lei do imóvel degradado ou, ainda, o benefício com o uso ilícito da área para fim agrossilvopastoril, turístico, comercial).

8. Recurso Especial parcialmente provido para reconhecer a possibilidade, em tese, de cumulação da indenização pecuniária com as obrigações de fazer voltadas à recomposição in natura do bem lesado, devolvendo-se os autos ao Tribunal de origem para que verifique se, na hipótese, há dano indenizável e fixe eventual quantum debeatur.

(STJ; REsp nº 1145083/MG; Rel. Min. Herman Benjamin; 2ª Turma; Dje 04/09/2012)

Penso que o dano coletivo extrapatrimonial ou moral está presente. Pela própria definição constitucional (art. 225, CF), o meio ambiente é primacialmente coletivo e sua proteção, seja da flora ou da fauna, respeita seus aspectos material e espiritual e deve ser considerado no seu conjunto, como é a expressão do legislador: meio ambiente ecologicamente equilibrado e essencial à sadia qualidade de vida. De acordo com José Rubens Morato Leite (2003, p. 249):

Não se aprecia subjetivamente a conduta do poluidor, mas a ocorrência do resultado prejudicial ao homem e a seu ambiente. A atividade poluente acaba sendo uma apropriação pelo poluidor dos direitos de outrem, pois na realidade a emissão é um confisco dos direitos de alguém em respirar ar puro, beber água saudável e viver com tranquilidade.

O autor ainda ressalta:

O dano extrapatrimonial está muito vinculado ao direito da personalidade, mas não restringido, pois este é conhecido tradicionalmente como atinente à pessoa física e no que concerne ao dano ambiental , abraçando uma caracterização mais abrangente e solidária, tratando-se, ao mesmo tempo, de um direito individual e um direito da coletividade. O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado está ligado a um direito fundamental de todos e se reporta à qualidade de vida que se configura como valor imaterial da coletividade. (p. 266-267).

Veja-se, a propósito, entendimento do STJ sobre o dano moral coletivo:

PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL . AÇÃO CIVIL PÚBLICA PARA COIBIR A PRÁTICA RECORRENTE DE POLUIÇÃO SONORA. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE RECONHECIDA. DANO MORAL COLETIVO. POLUIÇÃO SONORA. OCORRÊNCIA. PRECEDENTES. REDUÇÃO DA INDENIZAÇÃO . REEXAME DE FATOS E PROVAS. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. 1. Recurso especial decorrente de ação civil pública em que se discute danos morais coletivos decorrentes de poluição sonora e irregularidade urbanística provocadas por funcionamento dos condensadores e geradores colocados no fundo do estabelecimento das condenadas. 2. Tratando-se de poluição sonora, e não de simples incômodo restrito aos lindeiros de parede, a atuação do Ministério Público não se dirige à tutela de direitos individuais de vizinhança, na acepção civilística tradicional, e, sim, à defesa do meio ambiente, da saúde e da tranqüilidade pública, bens de natureza difusa. O Ministério Público possui legitimidade para propor Ação Civil Pública com o fito de prevenir ou cessar qualquer tipo de poluição, inclusive sonora, bem como buscar a reparação pelos danos dela decorrentes. Nesse sentido: REsp 1.051.306/MG, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, Rel. p/ Acórdão Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/10/2008, DJe 10/09/2010. 3. "Tratando-se de poluição sonora, e não de simples incômodo restrito aos lindeiros de parede, a atuação do Ministério Público não se dirige à tutela de direitos individuais de vizinhança, na acepção civilística tradicional, e, sim, à defesa do meio ambiente, da saúde e da tranqüilidade pública, bens de natureza difusa" (REsp 1.051.306/MG, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, Rel. p/ Acórdão Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/10/2008, DJe 10/09/2010.). 4. "O dano moral coletivo, assim entendido o que é transindividual e atinge uma classe específica ou não de pessoas, é passível de comprovação pela presença de prejuízo à imagem e à moral coletiva dos indivíduos enquanto síntese das individualidades percebidas como segmento, derivado de uma mesma relação jurídica-base. (...) O dano extrapatrimonial coletivo prescinde da comprovação de dor, de sofrimento e de abalo psicológico, suscetíveis de apreciação na esfera do indivíduo, mas inaplicável aos interesses difusos e coletivos". Nesse sentido: REsp 1.410.698/MG, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/06/2015, DJe 30/06/2015; REsp 1.057.274/RS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 01/12/2009, DJe 26/02/2010. 5. A Corte local, ao fixar o valor indenizatório em R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), o fez com base na análise aprofundada da prova constante dos autos. A pretensão da ora agravante não se limita à revaloração da prova apreciada do aresto estadual, mas, sim, ao seu revolvimento por este Tribunal Superior, o que é inviável. Incidência da Súmula 7 do Superior Tribunal de Justiça. Nesse sentido: AgRg no AREsp 430.850/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 07/03/2014. Agravo regimental improvido. ..

(AGARESP 201501613818; Rel. Min. HUMBERTO MARTINS; 2ª Turma; DJE DATA:14/09/2015)

 

Ressalte-se, ademais, que aquela corte entende que não há óbice à cumulação da obrigação de reparar a área e de indenizar:

 

"ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL . AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DESMATAMENTO E EDIFICAÇÃO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE, SEM AUTORIZAÇÃO DA AUTORIDADE AMBIENTAL . DANO S CAUSADOS À BIOTA. INTERPRETAÇÃO DOS ARTS. 4º, VII, E 14, § 1º, DA LEI 6.938/1981, E DO ART. 3º DA LEI 7.347/85. PRINCÍPIOS DA REPARAÇÃO INTEGRAL, DO POLUIDOR-PAGADOR E DO USUÁRIO-PAGADOR. POSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER (REPARAÇÃO DA ÁREA DEGRADADA) E DE PAGAR QUANTIA CERTA ( INDENIZAÇÃO ). REDUCTION AD PRISTINUM STATUM. DANO AMBIENTAL INTERMEDIÁRIO, RESIDUAL E MORAL COLETIVO. ART. 5º DA LEI DE INTRODUÇÃO AO CÓDIGO CIVIL. INTERPRETAÇÃO IN DUBIO PRO NATURA DA NORMA AMBIENTAL . 1. Cuidam os autos de Ação Civil Pública proposta com o fito de obter responsabilização por dano s ambientais causados pela supressão de vegetação nativa e edificação irregular em Área de Preservação Permanente. O juiz de primeiro grau e o Tribunal de Justiça de Minas Gerais consideraram provado o dano ambiental e condenaram o réu a repará-lo; porém, julgaram improcedente o pedido indenizatório pelo dano ecológico pretérito e residual. 2. A jurisprudência do STJ está firmada no sentido da viabilidade, no âmbito da Lei 7.347/85 e da Lei 6.938/81, de cumulação de obrigações de fazer, de não fazer e de indenizar (REsp 1.145.083/MG, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 4.9.2012; REsp 1.178.294/MG, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 10.9.2010; AgRg nos EDcl no Ag 1.156.486/PR, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, DJe 27.4.2011; REsp 1.120.117/AC, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 19.11.2009; REsp 1.090.968/SP, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 3.8.2010; REsp 605.323/MG, Rel. Ministro José Delgado, Rel. p/ Acórdão Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, DJ 17.10.2005; REsp 625.249/PR, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJ 31.8.2006, entre outros). 3. Recurso Especial parcialmente provido para reconhecer a possibilidade de cumulação de indenização pecuniária com as obrigações de fazer e não fazer voltadas à recomposição in natura do bem lesado, devolvendo-se os autos ao Tribunal de origem para que fixe, in casu, o quantum debeatur reparatório do dano já reconhecido no acórdão recorrido." (destaques aditados)

(STJ, REsp 1328753, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, v.u., DJe 03/02/2015)

 

Em relação à quantificação do dano ambiental , é pacífico o entendimento da jurisprudência no sentido da possibilidade de fixação do valor indenizatório por ocasião da liquidação por arbitramento (artigo 509 do CPC; artigos 475-C e 475-D do CPC/1973). Nesse sentido, colacionam-se os julgados a seguir do C. Superior Tribunal de Justiça:

 

"RECURSO ESPECIAL - AÇÃO CONDENATÓRIA POR DANOS EXTRAPATRIMONIAIS E PATRIMONIAIS - INCÊNDIO INICIADO NA ÁREA DE PROPRIEDADE DO RÉU QUE ATINGIU O IMÓVEL RURAL DO AUTOR - SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA - CORTE LOCAL QUE, AO RECONHECER A RESPONSABILIDADE CIVIL AMBIENTAL DO RÉU (ART. 3º, INC. IV E ART. 14, § 1º, DA LEI 6.938/81), CONDENA-O AO PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS PATRIMONIAIS, A SEREM QUANTIFICADOS EM LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA - INSURGÊNCIA RECURSAL DA PARTE RÉ. DANOS AMBIENTAIS INDIVIDUAIS OU REFLEXOS (POR RICOCHETE) - RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA - APLICAÇÃO DO DISPOSTO NO ARTIGO 14, § 1º, DA LEI Nº 9.938/81, E, OUTROSSIM, EM VIRTUDE DA VIOLAÇÃO A DIREITOS DE VIZINHANÇA - RECONHECIMENTO DO DEVER DE INDENIZAR IMPUTÁVEL AO PROPRIETÁRIO DO IMÓVEL.

