Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
5ª Turma

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5002406-86.2020.4.03.6110

RELATOR: Gab. 15 - DES. FED. ANDRÉ NEKATSCHALOW

APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL

APELADO: ANDRE FARIA PARODI

Advogados do(a) APELADO: DEBORA GONCALVES PEREZ - SP273795-A, FABIO TOFIC SIMANTOB - SP220540-A, KARENINA LOPES FERNANDES DE CASTRO - SP409538-A, MARIANA TRANCHESI ORTIZ - SP250320-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5002406-86.2020.4.03.6110

RELATOR: Gab. 15 - DES. FED. ANDRÉ NEKATSCHALOW

APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL

APELADO: ANDRE FARIA PARODI

Advogados do(a) APELADO: DEBORA GONCALVES PEREZ - SP150628-A, FABIO TOFIC SIMANTOB - SP220540-A, KARENINA LOPES FERNANDES DE CASTRO - SP409538-A, MARIANA TRANCHESI ORTIZ - SP250320-A
 

 

 R E L A T Ó R I O

 

 

Trata-se de apelação criminal interposta pelo Ministério Público Federal contra sentença (Id n. 279117803), que absolveu o réu André Faria Parodi da imputação da prática do delito tipificado no art. 2º, II, da Lei n. 8.137/90, na forma do art. 71 do Código Penal, com fundamento no art. 386, VI, do Código de Processo Penal.

Em sede recursal, a acusação requer, em síntese, a reforma da decisão para o fim de condenar o acusado pelo delito tributário, uma vez que não demonstrada pela defesa a alegada inexigibilidade de conduta diversa. Sustenta, nesse sentido, que “o risco é um fator inerente à atividade empresarial, uma vez que o endividamento da pessoa jurídica pode ocorrer por diversas razões. Dessa forma, a demonstração de inadimplência nos autos apenas demonstra essa adversidade, porém não comprova, de maneira inequívoca, que o apelado não podia arcar com o recolhimento dos tributos sonegados”. No que concerne à dosimetria, requer a fixação da pena-base acima do mínimo legal, dada a gravidade das consequências do delito, considerando o valor dos tributos suprimidos, bem como o reconhecimento da continuidade delitiva, considerando a reiteração da conduta por diversos meses (Id n. 279117811).

Foram apresentadas contrarrazões pela defesa de André Faria Parodi sustentando, em resumo, o desprovimento do recurso acusatório, bem como, subsidiariamente, a absolvição do réu por ausência de provas de materialidade e autoria delitivas e em razão da atipicidade de sua conduta. Pugna ainda pelo reconhecimento da ausência de contumácia e de dolo específico, além de afastada a hipótese de elevação da pena-base em razão das consequências do delito e o bis in idem referente à consideração simultânea da continuidade delitiva (Id n. 279117813).

O Ilustre Procurador Regional da República, Dr. Ronaldo Pinheiro de Queiroz, manifestou-se pelo não provimento da apelação acusatória (Id n. 279264781).

É o relatório.

À revisão, nos termos regimentais.

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
5ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5002406-86.2020.4.03.6110

RELATOR: Gab. 15 - DES. FED. ANDRÉ NEKATSCHALOW

APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL

APELADO: ANDRE FARIA PARODI

Advogados do(a) APELADO: DEBORA GONCALVES PEREZ - SP273795-A, FABIO TOFIC SIMANTOB - SP220540-A, KARENINA LOPES FERNANDES DE CASTRO - SP409538-A, MARIANA TRANCHESI ORTIZ - SP250320-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

V O T O    C O N D U T O R

 

Consta dos autos que André Faria Parodi foi denunciado pela prática do delito tipificado no artigo 2º, II, da Lei 8.137/90, porque, entre agosto e outubro de 2017, na condição de sócio-administrador da empresa United Mills Alimentos LTDA., deixou de recolher, no prazo legal, tributos, especialmente, contribuições sociais retidas na fonte e de outras espécies e imposto de renda retido na fonte e que são objeto da Execução Fiscal nº 5003752-43.2018.403.6110, em trâmite perante a 1ª Vara Federal de Sorocaba/SP.

A Receita Federal concluiu no Processo Administrativo Fiscal nº 10855-725.126/2017-40 que, embora apresentadas as declarações fiscais, com confissão dos débitos, não houve o pagamento dos valores devidos, por isso apurou crédito tributário no valor de R$ 194.352,90 (cento e noventa e quatro mil, trezentos e cinquenta e dois reais e noventa centavos).

A denúncia foi recebida em 16/08/2021 (id. 279117543).

Após regular instrução processual, sobreveio a sentença que absolveu o réu André Faria Parodi da imputação do crime do artigo 2º, II, da Lei 8.137/90, nos termos do artigo 386, inciso VI, do Código de Processo Penal.

Intimado da sentença, o Ministério Público Federal interpôs recurso de apelação, onde requer a reforma da sentença, pois não comprovada a causa excludente de culpabilidade, já que o risco é inerente à atividade empresarial e o endividamento não demonstra, por si só, a falta de condições para cumprir as obrigações tributárias. Ainda, requer a fixação da pena-base acima do mínimo legal  e o reconhecimento da continuidade delitiva.

Passo ao exame das matérias devolvidas.

A materialidade delitiva está devidamente comprovada pelos seguintes elementos de convicção:

a) Declarações de Débitos e Créditos Tributários Federais - DCTF da empresa United Mills Alimentos LTDA., competências janeiro a agosto de 2017 (id. 279117461 - fls. 05/65);

b) Certidão de dívida ativa nºs 80.6.18.006634-09, 80.7.18.002788-12, 80.6.18.006633-10, 80.7.18.002789-01, 80.4.18.000652-99 e 80.2.18.002984-00, referentes às competências de maio a agosto de 2017 (PAF 10855.725126/2017-40) (id. 279117459 - fls. 11/198); e,

c) Relatório da Auditoria Interna da Receita Federal que descreve a admissão pelo contribuinte do não recolhimento de valores retidos na fonte (IRRF e CSRF) (id. 279117461 - fls. 76/86).

O delito do artigo 2º, II, da Lei 8.137/90 prevê a conduta típica como deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos. É crime de natureza formal, porque embora prescinda da prática de fraude, mesmo que constatada a regularidade contábil, o agente deixa de cumprir obrigação tributária que lhe cabe, de modo que não exige resultado naturalístico. 

Na mesma linha, a autoria delitiva é inconteste, pois de acordo com as informações constantes da ficha cadastral JUCESP, o réu André Faria Parodi era sócio-administrador da United Mills Alimentos LTDA. desde a constituição em 09/09/2002  (id. 279117461 - fls. 139/141).

