APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0000934-79.2009.4.03.6124
RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, UNIÃO FEDERAL, INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVAVEIS
APELADO: DELSON LUIZ FERREIRA, KATIA DAS NEVES GARCIA, CESP COMPANHIA ENERGETICA DE SAO PAULO, MUNICIPIO DE SANTA FE DO SUL, RIO PARANÁ ENERGIA S.A, INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVAVEIS
PROCURADOR: MUNICIPIO DE SANTA FE DO SUL
Advogados do(a) APELADO: GUILHERME SONCINI DA COSTA - SP106326-A, RODRIGO SONCINI DE OLIVEIRA GUENA - SP259605-A
Advogado do(a) APELADO: ADRIANA ASTUTO PEREIRA - SP389401-A
Advogados do(a) APELADO: CARINA SANTANIELI - SP213374-A, GIOVANI RODRYGO ROSSI - SP209091-A, MARIANI PAPASSIDERO AMADEU - SP270827-A, MILTON RICARDO BATISTA DE CARVALHO - SP139546-A, PAULO ROGERIO GONCALVES DA SILVA - SP294562-A, RODOLFO QUEIROZ MACHADO - SP499982, SEIJI KURODA - SP119370-N
Advogado do(a) APELADO: ALEXANDRE ABBY - SP303656-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0000934-79.2009.4.03.6124 RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS DELGADO APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, UNIÃO FEDERAL, INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVAVEIS APELADO: DELSON LUIZ FERREIRA, KATIA DAS NEVES GARCIA, CESP COMPANHIA ENERGETICA DE SAO PAULO, MUNICIPIO DE SANTA FE DO SUL, RIO PARANÁ ENERGIA S.A, INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVAVEIS Advogados do(a) APELADO: GUILHERME SONCINI DA COSTA - SP106326-A, RODRIGO SONCINI DE OLIVEIRA GUENA - SP259605-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR): Trata-se de remessa necessária e de apelações interpostas pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pelo IBAMA e pela UNIÃO FEDERAL, em ação civil pública proposta em face de DELSON LUIZ FERREIRA, KÁTIA GARCIA FERREIRA, do MUNICÍPIO DE SANTA FÉ DO SUL, da CESP - COMPANHIA ENERGÉTICA DE SÃO PAULO e da RIO PARANÁ ENERGIA S.A., objetivando o reflorestamento da Área de Preservação Permanente que circunda reservatório artificial de água, bem como a cobrança de indenização pelos respectivos danos ambientais. Houve o deferimento parcial de liminar em 26/06/2009 (ID 281005980 - p. 55-59), para determinar: 1) aos rancheiros, que se abstenham de promover novas intervenções antrópicas na faixa da APP; 2) ao IBAMA e à Prefeitura de Santa Fé do Sul, que efetuem vistoria no imóvel, elaborem laudo preliminar e efetuem fiscalização das atividades dos rancheiros e, finalmente, 3) à União Federal, que realize a fiscalização da execução regular do contrato de concessão pela CESP - COMPANHIA ENERGÉTICA DE SÃO PAULO. Na r. sentença (ID 281006227), prolatada em 18/05/2023, a ação foi julgada improcedente e as partes foram isentadas do pagamento de custas processuais e de honorários advocatícios. Todavia, a União Federal foi condenada a reembolsar os réus dos honorários periciais por eles antecipados no curso da instrução. A sentença foi submetida ao reexame necessário. Em suas razões recursais (ID 281006234), o MPF requer, preliminarmente, a reforma da decisão saneadora e a nulidade do laudo pericial, eis que o cálculo da faixa da APP deve observar o disposto no artigo 2º, alínea 'b', do Código Florestal revogado (Lei n. 4.771/65), bem como o disposto nas Resoluções do CONAMA n. 04/1985 e 302/2002. No mérito, pugna pela reforma do r. decisum, sob o argumento de ser inaplicável o Novo Código Florestal (Lei n. 12.651/2012) às intervenções antrópicas que se iniciaram antes da sua entrada em vigor. Aduz ainda que a controvérsia acerca da definição da lei aplicável ao caso concreto deve observar os princípios do tempus regit actum e da vedação ao retrocesso da proteção ambiental. Por derradeiro, sustenta ter sido demonstrado o nexo de causalidade entre o dano ambiental à faixa da APP e a conduta dos réus, razão pela qual pede sua responsabilização. A União Federal, por sua vez, em seu recurso (ID 281006235), ante a ausência de má-fé, requer a isenção do pagamento de honorários periciais, nos termos do artigo 18 da Lei n. 7.347/1985. Subsidiariamente, pede o rateio desta verba entre os demais litisconsortes ativos. Por fim, em sua apelação (ID 281006236), o IBAMA requer, preliminarmente, a nulidade da sentença por ter sido cerceada a defesa de seu direito, ante a necessidade de complementação da prova pericial, bem como a nulidade da decisão saneadora, que estabeleceu o artigo 62 do Novo Código Florestal como orientação normativa a ser observada na confecção do laudo pericial. No mérito, postula a reforma do r, decisum, argumentando, em síntese, que houve equívoco na interpretação conferida ao artigo 62 da Lei n. 12.651/2012, uma vez que a incidência desta norma visa apenas regularizar a ocupação antrópica ocorrida até 22/7/2008 (entrada em vigor do Decreto n. 6.514/2008) ou, subsidiariamente, até 28/5/2012 (início da vigência do Novo Código Florestal), e não reduzir definitivamente os limites da área de preservação. Assim, após o referido marco temporal, onde não houve ocupação antrópica, a faixa de APP a ser considerada continua a ser aquela definida no licenciamento ambiental, consoante o disposto nos artigos 4º, III, e 5º do Novo Código Florestal (Lei n. 12.651/2012). Devidamente processados os recursos, com contrarrazões (ID 281006243, ID 281006244, ID 281006268, ID 281006272 e ID 281006281), foram os autos remetidos a este Tribunal Regional Federal. Nesta Corte Regional, na condição de custus legis, o MPF ofertou parecer sugerindo o desprovimento dos recursos do Parquet Federal e do IBAMA, bem como o parcial provimento da apelação da União Federal (ID 282717044). É o relatório.
PROCURADOR: MUNICIPIO DE SANTA FE DO SUL
Advogado do(a) APELADO: ADRIANA ASTUTO PEREIRA - SP389401-A
Advogados do(a) APELADO: CARINA SANTANIELI - SP213374-A, GIOVANI RODRYGO ROSSI - SP209091-A, MARIANI PAPASSIDERO AMADEU - SP270827-A, MILTON RICARDO BATISTA DE CARVALHO - SP139546-A, PAULO ROGERIO GONCALVES DA SILVA - SP294562-A, RODOLFO QUEIROZ MACHADO - SP499982, SEIJI KURODA - SP119370-N
Advogado do(a) APELADO: ALEXANDRE ABBY - SP303656-A
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0000934-79.2009.4.03.6124 RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS DELGADO APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP, UNIÃO FEDERAL, INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVAVEIS APELADO: DELSON LUIZ FERREIRA, KATIA DAS NEVES GARCIA, CESP COMPANHIA ENERGETICA DE SAO PAULO, MUNICIPIO DE SANTA FE DO SUL, RIO PARANÁ ENERGIA S.A, INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVAVEIS Advogados do(a) APELADO: GUILHERME SONCINI DA COSTA - SP106326-A, RODRIGO SONCINI DE OLIVEIRA GUENA - SP259605-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR): Preliminarmente, não merece prosperar a alegação de cerceamento de defesa. Ao se examinar detidamente o laudo pericial, verifica-se que ele foi confeccionado com base no critério de cálculo da faixa da APP estabelecido no artigo 62 do Novo Código Florestal (Lei n. 12.651/2012) (ID 281006197), em estrito cumprimento aos termos da decisão saneadora prolatada pelo Juízo 'a quo' (ID 281006060). Alguns quesitos efetuados pelo IBAMA (ID 281006063), no entanto, ignoraram essa premissa, buscando obter o pronunciamento do vistor oficial sobre assuntos que não guardam relação com o objetivo da perícia. Em outros, insistiu-se na utilização de forma de cálculo da faixa da APP que foi expressa e fundamentadamente afastada pela decisão do Juízo 'a quo'. Diante da impertinência de tais questionamentos em relação ao propósito do laudo pericial - que não é o de desenvolver discussões jurídicas - não há violação ao direito de defesa a ser pronunciada nesta fase processual. Neste sentido, reporto-me aos seguinte precedente desta Corte Regional: "DANO AMBIENTAL NA ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE NO ENTORNO DO RESERVATÓRIO DA USINA HIDRELÉTRICA DE ILHA SOLTEIRA: (…) CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO CONFIGURADO: a perícia técnica deferida nos autos teve por objetivo a delimitação da APP no imóvel em questão, nos termos do disposto no artigo 62 do Lei nº 12.651/2012, e a verificação da existência de intervenção humana que impedisse a regeneração da vegetação nativa. E todos os quesitos apresentados pelo IBAMA foram respondidos no laudo pericial, se relativos ao objetivo da perícia. Ademais, ...não há cerceamento de defesa quando o julgador, ao constatar nos autos a existência de provas suficientes para o seu convencimento, indefere pedido de produção de prova. Cabe ao juiz decidir, motivadamente, sobre os elementos necessários à formação de seu entendimento, pois, como destinatário da prova, é livre para determinar as provas necessárias ou indeferir as inúteis ou protelatórias... (STJ - AgInt no AREsp 1682003/PR, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 08/02/2021, DJe 23/02/2021). Matéria preliminar afastada. (…)" (TRF 3ª Região, 6ª Turma, ApelRemNec - APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA - 0001709-31.2008.4.03.6124, Rel. Desembargador Federal LUIS ANTONIO JOHONSOM DI SALVO, julgado em 16/06/2023, DJEN DATA: 21/06/2023) (g.n.) Não se pode olvidar que o destinatário da prova é o juiz, que, por sua vez, sentiu-se suficientemente esclarecido sobre o tema. Não é direito subjetivo da parte, a pretexto de supostos