(omissis)

5. Recurso especial conhecido em parte e, na extensão, não provido." (destaques aditados)

(STJ, REsp 1381211, Rel. Min. Marco Buzzi, Quarta Turma, v.u., DJe 19/09/2014);

"CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RENOVATÓRIA DE LOCAÇÃO COMERCIAL AJUIZADA POR SUBLOCATÁRIA DE "POSTO DE GASOLINA". PROCEDÊNCIA. EXCLUSÃO DA EMPRESA DISTRIBUIDORA DE COMBUSTÍVEIS DA RELAÇÃO LOCATÍCIA. MANUTENÇÃO DOS EQUIPAMENTOS NO IMÓVEL. NOVA AÇÃO, AJUIZADA PELOS PROPRIETÁRIOS CONTRA A ANTIGA LOCATÁRIA, OBJETIVANDO A RETIRADA DOS EQUIPAMENTOS, A REGULARIZAÇÃO DA SITUAÇÃO DO IMÓVEL NO ÓRGÃO MUNICIPAL DE MEIO AMBIENTE, O PAGAMENTO DE INDENIZAÇÕES POR DANOS MATERIAIS E MORAIS E A RECONSTRUÇÃO DO PISO. LIMINAR DEFERIDA PARA DETERMINAR A REMOÇÃO DOS EQUIPAMENTOS EM CINCO DIAS E A REALIZAÇÃO DE AVALIAÇÃO AMBIENTAL DA ÁREA, COM EFETIVA LIMPEZA DO IMÓVEL, EM TRINTA DIAS, SOB PENA DE MULTA DIÁRIA. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA, CONCLUSIVA NO SENTIDO DE QUE NÃO TERIA SIDO CUMPRIDA A LIMINAR QUANTO À LIMPEZA DO LOCAL. DIREITO À INDENIZAÇÃO RECONHECIDO, MAS APENAS EM RELAÇÃO AOS DANOS MATERIAIS, EM VALOR A SER APURADO EM PROCEDIMENTO DE LIQUIDAÇÃO. SENTENÇA CONFIRMADA NO JULGAMENTO DAS APELAÇÕES. RENOVAÇÃO DO JULGAMENTO DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO, DETERMINADA PELA QUINTA TURMA DO STJ NO RESP Nº 1.041.697/RS. DECLARATÓRIOS PARCIALMENTE ACOLHIDOS PARA SANAR OMISSÃO. NOVA VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC QUE NÃO FICOU CONFIGURADA. PROVA PERICIAL PRODUZIDA NO PROCEDIMENTO DE LIQUIDAÇÃO. DOCUMENTO QUE, CONQUANTO MENCIONADO, NÃO FOI UTILIZADO COMO RAZÃO DE DECIDIR PELO ACÓRDÃO DOS EMBARGOS. RESPONSABILIDADE PELA RETIRADA DOS EQUIPAMENTOS. MATÉRIA CUJA ANÁLISE DEMANDA O REEXAME DE FATOS E DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS. ÓBICE DAS SÚMULAS NOS 5 E 7 DO STJ. ALEGADA VIOLAÇÃO DE NORMA CONTIDA EM RESOLUÇÃO. INADMISSIBILIDADE DO RECURSO ESPECIAL. INDENIZAÇÃO POR PERDAS E DANOS. PEDIDO DE QUE O VALOR SEJA DEFINIDO EM LIQUIDAÇÃO. POSSIBILIDADE. ALEGAÇÃO DE QUE NÃO TERIA FICADO COMPROVADO O PREJUÍZO MENCIONADO PELOS AUTORES. REAPRECIAÇÃO DE MATÉRIA DE FATO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. IMPEDIMENTO À EXPLORAÇÃO DO IMÓVEL QUE SOMENTE FICOU CONFIGURADO A PARTIR DA DEVOLUÇÃO DAS CHAVES AOS PROPRIETÁRIOS. ALTERAÇÃO DO TERMO INICIAL DA INDENIZAÇÃO . PROCEDÊNCIA DA ALEGAÇÃO. CUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO DE LIMPEZA DO LOCAL NO PRAZO DEFINIDO NA LIMINAR. PRAZO SUJEITO ÀS DETERMINAÇÕES DO ÓRGÃO MUNICIPAL DE MEIO AMBIENTE. PONTO QUE NÃO FOI OBJETO DE DEBATE E DECISÃO PELO TRIBUNAL DE ORIGEM DEVIDO À PRECLUSÃO. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. DISCUSSÃO SOBRE O CUMPRIMENTO DA LIMINAR NO CONCERNENTE À RETIRADA DOS EQUIPAMENTOS. ENTENDIMENTO DA SENTENÇA REFORMADO PELO TRIBUNAL NO NOVO JULGAMENTO DOS EMBARGOS. RESSARCIMENTO DOS VALORES DESPENDIDOS PELOS AUTORES NA RETIRADA DOS TANQUES REMANESCENTES. REFORMATIO IN PEJUS CONFIGURADA. MULTA DIÁRIA. PEDIDO DE REDUÇÃO DO VALOR, SOB A ALEGAÇÃO DE QUE SERIA EXCESSIVO. MATÉRIA CUJA DISCUSSÃO DEVERÁ AGUARDAR A DEFINIÇÃO, NO PROCEDIMENTO DE LIQUIDAÇÃO, A RESPEITO DO MOMENTO EM QUE FOI CUMPRIDA A ORDEM DE LIMPEZA DO TERRENO.

(omissis)

12. Recurso especial conhecido em parte e, nessa extensão, parcialmente provido." (destaques aditados)

(STJ, REsp 1372596, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Quinta Turma, v.u., DJe 02/05/2013).

 

É essa a interpretação a ser dada ao pleito formulado, pois o autor não restringiu a realização da perícia à fase de conhecimento, até mesmo porque plenamente cabível sua realização na fase de liquidação, como visto, nomeado expert pelo próprio Juízo onde será cumprido o decisum condenatório. O pedido deve ser interpretado de forma a alcançar a maior proteção jurídica possível e a máxima efetividade do provimento exarado. Consoante o entendimento assente do C. STJ: "O pedido deve ser extraído da interpretação lógico-sistemática da petição inicial, a partir da análise de todo o seu conteúdo (AgRg no Ag 784.710/RJ, 3ª Turma, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, DJe de 06.10.2010. No mesmo sentido: REsp 1.159.409/AC, 2ª Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, DJe de 21.05.2010; e AgRg no Ag 1.175.802/MG, 5ª Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, DJe de 15.03.2010). Conforme se ressaltou no julgamento do REsp 1.107.219/SP, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJe de 23.09.2010, 'os pedidos devem ser interpretados como manifestações de vontade, de forma a tornar o processo efetivo, o acesso à justiça amplo e justa a composição da lide'. Vale menção, ainda, a ressalva feita no julgamento do AgRg no REsp 737.069/RJ, 3ª Turma, Rel. Min. Sidnei Beneti, DJe de 24.11.2009, de que 'não viola os arts. 128 e 460 do CPC a decisão que interpreta de forma ampla o pedido formulado pelas partes, pois o pedido é o que se pretende com a instauração da demanda'. Os precedentes acima denotam a posição consolidada do STJ quanto à necessidade de se conferir ao pedido uma exegese sistêmica, que guarde consonância com o inteiro teor da petição inicial, de maneira a conceder à parte o que foi efetivamente requerido, sem que isso implique decisão extra ou ultra petita" (STJ, REsp 1162643, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, v.u., DJe 17/08/2012).

Ante o exposto, acompanho o Relator, relativamente ao apelo do réu, porém dou parcial provimento ao recurso do MPF, assim como ao reexame necessário, a fim de condenar ao pagamento de indenização correspondente aos danos ambientais a ser fixada por arbitramento.

É como voto.

 

André Nabarrete

Desembargador Federal

Relator para Acórdão

mcc

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000393-75.2010.4.03.6006

RELATOR: Gab. 14 - DES. FED. MARCELO SARAIVA

APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL, JOSE NELSON BOTEGA

Advogado do(a) APELANTE: MARCOS DOS SANTOS - MS12942-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL, JOSE NELSON BOTEGA

Advogado do(a) APELADO: MARCOS DOS SANTOS - MS12942-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

 

 

De início, impende frisar que está submetida à remessa oficial a sentença que julgar pela carência ou pela improcedência do pedido formulado em Ação Civil Pública, conforme aplicação analógica do art. 19 da Lei nº 4.717/1965 (Lei da Ação Popular), in verbis:

Art. 19. A sentença que concluir pela carência ou pela improcedência da ação está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal; da que julgar a ação procedente caberá apelação, com efeito suspensivo.

Com efeito, assim já decidiu o E. Superior Tribunal de Justiça:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SENTENÇA QUE EXTINGUIU O PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO, POR CARÊNCIA DE AÇÃO (FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL). REEXAME NECESSÁRIO. CABIMENTO. APLICAÇÃO DO ART. 19 DA LEI 4.717/1965. ENTENDIMENTO DESTA CORTE SUPERIOR. AGRAVO INTERNO DA FEDERAÇÃO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

1. Nos termos do que decidido pelo Plenário do STJ, aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas até então pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (Enunciado Administrativo 2).

2. Conforme o entendimento desta Corte Superior, o art. 19 da Lei 4.717/1965 aplica-se analogicamente, também, às Ações Civis Públicas, para submeter as sentenças de improcedência ao reexame necessário. Julgados: AgInt no REsp. 1.264.666/SC, Rel. Min. SÉRGIO KUKINA, DJe 22.9.2016; AgRg no REsp. 1.219.033/RJ, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 25.4.2011.

3. Ao contrário do que alegado pela parte agravante, o art. 19 da Lei 4.717/1965 incide, também, para as hipóteses de carência de ação, conforme a expressa dicção do dispositivo legal.

4. No presente caso, tendo a sentença julgado extinto o processo sem resolução de mérito, justamente pela carência de ação (fls. 347/351) - falta de interesse processual, prevista no art. 267, VI do CPC/1973 -, e considerando a jurisprudência deste STJ quanto à aplicação analógica do sobredito art. 19 às Ações Civis Públicas, é mesmo imprescindível o reexame necessário.

5. Ainda que existisse eventual vício na decisão singular, este seria convalidado pelo julgamento do presente Agravo Interno perante o Órgão Colegiado, sendo incabível o reconhecimento de nulidade. Julgados: AgInt no REsp. 1.709.018/SP, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 2.8.2018; AgInt no REsp. 1.533.044/AC, Rel. Min. BENEDITO GONÇALVES, DJe 2.2.2017.

6. Agravo Interno da Federação a que se nega provimento.

(AgInt no REsp 1547569/RJ, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, julgado em 17/06/2019, DJe 27/06/2019)

Cinge-se a questão apresentada nos autos com relação à legalidade da construção do imóvel situado na região do Porto Caiuá, margem direita do Rio Paraná.

Dentre os documentos que instruíram estes autos, cabe destacar o Auto de Infração ID Num. 107116830 - Pág. 43, o Memorando nº 09/06-APA do IBAMA (ID Num. 107116830 - Pág. 43), o Auto de Embargo/Interdição ID Num. 107116830 - Pág. 58, todos emitidos em nome da parte ré.

Não há dúvidas de que o imóvel ora contestado lhe pertence.

Cumpre, então, analisar se o terreno em que foi edificado o imóvel pode ser considerado como área de preservação permanente.

Em Relatório de Fiscalização elaborado pela Coordenação Geral de Fiscalização ambiental (CGFIS) do IBAMA, constam as seguintes informações (ID Num. 107116830 - Pág. 64):

A área definida está localizada no entorno direto do Parque Estadual das Várzeas do Rio Ivinhema (menos de 1,5 Km), no entorno do Parque Nacional de Ilha Grande, no interior da APA das Ilhas e Várzeas do Rio Paraná, além de ser uma área de estados antropológicos que está em vias de se tomar também um sitio arqueológico reconhecido.

Já do Laudo Pericial, o Sr. Expert também confirmou que o imóvel se encontra instalado em área de preservação permanente (ID Num. 107117592 - Pág. 28):

1) A construção do Réu está em Área de Preservação Permanente?

Sim, Constatamos através de medições feitas com auxílio de imagens do "Google" que a largura do rio é variável de +/- 2300 metros, até +/- 1600 metro, tomando como referência a jusante do rio, onde estão localizada estas construções, e de acordo com a lei 12.651 de 25 de maio de 2012 a área mínimo de vegetação as margens do rio é de 100 metros para áreas consolidadas, e de 500 metros para rios com largura maior que 600 metros (áreas não consolidadas).