Em Juízo, a testemunha Waldemar Guedes de Oliveira Neto disse que não conheceu o réu pessoalmente, pois trabalhou com a auditoria interna de DCTF. Descreveu o procedimento administrativo fiscal, no qual reuniram tudo que declarou/confessou, conforme Súmula nº 436 do STJ, verificavam as implicações penais e multas isoladas, sendo que, tanto retenções na fonte não pagas, como valores descontados não pagos, sejam fazendários ou previdenciários, são passíveis de ser “enquadrados” como crime. No caso deste processo, constataram apenas retenções na fonte não recolhidas, em razão da confissão em DCTF. Há uma cobrança inicial que informa ao contribuinte que não recolher o tributo é crime, pois a ideia da Receita Federal é reduzir os litígios. Se não houver pagamento ou parcelamento do débito, gera a notícia de crime ou a representação fiscal para fins penais e a inscrição em dívida ativa. Em dezembro de 2018, o procedimento fiscal foi alterado, passando o contribuinte ou responsável tributário é intimado e ouvido, antes de ser encaminhada a representação para o Ministério Público Federal. Não diligenciou até a empresa, apenas realizou auditoria interna, sendo que apenas em casos extremos vai até a empresa, como na hipótese de fraude, mas aqui bastou o exame documental. No processo consta quem entregou a DCTF, com o responsável e o contato da empresa. A DCTF é entregue com uma chave pública, o contribuinte tem que fazer uso de uma assinatura digital, um certificado digital válido para o envio, mas é comum as pessoas “passarem” o certificado digital para terceiros, mas o risco e a responsabilidade é daquele que cede a assinatura (id. 279117770 e 279117791).

Foram juntadas declarações escritas das testemunhas arroladas pela defesa (id. 279117795):

Ana Angélica de Souza Pena declarou que trabalhou na United Mills Alimentos LTDA. entre 2005 e 2019. Acompanhou a crise financeira vivida pela empresa desde 2008, com cobranças de fornecedores e dívidas negociadas, que nem sempre eram adimplidas por falta de recursos financeiros, bem como que a aludida ausência de recursos ocasionou a falta de insumos para a produção por vários períodos, o que agravou a situação. Asseverou, ainda, que “durante os últimos anos várias empresas de consultoria financeira foram contratadas na tentativa de ajudar a resolver os problemas, mas os trabalhos não foram suficientes devido à falta de recursos. Com isso houve a necessidade da empresa solicitar a recuperação judicial no início de 2018, a qual está em andamento até o momento”.

Por sua vez, Luíza Cristina Stevaux Martins informou que trabalhou como advogada e gerente de RH na empresa United Mills Alimentos LTDA., entre maio e novembro de 2018. Acompanhou a "crise financeira da empresa, o esforço para pagamento de fornecedores, bancos, e a luta para manter os trabalhadores em seus postos de trabalho”. Sabe dos esforços para recuperação financeira da empresa e para o adimplemento dos compromissos assumidos com terceiros e com os funcionários; que foram contratadas assessorias financeiras, em uma tentativa de recuperação, bem como foram entabulados acordos, parcelamentos, “mas muitas vezes não conseguia cumprir, o que gerava mais juros, e mais dificuldade”. Em 2017, "a crise ficou pior, e a única saída foi ingressar com processo de recuperação judicial buscando manter os empregados que restaram, pois muitos foram demitidos e a recuperação judicial está em curso até hoje”.

O réu André Faria Parodi requereu dispensa do interrogatório, afirmando que se valeria do direito constitucional ao silêncio, o que foi acolhido pelo Juízo de origem (id. 279117653).

O delito em questão não depende da prova de dolo específico, tampouco da intenção de apropriação dos valores de tributos descontados e não repassados ao fisco, basta a comprovação do intento genérico de apropriação, o qual recai, portanto, sobre o administrador da empresa e/ou sobre aquele responsável pela gestão financeira da pessoa jurídica e, por consequência, pelo recolhimento de tributos, de modo que aqui ficou demonstrado que o réu respondia pela empresa à época dos fatos.

Neste ponto, destaco que a defesa de André Faria Parodi  alegou que a empresa, a partir de 2012, passou por crise financeira excepcional, especialmente decorrente de dívidas vultosas para investimentos indispensáveis, agravada pela crise econômica da país, o que impediu o cumprimento de suas obrigações, acumulou prejuízos milionários e ocasionou a dispensa de dezenas de funcionários, tanto que, no ano de 2018, foi homologado plano de recuperação judicial. Instruiu sua resposta com balanços patrimoniais com resultados negativos de 2016 a 2020, extratos do CAGED para indicar a redução no quadro de funcionários, certidões de cartórios indicativos de títulos protestados, petição inicial de ação de despejo por inadimplência de contratos de locação, pedido de falência e prova de negativação do réu em órgãos de proteção ao crédito (id. 279117553 a 279117567).

A sentença absolutória firmou-se na inexigibilidade de conduta diversa, ante dificuldades financeiras intransponíveis, senão vejamos: 

(...)

Todavia, entendo cabível na espécie o reconhecimento da causa exculpante de inexigibilidade de conduta adversa. É que a defesa do réu demonstrou com clareza, e sem contra-argumentação do órgão acusador após a instrução probatória, as dificuldades econômicas excepcionais enfrentadas pela pessoa jurídica à época dos fatos em exame, conforme os balanços patrimoniais (ID 239020433) e a certidão de protestos extrajudiciais (ID 239020450 e 239020852) apresentadas, as quais culminaram em pedidos de falência no primeiro semestre de 2017 (ID 239020856) - portanto em período anterior a dos fatos em exame. 

Nesse sentido, colho da manifestação defensiva que o Tribunal Regional Federal da 3ª Região chegou a reconhecer, em sede de apelação criminal, o cenário financeiro calamitoso da pessoa jurídica, dando provimento ao recurso defensivo justamente para aplicar a causa supralegal excludente de culpabilidade. Confira-se a ementa do acórdão: 

PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. ARTIGO 2º, INCISO II, DA LEI N º 8.137/90 C.C. O ARTIGO 71 DO CÓDIGO PENAL.NULIDADE DA SENTENÇA. PRELIMINAR REJEITADA. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. INEGIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA CONFIGURADA. ABSOLVIÇÃO. 

1. Apelantes denunciados pelo cometimento do delito descrito no artigo 2º, II, da Lei nº 8.137/90, em continuidade delitiva. 

2. A sentença analisou detidamente a prova coligidas aos autos e enfrentou todas as teses suscitadas pelas partes, não restando desprovida de fundamentação. 

3. Crédito tributário definitivamente constituído (Súmula Vinculante nº 24). 

4. Materialidade delitiva amplamente demonstrada pelos dados probatórios. 

5. Autoria comprovada pelos elementos de prova carreados aos autos. 

6. Inexigibilidade de conduta diversa configurada. Absolvição. 

7. Apelação defensiva a que se dá provimento para absolver os acusados, nos termos do artigo 386, VI, do Código de Processo Penal. 

(TRF3, ApCrim 0001583-08.2017.4.03.6110/SP, 5ª Turma, Des. Fed. Paulo Fontes, DJ 17/12/2021) 

Com efeito, constou do voto condutor do acórdão, da lavra do Desembargador Federal Paulo Fontes, que “o não recolhimento de tributos, resultou de um conjunto de circunstâncias imprevisíveis e/ou invencíveis, incidindo a excludente da ilicitude”. 

Ressalto, por fim, que, diferentemente da sonegação fiscal (art. 1º da Lei n. 8.137, de 1990), o delito em comento prescinde da prática de fraude, tornando possível o reconhecimento, acaso efetivamente comprovada, da inexigibilidade de conduta diversa. (destaques no original)

De sua parte, o Ministério Público Federal alega que a documentação carreada pela defesa não sustenta a incidência da excludente de culpabilidade, já que o risco é inerente à atividade empresarial, bem como o endividamento da pessoa jurídica não significa sua incapacidade para recolher tributos, sendo certo que não foram esgotados todos os meios de recuperação financeira, como a obtenção de empréstimos.

