AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5014586-63.2022.4.03.0000
RELATOR: Gab. 47 - DES. FED. WILSON ZAUHY
AGRAVANTE: TUDO GRAOS COMERCIO DE CEREAIS LTDA
Advogado do(a) AGRAVANTE: JOAO LUIZ BRANDAO - SP153097-A
AGRAVADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL
OUTROS PARTICIPANTES:
AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5014586-63.2022.4.03.0000 RELATOR: Gab. 47 - DES. FED. WILSON ZAUHY AGRAVANTE: TUDO GRAOS COMERCIO DE CEREAIS LTDA Advogado do(a) AGRAVANTE: JOAO LUIZ BRANDAO - SP153097-A AGRAVADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Cuida-se de agravo de instrumento interposto pela parte executada, TUDO GRÃOS COMÉRCIO DE CEREAIS LTDA, contra decisão proferida em execução fiscal que reconheceu a ocorrência de sucessão empresarial e fraude à execução na alienação de bem imóvel. Sustenta a agravante que: a) “é a responsável por todos os débitos da Execução Fiscal nº 5005076-38.2018.4.03.6120, uma vez que não houve a venda de fundo de comércio ou estabelecimento para a empresa KUTKO”; b) “não houve nenhuma compra ou venda de bens corpóreos ou incorpóreos, isto é, do fundo de comércio ou estabelecimento, entre a empresa Agravante TUDO GRÃOS e a empresa KUTKO”; c) “o fato de uma mesma pessoa física ter participado como sócia da empresa que se mudou e venha a tornar-se sócia da empresa que se estabeleceu no local, não é capaz de configurar por si só a sucessão para efeitos fiscais”; d) “a responsabilidade tributária por sucessão não se presume, exigindo a comprovação da aquisição do fundo de comércio ou estabelecimento, sendo insuficiente a apresentação de meros indícios fundados no funcionamento de empresa nova no mesmo endereço da devedora originária, explorando o mesmo ramo da atividade”. e) deve ser “cancelado o redirecionamento da Execução Fiscal por sucessão empresarial, não incluindo a empresa Kutko Comércio e Benefício de Cereais Ltda no polo passivo, uma vez que a responsável tributária já realizou o parcelamento da referida dívida”. Intimada, a agravada ofertou contraminuta (ID 259793843). É o relatório.
AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5014586-63.2022.4.03.0000 RELATOR: Gab. 47 - DES. FED. WILSON ZAUHY AGRAVANTE: TUDO GRAOS COMERCIO DE CEREAIS LTDA Advogado do(a) AGRAVANTE: JOAO LUIZ BRANDAO - SP153097-A AGRAVADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Acerca do tema responsabilidade, denota-se que a decisão agravada se encontra bem fundamentada no sentido de estarem presentes fortes indícios de sucessão de fato, ocorrida entre a devedora principal originária TUDO GRÃOS COMÉRCIO DE CEREAIS LTDA e a empresa KUTKO COMÉRCIO E BENEFÍCIO DE CEREAIS LTDA, ainda que não se tenha documento formal de transferência, tendo em conta os demais elementos e conjunto fático probatório presentes nos autos da execução fiscal – que indicam aparente continuidade de exploração do mesmo ou análogo ramo de atividade e, supostamente, no mesmo local físico da primitiva executada – “verbis” (ID 248803679 da EF de origem): “A Fazenda Nacional veio aos autos para requerer o reconhecimento de sucessão da executada pela empresa Kutko Comércio e Benefício de Cereais, bem como o reconhecimento de fraude à execução quanto à alienação de bem da executada. Quanto à sucessão, a exequente sustenta que diligências realizadas pela Receita Federal e pela própria Fazenda Nacional amealharam indícios de que a executada Tudo Grãos Comércio de Cereais Ltda teve suas atividades encerradas concomitantemente à criação da empresa Kutko Comércio e Benefício de Cerais, empreendimento que atua no mesmo ramo da executada, conta com sócios comuns integrantes do mesmo grupo familiar e que na prática é administrada por Jean Franco Zerbinati, que é o sócio-administrador da executada. Quanto à fraude à execução, a Fazenda Nacional pondera que o único imóvel remanescente da executada foi alienado a Jean Franco Zerbinati em 29/05/2019, ou seja, após a distribuição desta execução fiscal. É a síntese do necessário. Sucessão e redirecionamento De partida registro que o exame dessa questão prescinde da instauração de incidente de desconsideração de personalidade jurídica [...] No presente