2) Qual a distância com a margem do rio da parte mais próxima e da parte mais distante da construção? Caso exista mais de um imóvel solicitamos estabelecer tais medidas individualmente?

Parte mais próxima da margem do rio Paraná +/- 19 metros, e o mais distante +/- 27 metros

A definição de área de preservação permanente é legal, de modo que, havendo intervenção antrópica de forma irregular, a norma estabelece a responsabilidade objetiva.

Quanto ao momento em que o imóvel foi construído, no laudo pericial, o Sr. Expert assim consigna (ID Num. 107117592 - Pág. 29):

1) A construção atual é (ou pode ser) uma reforma troca de madeira por alvenaria da construção já existente nas décadas de 1940/1950/1960?

Não há indícios de reforma, os indícios são de construção recente de +/- 10 anos (slide 02, anexo).

2) Há vestígios de casas de madeira no local ou na vizinhança que foram construídas nas décadas de 1950/1960?

Existem na vizinhança algumas construções, cujas características demonstram serem construções muito antigas, mas sem possibilidade de se afirmar a data acima.

O Laudo Pericial foi elaborado 10/09/2013 (ID Num. 107117592 - Pág. 25).

Já o IBAMA, em Oficio nº 049/2008/IBAMA/Dourados, datado de 1º/07/2008, assim declara (ID Num. 107116831 - Pág. 32):

Em atendimento ao ofício supramencionado vimos informar que as construções edificadas irregularmente à margem direita do rio Paraná, na localidade de Porto Caiuà, município de Naviraí/MS, objetos de autos de infração e embargos lavrados pelo IBAMA, relacionadas no anexo do mencionado ofício, tratam-se de construções recentes, portanto posteriores à edição do Código Florestal (Lei n°. 4771, de 15 de setembro de 1995). A única exceção constatada refere-se à construção pertencente ao Clube de Caça e Pesca de Sorocaba.

Logo, as provas trazidas nos autos demonstram que, na época da construção do imóvel, vigorava o regime jurídico ambiental do antigo Código Florestal (Lei nº 4.771/65).

A legislação aplicável ao caso deve ser a da época dos fatos - tempus regit actum - eis que o Novo Código Florestal (Lei nº 12.651/12), em alguns aspectos, diminuiu a proteção ambiental e, por conseguinte, não pode retroagir para atingir fatos ocorridos sob a égide de lei anterior mais protetiva ao meio ambiente, não afetando direito ambiental adquirido.

Nesse sentido é o entendimento firmado pelo E. Superior Tribunal de Justiça:

PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. CONSTRUÇÃO DE EDIFICAÇÕES. ZONA DE VIDA SILVESTRE. AÇÃO CONSUMADA NA VIGÊNCIA DO CÓDIGO FLORESTAL DE 1965. APLICAÇÃO DO NOVO CÓDIGO. IMPOSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DA LEI MAIS RESTRITIVA.

I - Na origem, trata-se de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Púbico do Estado de São Paulo objetivando a demolição de edificações em APP e a reparação dos danos ambientais com a restauração da vegetação, além de indenização por danos patrimoniais ambientais. Na sentença, julgaram-se procedentes os pedidos. No Tribunal a quo, a sentença foi parcialmente reformada apenas para conceder o prazo de 12 meses para os réus iniciarem a demolição respectiva, salvo se obtiverem licença ambiental. Nesta Corte, conheceu-se do agravo para dar provimento ao recurso especial a fim de restabelecer a sentença.

II - A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é firme no sentido de que, em se tratando de matéria ambiental, deve-se analisar a questão sob o ângulo mais restritivo, em respeito ao meio ambiente, por ser de interesse público e de toda a coletividade, e observando, in casu, o princípio tempus regit actum.

(...)

(AgInt no AREsp 1145207/SP, Rel. Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 09/08/2021, DJe 13/08/2021)

 

AMBIENTAL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CÔMPUTO DA ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE NO CÁLCULO DA RESERVA LEGAL. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO RETROATIVA DO CÓDIGO FLORESTAL. VEDAÇÃO AO RETROCESSO (PRINCÍPIO TEMPUS REGIT ACTUM). PRECEDENTES DA PRIMEIRA E SEGUNDA TURMA DO STJ. RESSALVA DO PONTO DE VISTA DO RELATOR. AGRAVO INTERNO DO PARTICULAR A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

(...)

5. Entretanto, ambas as Turmas da Primeira Seção deste Tribunal Superior firmaram entendimento segundo o qual a regra geral será a incidência da legislação florestal, de direito material, vigente à época dos fatos, na qual se determina a aplicação da Lei 4.771/1965 para as degradações ambientais ocorridas em sua vigência (PET no REsp. 1.240.122/PR, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 19.12.2012 e REsp. 1.646.193/SP, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Rel. p/ Acórdão Min. GURGEL DE FARIA, DJe 4.6.2020).

6. Agravo Interno dos Particulares a que se nega provimento.

(AgInt no REsp 1668484/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 31/08/2020, DJe 03/09/2020)

Quanto à extensão da largura do leito do Rio Paraná, segundo o Sr. Expert, a “largura do rio é variável de +/- 2300 metros, até +/- 1600 metros”.

Na época dos fatos, o antigo Código Florestal (Lei nº 4.771/1965) estabelecia uma faixa protetiva de 500 metros:

Art. 2° Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas:

a) ao longo dos rios ou de qualquer curso d'água desde o seu nível mais alto em faixa marginal cuja largura mínima será:

(...)

4 - de 200 (duzentos) metros para os cursos d'água que tenham de 200 (duzentos) a 600 (seiscentos) metros de largura;

5 - de 500 (quinhentos) metros para os cursos d'água que tenham largura superior a 600 (seiscentos) metros;

Apesar da impossibilidade do novo Código Florestal retroagir para atingir o ato jurídico perfeito, os direitos ambientais adquiridos e a coisa julgada, é certo que, no caso dos autos, a extensão da área de preservação permanente para o Rio Paraná permaneceu a mesma, conforme se verifica da redação do art. 4º, I, “e”, da Lei nº 12.651/12:

Art. 4º Considera-se Área de Preservação Permanente, em zonas rurais ou urbanas, para os efeitos desta Lei:

I - as faixas marginais de qualquer curso d’água natural perene e intermitente, excluídos os efêmeros, desde a borda da calha do leito regular, em largura mínima de: 

e) 500 (quinhentos) metros, para os cursos d’água que tenham largura superior a 600 (seiscentos) metros;

Destarte, não se verifica qualquer controvérsia de que o imóvel se encontra a menos de 500 metros do leito do rio Paraná, em área de preservação permanente, na faixa marginal do curso d'água, violando a previsão do art. 2º da Lei nº 4.771/65.

Cumpre ressaltar que a conclusão acima firmada encontra respaldo em diversos precedentes desta E. Corte Federal, que apreciando a questão dos danos ambientais causados pelas construções imobiliárias na Região de Porto Caiuá, Naviraí/MS, concluiu que deve ser considerado a largura mínima de 500 metros como limite da extensão da faixa não edificável referente à área de preservação permanente no Rio Paraná:

APELAÇÕES. AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. INTERVENÇÃO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. RIO PARANÁ. APP DE 500 METROS. DANO AMBIENTAL CONFIGURADO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. RISCO INTEGRAL. DEVER DE RESTAURAÇÃO CONFIGURADO. INDENIZAÇÃO DISPENSÁVEL. SENTENÇA MANTIDA.

1. Apelações em ação civil pública ambiental, ajuizada para compelir o réu a demolir edificação levantada em APP - Área de Preservação Permanente situada na margem direita do Rio Paraná, na localidade conhecida como Porto Caiuá, em Naviraí/MS.

2. A sentença julgou parcialmente procedente os pedidos iniciais, determinando as demolições de todas as edificações e a apresentação de Projeto de Recuperação de Área Degradada - PRAD, bem como ordenando a recuperação da área inserida em APP, sem condenação indenizatória.

3. Ainda que existam, no curso do processo de apuração, três leis tratando da matéria ambiental aplicável (4.771, de 1965 - 7.803, de 1989 e 12.651, de 2012), por razões de segurança jurídica, deve-se aplicar o princípio do tempus regit actum, até porque, como já decidiu o C. Superior Tribunal de Justiça, o novo Código Florestal tem eficácia ex nunc e não alcança fatos pretéritos quando isso implicar em redução do patamar de proteção do meio ambiente.

4. Prova inequívoca de que o imóvel em tela, destinado a lazer, situa-se a cerca de 19 metros da margem do Rio Paraná, cuja largura na região é superior a 600 metros, razão pela qual a APP a ser considerada é de 500 metros, vedadas as atividades antrópicas nesse perímetro (art. 2º, "a", "5", da Lei 4.771/65).

5. A intervenção em APP, fora das excepcionais hipóteses autorizadas em lei, se configura modalidade objetiva de dano ambiental, sujeitando o infrator à obrigação de completa restauração e reparação dos prejuízos causados, independentemente de culpa (art. 14, § 1º, da Lei 6.938/81).

6. O C. STJ, julgando o REsp 1374284/MG, representativo de controvérsia (art. 543-C do CPC/73), firmou entendimento de que a responsabilização objetiva ambiental é informada pela teoria do risco integral, ou seja, não admite excludentes de responsabilidade.

7. Constatada a irregular invasão em APP, deve-se proceder às medidas necessárias para recomposição da área, incluídas as de demolição, remoção de pessoas e coisas e reflorestamento, quando recomendadas pela prova pericial ou outra idônea. Precedentes.

8. Não colhe o argumento de que a edificação em tela encontra-se em área urbana consolidada, pois, consoante a prova dos autos, a localidade de Porto Caiuá não preenche os requisitos previstos nos artigos 9º da Res. 369/2006 e 2º, XIII, da Res. 303/2002, ambas do CONAMA, para que assim fosse considerada, mormente se levado em conta a baixa densidade demográfica nela presente.

9. Quanto à alegação de direito adquirido à manutenção do imóvel no local, uma vez que o recorrente apenas reformou construção existente no local desde a década de 1950, é de se ter em consideração os termos da Súmula 613/STJ: "Não se admite a aplicação da teoria do fato consumado em tema de Direito Ambiental".

10. A alienação do imóvel ocorrida no curso do processo, após a citação, é ineficaz, uma vez que, nos termos do art. 43 do CPC/73 (art. 109 do CPC/2015), a alienação da coisa litigiosa por ato inter vivos, a título particular, não altera a legitimidade das partes, sendo que os efeitos da sentença proferida entre os litigantes originários se estenderão ao adquirente. Precedentes.

11. É lícita a imposição de multa diária para o caso de descumprimento de obrigação de fazer, não sendo possível, entretanto, fixar-lhe termo final, porque a incidência dessa medida de coerção só termina com o cumprimento. Precedentes.