O reconhecimento da causa supralegal de exclusão de culpabilidade por inexigibilidade de conduta diversa, em virtude de dificuldades financeiras se configura em casos excepcionais e exige provas concretas e inequívocas da situação econômica desfavorável da empresa.

A crise financeira deve afetar tanto as atividades empresariais, quanto os interesses de funcionários e de credores, assim como a vida pessoal dos administradores e não pode decorrer de inabilidade, imprudência ou leviandade na administração dos negócios. Primordial, ainda, que se trate de situação esporádica e momentânea, de modo que a inadimplência de obrigações tributários não seja sistemática e diretriz na gestão empresarial.

Isto porque, não é possível abstrair a reprovabilidade da conduta praticada se o agente não comprova o impedimento em agir de modo diverso. Assim, para a exclusão da culpabilidade, é necessária a demonstração de que a conduta típica era a derradeira solução da qual se valeu o empresário para evitar a bancarrota.

Aqui, a crise financeira enfrentada pela pessoa jurídica é certa, pois, em exercícios seguidos, inclusive anteriormente aos fatos, experimentou acúmulo de prejuízos, com balanços deficitários, muitos títulos de crédito protestados, vencidos desde 2014 até 2016, dispensa de empregados no ano de 2017 e especialmente em 2018, inadimplência do valor do aluguel da própria sede e pedidos de falência no ano de 2017, o que demonstra incapacidade financeira instalada que levou a pedido e deferimento de recuperação judicial que levou ao bloqueio patrimonial (id. 279117473 - fls. 06/13 e id. 279117477 - fls. 07), tal qual as declarações das testemunhas ouvidas pelo juízo que foram empregadas da empresa e apontaram a falta de pagamento de fornecedores e descumprimento de compromissos.

Há prova também que o réu também vivenciou crise em suas finanças pessoais ante a negativação em órgãos de proteção ao crédito e, nestes termos, entendo comprovada a causa excludente de culpabilidade, na medida em que o conjunto probatório é revelador que não se poderia exigir o cumprimento das obrigações tributárias em detrimento da sobrevivência da empresa.

Ante o exposto, nego provimento ao recurso de apelação do Ministério Público Federal

É o voto.


APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5002406-86.2020.4.03.6110

RELATOR: Gab. 15 - DES. FED. ANDRÉ NEKATSCHALOW

APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL

APELADO: ANDRE FARIA PARODI

Advogados do(a) APELADO: DEBORA GONCALVES PEREZ - SP150628-A, FABIO TOFIC SIMANTOB - SP220540-A, KARENINA LOPES FERNANDES DE CASTRO - SP409538-A, MARIANA TRANCHESI ORTIZ - SP250320-A

 

 

 V O T O

 

Imputação. André Faria Parodi foi denunciado pela prática do delito tipificado no art. 2º, I, da Lei n. 8.137/90:

 

Acusação I:

Artigo 2º, II, da Lei 8.137/1990

1. Os Parágrafos 1 a 2 das Alegações Gerais consideram-se transcritos e aqui incorporados nesta oportunidade.

2. Entre os meses de Agosto de 2017 e Outubro de 2017, em Sorocaba, SP, ANDRÉ FARIA PARODI, na condição de sócio-administrador da empresa UNITED MILLS ALIMENTOS LTDA., inscrita no CNPJ sob nº 05.268.852/0001-88, deixou de recolher, no prazo legal, valor de tributo e de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos.

3. Nesse período, a empresa UNITED MILLS ALIMENTOS LTDA., gerenciada por ANDRÉ FARIA PARODI, deixou de recolher as CSRF – Contribuições Sociais Retidas na Fonte e outras contribuições, bem como o IRRF - Imposto de Renda Retido na Fonte, relativos às competências de 05/2017 a 08/2017, conforme apurado na execução fiscal 5003752-43.2018.403.6110, 1ª Vara Federal de Sorocaba.

4. Nesse sentido, houve a entrega de declarações por parte do contribuinte à RFB, relativas aos períodos de apuração de maio/2017, junho/2017, julho/2017 e agosto/2017. Essas DCTFs foram entregues em 27/10/2017, 17/08/2017, 20/09/2017 e 20/10/2017, respectivamente (ID 30339048 - Pág. 35/65).

5. Através do Processo Administrativo Fiscal nº 10855-725.126/2017-40, a auditoria realizada pela RFB identificou a confissão dos débitos por meio das declarações entregues, sem que tenha havido, no entanto, o pagamento dos valores devidos (ID 30339048 - Pág. 76/86).

6. Conforme apurado pela Receita Federal do Brasil, tais valores confessados e devidos pelo contribuinte perfazem o total de R$ 194.352,90 (ID 30339048 - Pág. 35/65).

7. A RFB apurou ainda que, no período em que os créditos tributários deixaram de ser recolhidos, o responsável pela empresa UNITED MILLS ALIMENTOS LTDA., na qualidade de sócio-administrador era ANDRÉ FARIA PARODI, fato que também se observa através da ficha cadastral da empresa na JUCESP.

8. O tempo pelo qual foram praticadas as condutas indica que ANDRÉ FARIA PARODI, reiteradamente, praticou diversos crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar e maneira de execução, devem os subsequentes ser havidos como continuação do primeiro.

9. Ao ser identificado como responsável por deixar de recolher, por quatro vezes, no prazo legal, valor de tributo e de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos, ANDRÉ FARIA PARODI cometeu o crime previsto no Artigo 2º, II da Lei nº 8.137/1990, na forma do artigo 71 do Código Penal (Id n. 279117538).

 

Do processo. A denúncia ministerial foi recebida pelo Juízo a quo em 16.08.21 (Id n. 279117543).

Após regular instrução processual, sobreveio sentença em 24.04.23 (Id n. 279117803), que julgou improcedente o pleito acusatório, absolvendo o réu André Faria Parodi, nos termos do art. 386, VI, do Código de Processo Penal.

 

Materialidade. A materialidade delitiva encontra-se satisfatoriamente comprovada pelos seguintes elementos:

a) Cópia da Execução Fiscal n. 5003752-43.2018.4.03.6110, promovida pela União contra a empresa United Mills Alimentos Ltda. (Id n. 279117459, p. 6 e ss.);

b) Certidões de dívida ativa emitidas no Procedimento Administrativo Fiscal (PAF) n. 10855.725126/2017-40, referentes às competências de maio a agosto de 2017 (Id n. 279117459, p. 80/87 e p. 182/197);    

c) Declarações de Débitos e Créditos Tributários Federais (DCTFs) da empresa United Mills Alimentos Ltda., relativas ao mesmo período (Id n. 279117461, p. 35/65); e

d) Cópia de Relatório da Auditoria Interna de DCTF da Receita Federal, consignando que “o contribuinte, conforme suas próprias declarações, deixa de recolher os valores retidos na fonte de IRRF, e de CSRF, enquadrado como crime contra a ordem tributária, nos termos do artigo 2º, inciso II da Lei Federal nº 8.137/90” (Id n. 279117461, p. 76/86).

 

A materialidade delitiva foi apreciada pelo Juízo de origem nos seguintes termos:

 

Como já relatado, o MPF imputa a André Faria Parodi, na forma do art. 71 do Código Penal, o crime previsto no art. 2º, II, da Lei n. 8.137, de 1990, pelo fato de, na condição de sócio-administrador da empresa United Mills Alimentos Ltda., ter deixado de recolher, no prazo legal, valores de tributo e de contribuição social, descontados ou cobrados (IRRF e CSRF), relativos às competências de 05/2017 a 08/2017, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos.