caso, tenho que a exequente foi bem-sucedida em apontar indícios consistentes a respeito da sucessão da Tudo Grãos Comércio de Cereais Ltda pela Kutko Comércio e Benefícios de Cereais. Em primeiro lugar, ambas as empresas atuam no mesmo ramo de negócio, sendo que a segunda foi constituída em 2006. Naquele ano a Tudo Grãos já andava mal das pernas, tanto que parte dos débitos executados nesta ação remontam a essa época. De lá para cá a situação fiscal da Tudo Grãos só piorou, em contraste com a Kutko Cereais, que não possui débitos tributários com a União. O contrato social que acompanha a manifestação da Fazenda Nacional mostra que inicialmente a Kutko Cereais foi constituída como Transporte Rodoviário Kutko e apenas em maio de 2012 é que o objeto social foi alterado para o ramo de cereais, inicialmente limitado ao cultivo de amendoim e paulatinamente ampliado para abarcar outras formas de exploração de cereais. Outro dado interessante informado no contrato social (e que aparentemente passou despercebido pela Fazenda Nacional) é que o endereço da Kutko Cereais (Rodovia SP 304, Km 396, Bairro Fugidos) é o mesmo onde formalmente está instalada a Tudo Grãos. A procuração outorgada pela executada quando do ajuizamento da exceção de pré-executividade veio acompanhada da 6ª Alteração Contratual e Consolidação do Contrato Social[2], que alterou o endereço da sociedade para Rodovia SP 304, Km 396, Bairro Fugidos Borborema. Outro ponto de contato entre as empresas é o fato de que ambos os empreendimentos tiveram como administrador Hildebrando Hortense e como sócio Márcio Hortense (pai e filho respectivamente), sendo que este último atualmente está cadastrado na Receita Federal como responsável pelas duas cerealistas. Aliás, a ficha societária das duas empresas revela que se tratam de empreendimentos capitaneados pela família Hortense. Essa trajetória de empreendimento familiar é reforçada pelo site da Kutko Cereais. A página inicial apresenta texto que informa que ‘A iniciativa de comercializar amendoim começou a partir de uma sociedade familiar entre os Hildebrando Hortense e o seu filho caçula, Márcio, em meados dos anos 80. Nessa época, eles já eram conhecidos no meio cerealista pela atividade comercial com outros tipos de grãos’. Ao clicar no botão ‘+ Saiba Mais’ ou na aba ‘Quem Somos’ o visitante é direcionado a página que traz a seguinte narrativa: A Empresa Em 1994 a empresa se especializou em amendoim, para oferecer um produto de qualidade, atendendo as exigências do mercado e tornando-se assim mais competitiva e atrativa. Uma nova fase iniciou-se em 1996, com implantação do processo de beneficiamento de amendoim, atingindo, assim, um melhor aproveitamento do grão. Já em 1999 foi a vez de implantar o processo de torrefação, com máquinas modernas que, ao final do ciclo, selecionavam os melhores grãos, oferecendo, assim, uma melhor qualidade do produto no mercado nacional. De 2015 a 2017 deu-se a construção de Indústria de Extração de Óleo Vegetal de Amendoim, a que garantiu um diferencial da empresa perante não só o mercado nacional mas também o Internacional, agregando valor e solidificando ainda mais a marca. Hoje a Empresa veicula uma grande marca, e exporta seus produtos, sendo reconhecida em vários países. Ao rever o passado, o seu crescimento industrial e do grupo familiar que nela atua, somos gratos a todos os colaboradores, clientes e parceiros pelo apoio e incentivo nessa caminhada de longa data. Conforme visto, a Tudo Grãos foi constituída em 1994, ao passo que a Kutko Cereais só foi aberta em 2006, e ainda assim para atuar no ramo de transportes. Ou seja, o próprio site sinaliza que a empresa iniciou suas atividades em 1994, escancarando que a Kutko Cereais não passa de uma dublê com certidão negativa da Tudo Grãos. Outro dado relacionado ao site é que os endereços de e-mail registrados pelas empresas na Receita Federal possuem ‘kutko’ em sua formação —atendimentokutkoborborema@gmail.com no caso da Tudo Grãos e atendimentokutko@hotmail.com no caso da Kutko Cereais. Não bastasse isso (e isso já é muito), tanto a Tudo Grãos quanto a Kutko Cereais contam com os préstimos do administrador Jean Franco