12. A possibilidade de recomposição integral do dano ambiental causado torna prescindível a indenização pecuniária. Jurisprudência do C. STJ.

13. Apelações desprovidas.

(ApCiv 0000388-53.2010.4.03.6006, Sexta Turma, Rel. Desembargador Federal Souza Ribeiro, julgado em 19/02/2021, e-DJF3 Judicial 1 DATA:09/03/2021) (grifei)

 

DIREITO AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. INTERVENÇÃO ANTRÓPICA EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. DANO AMBIENTAL "IN RE IPSA". CUMULAÇÃO DAS OBRIGAÇÕES DE INDENIZAR E REPARAR. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. RECURSO DE APELAÇÃO DO RÉU DESPROVIDO E RECURSO ADESIVO DO "PARQUET" E REMESSA NECESSÁRIA PARCIALMENTE PROVIDOS.

1. Trata-se de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal em face de P.C., a fim de condená-lo, resumidamente, a demolir a construção edificada em área de preservação permanente, na região de Porto Caiuá, município de Naviraí/MS, apresentar Projeto de Recuperação das Áreas Degradadas – PRADE e realizar a recuperação na área, bem como pagar prestação pecuniária ao Fundo Nacional do Meio Ambiente, em patamar não inferior a R$ 15.000,00 (quinze mil reais).

2. Inicialmente, cabe mencionar que o Ministério Público Federal interpôs agravo interno contra a decisão que determinou o sobrestamento do feito, até o pronunciamento definitivo do Superior Tribunal de Justiça nos REsps 1.770.760/SC, 1.770.808/SC e 1.770.967/SC, afetados para julgamento sob a sistemática dos recursos repetitivos (Tema 1.010).

3. Todavia, em 28/04/2021, o Superior Tribunal de Justiça julgou o Tema n. 1.010 e firmou a seguinte tese: “Na vigência do novo Código Florestal (Lei n. 12.651/2012), a extensão não edificável nas Áreas de Preservação Permanente de qualquer curso d'água, perene ou intermitente, em trechos caracterizados como área urbana consolidada, deve respeitar o que disciplinado pelo seu art. 4º, “caput”, inciso I, alíneas “a”, “b”, “c”, “d” e “e”, a fim de assegurar a mais ampla garantia ambiental a esses espaços territoriais especialmente protegidos e, por conseguinte, à coletividade.”

4. À luz do artigo 1.040, inciso III, do Código de Processo Civil, publicado o acórdão paradigma, os processos suspensos em primeiro e segundo graus de jurisdição retomarão o curso para julgamento e aplicação da tese firmada pelo tribunal superior.

5. De acordo com o Laudo de Exame de Meio Ambiente n. 367/08, elaborado pela Superintendência Regional em Mato Grosso do Sul, a propriedade está situada em área de preservação permanente, na margem direita do Rio Paraná, e possui uma edificação destinada a lazer, em local de baixa declividade, próximo à barranca do rio.

6. A edificação está em espaço físico originalmente ocupado pela flora e impede permanentemente a regeneração natural da vegetação nativa, devido à cobertura, compactação e impermeabilização do solo, segundo o Laudo de Exame de Meio Ambiente n. 367/08.

7. Por sua vez, o Laudo Técnico Pericial, elaborado pelo engenheiro florestal W.A.S., constatou que a construção do réu está inserida em área de preservação permanente e a ocupação humana impede o desenvolvimento natural da vegetação.

8. O artigo 225 da Carta Maior atesta que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

9. Nesse contexto, com a finalidade de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, bem como proteger o solo e assegurar o bem-estar da população, foram estabelecidas as áreas de preservação permanente entre os espaços territoriais especialmente protegidos pelo Poder Público, instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente (art. 9º, VI, Lei n. 6.938/81), definidas tanto pelo antigo quanto pelo novo Código Florestal.

(...)

(ApelRemNec 0000386-83.2010.4.03.6006, 3ª Turma, Rel. Desembargador Federal Antonio Carlos Cedenho, julgado em 19/08/2021, Intimação via sistema DATA: 20/08/2021) (grifei)

A responsabilidade pelos danos ambientais possui natureza objetiva, sendo prescindível a caracterização de culpa, nos termos do § 1º, do art. 14, da Lei nº 6.938/81:

Art. 14 - Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores:

(...)

§ 1º - Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente.

A manutenção da propriedade do réu, localizada às margens do Rio Paraná, acarreta nítida degradação ambiental, impedindo a regeneração da vegetação nativa na área de preservação permanente, razão pela qual se mostra imprescindível desfazer as construções e remover os entulhos para permitir a recomposição florestal do local.

Frise-se que não está configurada a ofensa ao direito de propriedade (CF, art. 5º, XXII), ao direito de moradia (CF, arts. 6º e 7º) e ao direito ao lazer (CF, art. 217, § 3º), uma vez que não é possível se falar em direito adquirido à degradação ambiental diante do decurso do tempo. Neste sentido, o E. Superior Tribunal de Justiça a Súmula nº 613:

Súmula 613/STJ: Não se admite a aplicação da teoria do fato consumado em tema de Direito Ambiental.

Registre-se, inclusive, a existência de precedente na E. Corte Superior que afasta a incidência da teoria do fato consumado mesmo diante de em situações que envolvam residências familiares localizadas em área de proteção ambiental:

ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. OCUPAÇÃO DE ÁREA PÚBLICA. ÁREA DE PRESERVAÇÃO AMBIENTAL. LEGALIDADE NO ATO DO ESTADO DE DISCIPLINAR A UTILIZAÇÃO DA ÁREA E ZELAR PARA QUE SUA DESTINAÇÃO SEJA PRESERVADA. A OCUPAÇÃO DE ÁREA PÚBLICA, FEITA DE MANEIRA IRREGULAR, NÃO GERA OS EFEITOS GARANTIDOS AO POSSUIDOR DE BOA-FÉ. IMPOSSIBILIDADE DE ALEGAÇÃO DE FATO CONSUMADO EM MATÉRIA AMBIENTAL. INEXISTÊNCIA DE QUALQUER DIREITO LÍQUIDO E CERTO A SER AMPARADO PELA VIA MANDAMENTAL, RESSALVA DAS VIAS PROCESSUAIS ORDINÁRIAS. PARECER MINISTERIAL PELO DESPROVIMENTO DO FEITO. AGRAVO REGIMENTAL DA AMCA E OUTROS A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

1. Os impetrantes buscam o reconhecimento da ilegalidade no procedimento de desocupação perpetrado pelo Secretário de Administração de Parques do Distrito Federal, objetivando que a autoridade coatora abstenha-se de praticar qualquer ato tendente a remover os moradores do Parque das Copaíbas.

(...)

6. Não prospera também a alegação de aplicação da teoria do fato consumado, em razão de os moradores já ocuparem a área, com tolerância do Estado por anos, uma vez que tratando-se de construção irregular em Área de Proteção Ambiental-APA, a situação não se consolida no tempo. Isso porque, a aceitação da teoria equivaleria a perpetuar o suposto direito de poluir, de degradar, indo de encontro ao postulado do meio ambiente equilibrado, bem de uso comum do povo essencial à qualidade sadia de vida.

7. Agravo Regimental da AMCA e outros a que se nega provimento.

(AgRg no RMS 28.220/DF, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, julgado em 18/04/2017, DJe 26/04/2017)

Portanto, na demanda em análise, deve prevalecer o direito coletivo ao meio ambiente ecologicamente sustentável e equilibrado, previsto no art. 225 da Constituição Federal.

Cabe salientar que um dos objetivos do Código Florestal ao fixar as áreas de preservação permanente é justamente o de proteger as pessoas, impedindo que se estabeleçam nessas áreas, degradando-as e, com isso, potencializando os riscos de ocorrência de inundações. Desse modo, a manutenção da edificação no local, além de provocar inúmeros prejuízos ao meio ambiente, acarreta riscos aos próprios ocupantes do local, diante das constantes inundações, prejudicando a segurança e a integridade física dos moradores.

Destaque-se que as obrigações ambientais possuem caráter propter rem, transferindo a responsabilidade por eventuais danos ao atual proprietário ou possuidor, ainda que eles não tenham sido os responsáveis pela degradação ambiental. É a inteligência da Súmula nº 623/STJ:

Súmula nº 623/STJ: As obrigações ambientais possuem natureza propter rem, sendo admissível cobrá-las do proprietário ou possuidor atual e/ou dos anteriores, à escolha do credor.

Na sentença, o r. Juízo Singular reconheceu a faixa protetiva de 500 metros da margem do rio Paraná, uma vez que o imóvel está totalmente inserido em área de preservação permanente. Em suas palavras (ID Num. 107117592 - Págs. 104-105):

Com efeito, de acordo com as provas produzidas, a residência teria sido edificada já sob a égide da Lei n. 4.771/65 e até mesmo da Lei n. 7.511/89, estando sujeita, portanto, às limitações ali previstas, inclusive quanto às áreas de preservação permanente.

Ademais, ainda que tivesse se originado de uma construção anterior, é certo que o atual proprietário/possuidor da área empreendeu reformas na edificação mais antiga a ponto de modificar sua configuração original.

Desse modo, pode ser considerado como perpetuador da infração ambiental cometida, sendo possível, portanto, ser-lhe aplicada a legislação posterior, referente à data das reformas.

Não há, portanto, qualquer reparo na conclusão acima firmada.

Quanto aos argumentos trazidos pela parte ré em seu apelo, sustenta que a construção foi erguida na década de 40, sendo anterior à legislação ambiental do Código Florestal - Lei nº 4771/65 e da Lei 9605/98.

A alegação deve ser afastada, uma vez que o Sr. Perito foi categórico ao afirmar que “não há indícios de reforma, os indícios são de construção recente de +/- 10 anos” (ID Num. 107117592 - Pág. 29).

Como o laudo foi elaborado em 10/09/2013 (ID Num. 107117592 - Pág. 25), constata-se que a citada construção teria sido edificada por volta do ano de 2003, ou seja, sob a égide do Antigo Código Florestal (Lei nº 4771/65).

Impende destacar que o Sr. Expert, em seu parecer, claramente diferenciou as palavras “reforma” e “construção”, sendo preciso ao apontar que o imóvel em questão foi construído em data aproximada de 10 anos, e não reformado.

Em verdade, a discussão acerca do momento em que foi erigida a obra não possui qualquer relevância jurídica para fins de responsabilidade civil ambiental.

Isso porque, conforme já apontado, não existe direito adquirido à manutenção de situação fática que acarrete prejuízos ao meio ambiente (Súmula nº 613/STJ).

Logo, estando demonstrado nos autos que o imóvel do réu está situado em área de preservação permanente, deve ser mantida a determinação da r. sentença de demolir a construção edificada.

Trata-se de medida razoável, eficaz e necessária à restauração natural da vegetação local, conforme atestou o Sr. Perito (ID Num. 107117592 - Pág. 31):

6° QUESITO: A ocupação humana nas margens do rio Paraná dificulta o crescimento da vegetação?