A materialidade e a autoria delitivas encontram-se devidamente comprovadas nos autos, em especial: a) das certidões de dívida ativa emitidas no PAF 10855.725126/2017-40, relativas às competências 05/2017 a 08/2017 (ID 30339005, p. 80-87 e 182-197); b) do extrato de consulta ao CNPJ n. 05.268.852/0001-88, emitido pela Receita Federal do Brasil (ID 30339005, p. 206-209); c) das declarações de débitos e créditos tributários federais emitidas pela pessoa jurídica em relação às competências 05/2017 a 08/2017 (ID 30339048, p. 36-65); d) da ficha cadastral simplificada da pessoa jurídica, emitida pela Jucesp (ID 30339048, p. 139-141); e) das declarações prestadas em juízo pela testemunha arrolada pela acusação (ID 264146232).

Colho do acervo probatório que a empresa United Mills Alimentos Ltda., à época administrada e representada pelo acusado, deixou de recolher IRRF e CSRF, relativos às competências de 05/2017 a 08/2017, na qualidade de sujeito passivo da obrigação, totalizando um débito fiscal de R$ 194.352,90.

Destaque-se, inclusive, que os débitos foram admitidos pela pessoa jurídica por meio de DCTF enviadas ao fisco. Não por acaso, os créditos tributários respectivos foram constituídos a partir de tais declarações, conforme se extrai das certidões de dívida ativa juntadas aos autos (Id n. 279117803).

 

Analisados os autos, entendo que o conjunto probatório existente é suficiente à verificação da tipicidade e comprovação da materialidade quanto ao delito do art. 2º, II, da Lei n. 8.137/90, conforme corretamente fundamentado pelo Juízo de origem.

De fato, deixaram de ser recolhidos pela empresa United Mills Alimentos Ltda., por quatro meses subsequentes, os valores, descontados ou cobrados, relativos ao Imposto sobre a Renda Retido na Fonte (IRRF) e as Contribuições Sociais Retidas na Fonte (CSRF), o que basta à configuração do tipo penal de “deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos”.

Por sua vez, o procedimento administrativo fiscal, que resultou em crédito tributário devidamente constituído, goza de presunção de veracidade, sendo que as informações nele presentes constituem prova idônea da materialidade do crime fiscal, a qual, de qualquer forma, restou corroborada pela instrução processual, em especial pela oitiva judicial da testemunha Waldemar Guedes de Oliveira Neto.

Assim, a materialidade delitiva não se escora em mera presunção, como alega o apelado, mas em elementos decorrentes de apuração tributária, cuja origem se encontra nas próprias declarações da contribuinte, a empresa United Mills, em DCTFs, e confirmadas por testemunha em Juízo, bastando à convicção sobre a prática delitiva, que restou demonstrada pela acusação.

Prossigo, portanto, com a análise da autoria.

 

Autoria. Por sua vez, a autoria delitiva está escorada nos seguintes elementos de convicção.

De acordo com as informações constantes de ficha cadastral da Junta Comercial do estado de São Paulo – JUCESP, o réu André Faria Parodi era o sócio administrador e responsável pela sociedade na época dos fatos (Id n. 279117540).

Em Juízo, foi realizada a oitiva da testemunha Waldemar Guedes de Oliveira Neto, que aduziu não conhecer o réu pessoalmente; que no período trabalhou com a auditoria interna de DCTF, em que “pegavam” tudo o que o contribuinte declarou, confessando conforme súmula n. 436 do STJ, e verificavam tanto implicações penais, quanto de multas isoladas; no caso, tanto retenções na fonte não pagas, como valores descontados não pagos, sejam fazendários ou previdenciários, são passíveis de serem “enquadrados” como crime; no caso dessa empresa eram penas retenções na fonte; houve uma cobrança inicial, em que se informa ao contribuinte que não recolher o tributo é crime, pois a ideia da Receita Federal é reduzir os litígios; que no ato informam que vai ter uma ação penal, pois sua atuação é vinculada, mas buscam que o contribuinte recolha no prazo ou parcele os valores devidos; que o contribuinte não tomou nenhuma conduta, até onde soube, no processo administrativo, gerando a notícia de crime, a representação fiscal para fins penais; que confirma que não houve o recolhimento, gerando a inscrição em dívida ativa; que descobriu em razão da confissão do contribuinte em DCTF; que houve uma alteração no procedimento em dezembro de 2018, que o responsável tributário é intimado e ouvido antes de ser encaminhada a representação para o Ministério Público Federal. Indagado, respondeu que não diligenciou até a empresa, apenas realizou auditoria interna, sendo que apenas em casos extremos vai até a empresa, como na hipótese de fraude; que era uma situação meramente documental; que não era necessário ter contato, nem conversar com ninguém da empresa para a realização do trabalho; que em dezembro de 2018, entrou em vigor nova normativa da Receita Federal, que determina o envio prévio à representação de um termo de imputação de fraude tributária, sobre a retenção na fonte, para que o contribuinte se defenda, caso queira; que esse procedimento administrativo simplificado seria juntado à representação penal e encaminhado ao MPF; que esse procedimento surge apenas a partir de dezembro de 2018; que reitera não ter tido contato com o réu André Faria Parodi; que como a notícia-crime partiu da própria Justiça, a Receita informou ao contribuinte sobre a infração decorrente de ter deixado de fazer a devida retenção dos valores e a responsabilidade do sócio pela atuação da empresa, por vezes incluindo quem foi o responsável pelas declarações; que no processo consta quem entregou a DCTF, com o responsável e o contato da empresa; que a DCTF é entregue com uma chave pública, igual à que a Justiça utiliza; que o contribuinte tem que fazer uso de uma assinatura digital, um certificado digital válido, para o envio da DCTF; que é comum as pessoas “passarem” o certificado digital para terceiros, mas o risco e a responsabilidade é daquele que cede a assinatura (Ids n. 279117770 e 279117791).

Foram juntadas declarações escritas das testemunhas arroladas pela defesa (Id n. 279117795).

Ana Angélica de Souza Pena afirmou ter trabalhado na United Mills Alimentos Ltda. entre os anos de 2005 e 2019, acrescentando que acompanhou a crise financeira vivida pela empresa desde 2008, com cobranças de fornecedores e dívidas negociadas, que nem sempre eram adimplidas por falta de recursos financeiros, bem como que a aludida ausência de recursos ocasionou a falta de insumos para a produção por vários períodos, o que agravou a situação. Asseverou, ainda, que “durante os últimos anos várias empresas de consultoria financeira foram contratadas na tentativa de ajudar a resolver os problemas, mas os trabalhos não foram suficientes devido à falta de recursos. Com isso houve a necessidade da empresa solicitar a recuperação judicial no início de 2018, a qual está em andamento até o momento” (sic).

Por sua vez, Luíza Cristina Stevaux Martins declarou ter trabalhado, como advogada e gerente de RH na empresa United Mills Alimentos Ltda. entre maio e novembro de 2018, “tendo acompanhado a crise financeira da empresa, o esforço para pagamento de fornecedores, bancos, e a luta para manter os trabalhadores em seus postos de trabalho”. Afirma que acompanhou, outrossim, os esforços para recuperação financeira da empresa e para o adimplemento dos compromissos assumidos com terceiros e com os funcionários; que foram contratadas assessorias financeiras, em uma tentativa de recuperação, bem como foram entabulados acordos, parcelamentos, “mas muitas vezes não conseguia cumprir, o que gerava mais juros, e mais dificuldade”; que “em 2017 a crise ficou pior, e a única saída foi ingressar com processo de recuperação judicial buscando manter os empregados que restaram, pois muitos foram demitidos e a recuperação judicial está em curso até hoje” (sic).

