APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001693-98.2021.4.03.6103
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: FRANCISCO CLEMENTINO MARQUES
Advogados do(a) APELADO: ALEXANDRE SILVA GAZZO BOTAN - SP417258-N, SANDRO LUIS CLEMENTE - SP294721-N
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APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001693-98.2021.4.03.6103 RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS APELADO: FRANCISCO CLEMENTINO MARQUES Advogados do(a) APELADO: ALEXANDRE SILVA GAZZO BOTAN - SP417258-N, SANDRO LUIS CLEMENTE - SP294721-N R E L A T Ó R I O Cuida- se de apelação interposta em face de sentença que julgou improcedente pedido de aposentadoria por idade à pessoa com deficiência. Inconformada, o autor suscita, preliminarmente, a nulidade da sentença, diante da suspeição do perito e, no mérito, alega o preenchimento de todos os requisitos necessários à obtenção dos benefícios e exora a reforma integral do julgado. Sem contrarrazões, os autos subiram a esta Corte. É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001693-98.2021.4.03.6103 RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS APELADO: FRANCISCO CLEMENTINO MARQUES Advogados do(a) APELADO: ALEXANDRE SILVA GAZZO BOTAN - SP417258-N, SANDRO LUIS CLEMENTE - SP294721-N V O T O O recurso atende aos pressupostos de admissibilidade e merece ser conhecido. Preliminarmente, não prospera a alegação de nulidade da prova técnica. Na hipótese, como prevê o artigo 370 do Código de Processo Civil (CPC), foi coletada a prova pericial, a fim de verificar a existência, ou não, de deficiência do autor. O laudo pericial apresentado mencionou o histórico dos males relatados, descreveu os achados no exame clínico e nos registros complementares que lhe foram apresentados e respondeu aos quesitos essenciais ao deslinde da lide. Desse modo, não está configurada a alegada ilegalidade na decisão recorrida, pois não houve óbice à formação do convencimento do Juízo a quo por meio da perícia realizada, revelando-se desnecessária a produção de novo laudo pericial. Frise-se a desnecessidade da especialização para o diagnóstico de doenças ou para a realização de perícias, conforme entendimento desta Corte (TRF 3ª Região - Proc. n. 2007.61.08.005622-9 - 9ª Turma - Rel. Des. Fed. Marisa Santos - DJF3 CJ1 5/11/2009, p. 1.211). Efetivamente, o incidente processual de arguição de suspeição tem por finalidade o afastamento de determinado magistrado ou do auxiliar da justiça, devido à presença de dadas circunstâncias que comprometem, subjetivamente, sua parcialidade para atuação naquela causa. Trata-se, por definição, de situação excepcional, cuja configuração depende da produção de prova inequívoca pela parte suscitante, sob pena de afronta ao princípio do juiz natural e seus auxiliares, insculpido no artigo 5º, XXXVII, da Constituição Federal (CF/1988). No campo infraconstitucional, a matéria também encontra amparo legal nos artigos 145 a 148 do CPC (CPC). Vejamos: "Art. 145. Há suspeição do juiz: I - amigo íntimo ou inimigo de qualquer das partes ou de seus advogados; II - que receber presentes de pessoas que tiverem interesse na causa antes ou depois de iniciado o processo, que aconselhar alguma das partes acerca do objeto da causa ou que subministrar meios para atender às despesas do litígio; III - quando qualquer das partes for sua credora ou devedora, de seu cônjuge ou companheiro ou de parentes destes, em linha reta até o terceiro grau, inclusive; IV - interessado no julgamento do processo em favor de qualquer das partes. § 1º Poderá o juiz declarar-se suspeito por motivo de foro íntimo, sem necessidade de declarar suas razões. § 2º Será ilegítima a alegação de suspeição quando: I - houver sido provocada por quem a alega; II - a parte que a alega houver praticado ato que signifique manifesta aceitação do arguido." (...) "Art. 148. Aplicam-se os motivos de impedimento e de suspeição: I - ao membro do Ministério Público; II - aos auxiliares da justiça; III - aos demais sujeitos imparciais do processo. § 1º A parte interessada deverá arguir o impedimento ou a suspeição, em petição