Sim, toda e qualquer ocupação humana impede o desenvolvimento natural vegetação e dependendo do grau de ocupação termos um maior ou menor impacto no seu crescimento.

Com relação à incidência da regularização fundiária prevista no art. 61-A da Lei nº 12.651/2012, este apresenta a seguinte redação:

Art. 61-A. Nas Áreas de Preservação Permanente, é autorizada, exclusivamente, a continuidade das atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo e de turismo rural em áreas rurais consolidadas até 22 de julho de 2008.

(...)

§ 12. Será admitida a manutenção de residências e da infraestrutura associada às atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo e de turismo rural, inclusive o acesso a essas atividades, independentemente das determinações contidas no caput e nos §§ 1º a 7º , desde que não estejam em área que ofereça risco à vida ou à integridade física das pessoas..

Ocorre que o E. Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que as exceções descritas nos arts. 61-A a 65 do Novo Código Florestal não se aplicam no caso de manutenção de casas de veraneio:

PROCESSUAL CIVIL. AMBIENTAL. PARQUE NACIONAL DE ILHA GRANDE. DANO ECOLÓGICO. DISPENSA DE PROVA TÉCNICA DA LESIVIDADE DA CONDUTA. IMPOSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO DE ÁREA CONSOLIDADA EM PREJUÍZO DO MEIO AMBIENTE. APLICAÇÃO DO CÓDIGO FLORESTAL.

(...)

X - Ademais, as exceções legais, previstas nos arts. 61-A a 65 do Código Florestal (Lei n. 12.651/2012), não se aplicam para a pretensão de manutenção de casas de veraneio, como na hipótese. Nesse sentido: STJ, AgInt nos EDcl no REsp n. 1.447.071/MS, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe de 2/2/2017; AgInt nos EDcl no REsp n. 1.468.747/MS, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe de 6/3/2017; AgRg nos EDcl no REsp n. 1.381.341/MS, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe de 25/5/2016. Nesse mesmo sentido também: AgInt no AgInt no AgInt no AREsp n. 747.515/SC, Rel. Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, julgado em 9/10/2018, DJe 15/10/2018; AgInt no REsp n. 1.419.098/MS, Rel. Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, julgado em 15/5/2018, DJe 21/5/2018.

(...)

(AgInt no REsp 1.572.257/PR, Rel. Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 21/03/2019, DJe 17/05/2019)

Em notificação de termo de embargo emitido pelo IBAMA ao réu, consta a seguinte determinação (ID Num. 107116830 - Pág. 57):

Caro Sr., tendo em vista a lavratura de novo termo de embargo (n°342297 -C), que levou a retomada da interdição do imóvel (casa de veraneio e terreno - coord. 222482 E; 7126248 N) construído em Área de Preservação Permanente, no local denominado Porto Caiuá (Navirai/MS), DETERMINAMOS que sejam retirados em um prazo máximo de 30 dias, a contar do recebimento desta, todos os bens contidos no referido imóvel. O acesso ao imóvel após esta data configurará descumprimento ao novo embargo, sob pena também de nova autuação.

O próprio réu, em seu apelo, confirma que se trata de imóvel destinado para fins recreativos (ID Num. 107115871 - Pág. 35, grifei):

Por outro lado, vale dizer que a demolição em questão traz, sim, grande prejuízo ao réu, ora apelante, não só econômico, mas, considerando que ficará privado do desfrute da moradia e do lazer, como direitos constitucionais fundamentais, ora sopesados, atingindo frontalmente a proporcionalidade, a razoabilidade, a isonomia, a dignidade da pessoa humana como destinatária nesses momentos aprazíveis de pesca, por exemplo, em acomodação no imóvel de sua propriedade e contemplação da paisagem local e das águas do rio Paraná, mormente nestes tempos deveras estressantes, ainda, considerando que não se tem efetivo dano ambiental, repito.

Além disso, na procuração ID Num. 107116831 - Pág. 68, consta que o réu possui residência na av. Capitão Índio Bandeira, Campo Mourão, PR.

Logo, o imóvel em questão está enquadrado no conceito de casa de veraneio.

Cumpre destacar que este Relator não desconhece a existência da Reclamação nº 51.472/SP, proposta perante o E. Supremo Tribunal Federal em face do v. acórdão proferido pela C. Sexta Turma desta E. Corte (Ação Civil Pública nº 0004931-67.2013.4.03.6112).

Segundo o relatório da ACP nº 0004931-67.2013.4.03.6112, discutiu-se os danos ambientais no imóvel denominado "Rancho Boca do Sucuri", localizados no bairro Entre Rios, estrada do Pontalzinho, Município de Rosana/SP, às margens do rio Paraná.

Na Reclamação nº 51.472/SP, aduziram os requerentes que, ao não aplicar as disposições do art. 61-A, §§ 1º, 12 e 14 da Lei 12.651/12, o v. acórdão teria afrontado a autoridade do E. Supremo Tribunal Federal e desrespeitado a eficácia do julgado nas ADI nºs 4.901/DF, 4.902/DF, 4.903/DF e 4.937/DF e na ADC nº 42/DF.

Em decisão liminar proferida em 18/02/2022, o eminente Ministro Relator Dias Toffoli concedeu parcialmente a tutela de urgência “para suspender, no limite de área regulamentada pela Lei nº 12.651/2012, a eficácia de decisão do TRF 3 na ACP nº 0004931-67.2013.4.03.6112 no tocante às ordens de abstenção de exploração, demolição de construções e recomposição da cobertura florestal e eventual multa pelo descumprimento da decisão nessa parte ou prática de eventuais atos ou procedimentos executivos dela decorrentes”.

Ao fundamentar a adoção desta providência, o Ministro Relator assim justificou:

Em juízo de delibação, entendo que há plausibilidade jurídica na tese de que a autoridade reclamada, ao recusar a análise do Processo nº 0004931-67.2013.4.03.6112 à luz da Lei nº 12.651/2012 - declarando não apenas a irrelevância do debate preliminar quanto às propriedades em litígio estarem localizada em área urbana ou rural, mas também a necessidade de a ação ser analisada à luz da legislação vigente ao tempo das condutas controvertidas (Lei nº 4.771/65)-, esvazia a força normativa do referido dispositivo legal cuja validade constitucional fora afirmada pelo STF na ADI 4.903/DF e na ADC nº 42/DF (sessão de julgamento de 28/2/2018, ata de julgamento publicada no DJe de 2/3/2018).

Há verossimilhança na alegação de recusa à aplicação do art. 61-A da Lei nº 12.651/2012 no caso concreto, com fundamento no princípio do tempus regit actum e do postulado da vedação do retrocesso em matéria ambiental, em afronta à autoridade do STF nas ações paradigmas.

Após o trâmite processual de praxe, em decisão monocrática datada de 23/06/2022, o Ministro Relator julgou procedente o pedido “para cassar a decisão proferida pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF 3), nos autos da ACP nº 0004931-67.2013.4.03.6112, e determinar que outra seja proferida com observância do que decidido por esta Corte no julgamento das ADIs 4.901, 4.902 e 4.903, 4.937 e da ADC 42”.

Com a devida vênia, entendo que causa de pedir utilizada na ACP nº 0004931-67.2013.4.03.6112 para afastar a incidência do art. 61-A da Lei nº 12.651/2012 não é a mesma daqui adotada.

Com efeito, segundo o Ministro Relator, o dispositivo legal foi recusado em razão do princípio do tempus regit actum e do postulado da vedação do retrocesso em matéria ambiental.

Neste voto, foi adotada a linha argumentativa de que não se aplica o art. 61-A da Lei nº 12.651/2012 ao imóvel discutido nos autos por ele ser qualificado como casa de veraneio – não atendendo ao disposto no caput, que menciona a continuidade das atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo e de turismo rural.

Deste modo, concluo que a determinação contida na Reclamação nº 51.472/SP não alcança o presente feito.

Quanto ao argumento de que se trata de área urbana consolidada, o art. 2º, V, da Resolução CONAMA nº 302/2002, estabelece os seguintes requisitos para a caracterização:

Art. 2º Para efeito desta Resolução são adotadas as seguintes definições:

(...)

V - Área Urbana Consolidada: aquela que atende aos seguintes critérios:

a) definição legal pelo poder público;

b) existência de, no mínimo, quatro dos seguintes equipamentos de infra-estrutura urbana:

1. malha viária com canalização de águas pluviais,

2. rede de abastecimento de água;

3. rede de esgoto;

4. distribuição de energia elétrica e iluminação pública;

5. recolhimento de resíduos sólidos urbanos;

6. tratamento de resíduos sólidos urbanos; e

c) densidade demográfica superior a cinco mil habitantes por km².

Conforme apontado na r. sentença, a localidade de Porto Caiuá não pode ser considerada área urbana consolidada porquanto não possui densidade demográfica superior a cinco mil habitantes por km².

Consequentemente, não há como se invocar a promulgação da Lei Municipal de Naviraí nº 1.603/2011, que criou o Distrito do Porto Caiuá, para justificar a manutenção de seu imóvel. Neste sentido, assim decidiu esta E. Corte Federal:

DIREITO AMBIENTAL. AREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE (APP). EDIFICAÇÃO. AUTO DE INFRAÇÃO E TERMO DE EMBARGO. LEGALIDADE.

1. Cinge-se a controvérsia à legalidade de auto de infração lavrado pelo IBAMA em razão da existência e manutenção de imóvel em área de preservação permanente, bem como do termo de embargo/interdição da construção. O auto de infração n.º 433820 e o termo de embargo 342268 foram lavrados contra o apelante, sob o fundamento da existência de construção irregular às margens do Rio Paraná, área de preservação permanente na região de Porto Caiuá, Município de Naviraí/MS, o que culminou na aplicação de multa de R$15.000,00 e na interdição da edificação.

2. Caso concreto em que constou no laudo da perícia técnica que a distância da construção à margem do rio é de 33,75 metros, o que torna indene de dúvidas que se trata de construção edificada em área de preservação permanente, considerando a largura do Rio Paraná.

3. Não procedem as alegações de inexistência de degradação ambiental tendo em vista que a construção em área de preservação permanente configura dano ambiental in re ipsa por se tratar de território non aedificandi, consoante remansosa jurisprudência. Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça firmou a seguinte tese: "Causa dano ecológico in re ipsa, presunção legal definitiva que dispensa produção de prova técnica de lesividade específica, quem, fora das exceções legais, desmata, ocupa ou explora APP, ou impede sua regeneração, comportamento de que emerge obrigação propter rem de restaurar na sua plenitude e indenizar o meio ambiente degradado e terceiros afetados, sob regime de responsabilidade civil objetiva. Precedentes do STJ". (REsp 1245149/MS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 09/10/2012, DJe 13/06/2013)

4. Verificado o dano com a existência de edificação em área sob regime especial de proteção ambiental, especialmente dos recursos hídricos e da estabilidade geológica, surge a obrigação propter rem do proprietário do imóvel de recuperar ou restaurar a vegetação suprimida, independentemente de sua culpa/dolo ou até mesmo de ter sido o causador da degradação, o que torna legítimo o termo de embargo/interdição da construção. Inexiste, portanto, direito adquirido à degradação ambiental. Súmula 613 do STJ.