esclarecimentos, a formulação de indagações outras, tão só porque a conclusão pericial lhe foi desfavorável. No mais, embora a conciliação deva ser prestigiada como forma autocompositiva de solução de conflitos - já que permite não só a célere pacificação social, como também o uso eficiente dos recursos materiais e humanos afetados à prestação da atividade jurisdicional -, ela não se mostra viável no caso dos autos. De fato, as teses deduzidas pelos corréus foram integralmente acolhidas pela r. sentença, com esteio em jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, firmada em sede de controle concentrado de constitucionalidade. Diante desse contexto e considerando os rígidos limites legais e institucionais para a propositura de acordos pelo Ministério Público e pelas entidades da Administração Pública Federal, não se vislumbra a probabilidade de solução consensual na hipótese. Ademais, as partes exerceram plenamente suas garantias processuais e as provas produzidas no curso da instrução esclareceram os fatos controvertidos, razão pela qual não é razoável postergar ainda mais o provimento jurisdicional quando a demanda está madura para o julgamento do mérito. Por fim, é certo que a decisão saneadora é o local apropriado para a apreciação das questões processuais pendentes, a identificação dos fatos controvertidos e a delimitação das provas que deverão ser produzidas, nos termos do artigo 357 do Código de Processo Civil. Entretanto, como o critério de delimitação da APP diz respeito ao mérito da demanda, sua impugnação pelas partes nas fases processuais subsequentes não pode ser obstada pela preclusão, eis que necessariamente deve ser revolvida na análise do mérito da controvérsia revolvida. Assim, conquanto o Juízo 'a quo' tenha fixado, na decisão saneadora, as balizas para a realização da perícia judicial, orientando a observância do artigo 62 do NCF (Lei n. 12651/2012) para o cálculo da faixa da APP pelo vistor oficial, isso não trouxe qualquer prejuízo para os fins de justiça do processo, razão pela qual não há falar em nulidade da referida decisão, nos termos do parágrafo único do artigo 283 do Código de Processo Civil. Passo, então, ao exame do mérito. A controvérsia diz respeito à responsabilização por danos ambientais em Área de Preservação Permanente. I - Das Áreas de Preservação Permanente - APPs O artigo 225 da Constituição Federal de 1988 reconheceu, como direito fundamental, a manutenção de um meio ambiente ecologicamente equilibrado, pois este constitui condição imprescindível para uma existência digna, já que viabiliza a fruição de uma vida mais saudável, mediante a proteção dos espaços, bem como dos recursos naturais e biológicos necessários à perpetuação da convivência humana. Dada a relevância dos bens ambientais para as presentes e as futuras gerações, foram incumbidos de sua proteção e preservação não só o Poder Público, mas também toda a coletividade. A fim de atingir esse propósito, entre outras providências, conferiu-se ao Estado a possibilidade de delimitar espaços territoriais que devam ser especialmente protegidos, de modo a impedir que sua utilização indevida comprometa a integridade do ecossistema, nos termos do artigo 225, §1º, III, da Carta Magna. Não é outra a razão pela qual o legislador regulamentou a criação e o regime jurídico das chamadas Áreas de Preservação Permanente - APPs. Esses espaços encontram-se atualmente disciplinados pelo Novo Código Florestal - NCF (Lei n. 12.651 de 25/06/2012). Segundo o artigo 3º, II, do referido diploma legal, considera-se Área de Preservação Permanente, a "área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas". Essas áreas podem ser subdivididas de acordo com a sua origem em: 1) as criadas por força de lei e; 2) as instituídas por ato administrativo. As primeiras são aquelas que o próprio legislador classificou como sensíveis à manutenção do equilíbrio do ecossistema em razão da sua particular localização geográfica. Elas estão elencadas no artigo 4º do Novo Código Florestal. Já as Áreas de Preservação Permanente de cunho administrativo são aquelas criadas por ato do Chefe do Poder Executivo (Municipal, Estadual ou Federal), por ostentarem interesse social específico. Neste sentido, só podem fazer jus a essa proteção estatal particular as áreas que, além de cumprirem as funções ambientais de "preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas", atendam a alguma das finalidades previstas no artigo 6º da Lei n. 12.651/2012, in verbis: "Art. 6º Consideram-se, ainda, de preservação permanente, quando declaradas de interesse social por ato do Chefe do Poder Executivo, as áreas cobertas com florestas ou outras formas de vegetação destinadas a uma ou mais das seguintes finalidades: I - conter a erosão do solo e mitigar riscos de enchentes e deslizamentos de terra e de rocha; II - proteger as restingas ou veredas; III - proteger várzeas; IV - abrigar exemplares da fauna ou da flora ameaçados de extinção; V - proteger sítios de excepcional beleza ou de valor científico, cultural ou histórico; VI - formar faixas de proteção ao longo de rodovias e ferrovias; VII - assegurar condições de bem-estar público; VIII - auxiliar a defesa do território nacional, a critério das autoridades militares. IX - proteger áreas úmidas, especialmente as de importância internacional. (Incluído pela Lei nº 12.727, de 2012)." (g.n.) O artigo 8º do Novo Código Florestal, por sua vez, autoriza excepcionalmente a intervenção antrópica ou mesmo a supressão da vegetação nativa nas Áreas de Preservação Permanente nas hipóteses de comprovada utilidade pública, de manifesto interesse social ou ainda em caso de baixo impacto ambiental. A própria Lei n. 12.651/2012 em seu artigo 3º, incisos VIII a X, estabelece determinadas situações que podem justificar a intervenção legítima nas Áreas de Preservação Permanente. Quando do julgamento conjunto da ADC n. 42/DF e das ADIs n. 4901/DF, 4902/DF, 4903/DF e 4937/DF, a Suprema Corte deu interpretação conforme aos incisos VIII a X do artigo 3º do Novo Código Florestal, para ressaltar que a intervenção em Área de Preservação Permanente é medida excepcional, que só se justifica quando necessária para a concretização de outros direitos constitucionalmente assegurados e desde que não haja alternativa técnica ou locacional à atividade proposta. Por sua pertinência, trago à colação o seguinte trecho da ementa do referido acórdão: "Ementa : DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO AMBIENTAL. ART. 225 DA CONSTITUIÇÃO. DEVER DE PROTEÇÃO AMBIENTAL. NECESSIDADE DE COMPATIBILIZAÇÃO COM OUTROS VETORES CONSTITUCIONAIS DE IGUAL HIERARQUIA. ARTIGOS 1º, IV; 3º, II E III; 5º, CAPUT E XXII; 170, CAPUT E INCISOS II, V, VII E VIII, DA CRFB. DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL. JUSTIÇA INTERGERACIONAL. ALOCAÇÃO DE RECURSOS PARA ATENDER AS NECESSIDADES DA GERAÇÃO ATUAL. ESCOLHA POLÍTICA. CONTROLE JUDICIAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS. IMPOSSIBILIDADE DE VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DEMOCRÁTICO. EXAME DE RACIONALIDADE ESTREITA. RESPEITO AOS CRITÉRIOS DE ANÁLISE DECISÓRIA EMPREGADOS PELO FORMADOR DE POLÍTICAS PÚBLICAS. INVIABILIDADE DE ALEGAÇÃO DE VEDAÇÃO AO RETROCESSO. NOVO CÓDIGO FLORESTAL. AÇÕES DIRETAS DE INCONSTITUCIONALIDADE E AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE JULGADAS PARCIALMENTE PROCEDENTES. (…) 22. Apreciação pormenorizada das impugnações aos dispositivos do novo Código Florestal (Lei nº 12.651/2012): (a) Art. 3º, inciso VIII, alínea b , e inciso IX (Alargamento das hipóteses que configuram interesse social e utilidade pública ): As hipóteses de intervenção em áreas de preservação permanente por utilidade pública e interesse social devem ser legítimas e razoáveis para compatibilizar a proteção ambiental com o atendimento a outros valores constitucionais, a saber: prestação de serviços públicos (art. 6º e 175 da CRFB); políticas agrícola (art. 187 da CRFB) e de desenvolvimento urbano (art. 182 da CRFB); proteção de pequenos produtores rurais, famílias de baixa renda e comunidades tradicionais; o incentivo ao esporte (art. 217 da CRFB), à cultura (art. 215 da CRFB) e à pesquisa científica (art. 218 da CRFB); e o saneamento básico (artigos 21, XX, e 23, IX, da CRFB). O regime de proteção das áreas de preservação permanente (APPs) apenas se justifica se as intervenções forem excepcionais, na hipótese de inexistência de alternativa técnica e/ou locacional. No entanto, o art. 3º, inciso IX, alínea g , limitou-se a mencionar a necessidade de comprovação de alternativa técnica e/ou locacional em caráter residual, sem exigir essa circunstância como regra geral para todas as hipóteses. Essa omissão acaba por autorizar interpretações equivocadas segundo as quais a intervenção em áreas de preservação permanente é regra, e não exceção. Ademais, não há justificativa razoável para se permitir intervenção em APPs para fins de gestão de resíduos e de realização de competições esportivas estaduais, nacionais ou internacionais, sob pena de subversão da prioridade constitucional concedida ao meio ambiente em relação aos demais bens jurídicos envolvidos nos dispositivos respectivos; Conclusão : (i) interpretação conforme à Constituição aos incisos VIII e IX do artigo 3º da Lei n. 12.651/2012, de modo a se condicionar a intervenção excepcional em APP, por interesse