Zerbinati, que inclusive foi sócio desta entre 2016 e 2018 — conforme será detalhado logo mais, depois de se retirar formalmente da sociedade da Kutko Cereais Jean Franco recebeu a propriedade do único imóvel remanescente da Tudo Grãos. A Fazenda Nacional apurou que Jean Franco é sobrinho de Márcio Hortense e neto de Hildebrando Hortense, bem como proprietário do domínio kutko.com.br. De resto, as trajetórias das empresas revisitam o batido roteiro das sucessões matreiras. A empresa mais jovem vai de vento em popa, atua efetivamente no mercado, possui patrimônio, empregados, clientes e, ao menos neste caso, não possui dívidas. Já a mais antiga só existe no papel; não atua, não tem patrimônio, não conta com funcionários... na perspectiva financeira tudo o que possui são dívidas. Em suma, entendo que as informações trazidas pela Fazenda Nacional são convincentes a respeito da existência de sucessão da Tudo Grãos Comércio de Cereais Ltda pela Kutko Comércio e Benefício de Cereais Ltda, bem como da inexistência de bens da sucedida suficientes para a garantia integral da execução. Diante disso, invertendo o dito popular, é chegada a hora de misturar o joio ao trigo, de modo que acolho o pedido da União para incluir no polo passivo deste feito e empresa Kutko Comércio e Benefício de Cereais Ltda, o que faço com fundamento no art. 133, I do Código Tributário Nacional. Importante assinalar que o redirecionamento da execução fiscal é apenas o ponto de partida da responsabilização da coobrigada. Uma vez incluída no feito, a empresa afetada pelo redirecionamento poderá exercer de forma ampla o contraditório, seja por meio de ação de conhecimento autônoma, seja por meio de embargos à execução fiscal, neste caso após a garantia do juízo. Fraude à execução Em 2019 o único imóvel da executada Tudo Grãos Comércio de Cereais Ltda foi alienado em dação de pagamento a Jean Franco Zerbinati. A circunstância de o imóvel ter sido transferido para um dos administradores da executada e de sua sucessora por si só reveste o negócio de estranheza, sobretudo se levado em consideração que a transferência se fundamentou em uma dação de pagamento — ou seja, a alienação sequer derivou em resultado positivo para a proprietária. No entanto, essas questões acabam nem tendo muita importância, uma vez que uma consulta ao calendário é o que basta para caracterizar a fraude à execução. O artigo 185 do CTN é taxativo: Presume-se fraudulenta a alienação ou oneração de bens ou rendas, ou seu começo, por sujeito passivo em débito para com a Fazenda Pública, por crédito tributário regularmente inscrito como dívida ativa. No caso dos autos a proprietária não só apresentava débitos constituídos como esses débitos estavam sendo executados judicialmente. Como se vê, no presente caso a fraude à execução se manifesta com a sutileza de uma fratura exposta. Nada mais precisa ser dito para declarar a ineficácia da alienação. Diante do exposto (i) acolho o pedido de redirecionamento proposto pela Fazenda Nacional, para o fim de incluir no polo passivo a executada Kutko Comércio e Benefício de Cereais Ltda e (ii) reconheço a existência de fraude à execução e torno ineficaz a alienação a Jean Franco Zerbinati do imóvel registrado no Cartório de Registro de Imóveis de Borborema sob a matrícula nº 75.437, descrita no R 03 da matrícula. Cite-se a executada Kutko Comércio e Benefício de Cereais Ltda para pagamento. Expeça-se mandado de penhora e avaliação do imóvel cuja fraude foi reconhecida. Caso o bem não seja suficiente para a garantia integral da dívida, expeça-se mandado executivo contra a empresa sucessora. (...)” (grifos no original) Deveras, o artigo 133 do CTN contempla duas (2) hipóteses de atração da responsabilidade pela obrigação tributária porventura existente à época da alienação do estabelecimento comercial, “verbis”: “Art. 133. A pessoa natural ou jurídica de direito privado que adquirir de outra, por qualquer título, fundo de comércio ou estabelecimento comercial, industrial ou profissional, e continuar a respectiva exploração, sob a mesma ou outra razão social ou sob firma ou nome individual, responde pelos tributos, relativos ao fundo ou estabelecimento adquirido, devidos até à data do ato: I - integralmente, se o alienante cessar a exploração do comércio, indústria ou atividade; II - subsidiariamente com o alienante, se este prosseguir na exploração ou iniciar dentro de seis meses a contar da data da alienação, nova atividade no mesmo ou em outro ramo de comércio, indústria ou profissão. § 1o O disposto no caput deste artigo não se aplica na hipótese de alienação judicial: (Incluído pela Lcp nº 118, de 2005) I – em processo de falência; (Incluído pela Lcp nº 118, de 2005) II – de filial ou unidade produtiva isolada, em processo de recuperação judicial.