5. Tendo em vista que a autora não se desincumbiu do ônus de provar que a construção é anterior ao Código Florestal de 1965, há evidente prejuízo em sua argumentação acerca da proteção de suposto direito adquirido, ato jurídico perfeito ou situação consolidada.

6. No contexto fático comprovado nos autos - no qual o bem jurídico ambiental, qualificado por ser de uso comum de todos e pressuposto da sadia qualidade de vida (art. 225 da CF), já resguardado por rígido regramento no tocante às áreas de preservação permanente - foi violado por conduta humana que objetiva o atendimento de interesses privados e exclusivos de lazer e moradia, é cediço que deve ter prevalência o interesse público na recomposição do meio ambiente degradado.

7. Não demonstrado nos autos o cumprimento dos requisitos da Resolução Conama n.º 303/2002 para caracterizar a área como zona urbana consolidada, notadamente a densidade demográfica superior a cinco mil habitantes por km2 (art. 2º, XIII, "c"). Não se tratando de área urbana consolidada nos termos do estabelecido no âmbito do sistema nacional do meio ambiente, o qual possui o CONAMA como órgão consultivo e deliberativo, a invocada Lei Municipal n.º 1.603/2011 que criou o Distrito do Porto Caiuá não tem o condão de afastar o regime de proteção ambiental preconizado pelo Código Florestal e Resoluções do Conama.

8. Apelação não provida.

(Ap 0000587-12.2009.4.03.6006, 3ª Turma, Rel. Desembargadora Federal Cecília Marcondes, julgado em 30/04/2019, e-DJF3 Judicial 1 DATA:07/05/2019) (grifei)

Por fim, quanto ao argumento de que houve violação ao princípio da isonomia, já que somente algumas construções foram objeto de ação ministerial ou embargo pelo IBAMA, em suas contrarrazões, o Parquet assim afirmou (ID Num. 107115871 - Pág. 78):

Inicialmente, cumpre salientar que a própria inspeção judicial (fis. 275/279) elenca, em sua epígrafe, nada menos do que 24 ações civis públicas e 16 ações ordinárias, além de diversas outras ações penais e embargos à execução fiscal que foram objeto da análise pelo juízo por ocasião daquelas diligências.

Saliente-se, ainda, que muitas dessas ações civis públicas já foram, inclusive, julgadas procedentes, havendo a sentença determinado a demolição das edificações e apresentação e execução de PRADE.

Quer o apelante fazer parecer que somente ele foi condenado a demolir o imóvel e que a presente ação seria mero ato de "perseguição", impondo-lhe um tratamento desigual, diferente dos demais degradadores, quando, na realidade, o que acontece, é justamente o contrário: houve o devido processo legal, com respeito ao contraditório e à ampla defesa, chegando-se, ao final, à conclusão de que, no caso específico do seu lote, a demolição e recuperação da área se mostram necessárias.

Quanto ao apelo do MPF pleiteando a condenação da parte ré ao pagamento de indenização por danos ambientais, a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/81) estabelece que a indenização pode ser mera alternativa quando não for possível a recuperação ambiental:

Art. 4º - A Política Nacional do Meio Ambiente visará:

(...)

VII - à imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados, e ao usuário, de contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos.

No laudo pericial, o Sr. Expert assim afirmou (ID Num. 107117592 - Pág. 66):

34- É possível restaurar ou recuperar a área degradada pela ocupação? Em caro positivo, indique as medidas necessárias para a consecução desses resultados.

Sim. Através de estudo dos remanescentes florestais dos locais a serem reflorestados, para levantamento das espécies presentes e do tipo de vegetação. Podendo serem feitos em lugares próximos ao local do plantio, caso não haja vegetação representativa; levantamento das condições ambientais e possíveis formas de degradação. Isso inclui análise do solo, para eventuais correções, caso seja necessário; escolha do modelo de recuperação, de acordo com os objetivos e características locais; escolha das espécies a serem plantadas, tendo como base as características da vegetação original, no modelo de reflorestamento escolhido e nas características locais do ambiente.

35- Considerando que a área irregularmente ocupada será objeto de plano de restauração ou de recuperação da área degradada, estime o tempo necessário para o pleno alcance dos resultados.

Prejudicado. Não é possível estimar o tempo necessário, pois dependerá da resposta da natureza as técnicas de recuperação empregadas, as quais deverão ser avaliadas a cada 3 à 5 anos, até aos 20 anos de idade do começo da recuperação, pois devemos considerar que o tempo necessário para uma sucessão ocorrer de um habitat perturbado até uma comunidade clímax varia com a natureza do clima e a qualidade sial do solo.

Assim, como existem provas de que a demolição das construções e o reflorestamento seriam suficientes para reparar o dano ambiental, entendo que se mostra desarrazoada a condenação dos recorridos ao pagamento de indenização em dinheiro.

Nesse sentido, o E. Superior Tribunal de Justiça já decidiu que, demostrada a possibilidade de reparação plena da área degradada através da obrigação de fazer e de não fazer, é incabível a reparação indireta:

PROCESSO CIVIL. AMBIENTAL AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. POSSIBILIDADE DE REPARAÇÃO TOTAL DA ÁREA DEGRADADA. PEDIDO INDENIZATÓRIO INDEFERIDO. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ.

1. Tratando-se de casos de danos ambientais, é perfeitamente possível a cumulação de indenização em conjunto com obrigação de fazer, entretanto isso não é obrigatório, e está adstrito à possibilidade ou não de recuperação total da área degradada.

2. No caso, conclusão diversa da apresentada pela Corte de origem, a respeito do dever de indenizar o dano ambiental, demanda o reexame do contexto fático-probatória dos autos, o que encontra óbice na Súmula 7 do STJ.

3. Agravo interno não provido.

(AgInt no REsp 1.581.257/SC, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 07/02/2019, DJe 12/02/2019)

 

PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. INDENIZAÇÃO PECUNIÁRIA CUMULADA COM OBRIGAÇÃO DE FAZER. EFETIVA REPARAÇÃO DA ÁREA DEGRADADA. SÚMULA 7/STJ.

1. Em ação civil pública ambiental, é admitida a possibilidade de condenação do réu à obrigação de fazer ou não fazer cumulada com a de indenizar. Tal orientação fundamenta-se na eventual possibilidade de que a restauração in natura não se mostre suficiente à recomposição integral do dano causado.

2. No entanto, na hipótese dos autos, impossível alterar o entendimento do Tribunal a quo, uma vez que lastreado em prova produzida. Óbice da Súmula 7/STJ.

Agravo não conhecido.

(AgRg no REsp 1.486.195/SC, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 03/03/2016, DJe 11/03/2016)

Ante o exposto, nego provimento aos recursos de apelação e à remessa oficial, tida por submetida.

É como voto.

 

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000393-75.2010.4.03.6006

RELATOR: Gab. 14 - DES. FED. MARCELO SARAIVA

APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL, JOSE NELSON BOTEGA

Advogado do(a) APELANTE: MARCOS DOS SANTOS - MS12942-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL, JOSE NELSON BOTEGA

Advogado do(a) APELADO: MARCOS DOS SANTOS - MS12942-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O - V I S T A

 

 

 

 

A Excelentíssima Senhora Desembargadora Federal MARLI FERREIRA:

 

 

Peço vênia ao e. Relator para divergir, por não concordar com a conclusão acerca da hipótese discutida nestes autos.

Dentro do regramento do Novo Código Florestal, e com fundamento em seu interesse local, é direito e dever do Município de Naviraí/MS, ordenar seu território e proceder, como, aliás, expressamente passou a dispor o art. 4º, § 10, da referida norma, a regularização das ocupações antrópicas ao longo das áreas de preservação permanente. Vejamos:

 

 

“§ 10. Em áreas urbanas consolidadas, ouvidos os conselhos estaduais, municipais ou distrital de meio ambiente, lei municipal ou distrital poderá definir faixas marginais distintas daquelas estabelecidas no inciso I do caput deste artigo, com regras que estabeleçam:   (Incluído pela Lei nº 14.285, de 2021)

I – a não ocupação de áreas com risco de desastres;   (Incluído pela Lei nº 14.285, de 2021)

II – a observância das diretrizes do plano de recursos hídricos, do plano de bacia, do plano de drenagem ou do plano de saneamento básico, se houver; e   (Incluído pela Lei nº 14.285, de 2021)

III – a previsão de que as atividades ou os empreendimentos a serem instalados nas áreas de preservação permanente urbanas devem observar os casos de utilidade pública, de interesse social ou de baixo impacto ambiental fixados nesta Lei.   (Incluído pela Lei nº 14.285, de 2021)

 

 

Pouco importa se o Ministério Público concorda ou não com a edição da Lei Municipal nº 1.603, de 14 de dezembro de 2011 (id. 107117591 – p. 46/47), que criou o Distrito de Porto Caiuá, incluindo-o no perímetro urbano de Naviraí/MS. O problema é do Município, e não da União Federal. Nenhum Poder Judiciário poderá dizer que a lei municipal é inconstitucional, eis que sua edição e promulgação está prevista constitucionalmente e no Estatuto das Cidades.

Com efeito, a recente alteração do Novo Código Florestal, trazida pela Lei nº 14.285/2021, encerrou todo o ruído criado pela jurisprudência do C. STJ acerca da intervenção federal de Órgãos Federais, IBAMA e ICMBio, nas propriedades localizadas nas áreas urbanas e urbanas consolidadas, atribuindo expressamente aos Conselhos Estaduais, municipais ou distritais a competência para a definição das faixas marginais previstas no inciso I do art. 4º.

Quanto às denominadas áreas urbanas e urbanas consolidadas, o próprio Código Florestal remete ao Estatuto das Cidades.

A compatibilização do novo Código Florestal com os interesses do Município, igualmente protegidos, devem levar em consideração a dignidade da pessoa humana, e a Lei nº 12.651/2012 faz uma diferenciação entre a área rural consolidada e área urbana ou urbana consolidada, para fixar limites diferenciados para observância de APP, sendo absurda e divorciada totalmente da realidade exigir-se em área urbana ou urbana consolidada APP de 500 (quinhentos) metros.

Esses dispositivos legais, por mais que alguns entendam que não devem ser assim aplicados, foram declarados constitucionais pelo Colendo STF, e cuida das Áreas Consolidadas em Áreas de Preservação Permanente.

Ora, é evidente que o magistrado há de julgar os feitos que lhe são submetidos com a ponderação e razoabilidade nas decisões. Aliás, é assim que determina o art. 20 da Lei nº 13.655/2018 que instituiu a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, determinando que a decisão judicial considere as consequências práticas de sua decisão.