social ou utilidade pública, à inexistência de alternativa técnica e/ou locacional à atividade proposta, e (ii) declaração de inconstitucionalidade das expressões gestão de resíduos e instalações necessárias à realização de competições esportivas estaduais, nacionais ou internacionais , do artigo 3º, VIII, b , da Lei n. 12.651/2012; (…) 23. Ações Diretas de Inconstitucionalidade nº 4901, 4902, 4903 e 4937 e Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 42 julgadas parcialmente procedentes." (ADC 42, Relator(a): LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 28-02-2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-175 DIVULG 12-08-2019 PUBLIC 13-08-2019) (destaquei) II - Da delimitação das Áreas de Preservação Permanente nos arredores de reservatórios artificiais de água destinados à geração de energia ou ao abastecimento público Os territórios nos arredores dos reservatórios artificiais de água foram reconhecidos como áreas de preservação permanente em razão da norma prevista no artigo 2, alínea 'b' , do antigo Código Florestal (Lei n. 4.771/65), in verbis: "Art. 2° Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas: (…) b) ao redor das lagoas, lagos ou reservatórios d'água naturais ou artificiais;" (g.n.) O preceito normativo supramencionado, conquanto tenha assegurado especial proteção estatal em torno desses empreendimentos, não estipulou qualquer critério para delimitação da abrangência da APP. A fim de suprir a referida omissão e no exercício de sua competência para formular diretrizes para a implementação da Política Nacional de Meio Ambiente, o CONAMA editou a Resolução n. 04/1985, que estabelecia inicialmente o seguinte critério para definição da abrangência desses territórios: "Art. 3º . São Reservas Ecológicas: (…) b. as florestas e demais formas de vegetação natural situadas: (…) I. ao redor das lagoas, lagos ou reservatórios d'água naturais ou artificiais, desde o seu nível mais alto medido horizontalmente, em faixa marginal cuja largura mínima será: • de 30 (trinta) metros para os que estejam situados em áreas urbanas; • de 100 (cem) metros para os que estejam em áreas rurais, exceto os corpos d'água com até 20 (vinte) hectares de superfície, cuja faixa marginal será de 50 (cinqüenta) metros; • de 100 (cem) metros para os represas hidrelétricas." (g.n.) Entretanto, questionava-se a validade da referida Resolução, sobretudo, considerando que a Lei n. 4.771/65 não delegava ao Poder Executivo o poder de regulamentar a forma de cálculo da faixa da APP. Justamente para encerrar a discussão em torno desse tema, preenchendo a alegada lacuna legislativa, foi editada a Medida Provisória n. 2.166-67, que incluiu o parágrafo 6º no artigo 4º do antigo Código Florestal (Lei n. 4.771/65), in verbis: "Art. 4ª A supressão de vegetação em área de preservação permanente somente poderá ser autorizada em caso de utilidade pública ou de interesse social, devidamente caracterizados e motivados em procedimento administrativo próprio, quando inexistir alternativa técnica e locacional ao empreendimento proposto. (…) § 6º Na implantação de reservatório artificial é obrigatória a desapropriação ou aquisição, pelo empreendedor, das áreas de preservação permanente criadas no seu entorno, cujos parâmetros e regime de uso serão definidos por resolução do CONAMA." (destaquei) A referida Medida Provisória foi sendo reeditada inúmeras vezes até sua perenidade ser assegurada na ordem jurídica pela promulgação da Emenda Constitucional n. 32, de 11 de setembro de 2001, a qual estabeleceu em seu artigo 2º que "as medidas provisórias editadas em data anterior à da publicação desta emenda continuam em vigor até que medida provisória ulterior as revogue explicitamente ou até deliberação definitiva do Congresso Nacional". Com esteio nesta delegação legislativa, o Conselho Nacional do Meio Ambiente - CONAMA confeccionou a Resolução n. 302, em 20 de março de 2002, regulamentando o artigo 2º, alínea 'b', da Lei n. 4.771/65, a fim de estabelecer os seguintes critérios de cálculo da faixa da APP no entorno de reservatórios artificiais de água: "Art 3º. Constitui Área de Preservação Permanente a área com largura mínima, em projeção horizontal, no entorno dos reservatórios artificiais, medida a partir do nível máximo normal de: I - trinta metros para os reservatórios artificiais situados em áreas urbanas consolidadas e cem metros para áreas rurais; (…) § 1º Os limites da Área de Preservação Permanente, previstos no inciso I, poderão ser ampliados ou reduzidos, observando-se o patamar mínimo de trinta metros, conforme estabelecido no licenciamento ambiental e no plano de recursos hidricos da bacia onde o reservatório se insere, se houver" (g.n.) Pois bem. Com a entrada em vigor do Novo Código Florestal - NCF (Lei n. 12.651/2012), buscou-se compatibilizar a tutela do direito fundamental a um ambiente ecologicamente equilibrado com a necessidade de resolução dos conflitos de interesses que permeiam a disputa pela terra no país, inclusive mediante a positivação de medidas que visavam possibilitar eventual regularização fundiária de edificações que, embora construídas indevidamente, em regiões que gozavam de especial tutela estatal, já possuíam seu uso consolidado pelo decurso do tempo. É com esse espírito que veio a lume o artigo 62 do NCF, que inovou ao estabelecer critério objetivo de delimitação da Área de Preservação Permanente no entorno dos reservatórios artificiais de águas destinados à geração de energia ou ao abastecimento público, cujos contratos de concessão ou autorização foram assinados antes da vigência da Medida Provisória n. 2.166-67. Eis a dicção do referido preceito legal: "Art. 62. Para os reservatórios artificiais de água destinados a geração de energia ou abastecimento público que foram registrados ou tiveram seus contratos de concessão ou autorização assinados anteriormente à Medida Provisória nº 2.166-67, de 24 de agosto de 2001, a faixa da Área de Preservação Permanente será a distância entre o nível máximo operativo normal e a cota máxima maximorum" (g.n.) Substitui-se, portanto, a prévia determinação legal de limites rígidos para a faixa da APP, em prol de um critério técnico variável de acordo com as características particulares do empreendimento, conforme bem salientado pelos professores Edson Luiz Peters e Alessandro Panasolo: "Diante da inexistência de metragens preestabelecidas na legislação em vigor, a definição da largura da APP dependerá da hidrologia local e de levantamento topobatimétrico, até via satélite, para se recortar o rendado desenho das margens dos reservatórios, e, após isso, tendo-se em vista o relevo variável, estabelecer a APP, numa operação complexa de engenharia e biologia." in PETERS, Edson Luiz; PANASOLO, Alessandro. Reserva Legal e Áreas de Preservação Permanente. Curitiba: Juruá, 2014, p. 71. A aplicação da referida regra de transição foi objeto de intensa controvérsia jurisprudencial, sobretudo no que tange à rediscussão da validade do dimensionamento das Áreas de Preservação Permanente feitas segundo os parâmetros fixados na Resolução n. 302/2002. Neste sentido, impugnava-se a supressão dos limites mínimos para delimitação da APP, tendo em vista o impacto que isso poderia representar para o equilíbrio dos ecossistemas. Diante desse contexto, o C. Superior Tribunal de Justiça manteve sua orientação de prestigiar a observância dos princípios tempus regit actum e da vedação ao retrocesso ambiental ao analisar recursos que objetivavam o redimensionamento das faixas de APP segundo a Lei n. 12.651/2012, conforme se infere do seguinte precedente que trago à colação: "ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. FORMAÇÃO DA ÁREA DE RESERVA LEGAL. OBRIGAÇÃO PROPTER REM. SÚMULA 83/STJ. PREJUDICADA A ANÁLISE DA DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. SUPERVENIÊNCIA DA LEI 12.651/12. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO IMEDIATA. IRRETROATIVIDADE. PROTEÇÃO AOS ECOSSISTEMAS FRÁGEIS. INCUMBÊNCIA DO ESTADO. INDEFERIMENTO. 1. A jurisprudência desta Corte está firmada no sentido de que os deveres associados às APPs e à Reserva Legal têm natureza de obrigação propter rem, isto é, aderem ao título de domínio ou posse, independente do fato de ter sido ou não o proprietário o autor da degradação ambiental. Casos em que não há falar em culpa ou nexo causal como determinantes do dever de recuperar a área de preservação permanente. 2. Prejudicada a análise da divergência jurisprudencial apresentada, porquanto a negatória de seguimento do recurso pela alínea "a" do permissivo constitucional baseou-se em jurisprudência recente e consolidada desta Corte, aplicável ao caso dos autos. 