(Incluído pela Lcp nº 118, de 2005) § 2o Não se aplica o disposto no § 1o deste artigo quando o adquirente for: (Incluído pela Lcp nº 118, de 2005) I – sócio da sociedade falida ou em recuperação judicial, ou sociedade controlada pelo devedor falido ou em recuperação judicial;(Incluído pela Lcp nº 118, de 2005) II – parente, em linha reta ou colateral até o 4o (quarto) grau, consangüíneo ou afim, do devedor falido ou em recuperação judicial ou de qualquer de seus sócios; ou (Incluído pela Lcp nº 118, de 2005) III – identificado como agente do falido ou do devedor em recuperação judicial com o objetivo de fraudar a sucessão tributária.(Incluído pela Lcp nº 118, de 2005) § 3o Em processo da falência, o produto da alienação judicial de empresa, filial ou unidade produtiva isolada permanecerá em conta de depósito à disposição do juízo de falência pelo prazo de 1 (um) ano, contado da data de alienação, somente podendo ser utilizado para o pagamento de créditos extraconcursais ou de créditos que preferem ao tributário. (Incluído pela Lcp nº 118, de 2005)” (grifos nossos) Assim, com relação à responsabilidade integral, a lei não deixa dúvida. Encerrando a empresa vendedora (cedente) a exploração do comércio, indústria ou atividade, a responsabilidade passa, de pronto, à empresa sucessora (adquirente). Por sua vez, no tocante à responsabilidade subsidiária, a lei estabelece o benefício de ordem - ou seja, em continuando a empresa suas atividades, no mesmo ou em outro ramo empresarial, haverá de se excutir, primeiramente, o patrimônio da empresa cedente (sucedida) para, somente depois, se dirigirem os atos de execução contra a empresa adquirente (sucessora). Nessa senda, aponta a melhor doutrina: “Subsidiariamente. Neste caso, gozará o adquirente do benefício de ordem, só podendo ser exigida a satisfação do crédito após a execução frustrada do alienante” (PAULSEN, Direito Tributário – Constituição e Código Tributário à luz da Jurisprudência e da Doutrina. Livraria do Advogado, 12ª. Edição, 2.010, em notas ao artigo 133 do CTN). O mesmo doutrinador também traz o escólio de ALBERTO XAVIER: “Mitigação da responsabilidade do adquirente. ‘A finalidade deste dispositivo é mitigar a responsabilidade do adquirente por dívida constituída anteriormente à data da aquisição do estabelecimento, tornando-a meramente subsidiária, bem como reforçar as garantias do Fisco, caso o alienante mantenha uma vida econômica ativa, reveladora da capacidade contributiva, ainda que em ramo distinto daquele a que respeitava o estabelecimento alienante” (XAVIER, Alberto. Responsabilidade tributária de sucessores na alienação de estabelecimento – RDDT 167-7, ago.-09).” Acerca do tema, confira-se o precedente do c. Superior Tribunal de Justiça: “RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. TRIBUTO SUJEITO A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. INEXISTÊNCIA DE PAGAMENTO ANTECIPADO. DECADÊNCIA DO DIREITO DE O FISCO CONSTITUIR O CRÉDITO TRIBUTÁRIO. TERMO INICIAL. ARTIGO 173, I, DO CTN. APLICAÇÃO CUMULATIVA DOS PRAZOS PREVISTOS NOS ARTIGOS 150, § 4º, e 173, do CTN. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA (RESP 973.733/SC). RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA. RETENÇÃO E RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. FORNECEDOR/CEDENTE DE MÃO-DE-OBRA X TOMADOR/CESSIONÁRIO DE MÃO-DE-OBRA. ARTIGO 31, DA LEI 8.212/91. PERÍODO ANTERIOR À VIGÊNCIA DA LEI 9.711/98 (RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA). PERÍODO POSTERIOR À VIGÊNCIA DA LEI 9.711/98 (RESPONSABILIDADE PESSOAL DO TOMADOR DO SERVIÇO). RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA (RESP 1.131.047/MA). AFERIÇÃO INDIRETA DA BASE DE CÁLCULO. ARTIGO 148, DO CTN, C/C ARTIGO 33, § 6º, DA LEI 8.212/91. PROCEDIMENTO REGULADO POR ORDEM DE SERVIÇO. LEGALIDADE. TAXA SELIC. APLICAÇÃO AOS CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS PAGOS A DESTEMPO. LEI 9.065/95. (...) 