O réu André Faria Parodi requereu dispensa do interrogatório, afirmando que se valeria do direito constitucional ao silêncio, o que foi acolhido pelo Juízo de origem (cf. Id n. 279117653).

 

Dificuldades financeiras. Improcedência. A mera existência de dificuldades financeiras, as quais, por vezes, perpassam todo o corpo social, não configura ipso facto causa supralegal de exclusão de culpabilidade por inexigibilidade de conduta diversa quanto ao delito de não-repasse de contribuições previdenciárias. O acusado tem o ônus de provar que, concretamente, não havia alternativa ao não-repasse das contribuições:

 

“PENAL. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA DESCONTADA DOS SALÁRIOS DOS EMPREGADOS. OMISSÃO DOS RECOLHIMENTOS. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. (...). IMPOSSIBILIDADE FINANCEIRA NÃO COMPROVADA. APELAÇÃO PROVIDA. (...)

4. A ocorrência de meras dificuldades financeiras não escusa a apropriação indébita de contribuições previdenciárias; para configurar-se o estado de necessidade ou a inexigibilidade de conduta diversa, é mister a efetiva comprovação, pela defesa, da absoluta impossibilidade de efetuarem-se os recolhimentos nas épocas próprias.

5. Apelação provida.”

(TRF da 3ª Região, ACr n. 98030965085, Rel. Des. Fed. Nelton dos Santos, j. 14.09.04)

“APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA – (...) - INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA RECHAÇADA (...).

(...)

3. Alegações genéricas de dificuldades financeiras não são capazes de acoimar o tipo penal contido na denúncia.

(...)

5. Negado provimento à apelação.

(TRF da 3ª Região, ACr n. 200203990354034, Rel. Des. Fed. Luiz Stefanini, j. 26.06.07)

“PENAL. APROPRIAÇÃO DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS.(...) DIFICULDADES FINANCEIRAS DO AGENTE.(...).

(...)

3. A mera existência de dificuldades financeiras, as quais, por vezes, perpassam todo o corpo social, não configura ipso

facto causa supralegal de exclusão de culpabilidade por inexigibilidade de conduta diversa quanto ao delito de não-repasse de contribuições previdenciárias. O acusado tem o ônus de provar que, concretamente, não havia alternativa ao não-repasse das contribuições.

(...)

6. Recurso da defesa parcialmente provido.”

(TRF da 3ª Região, ACr n. 20056118007918, Rel. Des. Fed. André Nekatschalow, j. 15.09.08)

 

Anote-se que a concordata favorece a empresa devedora quanto ao pagamento de seus credores, os quais, porém, não fazem jus a receber seus créditos mediante o desvio de recursos destinados à Previdência Social. Nesse sentido, a isolada circunstância de a empresa ter-se beneficiado com a concordata não oblitera a caracterização do delito:

 

“APELAÇÃO CRIMINAL. ART.95, ALÍNEA ‘D’, DA LEI Nº 8.212/91, C.C. O ART. 71 DO CP. (...) NÃO DEMONSTRADA A EXCLUDENTE DE CULPABILIDADE POR DIFICULDADES FINANCEIRAS.(...) APELAÇÃO DESPROVIDA.

(...)

- Não restou provada relação entre a crise econômica que ensejou a falência da empresa e o cometimento do crime. O período delitivo iniciou-se em janeiro de 1993 e estendeu-se mesmo após a alegada decretação de concordata em novembro de 1996, até julho de 1998. Não foi demonstrado nos autos o pedido de concordata. Ainda que admitida, o réu não poderia ter dela se beneficiado, uma vez que não podem ocorrer os impedimentos do art. 140 da Lei de Falências e devem estar presentes as condições do seu art. 158 e os requisitos do art. 191 do CTN. Não conseguiu a defesa esgrimir nos autos a comprovação de que a situação comercial da empresa estaria a impedir o adimplemento da obrigação tributária.

(...)

- Preliminares de anistia e cerceamento do direito de defesa rejeitadas. Apelação desprovida. Reconhecida, de ofício, a prescrição em concreto de parte das condutas praticadas.”

(TRF da 3ª Região, ACr n. 199961810073570, Rel. Des. Fed. André Nabarrete, j. 25.07.05)

 

Por sua vez, a falência nada mais é do que uma execução coletiva que se instaura em razão de uma crise de liquidez ou desequilíbrio patrimonial. Embora ela usualmente ocorra num quadro de dificuldades financeiras, não exclui a culpabilidade do agente que se apropria das contribuições previdenciárias dos empregados, em especial no período anterior à quebra:

 

“PROCESSUAL PENAL E PENAL: APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. ART. 168-A DO CP. (...). DIFICULDADES FINANCEIRAS. NÃO-COMPROVAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE OUTRAS PROVAS. ESTADO DE NECESSIDADE. ART. 24, DO CP. PERIGO ATUAL.(...) RECURSO EXCLUSIVO DA DEFESA. NÃO PROVIMENTO.

(...)

VIII - Mesmo no que diz respeito a eventual decreto de falência da empresa no período final da reiterada prática dos atos delituosos, considerando que o apelante deixou de recolher as contribuições descontadas dos salários de seus empregados desde a constituição da empresa trata-se de conduta pelo mesmo sempre adotada, que não é afastada pela quebra, ao contrário, a sua forma de administração poderá até mesmo ter contribuído sobremaneira para tal desfecho. Precedentes do STJ.

(...)

XXII - Recurso do réu improvido. De ofício, reconhecida a prescrição da pretensão punitiva retroativa dos fatos referentes aos períodos de julho/1988 a setembro de 1988; novembro de 1988 a janeiro de 1989 e março de 1989.”

(TRF da 3ª Região, ACr n. 200203990386734, Rel. Des. Fed. Cecília Mello, j. 06.11.07)

 

Do caso dos autos. O Ministério Público Federal, em seu recurso de apelação, se insurge contra o reconhecimento da causa supralegal de exclusão de culpabilidade consistente na inexigibilidade de conduta diversa, considerada pelo Juízo a quo em função da grave situação econômica verificada na empresa do réu André Faria Parodi. Pugna, desse modo, pela condenação do acusado pelo delito de sonegação fiscal.

O pleito ministerial comporta acolhida.

O Juízo de origem tratou da matéria nos seguintes termos:

 

Quanto à autoria, saliento que todos os documentos juntados aos autos indicam que o acusado era, de fato, sócio-administrador da pessoa jurídica, tendo sido indicado nas DCTF como representante da empresa à época dos fatos. Outrossim, colho da ficha cadastral completa da empresa que o réu foi nomeado administrador nos idos de 2003, pouco tempo depois da abertura da empresa, tendo assim permanecido durante toda a atividade empresarial, ressalvado breve período entre 10/07/2013 e 02/10/2014 (ID 58766198). Não por acaso, o acusado, embora tenha feito uso do direito constitucional ao silêncio em seu interrogatório na fase investigativa, declarou-se “como representante legal da empresa investigada” (ID 51790187, p. 07),

Assim, e não tendo a defesa feito a contraprova necessária, resta incontroverso que o acusado era o responsável pela empresa e possuía poderes de representação e de gestão no período dos fatos delituosos. Nesse sentido: TRF3, ApCrim 0005761-54.2013.4.03.6105/SP, 5ª Turma, Des. Fed. Paulo Fontes, DJ 11/04/2023; TRF3, ApCrim 0005707-54.2013.4.03.6181/SP, 11ª Turma, Des. Fed. Fausto de Sanctis, DJ 16/02/2022.