A legislação ambiental prevê expressamente a possibilidade de regularização da área, sem ampliação ou modificação do status quo, devendo os ribeirinhos se submeter ao PRA, nos termos do art. 4º do Código Florestal.

Nesse sentido o § 12 do art. 61-A do Código Florestal, cuja constitucionalidade veio de ser reconhecida pelo C. STF:

 

 

"§ 12- Será admitida a manutenção de residências e da infra estrutura associada às atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo e de turismo rural, inclusive o acesso a essas atividades, independentemente das determinações contidas no caput e nos §§ 1º a 7º, desde que não estejam em área que ofereça risco à vida ou à integridade física das pessoas."

 

 

Esse dispositivo, expressamente admite a manutenção das residências. Assim não fosse, o artigo em análise não teria afirmado "e da infra estrutura associada". Teria o legislador escrito residências "e infraestrutura associadas", o que não ocorreu.

Mas a ocupação antrópica que o Código admite, não é qualquer ocupação. Há de ser aquela preexistente a 22 de julho de 2008, como é o caso dos autos.

Acrescento que a dignidade da pessoa humana e os direitos que lhe foram garantidos pelo texto constitucional, explicitados no "caput" do art. 6º, arrolam, ao lado da educação e da saúde, dentre outros, o trabalho, a moradia e o lazer.

O Prof. Celso Antonio Fiorillo ensina:

 

 

"... a nova legislação instrumental ratifica no plano infraconstitucional que lesões ou ameaça aos bens ambientais/direito ambiental (patrimônio genético, meio ambiente cultural, meio ambiente digital, meio ambiente artificial, saúde ambiental, meio ambiente do trabalho e meio ambiente natural) serão apreciadas pelo Poder Judiciário, conforme os princípios fundamentais indicados nos arts. 1º a 3º da Carta Magna, bem como em face das garantias e direitos individuais fundamentais indicados no  art. 5º e seguintes da Constituição Federal." (Direito Processual Ambiental Brasileiro-Saraiva, 2018, p. 25)

 

 

Por fim, cabe deixar consignado que o C. STF, nas inúmeras reclamações recebidas contra a autoridade dos julgamentos proferidos nas ADI's 4901, 4902, 4903, 4937 e ADC 42, apreciadas em 28/02/2018, tem suspendido os efeitos dos julgamentos proferidos com fundamento nas disposições do Código Florestal (Lei nº 4.771/1965), inclusive desta E. Corte, in verbis:

 

 

"Decisão:

Vistos.

Cuida-se de reclamação constitucional, com pedido de tutela de urgência, ajuizada por Rogério Fernando Ferreira e outros contra decisão proferida pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região, mediante a qual se teria afrontado a autoridade do Supremo Tribunal Federal e desrespeitado a eficácia do julgado nas ADI nºs 4.901/DF, 4.902/DF, 4.903/DF e 4.937/DF e na ADC nº 42/DF.

Os reclamantes narram que são demandados pelo Ministério Público Federal, nos autos da Ação Civil Pública nº 0004931-67.2013.4.03.6112, 

“com objetivo de condená-los ao cumprimento das obrigações de fazer e de não fazer, consistentes, basicamente, em deixar de utilizar o imóvel que lhes pertence, demolir a edificação existente no local e reflorestar a área, além da condenação ao pagamento de indenização por danos ambientais supostamente causados”.

Relatam que, em sede de recurso de apelação,

“[e]m sessão de julgamento realizada em Abril/2019, a Sexta Turma do [TRF 3] manteve a sentença, ignorando completamente a constitucionalidade do art. 61-A, §§ 1, 12, e 14 da Lei 12.651/12, declarada pelo Pretório Excelso por ocasião das ADI`s 4901, 4902, 4903, 4937 e ADC 42, apreciadas pela Suprema Corte em 28/02/2018.”

Informam que contra essa decisão foram opostos embargos de declaração, os quais foram rejeitados, e, logo após interpuseram recursos especial e extraordinário, estando ambos pendente de admissibilidade.

Sustentam os reclamantes que

“o TRF 3 permanece recalcitrantemente com o entendimento de inaplicabilidade do novo Código Florestal com base no princípio da vedação ao retrocesso ambiental e com fulcro na regra tempus regit actum, utilizada aqui como fundamento para tornar letra morta o disposto no art. 61-A, §§ 1, 12 e 14 da Lei 12.651/12, contrariando o STF no julgamento da ADC 42 e das ADI`s 4901, 4902, 4903 e 4937, que em controle concentrado de constitucionalidade à recepcionou integralmente, sem ressalvas ou observações.”

Ressaltam, ainda, que,

“[d]e acordo com o v. Acórdão objeto desta reclamação, aplica-se a anacrônica Lei 4.771/67 ao caso dos autos porque era a lei vigência na época dos fatos, ademais é pressuposto do art. 61-A, do Novo Código Florestal, a regularização fundiária, sem a qual é inaplicável o dispositivo, ou seja, trata-se de condição sine qua non.”.

Rogério Fernando Ferreira e outros defendem que

“[a] teoria da vedação ao retrocesso da defesa de direitos e garantias ambientais foi peremptoriamente afastada no julgamento da ADC 42, oportunidade em que o Pretório Excelso cotejou essa tese com outros valores igualmente elevados às garantias constitucionais, e chegou-se à conclusão de que não se trata de um princípio absoluto e intocável no ordenamento jurídico, devendo ser interpretado em conjunto com o arcabouço jurídico constitucionalmente relevante, estando, portanto, sujeito à mudanças democraticamente promovidas pelo Legislativo, cf. se verificou com a promulgação do novo Código Florestal.” (destaquei)

Ponderam que,

“[d]eclarada a constitucionalidade da Lei 12.651/12, não pode ela ser taxada de retrocesso ambiental para obstaculizar efeitos quanto à sua vigência, inclusive e notoriamente para ações em curso, como é o caso que tramita na origem, sob pena de, indiretamente, negar-lhe vigência e constitucionalidade, tornando-a letra morta e com manifesta violação ao julgamento da ADI 4902, evidenciando um casuísmo processual absurdo.”.

Argumentam, ademais,

“[ser] indevida a aplicação do princípio tempus regit actum porque o novo Código foi expresso ao prever a retroatividade da novel legislação a fatos pretéritos, tendo dedicado todo capítulo das disposições transitórias a retroação da lei, justamente para atingir aquelas situações consolidadas que podem ser regularizadas, conferindo assim um tratamento isonômico à todos aqueles que se encontravam à margem da lei.”.

Requerem que seja deferida a tutela de urgência para suspender os efeitos do acórdão reclamado até o julgamento definitivo da presente reclamação. No mérito, pedem que seja julgada procedente a reclamação.

É o relatório. Decido.

Aponta-se como ato reclamado acórdão proferido pelo TRF da 3ª Região nos autos da Ação Civil Pública nº 0004931-67.2013.4.03.6112, cuja ementa transcrevo, na parte de interesse:

“DIREITO AMBIENTAL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. REMESSA OFICIAL, TIDA POR INTERPOSTA. ART. 475, 1, DO CPC/1973 C/C ART. 19 DA LEI N.° 7.347/1985. PRELIMINARES REJEITADAS. INQUÉRITO CIVIL PÚBLICO. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE (APP). RIO PARANÁ. MUNICÍPIO DE ROSANA. DANO AMBIENTAL. EXTENSÃO. 500 (QUINHENTOS) METROS. INDENIZAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. POSSIBILIDADE DE INTEGRAL RECUPERAÇÃO.

(...)

4. Igualmente, não prospera a preliminar de nulidade da sentença por deixar de aplicar a regra do art. 61-A, § 1° e 12 do novo Código Florestal, uma vez que, estando comprovado nos autos, por meio de laudo pericial e Relatório Técnico de Vistoria, o fato de o lote em questão estar em Área de Preservação Permanente (APP), cujo parcelamento do solo foi realizado de forma irregular e clandestina, com risco de inundação, a discussão acerca do caráter urbano ou rural da área e sua eventual sujeição às leis municipais de uso e ocupação do solo torna-se despicienda, de modo que a faixa a ser considerada, in casu, deve ser a de 500 metros do leito do Rio Paraná, na forma da legislação ambiental e não a de 5 metros, conforme prevista no § 10 do art. 61-A da Lei n.° 12.651/2012.

(...)

6. No caso vertente, os réus, ora apelantes, são proprietários dos imóveis denominados ‘Rancho dos Alongados’ ou ‘Rancho do Ranulfo’ e ‘Rancho Boca do Sucuri’, localizados no bairro Entre Rios, estrada do Pontalzinho, Município de Rosanal/SP, às margens do rio Paraná.

7. Acerca da definição das áreas de preservação permanente, dispunha a Lei n.° 4.771/1965, vigente à época que (...) consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas (...) ao longo dos rios ou de qualquer curso d'água desde o seu nível mais alto em faixa marginal cuja largura mínima será: (...) 500 (quinhentos) metros para os cursos d'água que tenham largura superior a 600 (seiscentos) metros (art. 2°, ‘a’, item 5).

8. A jurisprudência desta C. Sexta Turma é pacífica quanto à aplicação, aos casos como o presente, do Código Florestal anterior (Lei n.° 4.771/1965), vigente à época dos fatos.

9. Como já dito anteriormente, estando comprovado o fato de o lote em questão estar em Area de Preservação Permanente, cujo parcelamento do solo foi realizado de forma irregular e clandestina, com risco de inundação, a discussão acerca do caráter urbano ou rural da área e sua eventual sujeição às leis municipais de uso e ocupação do solo torna-se despicienda, mesmo porque o parágrafo único do art. 2° da Lei n.° 4.771/1965 é claro ao dispor que no caso de áreas urbanas (..) observar-se-á o disposto nos respectivos planos, diretores e leis de uso do solo, respeitados os princípios e limites a que se refere este artigo.” (e-Doc. 10, grifo nosso)

Em juízo de delibação, entendo que há plausibilidade jurídica na tese de que a autoridade reclamada, ao recusar a análise do Processo nº 0004931-67.2013.4.03.6112 à luz da Lei nº 12.651/2012 - declarando não apenas a irrelevância do debate preliminar quanto às propriedades em litígio estarem localizada em área urbana ou rural, mas também a necessidade de a ação ser analisada à luz da legislação vigente ao tempo das condutas controvertidas (Lei nº 4.771/65)-, esvazia a força normativa do referido dispositivo legal cuja validade constitucional fora afirmada pelo STF na ADI 4.903/DF e na ADC nº 42/DF (sessão de julgamento de 28/2/2018, ata de julgamento publicada no DJe de 2/3/2018).