3. Indefiro o pedido de aplicação imediata da Lei 12.651/12, notadamente o disposto no art. 15 do citado regramento. Recentemente, esta Turma, por relatoria do Ministro Herman Benjamin, firmou o entendimento de que "o novo Código Florestal não pode retroagir para atingir o ato jurídico perfeito, direitos ambientais adquiridos e a coisa julgada, tampouco para reduzir de tal modo e sem as necessárias compensações ambientais o patamar de proteção de ecossistemas frágeis ou espécies ameaçadas de extinção, a ponto de transgredir o limite constitucional intocável e intransponível da 'incumbência' do Estado de garantir a preservação e restauração dos processos ecológicos essenciais (art. 225, § 1º, I)." Agravo regimental improvido. (AgRg no AREsp n. 327.687/SP, relator Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 15/8/2013, DJe de 26/8/2013.)" (g.n.) Entretanto, ao julgar a ADC n. 42 e as ADIs n. 4901, 4902, 4903 e 4937, a Suprema Corte concluiu pela constitucionalidade da regra de transição prevista no artigo 62 do Novo Código Florestal. Por sua pertinência, reproduzo o seguinte trecho do voto do Eminente Relator, Ministro Luiz Fux, sobre a questão: "O estabelecimento de dimensões diferenciadas da APP em relação a reservatórios registrados ou contratados no período anterior à MP nº 2166-67/2001 se enquadra na liberdade do legislador para adaptar a necessidade de proteção ambiental às particularidades de cada situação, em atenção ao poder que lhe confere a Constituição para alterar ou suprimir espaços territoriais especialmente protegidos (art. 225, § 1º, III). Trata-se da fixação de uma referência cronológica básica que serve de parâmetro para estabilizar expectativas quanto ao cumprimento das obrigações ambientais exigíveis em consonância com o tempo de implantação do empreendimento. Ex positis, declaro a constitucionalidade dos artigos 5º, caput e §§ 1º e 2º, e 62 do novo Código Florestal, julgando, no ponto, improcedente a ADI nº 4.903 e procedente a ADC nº 42." (g.n.) Reconhecida a constitucionalidade do artigo 62 da Lei n. 12.651/2012, em sede de controle concentrado, inviável desconsiderar sua incidência no caso concreto sob a justificativa de observância dos princípios tempus regit actum e da vedação ao retrocesso ambiental. Aliás, este é o posicionamento predominante na Suprema Corte, conforme se infere dos seguintes precedentes recentíssimos que trago à colação: "Ementa: EMBARGOS DECLARATÓRIOS EM AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. OPOSIÇÃO EM 17.06.2021. DIREITO AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. COMPENSAÇÃO DA RESERVA LEGAL. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. DISCUSSÃO SOBRE A RETROATIVIDADE DO ART. 15 DO NOVO CÓDIGO FLORESTAL. LEI 12.651/2012. TEMPUS REGIT ACTUM. ALEGADA AFRONTA AO ART. 97 DA CF E À SUMULA VINCULANTE 10. PROCEDÊNCIA. ADIs 4.901, 4.902, 4.903 e 4.937 E ADC 42. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO ACOLHIDOS COM EFEITOS INFRINGENTES. 1. Aos embargos de declaração é possível a atribuição de excepcionais efeitos infringentes. 2. O Superior Tribunal de Justiça, ao afastar a aplicação das disposições do novo Código Florestal a fatos pretéritos, na hipótese dos autos, amparado nos princípios do “tempus regit actum” e da vedação do retrocesso em questão ambiental, divergiu do entendimento do STF proferido nas ADIs 4.901, 4.902, 4.903 e 4.937 e na ADC 42 e violou a Súmula Vinculante 10. 4. Embargos declaratórios acolhidos para, atribuindo-lhes efeitos infringentes, anular o acórdão embargado e a decisão monocrática que desproveu o recurso extraordinário com agravo interposto pelos Embargantes para dar-lhe provimento. Sem condenação em custas e honorários advocatícios (art. 18 da Lei 7347/85), por se tratar de recurso oriundo de ação civil pública." (ARE 1252687 AgR-ED, Relator(a): EDSON FACHIN, Segunda Turma, julgado em 24-10-2022, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-222 DIVULG 04-11-2022 PUBLIC 07-11-2022) (g.n.) "Ementa: PROCESSUAL CIVIL E CONSTITUCIONAL. AGRAVO INTERNO NA RECLAMAÇÃO. ALEGADA OFENSA AO QUE DECIDIDO POR ESTE TRIBUNAL NOS JULGAMENTOS DAS ADC 42, ADI 4.901, ADI 4.902, ADI 4.903 e ADI 4.937. ATO IMPUGNADO QUE AFASTOU A EFICÁCIA DO ARTIGO 4º, I, E DO ARTIGO 61-A DA LEI 12.651/2012 AO FUNDAMENTO DE QUE EM MATÉRIA AMBIENTAL DEVE PREVALECER O PRINCÍPIO TEMPUS REGIT ACTUM. INEXISTÊNCIA DE QUESTÃO LEGAL OU INFRACONSTITUCIONAL DE CONFLITO DE LEIS NO TEMPO. RECUSA FORMAL DE APLICAÇÃO DE NORMA RECONHECIDAMENTE CONSTITUCIONAL PELA SUPREMA CORTE. AFRONTA CONFIGURADA. AGRAVO QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. O ato impugnado desrespeitou o decidido no controle concentrado de constitucionalidade pela CORTE, ao afastar a incidência da Lei 12.651/2012 (Novo Código Florestal), sob o fundamento de que em matéria ambiental, deve prevalecer o princípio tempus regit actum, de forma a não se admitir a aplicação das disposições do novo Código Florestal a fatos pretéritos, sob pena de retrocesso ambiental (doc. 23). 2. Esta eficácia retroativa da Lei 12.651/2012, que permitiu, por força geral dos arts. 61-A, 61-B, 61-C, 63 e 67, o reconhecimento de situações consolidadas e a regularização ambiental de imóveis rurais a partir de suas novas disposições, e não a partir da legislação vigente na data dos ilícitos ambientais, é justamente um dos pontos declarados constitucionais no julgamentos das ADIs e da ADC indicadas como paradigma contrariado. 3. A fixação pela lei de um fato passado como objeto da norma com eficácia futura, como no caso dos arts. 61-A, 61-B, 61-C, 63 e 67 do Código Florestal, apesar da especialidade e importância da temática ambiental, foi reconhecida como constitucional pelo Supremo Tribunal Federal, razão pela qual não se justifica seu afastamento, ainda que sob as vestes de questão de direito intertemporal de natureza infraconstitucional. 4. Recurso de Agravo a que se nega provimento." (Rcl 42889 AgR, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Primeira Turma, julgado em 29-03-2021, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-066 DIVULG 08-04-2021 PUBLIC 09-04-2021) (g.n.) "Ementa: AGRAVO REGIMENTAL NA RECLAMAÇÃO. NOVO CÓDIGO FLORESTAL. ÍLICITOS AMBIENTAIS PRATICADOS ANTES DA VIGÊNCIA DA LEI. ADC 42/DF. ADIs 4.901/DF, 4.902/DF, 4.903/DF E 4.937/DF. DESRESPEITO ÀS REFERIDAS DECISÕES DO STF. SÚMULA VINCULANTE 10. VIOLAÇÃO. RECLAMAÇÃO. DESCABIMENTO. AGRAVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. I - As razões do agravo regimental são inaptas para desconstituir os fundamentos da decisão agravada, que, por isso, se mantêm hígidos. II – Esta Suprema Corte, em reiteradas reclamações, tem considerado que o raciocínio adotado pelo Superior Tribunal de Justiça, fundado nos princípios do tempus regit actum e da vedação de retrocesso ambiental, acarreta burla às decisões proferidas pelo Plenário desta Corte na ADC 42/DF e nas ADIs 4.901/DF, 4.902/DF, 4.903/DF e 4.937/DF. III – Por implicar no esvaziamento do conteúdo normativo de dispositivo legal, com fundamento constitucional implícito, também existe afronta à Súmula Vinculante 10. IV - Agravo regimental a que se nega provimento." (Rcl 44645 AgR, Relator(a): RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 24-05-2021, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-100 DIVULG 25-05-2021 PUBLIC 26-05-2021) (g.n.) Este Egrégio Tribunal, por sua vez, também começou a realinhar sua jurisprudência para reconhecer a incidência imediata do artigo 62 do Novo Código Florestal nos processos em curso. Neste sentido, é paradigmático o precedente firmado pela 2ª Seção na Ação Rescisória n. 5020192-48.2017.4.03.0000, sob a relatoria do Des. Fed. Antonio Carlos Cedenho, in verbis: "PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. PRELIMINAR DE DECADÊNCIA AFASTADA. MÉRITO. JULGAMENTO ANTECIPADO. DANO AMBIENTAL. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. UHE ÁGUA VERMELHA. APLICAÇÃO DO CÓDIGO NOVO CÓDIGO FLORESTAL. ARTIGO 62. CONSTITUCIONALIDADE RECONHECIDA PELO STF. ADI 4.903 E ADC 42. AGRAVO INTERNO PREJUDICADO. RESCISÓRIA PROCEDENTE. 1. Tendo em vista a apreciação definitiva, nesta oportunidade, do mérito da questão posta a julgamento, julgo prejudicado o agravo interno interposto. (…) 5. Quanto ao mérito, na ADI 4.903/DF, assim como na ADC 42, restou consignada a constitucionalidade do artigo 62 do Novo Código Florestal. Não é demais ressaltar que o Ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, debruçando-se não só sobre o tema, mas especificamente sobre a UHE Água Vermelha, nos autos da Reclamação Rcl 38.764/SP distribuída à Relatoria do Min. Edson Fachin, decidiu que esta Corte Federal, nos autos da Apelação Cível nº 0002737-88.2008.4.03.6106/SP (caso análogo ao presente), desrespeitou a autoridade do Supremo Tribunal Federal e a eficácia do julgado na ADI 4.903/DF e na ADC nº 42/DF. 6. Assim, resta indene de dúvida que o artigo 62 do Novo Código Florestal tem aplicação pretérita já que o dispositivo, cuja constitucionalidade foi declarada, em sua literalidade, define novos parâmetros às áreas de preservação permanente “Para os reservatórios artificiais de água destinados a geração de energia ou abastecimento público que foram registrados ou tiveram seus contratos de concessão ou autorização assinados anteriormente à MP nº 2.166-67 de 2001”, o que e o caso da UHE Água Vermelha. 7. Realizado este apanhado, há de ser reconhecida a violação à norma jurídica, especificamente o artigo 62 do Novo Código Florestal, pelo acórdão rescindendo, de modo que a decisão combatida comporta rescisão. 8. Com efeito, embora o acórdão rescindendo tenha fixado como área de preservação permanente a extensão de 100 metros no entorno da UHE Água Vermelha, aplicado o artigo 62 do Novo Código Florestal ao contrato de concessão em espécie, firmado em 1999, a distância entre o nível máximo operativo normal e a cota máxima maximorum da UHE de Água Vermelha coincide no valor de 383,3 m, o que culmina em uma área de preservação permanente nula ou igual a zero. 9. Em decorrência, havendo norma legal declarada constitucional e aplicável ao caso vertente, afasta-se a pretensa aplicação, pela defesa, da Resolução CONAMA 302/2004, inexistindo, via de consequência, dano ambiental a ser reconhecido. 