8. No que concerne à responsabilidade tributária, o artigo 128, do CTN, preceitua que: "Art. 128. Sem prejuízo do disposto neste capítulo, a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação." 9. A responsabilidade tributária (cujo principal escopo é facilitar o cumprimento da prestação pecuniária devida ao Fisco) tanto pode advir da prática de atos ilícitos (artigos 134, 135 e 137, do CTN), como também da realização de atos lícitos (artigos 129 ao 133, do CTN), sendo certo, contudo, que a sua instituição reclama o atendimento dos requisitos impostos pelo Codex Tributário, quais sejam: (i) a existência de previsão legal; (ii) a consideração do regime jurídico do contribuinte para fins de aferição da prestação pecuniária devida; e (iii) a existência de "vínculo jurídico entre o contribuinte e o responsável que permita a este cumprir sua função de auxiliar do Fisco no recebimento da dívida do contribuinte, sem ter seu patrimônio comprometido" (Octávio Bulcão Nascimento, in "Curso de Especialização em Direito Tributário: Estudos Analíticos em Homenagem a Paulo de Barros Carvalho", Ed. Forense, Rio de Janeiro, 2007, pág. 818). 10. Quanto à extensão do dever jurídico imposto ao terceiro, a responsabilidade tributária distingue-se em solidária ou subsidiária (em havendo co-obrigados) e pessoal, como bem elucida doutrina abalizada: ‘Será pessoal se competir exclusivamente ao terceiro adimplir a obrigação, desde o início (responsabilidade de terceiros, por infrações e substituição). Será subsidiária se o terceiro for responsável pelo pagamento da dívida somente se constatada a impossibilidade de pagamento do tributo pelo devedor originário. E, finalmente, será solidária se mais de uma pessoa integrar o pólo passivo da relação permanecendo todos eles responsáveis pelo pagamento da dívida.’ (Maria Rita Ferragut, in "Responsabilidade Tributária e o Código Civil de 2002", 2ª ed., 2009, Ed. Noeses, págs. 34/35). (...) 33. Recurso especial desprovido.” (REsp 719.350/SC, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 16/12/2010, DJe 21/02/2011) (grifos nossos) No caso concreto, malgrado o magistrado tenha asseverado inexistir “bens da sucedida suficientes para a garantia integral da execução”, entendo não ser aplicável à hipótese o inciso I do artigo 133 do CTN (que prevê a responsabilidade integral “pelos tributos, relativos ao fundo ou estabelecimento adquirido, devidos até à data do ato”), porquanto a devedora principal aparentemente se encontra ativa e não restou efetivamente configurada sua execução frustrada – tanto que não esgotadas as diligências no sentido de localizar bens passíveis de penhora, além de reconhecida fraude à execução na alienação de imóvel e noticiada adesão da devedora originária a programa de parcelamento. À evidência, a situação da KUTKO COMÉRCIO E BENEFÍCIO DE CEREAIS LTDA estaria subsumida ao disposto no artigo 133, inciso II, do CTN, que prevê ser subsidiária a responsabilidade do adquirente do fundo de comércio, razão pela qual faz jus ao benefício de ordem. Dessa forma, não se antevê a legitimidade da empresa sucessora/adquirente para responder integralmente pela exação, e isso por força da mitigação da responsabilidade da empresa adquirente (extensível, em tese, aos seus sócios) escorada na subsidiariedade, posto que não comprovada nos autos a execução frustrada da devedora principal. Ante o exposto, voto por dar provimento ao agravo de instrumento, a fim de reformar em parte a decisão impugnada e determinar a exclusão da empresa KUTKO COMÉRCIO E BENEFÍCIO DE CEREAIS LTDA do polo passivo da execução fiscal, facultada à exequente a demonstração dos requisitos do artigo 133, II, do CTN a justificar o redirecionamento da pretensão executória (execução frustrada em face da devedora originária), conforme fundamentação. É como voto.