fundamentada e devidamente instruída, na primeira oportunidade em que lhe couber falar nos autos. § 2º O juiz mandará processar o incidente em separado e sem suspensão do processo, ouvindo o arguido no prazo de 15 (quinze) dias e facultando a produção de prova, quando necessária. § 3º Nos tribunais, a arguição a que se refere o § 1º será disciplinada pelo regimento interno. § 4º O disposto nos §§ 1º e 2º não se aplica à arguição de impedimento ou de suspeição de testemunha." Cito, por oportuno, importantes lições de Cássio Scarpinella Bueno: "Juiz e auxiliares da Justiça Entre os sujeitos processuais, há aqueles que devem ser imparciais. São os magistrados que atuarão ao longo do processo nas diversas instâncias e graus de jurisdição, e também seus auxiliares da justiça. A imparcialidade imposta desde a Constituição Federal é garantida pelo disposto nos arts. 144 e 145, que indicam diversas situações em que, havendo impedimento ou suspeição, inviabilizam a participação do magistrado e/ ou do auxiliar da justiça, além das demais pessoas referidas no art. 148. O Título IV do Livro III da Parte Geral do CPC de 2015 ocupa-se com a disciplina do juiz e dos auxiliares da justiça, dividindo a matéria em diversos Capítulos, abaixo analisados. (...) Perito O perito é o auxiliar da justiça que atuará 'quando a prova do fato depender de conhecimento técnico ou científico' (art. 156, caput), sendo nomeado pelo magistrado para desempenhar aquela função (art. 465, caput). A nomeação do perito deve se dar entre os profissionais legalmente habilitados e os órgãos técnicos ou científicos devidamente inscritos em cadastro mantido pelo tribunal ao qual o juiz estiver vinculado (art. 156, § 1º). Este cadastro deve ser formado após consulta pública e direta a diversas entidades, dentre elas o Ministério Público, a Defensoria Pública e a OAB, que indicarão profissionais ou órgãos técnicos interessados (art. 156, § 2º). (...) A responsabilidade do perito está regulada no artigo 158. Aquele que, por dolo ou culpa, prestar informações inverídicas responderá pelos prejuízos que causar à parte e ficará inabilitado para atuar em outras perícias no prazo de dois a cinco anos, independentemente das demais sanções previstas em lei, devendo o juiz comunicar o fato ao respectivo órgão de classe para adoção das medidas que entender cabíveis", (Bueno, Cassio Scarpinella. Manual de Direito Processual Civil - 6ª Ed. 2020 (Locais do Kindle 5993-5995-5697). Editora Saraiva. Edição do Kindle). No caso concreto, não obstante a alegações do suscitante contra o médico perito, não identifico nenhuma hipótese de falta de isenção que comprometa sua atuação ou configure a alegada suspeição. Aliás, a falta de argumentos técnicos para externar sua oposição aos fatos apontados na perícia e à atuação profissional do perito traduzem, na verdade, o inconformismo com os resultados dos exames periciais. Entretanto, é de reputar-se infundada a arguição de suspeição embasada somente em simples alegações, sem provas que possam ensejar desconfiança de sua imparcialidade. Ademais, o perito nomeado é médico de confiança do Juízo, possui habilitação técnica para proceder ao exame pericial da parte requerente, de acordo com a legislação em vigência, que regulamenta o exercício da medicina e mostrou-se equidistante das partes. Nesse passo, tendo em vista que a situação retratada nos autos não se enquadra em nenhuma das hipóteses de impedimento e suspeição dos auxiliares da justiça, as alegações de suspeição não merecem guarida, na esteira do precedente: TRF 3ª Região, SÉTIMA TURMA, Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 1742406 - 0015771-52.2012.4.03.9999, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO, julgado em 23/10/2017, e-DJF3 Judicial 1 DATA: 8/11/2017. No mérito, discute-se o preenchimento dos requisitos necessários à concessão de aposentadoria por idade da pessoa com deficiência. A Constituição prevê, desde 2005 (Emenda Constitucional n. 47), a aposentadoria devida aos segurados do Regime Geral de Previdência Social – RGPS portadores de deficiência, mediante adoção de requisitos e critérios diferenciados, a teor do § 1º do artigo 201: "É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos beneficiários do regime geral de previdência social, ressalvados os casos de atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física e quando se tratar de segurados portadores de deficiência, nos termos definidos em lei complementar". A Lei Complementar n. 142, de 8 de maio de 2013, regulou, no plano infraconstitucional, referida norma, estabelecendo os seguintes requisitos diferenciados, conforme o grau de deficiência do beneficiário, indicando, ainda, os parâmetros para o reconhecimento do direito (arts. 2º e 3º): Art. 2º Para o reconhecimento do direito à aposentadoria de que trata esta Lei Complementar, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. (...) IV - aos 60 (sessenta) anos de idade, se homem, e 55 (cinquenta e cinco) anos de idade, se mulher, independentemente do grau de deficiência, desde que cumprido tempo mínimo de contribuição de 15 (quinze) anos e comprovada a existência de deficiência durante igual período. Parágrafo único. Regulamento do Poder Executivo definirá as deficiências grave, moderada e leve para os fins desta Lei Complementar. Por sua vez, foi editado, no plano infralegal, nos termos do parágrafo único do artigo 3º da lei, o Decreto 8.145/2013, que alterou o Regulamento da Previdência Social (Decreto n. 3.048/1999) e dispôs sobre a aposentadoria por tempo de contribuição e por idade da pessoa com deficiência. Merecem destaque os seguintes dispositivos (g.n.): Art. 70-C. A aposentadoria por idade da pessoa com deficiência, cumprida a carência, é devida ao segurado aos sessenta anos de idade, se homem, e cinquenta e cinco anos de idade, se mulher. § 1º Para efeitos de concessão da aposentadoria de que trata o caput, o segurado deve contar com no mínimo quinze anos de tempo de contribuição, cumpridos na condição de pessoa com deficiência, independentemente do grau, observado o disposto no art. 70-D. (...) Art. 70-D. Para efeito de concessão da aposentadoria da pessoa com deficiência, a avaliação de que trata o art. 70-A deverá, entre outros aspectos: (Redação dada pelo Decreto nº 10.410, de 2020): I - avaliar o segurado e fixar a data provável do início da deficiência e o seu grau; e II - identificar a ocorrência de variação no grau de deficiência e indicar os respectivos períodos em cada grau. (...) § 3º Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. Como se vê, o artigo 3º da Lei Complementar n. 142/2013 estabeleceu duas modalidades diferentes de aposentação da pessoa portadora de deficiência. A primeira situação refere-se à aposentadoria por tempo de contribuição. Já a segunda (do inciso IV), refere-se à aposentadoria por idade e diminui o requisito etário independentemente da gradação da deficiência, e exige período contributivo mínimo de quinze anos. A pretensão do ora apelante diz respeito à aposentadoria por idade da pessoa com deficiência, prevista no inciso IV do artigo 3º da Lei Complementar n. 142/2013. Para a concessão da aposentadoria em questão, embora não se dispense a perícia médica, a lei não leva em consideração a gradação da deficiência. Portanto, é irrelevante a apuração da gravidade da deficiência, pois só se exige a sua existência, em qualquer grau, durante o período de quinze anos. Trata-se de benefício destinado à pessoa com alguma deficiência que manteve com a previdência social uma relação contributiva, e que, em razão disso, terá direito a uma aposentadoria com o tempo reduzido, tanto no de contribuição, como no de idade. São exigidos, portanto, os seguintes requisitos para a aposentadoria por idade à pessoa portadora de deficiência: (i) idade do segurado - sessenta anos, se homem, e cinquenta e cinco anos, se mulher; (ii) tempo mínimo de contribuição de quinze anos; e (iii) comprovação da existência de deficiência durante igual período ao da contribuição, independentemente do grau. No caso dos autos, a perícia judicial, realizada em 22 de setembro de 2021, constatou que o autor, nascido em 20/3/1957, taxista, possui encurtamento de 0,5 cm no membro inferior direito, sequela de fratura ocorrida na infância, e que “a valorização