Da leitura dos fatos imputados ao réu, à luz das provas produzidas nos autos, entendo acertada a capitulação jurídica empreendida na peça acusatória. Confira-se o teor do dispositivo legal mencionado, o qual adoto como tipo incidente na espécie:

Art. 2° Constitui crime da mesma natureza: 

[...]

II - deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos;

[...]

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

Sobre o delito em exame, é válido destacar que o Plenário do Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento de que, para sua caracterização, impõe-se verificar a contumácia da conduta e o dolo de apropriação.

Confira-se a ementa do julgado:

DIREITO PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. NÃO RECOLHIMENTO DO VALOR DE ICMS COBRADO DO ADQUIRENTE DA MERCADORIA OU SERVIÇO. TIPICIDADE. 

1. O contribuinte que deixa de recolher o valor do ICMS cobrado do adquirente da mercadoria ou serviço apropria-se de valor de tributo, realizando o tipo penal do art. 2º, II, da Lei nº 8.137/1990. 

2. Em primeiro lugar, uma interpretação semântica e sistemática da regra penal indica a adequação típica da conduta, pois a lei não faz diferenciação entre as espécies de sujeitos passivos tributários, exigindo apenas a cobrança do valor do tributo seguida da falta de seu recolhimento aos cofres públicos. 

3. Em segundo lugar, uma interpretação histórica, a partir dos trabalhos legislativos, demonstra a intenção do Congresso Nacional de tipificar a conduta. De igual modo, do ponto de vista do direito comparado, constata-se não se tratar de excentricidade brasileira, pois se encontram tipos penais assemelhados em países como Itália, Portugal e EUA. 

4. Em terceiro lugar, uma interpretação teleológica voltada à proteção da ordem tributária e uma interpretação atenta às consequências da decisão conduzem ao reconhecimento da tipicidade da conduta. Por um lado, a apropriação indébita do ICMS, o tributo mais sonegado do País, gera graves danos ao erário e à livre concorrência. Por outro lado, é virtualmente impossível que alguém seja preso por esse delito. 

5. Impõe-se, porém, uma interpretação restritiva do tipo, de modo que somente se considera criminosa a inadimplência sistemática, contumaz, verdadeiro modus operandi do empresário, seja para enriquecimento ilícito, para lesar a concorrência ou para financiar as próprias atividades. 

6. A caracterização do crime depende da demonstração do dolo de apropriação, a ser apurado a partir de circunstâncias objetivas factuais, tais como o inadimplemento prolongado sem tentativa de regularização dos débitos, a venda de produtos abaixo do preço de custo, a criação de obstáculos à fiscalização, a utilização de “laranjas” no quadro societário, a falta de tentativa de regularização dos débitos, o encerramento irregular das suas atividades, a existência de débitos inscritos em dívida ativa em valor superior ao capital social integralizado etc. 

7. Recurso desprovido. 

8. Fixação da seguinte tese: O contribuinte que deixa de recolher, de forma contumaz e com dolo de apropriação, o ICMS cobrado do adquirente da mercadoria ou serviço incide no tipo penal do art. 2º, II, da Lei nº 8.137/1990.

(STF, RHC 163.334/SC, Plenário, Min. Roberto Barroso, DJ 13/11/2020)

Por tal razão, o Superior Tribunal de Justiça reviu seu entendimento sobre a matéria, visto que considerava desnecessária a verificação de especial fim de agir (STJ, AgRg no HC 638.986/SC, 6ª Turma, Des. Fed. Olindo Menezes (conv.), DJ 08/06/2021; STJ, AgRg no REsp 1.767.899/SC, 5ª Turma, Min. Joel Ilan Paciornik, DJ 18/10/2019), de modo a se adequar ao precedente da Suprema Corte. Nesse sentido: STJ, AgRg no AREsp 1.916.244/SC, 6ª Turma, Min. Laurita Vaz, DJ 03/11/2022; STJ, AgRg no HC 682.954/SC, 5ª Turma, Min. Ribeiro Dantas, DJ 25/03/2022.

No caso concreto, a contumácia da conduta pode ser facilmente extraída do número de competências em que se deixou de recolher os tributos retidos na fonte. Embora a denúncia abranja tão somente as competências de 05/2017 a 08/2017, restou demonstrado nos autos que a pessoa jurídica administrada pelo acusado possui débitos da mesma natureza em vasto período que abarca, ainda, as competências de 12/2008, 01/2009, 02/2009, 03/2009, 12/2009, 03/2010, 05/2010, 05/2015 a 07/2015, 11/2015 a 08/2017, a denotar um quadro de inadimplência sistemática. No total, apurou-se uma dívida fiscal de R$ 13.519.430,82 - vide cópias dos autos da Execução Fiscal n. 5003752-43.2018.4.03.6110, em trâmite perante o juízo da 1ª Vara Federal de Sorocaba/SP, constantes do inquérito policial correlato.

Quanto ao elemento subjetivo do tipo, a ser extraído das circunstâncias objetivas factuais, basta salientar que houve o inadimplemento prolongado sem tentativa de regularização dos débitos, os quais totalizaram quantia muito superior ao capital social integralizado da pessoa jurídica, apurado em R$ 10.000,00 (ID 58766198).

Todavia, entendo cabível na espécie o reconhecimento da causa exculpante de inexigibilidade de conduta adversa. É que a defesa do réu demonstrou com clareza, e sem contra-argumentação do órgão acusador após a instrução probatória, as dificuldades econômicas excepcionais enfrentadas pela pessoa jurídica à época dos fatos em exame, conforme os balanços patrimoniais (ID 239020433) e a certidão de protestos extrajudiciais (ID 239020450 e 239020852) apresentadas, as quais culminaram em pedidos de falência no primeiro semestre de 2017 (ID 239020856) - portanto em período anterior a dos fatos em exame.

Nesse sentido, colho da manifestação defensiva que o Tribunal Regional Federal da 3ª Região chegou a reconhecer, em sede de apelação criminal, o cenário financeiro calamitoso da pessoa jurídica, dando provimento ao recurso defensivo justamente para aplicar a causa supralegal excludente de culpabilidade. Confira-se a ementa do acórdão:

PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. ARTIGO 2º, INCISO II, DA LEI N º 8.137/90 C.C. O ARTIGO 71 DO CÓDIGO PENAL.NULIDADE DA SENTENÇA. PRELIMINAR REJEITADA. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. INEGIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA CONFIGURADA. ABSOLVIÇÃO.

1. Apelantes denunciados pelo cometimento do delito descrito no artigo 2º, II, da Lei nº 8.137/90, em continuidade delitiva.

2. A sentença analisou detidamente a prova coligidas aos autos e enfrentou todas as teses suscitadas pelas partes, não restando desprovida de fundamentação.