E M E N T A
DIREITO PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO FISCAL. SUCESSÃO EMPRESARIAL. CONFIGURAÇÃO. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. ARTIGO 133, INCISO II, DO CTN. EXECUÇÃO FRUSTRADA DA DEVEDORA PRINCIPAL NÃO DEMONSTRADA. ILEGITIMIDADE DA EMPRESA SUCESSORA.
1. O artigo 133 do CTN, contempla duas (2) hipóteses de atração da responsabilidade pela obrigação tributária porventura existente à época da alienação do estabelecimento comercial: “I - integralmente, se o alienante cessar a exploração do comércio, indústria ou atividade; II - subsidiariamente com o alienante, se este prosseguir na exploração ou iniciar dentro de seis meses a contar da data da alienação, nova atividade no mesmo ou em outro ramo de comércio, indústria ou profissão”.
2. Com relação à responsabilidade integral, a lei não deixa dúvida. Encerrando a empresa vendedora (cedente) a exploração do comércio, indústria ou atividade, a responsabilidade passa, de pronto, à empresa sucessora (adquirente). Por sua vez, no tocante à responsabilidade subsidiária, a lei estabelece o benefício de ordem - ou seja, em continuando a empresa suas atividades, no mesmo ou em outro ramo empresarial, haverá de se excutir, primeiramente, o patrimônio da empresa cedente (sucedida) para, somente depois, se dirigirem os atos de execução contra a empresa adquirente (sucessora).
3. Caso em que presentes fortes indícios de sucessão de fato, ocorrida entre a devedora principal originária e a empresa sucessora, ainda que não se tenha documento formal de transferência, tendo em conta os demais elementos e conjunto fático probatório presentes nos autos da execução fiscal – que indicam aparente continuidade de exploração do mesmo ou análogo ramo de atividade e, supostamente, no mesmo local físico da primitiva executada.
4. Malgrado o magistrado tenha asseverado inexistir “bens da sucedida suficientes para a garantia integral da execução”, não é aplicável à hipótese o inciso I do artigo 133 do CTN (que prevê a responsabilidade integral “pelos tributos, relativos ao fundo ou estabelecimento adquirido, devidos até à data do ato”), porquanto a devedora principal aparentemente se encontra ativa e não restou efetivamente configurada sua execução frustrada – tanto que não esgotadas as diligências no sentido de localizar bens passíveis de penhora, além de reconhecida fraude à execução na alienação de imóvel e noticiada adesão da devedora originária a programa de parcelamento.
5. À evidência, a situação da sucessora estaria subsumida ao disposto no artigo 133, inciso II, do CTN, que prevê ser subsidiária a responsabilidade do adquirente do fundo de comércio, razão pela qual faz jus ao benefício de ordem.
6. Uma vez não configurada e demonstrada a execução frustrada da alienante/agravante, não se antevê a legitimidade da empresa sucessora para responder integralmente pela exação, e isso por força da mitigação da responsabilidade da empresa sucessora (extensível, em tese, aos seus sócios) escorada na subsidiariedade.
7. Agravo de instrumento provido.