10. Agravo interno prejudicado, preliminar arguida afastada. No mérito, julgada procedente a ação rescisória." (TRF 3ª Região, 2ª Seção, AR - AÇÃO RESCISÓRIA - 5020192-48.2017.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal ANTONIO CARLOS CEDENHO, julgado em 06/05/2021, DJEN DATA: 10/05/2021) Há outros precedentes mais recentes desta Corte Regional no mesmo sentido: "AMBIENTAL. PROCESSO CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. REEXAME NECESSÁRIO. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. USINA HIDRELÉTRICA DE SÉRGIO MOTTA. NOVO CÓDIGO FLORESTAL. ART. 62. INCIDÊNCIA RETROATIVA. PROVA PERICIAL. NECESSIDADE. NULIDADE DA SENTENÇA. 1. Está submetida à remessa oficial a sentença que julgar pela carência ou pela improcedência do pedido formulado em Ação Civil Pública, conforme aplicação analógica do art. 19 da Lei nº 4.717/1965 (Lei da Ação Popular). 2. O E. Supremo Tribunal Federal, nos autos das ADC 42/DF, ADI 4901/DF, ADI 4902/DF, ADI 4903/DF e ADI 4937/DF, analisou a constitucionalidade de diversos dispositivos do Código Florestal. 3. Com a promulgação do Novo Código Florestal, a faixa protetiva nos reservatórios artificiais de água passou a ser a “distância entre o nível máximo operativo normal e a cota máxima maximorum” (art. 62). 4. O art. 225, § 1º, III, da CF, estabelece a incumbência do Poder Público para definir “espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção”. 5. Pela interpretação sistemática realizada pela E. Corte Suprema, a alteração da metragem máxima para APPs no entorno de reservatórios d’água artificiais, promovida pelo Novo Código Florestal, consubstancia matéria de política pública, razão pela qual não haveria incompatibilidade com o Ordenamento Jurídico. 6. Como o contrato de concessão foi celebrado antes da edição da Medida Provisória nº 2.166-67/2001, aplica-se retroativamente o disposto no art. 62 da Lei nº 12.651/2012, conforme decidido pelo E. Supremo Tribunal Federal (CPC, art. 927, I), de modo que a faixa da área de preservação permanente para o Reservatório da UHE Sérgio Motta deve ser a distância entre o nível máximo operativo normal e a cota máxima maximorum. 7. Diante da divergência entre as medidas, não reputo como válida a conclusão firmada na r. sentença de que a faixa de APP na UHE Sérgio Motta seria zero, razão pela qual se mostra imperiosa a necessidade de produção de prova pericial. 8. Reexame necessário provido." (TRF 3ª Região, 4ª Turma, RemNecCiv - REMESSA NECESSÁRIA CÍVEL - 0001142-53.2015.4.03.6124, Rel. Desembargador Federal MARCELO MESQUITA SARAIVA, julgado em 27/10/2023, Intimação via sistema DATA: 06/11/2023) (g.n.) "DANO AMBIENTAL NA ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE NO ENTORNO DO RESERVATÓRIO DA USINA HIDRELÉTRICA DE ILHA SOLTEIRA: (…) NOVO CÓDIGO FLORESTAL: o Ministério Público Federal, com base no princípio do tempus regit actum, defende que a extensão da APP no entorno do reservatório da UHE de Ilha Solteira a ser considerada nesses autos é de 100 metros, a partir do seu nível máximo normal, em conformidade com a Lei 4.771/65, que encerrava o antigo Código Florestal, a Resolução CONAMA nº 4/1985 e a Resolução CONAMA nº 302/2002. Durante a tramitação dessa ação civil pública foi promulgada a Lei nº 12.651/2012, que traz o novo Código Florestal, alterando substancialmente a legislação afeta ao tema, com especial destaque aos seus artigos 4º, III, 5º e 62. É sabido que o STF reconheceu a constitucionalidade desses dispositivos legais no julgamento da ação declaratória de constitucionalidade nº 42, além de afastar a aplicação automática do princípio da vedação do retrocesso para anular opções validamente eleitas pelo legislador (STF - ADC 42, Relator(a): LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 28/02/2018, publicado em 13/08/2019). Cuida-se de decisão vinculante e cogente. É o que se depreende do recente julgamento da reclamação nº 38.764 pelo STF, onde foi cassada a decisão proferida em sede de apelação por esse TRF3R, nos autos da ação civil pública nº 0002737-88.2008.4.03.6106, que privilegiou o princípio do tempus regit actum para afastar a incidência do artigo 62 da Lei nº 12.651/2012 (STF - Rcl 38764/SP, Relator(a): Min. EDSON FACHIN, julgamento em 28/05/2020, publicado em 17/06/2020). DELIMITAÇÃO DA EXTENSÃO DA APP AO TEOR DO ARTIGO 62 DA LEI Nº 12.651/2012 MANTIDA: nesse contexto, o Juízo a quo acertadamente rejeitou a aplicação do princípio do tempus regit actum defendido pelo Ministério Público Federal e determinou que a extensão da APP no entorno do reservatório da UHE de Ilha Solteira a ser considerada nesses autos é a prevista no artigo 62 da Lei nº 12.651/2012. Precedentes dessa Corte (TRF 3ª Região, 3ª Turma, ApCiv 0030711-17.2015.4.03.9999, Rel. Desembargador Federal NELTON AGNALDO MORAES DOS SANTOS, julgado em 11/11/2021; 2ª Seção, AR 5020192-48.2017.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal ANTONIO CARLOS CEDENHO, julgado em 06/05/2021; ApCiv 0011307-97.2007.4.03.6106, 6ª Turma, Rel. Desembargador Federal DIVA PRESTES MARCONDES MALERBI, julgado em 30/04/2021). APP EM ÁREA CONSOLIDADA: o artigo 62 do novo Código Florestal, inserto na Seção II – Das Áreas Consolidadas em Área de Preservação Permanente, dentro do Capítulo XIII – Disposições Transitórias, diz respeito à APP em área consolidada, onde já existe ocupação/atividade antrópica estabelecida. E esse é justamente o caso dessa ação civil pública, pois Maurício da Silva comprovou que adquiriu o imóvel em 2009, em cadeia sucessória, no loteamento que há muito já estava formado, sujeito a lançamento de IPTU desde 9/2/2004. Acrescente-se que o Juízo a quo, ao afastar a tramitação conjunta das 501 ações civis públicas que objetivam a reparação de dano ambiental na APP do entorno da UHE de Ilha Solteira, privilegiou o exame individualizado de cada uma das situações postas, o que – per si – afasta o risco de “generalização” aventado pelo IBAMA e pela União Federal. (…)" (TRF 3ª Região, 6ª Turma, ApelRemNec - APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA - 0000806-25.2010.4.03.6124, Rel. Desembargadora Federal DIANA BRUNSTEIN, julgado em 06/10/2023, DJEN DATA: 10/10/2023) Do caso concreto. Segundo os autores, o suposto dano ambiental seria causado pela construção da edificação pertencente aos corréus Delson Luiz Ferreira e Kátia Garcia Ferreira, dentro da Área de Preservação Permanente no entorno da UHE de Ilha Solteira. O referido empreendimento teve sua concessão deferida à CESP por meio do Decreto n. 67.066, de 17/08/1970, consoante informações constantes no Parecer do IBAMA acostado aos autos (ID 281006032). Posteriormente, o Ministério de Minas e Energia editou a Portaria n. 289, de 11 de novembro de 2004, prorrogando a concessão por 20 (vinte) anos, com efeitos retroativos a 08/07/1995. Eis o teor do referido ato infralegal: "A MINISTRA DE ESTADO DE MINAS E ENERGIA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 3º do Decreto nº 1.717, de 24 de novembro de 1995, nos termos dos Processos nºs 48500.005033/00-41, 48100.00.000118/96-05, 48100.000114/96-46, 48100.000113/96-83, 48100.000111/96-58 e 27100.001961/88-93, resolve: Art. 1º Prorrogar, pelo prazo de vinte anos, contado a partir de 8 de julho de 1995, as concessões para exploração das Usinas Hidrelétricas – UHE, a seguir especificadas, de que é titular a Companhia Energética de São Paulo – CESP: I – UHE Ilha Solteira, nos Municípios de Ilha Solteira e Selvíria, Estado de São Paulo. (...) Art. 3º A prorrogação dos prazos das concessões de que trata esta Portaria somente terá eficácia com a assinatura do respectivo contrato de concessão entre a Companhia Energética de São Paulo – CESP e o Poder Concedente, que será efetuado por intermédio da Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, nos termos da delegação de competência constante do Decreto nº 4.932, de 23 de dezembro de 2003" (g.n.) É incontroverso, portanto, que a concessão da UHE de Ilha Solteira ocorreu antes de 24 de agosto de 2001, razão pela qual a faixa da APP no seu entorno deve ser calculada nos termos do artigo 62 do Novo Código Florestal (Lei n. 12.651/2012), conforme estabelecido na decisão saneadora. Neste sentido, foi realizada perícia judicial no período de 08/06/2022 a 08/11/2022, com o auxílio de equipamentos topográficos, geodésicos e aerofotogramétricos, por Engenheiro e Professor Doutor da UNESP (ID 281006197), na qual se consignou que "o reservatório da UHE de Ilha Solteira apresenta como níveis de armazenamento (acima do nível do mar) as cotas, NMO - Nível Máximo Operativo Normal igual a 328,00 metros e CMM - Cota Máxima Maximorum igual a 329,00 metros. A cota de desapropriação apresenta valores entre 330,00 metros e 335,00 metros. A APP do reservatório da UHE de Ilha Solteira, considerando o Art. 62 do Código Florestal em vigor (Lei 12.651/2012) apresenta, sua área definida entre esses dois níveis NMO e a CMM, ou seja, na faixa entre 328,00 metros e 329,00 metros, portanto, dentro da faixa de desapropriação" (g.n.). Feitas as devidas averiguações e estabelecida a delimitação da APP, o experto do Juízo concluiu que "não foram encontradas