Há verossimilhança na alegação de recusa à aplicação do art. 61-A da Lei nº 12.651/2012 no caso concreto, com fundamento no princípio do tempus regit actum e do postulado da vedação do retrocesso em matéria ambiental, em afronta à autoridade do STF nas ações paradigmas. Nesse sentido:

“MEDIDA CAUTELAR NA RECLAMAÇÃO. CONSTITUCIONAL. DECISÃO RECLAMADA NA QUAL SE APLICA O PRINCÍPIO TEMPUS REGIT ACTUM. AFASTAMENTO DAS REGRAS DE TRANSIÇÃO DA LEI N. 12.651/2012 (NOVO CÓDIGO FLORESTAL). ALEGADO DESCUMPRIMENTO AO DECIDIDO NAS AÇÕES DIRETAS DE INCONSTITUCIONALIDADE NS. 4.937, 4.903, 4.902 E NA AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE N. 42. INCIDÊNCIA DA REGRA DE TRANSIÇÃO ESTABELECIDA NO ART. 61-A DA LEI N. 12.651/2012. MEDIDA LIMINAR DEFERIDA. PROVIDÊNCIAS PROCESSUAIS” (Rcl nº 42.786/SP-MC, Rel. Min. Cármen Lúcia, Dje de 24/9/20).

“RECLAMAÇÃO CONSTITUCIONAL. ADIs Nº 4.937, 4.903, 4.902 E ADC Nº 42. SÚMULA VINCULANTE Nº 10. INVIABILIDADE DE ALEGAÇÃO DE VEDAÇÃO AO RETROCESSO. NOVO CÓDIGO FLORESTAL. ATO RECLAMADO QUE APLICA O PRINCÍPIO TEMPUS REGIT ACTUM AO CASO. AFASTAMENTO DE NORMA COM BASE EM FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS. PROCEDÊNCIA DA RECLAMAÇÃO” (Rcl nº 42.711/SP, Rel. Min. Rosa Weber, Dje de 20/11/20).

Há, ainda, periculum in mora, ante a existência de ordem judicial para

“1. [...] abster-se de utilizar ou explorar as áreas de várzea e preservação permanente dos imóveis [...] 2. [...] demolir todas as construções existentes nas áreas de várzea e preservação permanente inseridas no referido lote, e não previamente autorizadas pelos órgãos ambientais, providenciando, ainda, a retirada de todo o entulho para local aprovado pelo órgão ambiental, no prazo de 30 (trinta) dias; 3. [...] recompor a cobertura florestal da área de preservação permanente do referido lote, no prazo de 06 (seis) meses, pelo plantio racional e tecnicamente orientado de espécies nativas e endêmicas da região, com acompanhamento e tratos culturais, pelo período mínimo de 02 (dois) anos, em conformidade com projeto técnico a ser submetido e aprovado pela CBRN - Coordenadoria de Biodiversidade e Recursos Naturais ou pelo IBAMA, marcando-se prazo para apresentação do projeto junto àqueles órgãos não superior a 30 (trinta) dias; [...]”

Ante o exposto, e sem prejuízo de nova análise da questão após prestadas as informações e instaurado o contraditório, defiro parcialmente a tutela de urgência para suspender, no limite de área regulamentada pela Lei nº 12.651/2012, a eficácia de decisão do TRF 3 na ACP nº 0004931-67.2013.4.03.6112 no tocante às ordens de abstenção de exploração, demolição de construções e recomposição da cobertura florestal e eventual multa pelo descumprimento da decisão nessa parte ou prática de eventuais atos ou procedimentos executivos dela decorrentes.

Registro que, ante o caráter cautelar da medida, ficam mantidos os efeitos da decisão reclamada na parte em que institui ordem de não fazer consistente em “abster-se de promover ou permitir a supressão de qualquer tipo de cobertura vegetal do referido imóvel, sem a necessária e indispensável autorização do órgão competente - CBRN ou IBAMA”, bem como as astreintes fixadas pelo descumprimento nessa parte.

Ante a ausência de indicação do valor da causa (CPC, art. 291 c/c art. 319, inciso V), determino a emenda da inicial, no prazo de 15 (quinze) dias, sob pena de revogação da liminar e indeferimento da reclamação.

Apresentada a emenda da inicial, à Secretaria para que proceda i) à intimação da autoridade reclamada para que preste as informações e ii) à citação da parte beneficiária do ato reclamado (CPC, art. 989, I e III).

Após, encaminhem-se os autos à Procuradoria-Geral da república para manifestação como custos legis.

Publique-se. Int."

(Rcl 51472 MC/SP - Relator Min. DIAS TOFFOLI - j. 18/02/2022 - Publicação DJe-s/n DIVULG 21/02/2022 PUBLIC 22/02/2022 - destaquei)

 

 

Ante o exposto, vênia devida ao e. Relator, dou provimento à apelação do réu para reformar a r. sentença, julgando improcedentes os pedidos, e julgo prejudicada a remessa oficial, tida por submetida, bem como a apelação do MPF.

É como voto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


E M E N T A

APELAÇÕES E REEXAME NECESSÁRIO. AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. INTERVENÇÃO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. RIO PARANÁ. APP DE 500 METROS. DANO AMBIENTAL CONFIGURADO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. RISCO INTEGRAL. DEVER DE RESTAURAÇÃO CONFIGURADO. INDENIZAÇÃO. CONDENAÇÃO AO PAGAMENTO. FIXAÇÃO DO QUANTUM POR ARBITRAMENTO.

- A definição de área de preservação permanente é legal, de modo que, havendo intervenção antrópica de forma irregular, a norma estabelece a responsabilidade objetiva.

- Imóvel enquadrado no conceito de casa de veraneio, localizado em área de preservação permanente e construído sob a vigência da Lei nº 4.771/65 (antigo Código Florestal), que deve ser observada, em atenção ao princípio tempus regit actum.

- Ausência de controvérsia quanto ao fato de que o imóvel se encontra a menos de 500 metros do leito do rio Paraná, em área de preservação permanente, na faixa marginal do curso d'água, o que viola o disposto no artigo 2º da Lei nº 4.771/65.

- A responsabilidade por danos ambientais tem natureza objetiva, nos termos do § 1º, do art. 14, da Lei nº 6.938/81.

- A manutenção da propriedade do réu acarreta nítida degradação ambiental, pois impede a regeneração da vegetação nativa na área de preservação permanente, razão pela qual devem ser desfeitas as construções, bem como removidos os entulhos para permitir a recomposição florestal do local.

- Ausência de ofensa ao direito de propriedade (CF, art. 5º, XXII), ao direito de moradia (CF, arts. 6º e 7º) e ao direito ao lazer (CF, art. 217, § 3º), uma vez que não é possível se falar em direito adquirido à degradação ambiental diante do decurso do tempo (Súmula nº 613/STF).

- A teoria do fato consumado, mesmo diante de em situações que envolvam residências familiares localizadas em área de proteção ambiental não se sobrepõe ao direito coletivo ao meio ambiente ecologicamente sustentável e equilibrado, previsto no art. 225 da Constituição Federal.

- Caráter propter rem das obrigações ambientais, de modo que é viável a transferência da responsabilidade por eventuais danos ao atual proprietário ou possuidor, ainda que não tenham sido os responsáveis pela degradação ambiental (Súmula nº 623/STJ)

- A localidade de Porto Caiuá não pode ser considerada área urbana consolidada porquanto não conta com densidade demográfica superior a cinco mil habitantes por km², o que afasta a aplicação da Lei Municipal de Naviraí nº 1.603/2011, que criou o Distrito do Porto Caiuá, para justificar a manutenção  imóvel.

- A infração de ocupação não autorizada em área de preservação permanente, não se esgotou com o erigir das construções. Trata-se de conduta infracional continuada, que se protrai no tempo, porquanto contínua a utilização do espaço em desacordo com as normas de proteção ambiental, a agravar cada vez mais os danos ambientais no local, na medida em que impede a natural regeneração da vegetação. Daí decorre o dever de indenizar. A jurisprudência admite que seja cumulada com a reparação, a qual, conquanto seja prioritária, não é suficiente para a reparação do malefício provocado. Ademais, seus objetos são distintos. A primeira objetiva compensar danos indiretos, passados, futuros, morais coletivos e tem efeito pedagógico, ao passo que a segunda busca a restauração direta e imediata.

- O dano coletivo extrapatrimonial ou moral está presente. Pela própria definição constitucional (art. 225, CF), o meio ambiente é primacialmente coletivo e sua proteção, seja da flora ou da fauna, respeita seus aspectos material e espiritual e deve ser considerado no seu conjunto, como é a expressão do legislador: meio ambiente ecologicamente equilibrado e essencial à sadia qualidade de vida. 

- É pacífico o entendimento da jurisprudência no sentido da possibilidade de fixação do valor indenizatório decorrente de dano ambiental por ocasião da liquidação por arbitramento (artigo 509 do CPC; artigos 475-C e 475-D do CPC/1973).

- É essa a interpretação a ser dada ao pleito formulado, pois o autor não restringiu a realização da perícia à fase de conhecimento, até mesmo porque plenamente cabível sua realização na fase de liquidação, como visto, nomeado expert pelo próprio Juízo onde será cumprido o decisum condenatório. O pedido deve ser interpretado de forma a alcançar a maior proteção jurídica possível e a máxima efetividade do provimento exarado (STJ, REsp 1162643, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, v.u., DJe 17/08/2012).

- Apelação do réu desprovida. Apelo do Ministério Público Federal e reexame necessário providos em parte.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, Na sequência do julgamento, após o voto vista da Des. Fed. MARLI FERREIRA e dos votos da Des. Fed. MÔNICA NOBRE e do Des. Fed. WILSON ZAUHY, foi proclamado o seguinte resultado: A Quarta Turma, por maioria, decidiu negar provimento ao recurso de apelação do réu, nos termos do voto do Des. Fed. MARCELO SARAIVA (Relator), com quem votaram o Des. Fed. ANDRÉ NABARRETE e a Des. Fed. MÔNICA NOBRE. Vencidos a Des. Fed. MARLI FERREIRA e o Des. Fed. WILSON ZAUHY que davam provimento à apelação do réu. Por voto médio do Des. Fed. ANDRÉ NABARRETE, decidiu dar parcial provimento ao recurso do MPF, assim como ao reexame necessário, a fim de condenar ao pagamento de indenização correspondente aos danos ambientais a ser fixada por arbitramento. O Des. Fed. MARCELO SARAIVA e a Des. Fed. MÔNICA NOBRE, votaram no sentido de negar provimento à apelação do MPF e à remessa oficial, tida por submetida. A Des. Fed. MARLI FERREIRA e o Des. Fed. WILSON ZAUHY, julgavam prejudicada a remessa oficial, tida por submetida, bem como à apelação do MPF. Lavará o acórdão o Des. Fed. ANDRÉ NABARRETE. Fará declaração de voto a Des. Fed. MARLI FERREIRA. Ausente, justificadamente, nesta sessão, o Des. Fed. ANDRÉ NABARRETE. , nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.