3. Crédito tributário definitivamente constituído (Súmula Vinculante nº 24).

4. Materialidade delitiva amplamente demonstrada pelos dados probatórios.

5. Autoria comprovada pelos elementos de prova carreados aos autos.

6. Inexigibilidade de conduta diversa configurada. Absolvição.

7. Apelação defensiva a que se dá provimento para absolver os acusados, nos termos do artigo 386, VI, do Código de Processo Penal.

(TRF3, ApCrim 0001583-08.2017.4.03.6110/SP, 5ª Turma, Des. Fed. Paulo Fontes, DJ 17/12/2021)

Com efeito, constou do voto condutor do acórdão, da lavra do Desembargador Federal Paulo Fontes, que “o não recolhimento de tributos, resultou de um conjunto de circunstâncias imprevisíveis e/ou invencíveis, incidindo a excludente da ilicitude”.

Ressalto, por fim, que, diferentemente da sonegação fiscal (art. 1º da Lei n. 8.137, de 1990), o delito em comento prescinde da prática de fraude, tornando possível o reconhecimento, acaso efetivamente comprovada, da inexigibilidade de conduta diversa (Id n. 279117803).

 

Em que pese a menção a precedente desta Turma, formado por maioria, no qual houve o reconhecimento de inexigibilidade de conduta diversa em relação ao mesmo acusado, registro que apresentei voto divergente, que restou vencido, com os seguintes termos:

 

Inicialmente, cumpre registrar o respeito e admiração que nutro pelo Eminente Desembargador Federal Relator Paulo Fontes, salientando que, após análise mais detida dos autos para formação de minha convicção, conclui por divergir do Eminente Relator, que rejeitou a preliminar arguida e deu provimento ao recurso de apelação da defesa dos apelantes para absolvê-los, com fundamento no artigo 386, inciso VI, do Código de Processo Penal, especificamente quanto à caracterização da inexigibilidade de conduta diversa consistente nas dificuldades financeiras vivenciadas pela United Mills Ltda.

Com a devida vênia, entendo não estar caracterizada a excludente de culpabilidade em apreço.

Regina Celia Araripe Ruiz, Andre Faria Parodi e Jorge Faria Parodi foram acusados da prática do delito do art. 2º, II, da Lei n. 8.137/90, c. c. o art. 71 do Código Penal, pois, na condição de sócios e administradores da United Mills Ltda., com vontade livre e consciente, deixaram de recolher, no prazo legal, valores de tributos descontados, referentes ao Imposto Sobre a Renda Retido na Fonte – IRRF e a Contribuições Sociais Retidas na Fonte – CSRF.

O Procedimento administrativo-fiscal n. 10855503532/2015-91 refere-se ao não recolhimento do Imposto de Renda Retido na Fonte – IRRF do trabalho assalariado da empresa, no período de setembro de 2013 a fevereiro de 2015, resultando no crédito tributário de R$ 1.515.736,47 (um milhão, quinhentos e quinze mil, setecentos e trinta e seis reais e quarenta e sete centavos).

O Procedimento administrativo-fiscal n. 10855501530/2015-01 refere-se, por sua vez, ao não recolhimento das Contribuições Sociais Retidas na Fonte – CSRF, no período de setembro de 2013 a setembro de 2014 e de outubro de 2013 a outubro de 2014, resultando no crédito tributário de R$ 424.471,63 (quatrocentos e vinte e quatro mil, quatrocentos e setenta e um reais e sessenta e três centavos).

Consta que os créditos foram definitivamente constituídos e inscritos em Dívida Ativa da União.

Acompanho o Eminente Relator quanto à rejeição da preliminar de nulidade da sentença.

Da mesma forma como entendeu o Eminente Relator, reputo comprovada a materialidade e a autoria delitiva, por intermédio dos procedimentos administrativo-fiscais mencionados e ficha cadastral da United Mills Ltda. perante a Junta Comercial do Estado de São Paulo – JUCESP, que demonstra que Regina Célia Araripe Ruiz foi única sócia administradora entre setembro de 2013 e outubro de 2014 e que André Faria Parodi e Jorge Alberto Gonçalves foram os únicos sócios administradores entre outubro de 2014 e fevereiro de 2015.

A defesa opôs, contudo, a inexigibilidade de conduta diversa consistente das dificuldades financeiras suportadas pela United Mills Ltda., ao tempo dos fatos, o que foi confirmado pelas declarações escritas de Aline Toledano Almagro de Morais, Ana Angélica de Souza Pena, Rose Elena Ramalho Conte, Márcia Cristiane dos Santos Marques, Liliam Cristina Monteiro Cipola e Cesar Martins da Cruz.

Os acusados manifestaram o desejo de permanecerem silentes, postulando a dispensa da realização do interrogatório, o que foi deferido, tendo promovido a juntada de documentos, entre balanços contábeis referentes aos exercícios de 2013 a 2015, certidões de processos trabalhistas, protestos, pedidos de falência e de recuperação judicial, ação de despejo do imóvel sede da empresa, notificação extrajudicial relativa ao inadimplemento de Imposto Predial e Territorial Urbano – IPTU, além de contas de água pendentes de pagamento, que o Eminente Relator reputou suficientes à caracterização da inexigibilidade de conduta diversa, ao entendimento de que o não recolhimento dos tributos resultou de um conjunto de circunstâncias imprevisíveis e invencíveis.

Entendo diversamente, contudo.

As dificuldades financeiras são, de certa forma, sempre presentes na vida econômica das empresas e o administrador precisa lidar com situações variáveis de caixa.

Com efeito, a mera existência de dificuldades financeiras, as quais, por vezes, perpassa todo o corpo social, não configura, ipso facto, causa supralegal de exclusão de culpabilidade por inexigibilidade de conduta diversa quanto ao delito de não-repasse de contribuições previdenciárias. O acusado tem o ônus de provar que, concretamente, não havia alternativa ao não-repasse das contribuições (TRF da 3ª Região, ACr n. 98030965085, Rel. Des. Fed. Nelton dos Santos, j. 14.09.04; ACr n. 200203990354034, Rel. Des. Fed. Luiz Stefanini, j. 26.06.07; ACr n. 20056118007918, Rel. Des. Fed. André Nekatschalow, j. 15.09.08; ACr n. 199961810073570, Rel. Des. Fed. André Nabarrete, j. 25.07.05; ACr n. 200203990386734, Rel. Des. Fed. Cecília Mello, j. 06.11.07).

A defesa pressupõe que o recolhimento dos tributos e contribuições descontadas teria como objeto dinheiro pertencente à empresa. Porém, por ser valor oriundo de titularidade de outrem, a empresa dele não poderia dispor, como disporia do pagamento de obrigações genuinamente suas.

Embora em alguns casos o empresário detenha poderes para priorizar seus pagamentos, subordinando obrigações umas às outras, por estratégia empresarial, a hierarquia estabelecida em lei prepondera sobre o critério pessoal de gestão do empresário.

O tipo do art. 2º, II, da Lei n. 8.137/90 estabelece constituir crime o não recolhimento, no prazo legal, de valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos, penalizando a apropriação de valores não pertencentes à empresa, cuja disponibilidade não está sujeita à conveniência do administrador, mas aos critérios legais impostos.