intervenções humanas que impeçam a regeneração natural no local" (g.n.). Assevero que da mesma forma que o juiz não está adstrito ao laudo pericial, a contrario sensu do que dispõe o art. 479 do CPC e do princípio do livre convencimento motivado, a não adoção das conclusões periciais, na matéria técnica ou científica que refoge à controvérsia meramente jurídica depende da existência de elementos robustos nos autos em sentido contrário e que infirmem claramente o parecer do experto. Documentos produzidos unilateralmente pelas partes não possuem tal aptidão, salvo se aberrante o laudo pericial, circunstância que não se vislumbra no caso concreto. Por ser o juiz o destinatário das provas, a ele incumbe a valoração do conjunto probatório trazido a exame. Precedentes: STJ, 4ª Turma, RESP nº 200802113000, Rel. Luis Felipe Salomão, DJE: 26/03/2013; AGA 200901317319, 1ª Turma, Rel. Arnaldo Esteves Lima, DJE. 12/11/2010. Por conseguinte, à míngua da demonstração de intervenção antrópica dentro da faixa da APP que obste a regeneração natural da vegetação, inviável reconhecer a responsabilidade dos réus pela reparação de dano ambiental no caso vertente, devendo ser mantida a sentença de 1º grau neste aspecto. Neste sentido, reporto-me aos seguintes precedentes desta Corte Regional: "DANO AMBIENTAL NA ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE NO ENTORNO DO RESERVATÓRIO DA USINA HIDRELÉTRICA DE ILHA SOLTEIRA: (…) DO NOVO CÓDIGO FLORESTAL: o Ministério Público Federal, com base no princípio do tempus regit actum, defende que a extensão da APP no entorno do reservatório da UHE de Ilha Solteira a ser considerada nesses autos é de 100 metros, a partir do seu nível máximo normal, em conformidade com a Lei 4.771/65, que encerrava o antigo Código Florestal, a Resolução CONAMA nº 4/1985 e a Resolução CONAMA nº 302/2002. Durante a tramitação dessa ação civil pública foi promulgada a Lei nº 12.651/2012, que traz o novo Código Florestal, alterando substancialmente a legislação afeta ao tema, com especial destaque aos seus artigos 4º, III, 5º e 62. É sabido que o STF reconheceu a constitucionalidade desses dispositivos legais no julgamento da ação declaratória de constitucionalidade nº 42, além de afastar a aplicação automática do princípio da vedação do retrocesso para anular opções validamente eleitas pelo legislador (STF - ADC 42, Relator(a): LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 28/02/2018, publicado em 13/08/2019). Cuida-se de decisão vinculante e cogente. É o que se depreende do recente julgamento da reclamação nº 38.764 pelo STF, onde foi cassada a decisão proferida em sede de apelação por esse TRF3, nos autos da ação civil pública nº 0002737-88.2008.4.03.6106, que privilegiou o princípio do tempus regit actum para afastar a incidência do artigo 62 da Lei nº 12.651/2012 (STF - Rcl 38764/SP, Relator(a): Min. EDSON FACHIN, julgamento em 28/05/2020, publicado em 17/06/2020). DELIMITAÇÃO DA EXTENSÃO DA APP AO TEOR DO ARTIGO 62 DA LEI Nº 12.651/2012 MANTIDA: nesse contexto, o Juízo a quo acertadamente rejeitou a aplicação do princípio do tempus regit actum defendido pelo Ministério Público Federal e determinou que a extensão da APP no entorno do reservatório da UHE de Ilha Solteira a ser considerada nesses autos é a prevista no artigo 62 da Lei nº 12.651/2012. Precedentes dessa Corte (TRF 3ª Região, 3ª Turma, ApCiv 0030711-17.2015.4.03.9999, Rel. Desembargador Federal NELTON AGNALDO MORAES DOS SANTOS, julgado em 11/11/2021; 2ª Seção, AR 5020192-48.2017.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal ANTONIO CARLOS CEDENHO, julgado em 06/05/2021; ApCiv 0011307-97.2007.4.03.6106, 6ª Turma, Rel. Desembargador Federal DIVA PRESTES MARCONDES MALERBI, julgado em 30/04/2021). APP EM ÁREA CONSOLIDADA: o artigo 62 do novo Código Florestal, inserto na Seção II – Das Áreas Consolidadas em Área de Preservação Permanente, dentro do Capítulo XIII – Disposições Transitórias, diz respeito à APP em área consolidada onde já existe ocupação/atividade antrópica estabelecida. E esse é justamente o caso dessa ação civil pública, pois a documentação acostada aos autos informa que o imóvel foi adquirido pelos corréus em 28/11/1997. Acrescente-se que o Juízo a quo, ao afastar a tramitação conjunta das 501 ações civis públicas que objetivam a reparação de dano ambiental na APP do entorno da UHE de Ilha Solteira, privilegiou o exame individualizado de cada uma das situações postas, o que – per si – afasta o risco de “generalização” aventado pelo IBAMA. INEXISTÊNCIA DE DANO AMBIENTAL: a perícia técnica realizada entre 2 e 3/12/2021 verificou, a partir de equipamentos topográficos, geodésicos e aerofotogramétricos, que a APP do reservatório da UHE de Ilha Solteira, nos termos do artigo 62 da Lei nº 12.651/2012, compreende uma faixa entre 328 e 329 metros dentro da cota de desapropriação. E que no imóvel dos corréus inexiste intervenção humana que impeça a regeneração da vegetação nativa na APP. HONORÁRIOS PERICIAIS: sem reparo a condenação da União Federal ao ressarcimento dos honorários periciais adiantados pelos corréus, conforme Tema 510 do STJ (STJ - AgInt no RMS n. 66.296/RJ, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 29/8/2022, DJe de 23/9/2022; REsp n. 1.253.844/SC, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, julgado em 13/3/2013, DJe de 17/10/2013). SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA. RECURSOS DESPROVIDOS." (TRF 3ª Região, 6ª Turma, ApelRemNec - APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA - 0001748-91.2009.4.03.6124, Rel. Desembargador Federal LUIS ANTONIO JOHONSOM DI SALVO, julgado em 17/04/2023, Intimação via sistema DATA: 19/04/2023)(g.n.) "CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE REJEITADA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ENTENDIMENTO DO STF NO SENTIDO DA APLICABILIDADE AO CASO DA LEI Nº 12.651/2012. RESERVATÓRIOS REGISTRADOS OU CONTRATADOS NO PERÍODO ANTERIOR À MP Nº 2166-67/2001, A FAIXA DA ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE SERÁ A DISTÂNCIA ENTRE O NÍVEL MÁXIMO OPERATIVO NORMAL E A COTA MÁXIMA MAXIMORUM. DANO AMBIENTAL NÃO CONFIGURADO. SENTENÇA REFORMADA. - Trata-se de apelação interposta pela FURNAS CENTRAIS ELÉTRICAS S/A, visando a reforma da r. sentença que, em sede de ação civil pública, julgou parcialmente procedentes os pedidos para condenar os requeridos a recompor dano ambiental. (…) - Sobre as normas aplicáveis ao presente caso, ao declarar a constitucionalidade dos artigos 5º, caput e §§ 1º e 2º, e 62, ambos, da Lei nº 12.651/2012 (redução da largura mínima da APP no entorno de reservatórios d’água artificiais implantados para abastecimento público e geração de energia), afirmou o STF: “o estabelecimento legal de metragem máxima para áreas de proteção permanente no entorno de reservatórios d’água artificiais constitui legítima opção de política pública ante a necessidade de compatibilizar a proteção ambiental com a produtividade das propriedades contíguas, em atenção a imperativos de desenvolvimento nacional e eventualmente da própria prestação do serviço público de abastecimento ou geração de energia (art. 175 da CF). Por sua vez, a definição de dimensões diferenciadas da APP em relação a reservatórios registrados ou contratados no período anterior à MP nº 2166-67/2001 se enquadra na liberdade do legislador para adaptar a necessidade de proteção ambiental às particularidades de cada situação, em atenção ao poder que lhe confere a Constituição para alterar ou suprimir espaços territoriais especialmente protegidos (art. 225, § 1º, III). Trata-se da fixação de uma referência cronológica básica que serve de parâmetro para estabilizar expectativas quanto ao cumprimento das obrigações ambientais exigíveis em consonância com o tempo de implantação do empreendimento”. - Destaca-se, também, o entendimento consolidado no Supremo Tribunal Federal “no sentido de que a aplicação dos princípios tempus regit actum e do não retrocesso ambiental para fazer incidir a Lei 4.771/1965 (Código Florestal revogado) em detrimento da Lei 12.651/2012 (Novo Código Florestal) afronta o que restou decidido pelo Plenário deste E. STF no julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade n. 4.937, 4.903 e 4.902 e da Ação Declaratória de Constitucionalidade n. 42, bem como em inobservância da Súmula Vinculante nº 10” (STJ, Rcl nº 49147, Relator Edson Fachin, Julgado em 29/04/2022, Publicado em 02/05/2022). - Como se vê, a presente ação deve se submeter às decisões do Supremo Tribunal Federal e, consequentemente, às disposições contidas na Lei nº 12.651/2012. - Portanto, nos termos da Lei nº 12.651/2012, em relação a reservatórios registrados ou contratados no período anterior à MP nº 2166-67/2001, a faixa da Área de Preservação Permanente será a distância entre o nível máximo operativo normal e a cota máxima maximorum. - No caso, a controvérsia diz respeito em verificar se JOSÉ TOBIAS FERREIRA FILHO possui imóvel em área de preservação permanente, em descumprimento de normas protetivas ambientais. Consta dos autos que ele foi autuado “por causar dano direito em área de preservação permanente, impedindo a regeneração natural da vegetação local através de intervenções não autorizadas por órgão competente em área correspondente a 42m de imóvel, situada a 79 (setenta e nove) metros da cota máxima normal de operação do