das queixas relatadas pelo reclamante, bem como a sua intensidade, não é compatível com uma patologia musculoesquelética incapacitante que nos afirma, que no momento da avaliação pericial não apresentava sinais de estar em atividade e que sobretudo não apresenta sequelas funcionais”. Ao aplicar o modelo linguístico Fuzzy, atribuiu pontuação 4.100 (quatro mil e cem). Por sua vez, foi realizado o Laudo Socioeconômico, e a assistente social atestou que o autor sofreu acidente aos 7 (sete) anos de idade, apresentando diferença de comprimento de membros inferiores, sentindo dores nos joelhos e pernas, não podendo permanecer longos períodos ao volante. Necessita o uso de medicamentos para dores, não realiza tratamento médico, fazendo uso esporádico de bengala para apoio. Não possui carteira de habilitação para Pessoa com Deficiência (PcD) e o veículo que utiliza não possui adaptação. Assim, ao aplicar o modelo linguístico Fuzzy, atribuiu pontuação 3.850 (três mil oitocentos e cinquenta). Desse modo, nos termos da Portaria Interministerial AGU/MPS/MF/SEDH/MP n. 01 de 27/1/2014, a pontuação total do autor soma 7.950 (sete mil novecentos e cinquenta) pontos, insuficiente para caracterizar deficiência em qualquer grau (item 4.e do Anexo). Assim, tendo em conta os parâmetros objetivos fixados na legislação de regência, tem-se que o autor não apresenta deficiência. Embora o magistrado não esteja adstrito ao laudo pericial, os demais elementos de prova apresentados não autorizam convicção em sentido diverso. Nesse passo, concluo pelo não preenchimento dos requisitos legais, sendo, portanto, indevida a concessão de aposentadoria por idade à autor, nos moldes do artigo 3º, IV, da Lei Complementar n. 142/2013. Fica mantida a condenação da parte autora a pagar custas processuais e honorários de advogado, arbitrados em 12% (doze por cento) sobre o valor atualizado da causa, já majorados em razão da fase recursal, conforme critérios do artigo 85, §§ 1º e 11, do CPC, suspensa, porém, a exigibilidade, na forma do artigo 98, § 3º, do mesmo estatuto processual, por tratar-se de beneficiária da justiça gratuita. Diante do exposto, nego provimento à apelação. É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. NULIDADE. SUSPEIÇÃO DO PERITO. INOCORRÊNCIA. APOSENTADORIA POR IDADE À PESSOA COM DEFICIÊNCIA. LEI COMPLEMENTAR 143/2013, ARTIGO 3º, IV. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. BENEFÍCIO INDEVIDO. HONORÁRIOS DE ADVOGADO.
- A mera irresignação do segurado com a conclusão do perito ou a alegação de que o laudo é contraditório ou omisso, sem o apontamento de nenhuma divergência técnica justificável, não constituem motivos bastantes para a anulação do julgamento, nem para a repetição ou complementação da prova pericial.
- A falta de argumentos técnicos para externar sua oposição aos fatos apontados na perícia e à atuação profissional do perito traduzem, na verdade, o inconformismo com os resultados dos exames periciais. Entretanto, é de reputar-se infundada a arguição de suspeição embasada somente em simples alegações, sem provas que possam ensejar desconfiança de sua imparcialidade.
- Preliminar rejeitada.
- São exigidos à concessão do benefício: (i) idade mínima de sessenta anos, se homem, e cinquenta e cinco anos, se mulher; (ii) tempo mínimo de contribuição de quinze anos e (iii) comprovação da existência de deficiência durante igual período ao da contribuição, independentemente do grau.
- A conclusão pericial foi no sentido de que o apelante não é pessoa com deficiência.
- Nesse passo, concluo pelo não preenchimento dos requisitos legais, sendo, portanto, indevida a concessão de aposentadoria por idade ao autor, nos moldes do artigo 3º, IV, da LC 142/2013.
- Fica mantida a condenação da parte autora a pagar custas processuais e honorários de advogado, arbitrados em 12% (doze por cento) sobre o valor atualizado da causa, já majorados em razão da fase recursal, conforme critérios do artigo 85, §§ 1º e 11, do CPC, suspensa, porém, a exigibilidade, na forma do artigo 98, § 3º, do mesmo estatuto processual, por tratar-se de beneficiária da justiça gratuita.
- Apelação desprovida.