reservatório de acumulação de água para geração de energia elétrica da Usina Hidrelétrica de Marimbondo”. - Todavia, o laudo pericial concluiu que “segundo disposto na Lei 12.651/12, em seu Art. 62, existe APP no local vistoriado, pois a Cota de Operação Máxima (446.30 m) está a 1,06 metros de altitude da Cota Máxima Maximorum (447.36 m). Entretanto, o rancho vistoriado não está na APP, pois está a uma distância de 96,95 metros da Cota de Operação Máxima”. - Assim, tendo vem vista às decisões do Supremo Tribunal Federal, as disposições contidas na Lei nº 12.651/2012 e o conjunto probatório, entende-se que a propriedade em questão não está em área de preservação permanente. - R. sentença reformada. - Remessa oficial e apelação providas." (TRF 3ª Região, 4ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5002387-63.2018.4.03.6106, Rel. Desembargador Federal MONICA AUTRAN MACHADO NOBRE, julgado em 08/02/2023, Intimação via sistema DATA: 10/02/2023) (g.n.) No que tange aos honorários periciais, igualmente não merece reparos o r. decisum, já que os valores que foram antecipados a este título devem ser reembolsados pela União Federal, por aplicação analógica da Súmula 232 do C. STJ: "A Fazenda Pública, quando parte no processo, fica sujeita à exigência do depósito prévio dos honorários do perito ". Neste sentido, cito os seguintes precedentes do Tribunal da Cidadania: "ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ADIANTAMENTO DE HONORÁRIOS PERICIAIS. NÃO CABIMENTO. INCIDÊNCIA PLENA DO ART. 18 DA LEI N. 7.347/85. ENCARGO TRANSFERIDO À FAZENDA PÚBLICA. APLICAÇÃO DA SÚMULA 232/STJ, POR ANALOGIA. 1. Trata-se de recurso especial em que se discute a necessidade de adiantamento, pelo Ministério Público, de honorários devidos a perito em Ação Civil Pública. 2. O art. 18 da Lei n. 7.347/85, ao contrário do que afirma o art. 19 do CPC, explica que na ação civil pública não haverá qualquer adiantamento de despesas, tratando como regra geral o que o CPC cuida como exceção. Constitui regramento próprio, que impede que o autor da ação civil pública arque com os ônus periciais e sucumbenciais, ficando afastada, portanto, as regras específicas do Código de Processo Civil. 3. Não é possível se exigir do Ministério Público o adiantamento de honorários periciais em ações civis públicas. Ocorre que a referida isenção conferida ao Ministério Público em relação ao adiantamento dos honorários periciais não pode obrigar que o perito exerça seu ofício gratuitamente, tampouco transferir ao réu o encargo de financiar ações contra ele movidas. Dessa forma, considera-se aplicável, por analogia, a Súmula n. 232 desta Corte Superior ("A Fazenda Pública, quando parte no processo, fica sujeita à exigência do depósito prévio dos honorários do perito"), a determinar que a Fazenda Pública ao qual se acha vinculado o Parquet arque com tais despesas. Precedentes: EREsp 981949/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 24/02/2010, DJe 15/08/2011; REsp 1188803/RN, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 11/05/2010, DJe 21/05/2010; AgRg no REsp 1083170/MA, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 13/04/2010, DJe 29/04/2010; REsp 928397/SP, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 11/09/2007, DJ 25/09/2007 p. 225; REsp 846.529/MS, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, julgado em 19/04/2007, DJ 07/05/2007, p. 288. 4. Recurso especial parcialmente provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ n. 8/08." (REsp n. 1.253.844/SC, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, julgado em 13/3/2013, DJe de 17/10/2013.) "PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ADIANTAMENTO DE HONORÁRIOS PERICIAIS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. IMPOSSIBILIDADE. ENCARGO TRANSFERIDO À FAZENDA PÚBLICA. TEMA 510/STJ. 1. Tendo o recurso sido interposto contra decisão publicada na vigência do Código de Processo Civil de 2015, devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele previsto, conforme Enunciado Administrativo n. 3/2016/STJ. 2. A jurisprudência desta Corte é no sentido de que, mesmo na vigência do Código de Processo Civil de 2015, quanto à interpretação do art. 91, § 1º, do referido código, deve prevalecer o entendimento firmado no REsp n. 1.253.844/SC, julgado sob o rito dos recursos repetitivos (Tema 510/STJ), que prestigiou o regramento específico do art. 18 da Lei n. 7.347/1985, segundo o qual, na impossibilidade de se exigir do Ministério Público o adiantamento de honorários periciais em ações civis públicas, a Fazenda Pública à qual está vinculado o Parquet arcará com tais despesas. Precedentes. 3. Agravo interno não provido." (AgInt no REsp n. 2.046.942/RJ, relator Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 20/11/2023, DJe de 22/11/2023.) (g.n.) Ante o exposto, rejeito a preliminar de cerceamento de defesa e, no mérito, nego provimento à remessa necessária e às apelações do MPF, da União Federal e do IBAMA, mantendo íntegra a sentença de 1º grau de jurisdição. É como voto.
PROCURADOR: MUNICIPIO DE SANTA FE DO SUL
Advogado do(a) APELADO: ADRIANA ASTUTO PEREIRA - SP389401-A
Advogados do(a) APELADO: CARINA SANTANIELI - SP213374-A, GIOVANI RODRYGO ROSSI - SP209091-A, MARIANI PAPASSIDERO AMADEU - SP270827-A, MILTON RICARDO BATISTA DE CARVALHO - SP139546-A, PAULO ROGERIO GONCALVES DA SILVA - SP294562-A, RODOLFO QUEIROZ MACHADO - SP499982, SEIJI KURODA - SP119370-N
Advogado do(a) APELADO: ALEXANDRE ABBY - SP303656-A
E M E N T A
PROCESSO CIVIL. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO CONFIGURADO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITO AMBIENTAL. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. RESERVATÓRIO ARTIFICIAL DE ÁGUA DESTINADO À GERAÇÃO DE ENERGIA. CONCESSÃO ANTERIOR À VIGÊNCIA DA MP 2.166-67/2001. OBSERVÂNCIA DA REGRA DE TRANSIÇÃO PREVISTA NO ARTIGO 62 DA LEI 12.651/2012 (CÓDIGO FLORESTAL ATUAL). NECESSIDADE. PRECEDENTE FIRMADO PELO STF NO JULGAMENTO DA ADC 42/DF E DAS ADIs 4.901/DF, 4.902/DF, 4.903/DF e 4.937/DF. INEXISTÊNCIA DE INTERVENÇÃO ANTRÓPICA NA FAIXA DA APP. LAUDO TÉCNICO. INTERPRETAÇÃO A CONTRARIO SENSU. ART. 479, CPC. ADOÇÃO DAS CONCLUSÕES PERICIAIS. MATÉRIA NÃO ADSTRITA À CONTROVÉRSIA MERAMENTE JURÍDICA. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS QUE INFIRMEM O PARECER DO EXPERTO. HONORÁRIOS PERICIAIS. REEMBOLSO PELA UNIÃO FEDERAL. REMESSA NECESSÁRIA E APELAÇÕES DO MPF, DA UNIÃO FEDERAL E DO IBAMA DESPROVIDA. SENTENÇA MANTIDA. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE.
1 - Ao se examinar detidamente o laudo pericial, verifica-se que ele foi confeccionado com base no critério de cálculo da faixa da APP estabelecido no artigo 62 do Novo Código Florestal (Lei n. 12.651/2012) (ID 281006197), em estrito cumprimento aos termos da decisão saneadora prolatada pelo Juízo 'a quo' (ID 281006060).
2 - Alguns quesitos efetuados pelo IBAMA (ID 281006063), no entanto, ignoraram essa premissa, buscando obter o pronunciamento do vistor oficial sobre assuntos que não guardam relação com o objetivo da perícia. Em outros, insistiu-se na utilização de forma de cálculo da faixa da APP que foi expressa e fundamentadamente afastada pela decisão do Juízo 'a quo'.
3 - Diante da impertinência de tais questionamentos em relação ao propósito do laudo pericial - que não é o de desenvolver discussões jurídicas -, não há violação ao direito de defesa a ser pronunciada nesta fase processual. Precedente.
4 - Não se pode olvidar que o destinatário da prova é o juiz, que, por sua vez, sentiu-se suficientemente esclarecido sobre o tema. Não é direito subjetivo da parte, a pretexto de supostos esclarecimentos, a formulação de indagações outras, tão só porque a conclusão pericial lhe foi desfavorável.
5 -No mais, embora a conciliação deva ser prestigiada como forma autocompositiva de solução de conflitos - já que permite não só a célere pacificação social, como também o uso eficiente dos recursos materiais e humanos afetados à prestação da atividade jurisdicional -, ela não se mostra viável no caso dos autos.
6 - De fato, as teses deduzidas pelos corréus foram integralmente acolhidas pela r. sentença, com esteio em jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, firmada em sede de controle concentrado de constitucionalidade. Diante desse contexto e considerando os rígidos limites legais e institucionais para a propositura de acordos pelo Ministério Público e pelas entidades da Administração Pública Federal, não se vislumbra a probabilidade de solução consensual na hipótese.
7 - Ademais, as partes exerceram plenamente suas garantias processuais e as provas produzidas no curso da instrução esclareceram os fatos controvertidos, razão pela qual não é razoável postergar ainda mais o provimento jurisdicional quando a demanda está madura para o julgamento do mérito.
8 -Por fim, é certo que a decisão saneadora é o local apropriado para a apreciação das questões processuais pendentes, a identificação dos fatos controvertidos e a delimitação das provas que deverão ser produzidas, nos termos do artigo 357 do Código de Processo Civil.
9 - Entretanto, como o critério de delimitação da APP diz respeito ao mérito da demanda, sua impugnação pelas partes nas fases processuais subsequentes não pode ser obstada pela preclusão, eis que necessariamente deve ser revolvida na análise do mérito da controvérsia revolvida.
10 - Assim, conquanto o Juízo 'a quo' tenha fixado, na decisão saneadora, as balizas para a realização da perícia judicial, orientando a observância do artigo 62 do NCF (Lei n. 12651/2012) para o cálculo da faixa da APP pelo vistor oficial, isso não trouxe qualquer prejuízo para os fins de justiça do processo, razão pela qual não há falar em nulidade da referida decisão, nos termos do parágrafo único do artigo 283 do Código de Processo Civil.
11 - A controvérsia diz respeito à responsabilização por danos ambientais em Área de Preservação Permanente.
12 - O artigo 225 da Constituição Federal de 1988 reconheceu, como direito fundamental, a manutenção de um meio ambiente ecologicamente equilibrado, pois este constitui condição imprescindível para uma existência digna, já que viabiliza a fruição de uma vida mais saudável, mediante a proteção dos espaços, bem como dos recursos naturais e biológicos necessários à perpetuação da convivência humana. Dada a relevância dos bens ambientais para as presentes e as futuras gerações, foram incumbidos de sua proteção e preservação não só o Poder Público, mas também toda a coletividade.
13 - A fim de atingir esse propósito, entre outras providências, conferiu-se ao Estado a possibilidade de delimitar espaços territoriais que devam ser especialmente protegidos, de modo a impedir que sua utilização indevida comprometa a integridade do ecossistema, nos termos do artigo 225, §1º, III, da Carta Magna. Não é outra a razão pela qual o legislador regulamentou a criação e o regime jurídico das chamadas Áreas de Preservação Permanente - APPs. Esses espaços encontram-se atualmente disciplinados pelo Novo Código Florestal - NCF (Lei n. 12.651 de 25/06/2012).
14 - Os territórios nos arredores dos reservatórios artificiais de água foram reconhecidos como áreas de preservação permanente em razão da norma prevista no artigo 2, alínea 'b' , do antigo Código Florestal (Lei n. 4.771/65).
15 - O preceito normativo supramencionado, conquanto tenha assegurado especial proteção estatal em torno desses empreendimentos, não estipulou qualquer critério para delimitação da abrangência da APP.
16 - A fim de suprir a referida omissão e no exercício de sua competência para formular diretrizes para a implementação da Política Nacional de Meio Ambiente, o CONAMA editou a Resolução n. 04/1985, que estabelecia inicialmente o critério para definição da abrangência desses territórios.
17 - Entretanto, questionava-se a validade da referida Resolução, sobretudo, considerando que a Lei n. 4.771/65 não delegava ao Poder Executivo o poder de regulamentar a forma de cálculo da faixa da APP.
18 - Justamente para encerrar a discussão em torno desse tema, preenchendo a alegada lacuna legislativa, foi editada a Medida Provisória n. 2.166-67, que incluiu o parágrafo 6º no artigo 4º do antigo Código Florestal (Lei n. 4.771/65). A referida Medida Provisória foi sendo reeditada inúmeras vezes até sua perenidade ser assegurada na ordem jurídica pela promulgação da Emenda Constitucional n. 32, de 11 de setembro de 2001, a qual estabeleceu em seu artigo 2º que "as medidas provisórias editadas em data anterior à da publicação desta emenda continuam em vigor até que medida provisória ulterior as revogue explicitamente ou até deliberação definitiva do Congresso Nacional".
19 - Com esteio nesta delegação legislativa, o Conselho Nacional do Meio Ambiente - CONAMA confeccionou a Resolução n. 302, em 20 de março de 2002, regulamentando o artigo 2º, alínea 'b', da Lei n. 4.771/65, a fim de estabelecer novo critério de cálculo da faixa da APP no entorno de reservatórios artificiais de água.
20 - Com a entrada em vigor do Novo Código Florestal - NCF (Lei n. 12.651/2012), buscou-se compatibilizar a tutela do direito fundamental a um ambiente ecologicamente equilibrado com a necessidade de resolução dos conflitos de interesses que permeiam a disputa pela terra no país, inclusive mediante a positivação de medidas que visavam possibilitar eventual regularização fundiária de edificações que, embora construídas indevidamente, em regiões que gozavam de especial tutela estatal, já possuíam seu uso consolidado pelo decurso do tempo.
21 - É com esse espírito que veio a lume o artigo 62 do NCF, que inovou ao estabelecer critério objetivo de delimitação da Área de Preservação Permanente no entorno dos reservatórios artificiais de águas destinados à geração de energia ou ao abastecimento público, cujos contratos de concessão ou autorização foram assinados antes da vigência da Medida Provisória n. 2.166-67.
22 - Substitui-se, portanto, a prévia determinação legal de limites rígidos para a faixa da APP, em prol de um critério técnico variável de acordo com as características particulares do empreendimento.
23 - A aplicação da referida regra de transição foi objeto de intensa controvérsia jurisprudencial, sobretudo no que tange à rediscussão da validade do dimensionamento das Áreas de Preservação Permanente feitas segundo os parâmetros fixados na Resolução n. 302/2002. Neste sentido, impugnava-se a supressão dos limites mínimos para delimitação da APP, tendo em vista o impacto que isso poderia representar para o equilíbrio dos ecossistemas.
24 - Diante desse contexto, o C. Superior Tribunal de Justiça manteve sua orientação de prestigiar a observância dos princípios tempus regit actum e da vedação ao retrocesso ambiental ao analisar recursos que objetivavam o redimensionamento das faixas de APP segundo a Lei n. 12.651/2012. Precedente.
25 - Entretanto, ao julgar a ADC n. 42 e as ADIs n. 4901, 4902, 4903 e 4937, a Suprema Corte concluiu pela constitucionalidade da regra de transição prevista no artigo 62 do Novo Código Florestal.
26 - Reconhecida a constitucionalidade do referido preceito legal, em sede de controle concentrado, inviável desconsiderar sua incidência no caso concreto sob a justificativa de observância dos princípios tempus regit actum e da vedação ao retrocesso ambiental. Precedentes.
27 - Este Egrégio Tribunal, por sua vez, também começou a realinhar sua jurisprudência para reconhecer a incidência imediata do artigo 62 do Novo Código Florestal nos processos em curso. Neste sentido, é paradigmático o precedente firmado pela 2ª Seção na Ação Rescisória n. 5020192-48.2017.4.03.0000, sob a relatoria do Des. Fed. Antonio Carlos Cedenho. Precedentes.
28 - Segundo os autores, o suposto dano ambiental seria causado pela construção da edificação pertencente aos corréus Delson Luiz Ferreira e Kátia Garcia Ferreira, dentro da Área de Preservação Permanente no entorno da UHE de Ilha Solteira.
29 - O referido empreendimento teve sua concessão deferida à CESP por meio do Decreto n. 67.066, de 17/08/1970, consoante informações constantes no Parecer do IBAMA acostado aos autos (ID 281006032). Posteriormente, o Ministério de Minas e Energia editou a Portaria n. 289, de 11 de novembro de 2004, prorrogando a concessão por 20 (vinte) anos, com efeitos retroativos a 08/07/1995.
30 - É incontroverso, portanto, que a concessão da UHE de Ilha Solteira ocorreu antes de 24 de agosto de 2001, razão pela qual a faixa da APP no seu entorno deve ser calculada nos termos do artigo 62 do Novo Código Florestal (Lei n. 12.651/2012), conforme estabelecido na decisão saneadora.
31 - Neste sentido, foi realizada perícia judicial no período de 08/06/2022 a 08/11/2022, com o auxílio de equipamentos topográficos, geodésicos e aerofotogramétricos, por Engenheiro e Professor Doutor da UNESP (ID 281006197), na qual se consignou que "o reservatório da UHE de Ilha Solteira apresenta como níveis de armazenamento (acima do nível do mar) as cotas, NMO - Nível Máximo Operativo Normal igual a 328,00 metros e CMM - Cota Máxima Maximorum igual a 329,00 metros. A cota de desapropriação apresenta valores entre 330,00 metros e 335,00 metros. A APP do reservatório da UHE de Ilha Solteira, considerando o Art. 62 do Código Florestal em vigor (Lei 12.651/2012) apresenta, sua área definida entre esses dois níveis NMO e a CMM, ou seja, na faixa entre 328,00 metros e 329,00 metros, portanto, dentro da faixa de desapropriação".
32 - Feitas as devidas averiguações e estabelecida a delimitação da APP, o experto do Juízo concluiu que "não foram encontradas intervenções humanas que impeçam a regeneração natural no local".
33 - Da mesma forma que o juiz não está adstrito ao laudo pericial, a contrario sensu do que dispõe o art. 479 do CPC e do princípio do livre convencimento motivado, a não adoção das conclusões periciais, na matéria técnica ou científica que refoge à controvérsia meramente jurídica depende da existência de elementos robustos nos autos em sentido contrário e que infirmem claramente o parecer do experto. Documentos produzidos unilateralmente pelas partes não possuem tal aptidão, salvo se aberrante o laudo pericial, circunstância que não se vislumbra no caso concreto. Por ser o juiz o destinatário das provas, a ele incumbe a valoração do conjunto probatório trazido a exame. Precedentes: STJ, 4ª Turma, RESP nº 200802113000, Rel. Luis Felipe Salomão, DJE: 26/03/2013; AGA 200901317319, 1ª Turma, Rel. Arnaldo Esteves Lima, DJE. 12/11/2010.
34 - Por conseguinte, à míngua da demonstração de intervenção antrópica dentro da faixa da APP que obste a regeneração natural da vegetação, inviável reconhecer a responsabilidade dos réus pela reparação de dano ambiental no caso vertente, devendo ser mantida a sentença de 1º grau neste aspecto. Precedentes.
35 - No que tange aos honorários periciais, igualmente não merece reparos o r. decisum, já que os valores que foram antecipados a este título devem ser reembolsados pela União Federal, por aplicação analógica da Súmula 232 do C. STJ: "A Fazenda Pública, quando parte no processo, fica sujeita à exigência do depósito prévio dos honorários do perito ". Precedentes.
36 - Remessa necessária e apelações interpostas pelo MPF, pela União Federal e pelo IBAMA desprovidas. Sentença mantida. Ação julgada improcedente.