Reiterem-se os fundamentos expostos na sentença:

Nota-se que no período dos fatos descritos na denúncia a firma passava por dificuldades financeiras, mas os réus não comprovaram, por meio de documentos, a alienação de bens pessoais, ou a inexistência dessa alternativa, visando à obtenção de recursos para honrar suas dívidas previdenciárias. Por sua vez, a prova testemunhal isolada é insuficiente para tal comprovação. Logo, não demonstraram a impossibilidade financeira para o pagamento dos tributos e contribuições sociais descontadas dos empregados. Igualmente não comprovaram que o recolhimento das importâncias devidas ao Fisco geraria a falência da empresa, a qual, mesmo, com dificuldades financeiras, continuou em pleno funcionamento.

Ora, não se está diante de uma crise episódica em que momentaneamente foi necessário suprimir o pagamento dos tributos e contribuições sociais a fim de tomar um fôlego, mas sim de réus que são contumazes na prática delitiva, em detrimento dos tributos devidos ao Fisco. Respondem os réus REGINA CELIA ARARIPE RUIZ, ÂNDRÉ PARIA PARODI e JORGE ALBERTO GONÇALVES a, pelo menos, outro processo criminal por crime de apropriação indébita previdenciária, cometido à frente da empresa, pelo qual condenados em primeira instância, o que pende de recurso (processo n. 10410-42.2016.4.03.6110, 2ª Vara Federal de Sorocaba/SP – fl. 33).

Verifica-se, pois, que de longa data os denunciados deixam de recolher tributos pelos quais eram responsáveis, com ônus para o Fisco, a fim de manter a atividade empresarial, o que atesta com clareza que cometeram dolosamente os fatos que lhe são imputados na denúncia.

As provas constantes dos autos permitem concluir, portanto, que os acusados agiram com o dolo reclamado pelo tipo penal em apreço, resultando na efetiva supressão dos tributos e contribuições sociais. (Id n. 162734136, p. 154)

Também o Ilustre Procurador Regional da República, Dr. Ageu Florêncio da Cunha, manifestou-se pela comprovação satisfatória do dolo dos recorrentes, sendo o dolo exigido para o tipo penal em apreço o dolo genérico voltado à omissão no recolhimento dos tributos, do que decorre a desnecessidade da demonstração da intenção de obtenção de vantagem ou benefício indevidos (Id n. 162373833).

Em conclusão, era exigível que os apelantes conduzissem a empresa de modo a atender seus deveres legais, como o de recolher as obrigações acumuladas por alongado período, o que demonstra adoção de gestão empresarial contrária à lei, sendo de rigor a manutenção de sua condenação, portanto.

(...)

Dosimetria. André Faria Parodi e Jorge Alberto Gonçalves. Considerados os critérios do art. 59 do Código Penal, notadamente as consequências do delito, o MM. Magistrado a quo fixou a pena-base acima do mínimo legal em 1 (um) ano de detenção e 20 (vinte) dias-multa. Ausentes circunstâncias atenuantes, agravantes, causas de diminuição ou de aumento de pena, majorou as penas em 1/3 (um terço) em decorrência da continuidade delitiva, totalizando 1 (um) ano, 4 (quatro) meses de detenção e 26 (vinte e seis) dias-multa.

Arbitrou o valor unitário do dia-multa em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente na data dos fatos, corrigido monetariamente quando da execução.

Estabeleceu o regime inicial aberto.

Substituiu a pena privativa de liberdade por 2 (duas) restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas e na prestação pecuniária de 1 (um) salário mínimo, revertida em favor de entidade pública ou privada de destinação social a ser indicada pelo Juízo das Execuções Criminais.

A defesa requer a redução da pena-base ao mínimo legal, bem como a redução da majoração decorrente da continuidade delitiva e a diminuição da pena de multa.

O recurso de apelação da defesa merece provimento.

O elevado valor do débito tributário é circunstância hábil à majoração da pena-base, a título de consequências do delito.

O montante omitido corresponde a R$ 293.361,99 (duzentos e noventa e três mil, trezentos e sessenta e um reais e noventa e nove centavos), em relação ao Procedimento administrativo-fiscal n. 10855503532/2015-91 (Imposto de Renda Retido na Fonte), relativamente às competências de outubro de 2014 a fevereiro de 2015, conforme indicado pelo MM. Magistrado a quo, o que justifica a exasperação da pena-base, embora em proporção menor em relação ao aumento estabelecido na sentença.

Presentes as circunstâncias judiciais desfavoráveis relativas às consequências do delito, reduzo a pena-base para 7 (sete) meses de detenção e 11 (onze) dias-multa.

Ausentes circunstâncias atenuantes, circunstâncias agravantes, causas de diminuição ou de aumento de pena.

Reduzo o acréscimo de pena relativo à continuidade delitiva para 1/6 (um sexto), considerando o interregno entre outubro de 2014 e fevereiro de 2015, período em que a gestão da United Mills Ltda. competiu à André Faria Parodi e Jorge Alberto Gonçalves, totalizando 8 (oito) meses e 5 (cinco) dias de detenção e 12 (doze) dias-multa, resultado que torno definitivo.

Restam mantidos os demais aspectos da dosimetria das penas, contra os quais não se insurgiu a defesa, não merecendo qualquer reparo.

Ante o exposto, REJEITO a preliminar arguida (acompanho o Relator) e DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso de apelação da defesa dos acusados para, mantida sua condenação pela prática do delito do art. 2º, II, da Lei n. 8.137/90, reduzir-lhes a pena-base, o acréscimo decorrente da continuidade delitiva e, por proporcionalidade, a pena de multa, cominando, definitivamente, à Regina Célia Araripe Ruiz as penas de 9 (nove) meses e 10 (dez) dias de detenção e 15 (quinze) dias-multa e a André Faria Parodi e Jorge Alberto Gonçalves, as penas de 8 (oito) meses e 5 (cinco) dias de detenção e 12 (doze) dias-multa, mantidos os demais termos da sentença recorrida (divirjo do Relator).

É como voto (Id n. 221767551, nos Autos n. 0001583-08.2017.4.03.6110).

 

Não verifico motivo para alteração do entendimento anteriormente adotado, não se configurando hipótese de exclusão da culpabilidade por inexigibilidade de conduta diversa também no caso destes autos.

Com efeito, como bem pondera o Ministério Público Federal, em seu recurso de apelação, não foram trazidos pela defesa do acusado elementos suficientes a justificar a excepcional incidência da causa supralegal de exclusão da culpabilidade, sendo que a crise financeira vivenciada pela empresa do réu, comum a inúmeras outras no país, não se mostra apta, de forma isolada, a justificar o não repasse ao Fisco dos valores retidos na sua atividade empresarial.

Por outro lado, verifica-se que, de longa data, o apelado – incontroverso responsável pela gestão da empresa United Mills Alimentos Ltda. – deixa de recolher tributos pelos quais sua empresa era responsável, onerando o Erário com o escopo de manter sua atividade empresarial, o que não deixa dúvidas sobre sua atuação dolosa, não sendo crível, ademais, que o acusado, empresário experiente, desconhecesse o dever de recolhimento dos valores retidos.

Logo, a aduzida insuficiência probatória quanto à autoria delitiva também não encontra amparo nos autos.

Dessa forma, comprovadas a materialidade, a autoria e o dolo, impõe-se a condenação do acusado.

Passo, assim, à análise da dosimetria da pena.

 

Dosimetria. Considerando os elementos constantes dos autos, entendo adequada a fixação da pena-base acima do mínimo legal em 7 (sete) meses de reclusão, tendo em vista as consequências do delito – a supressão de R$ 194.352,90 (cento e noventa e quatro mil trezentos e cinquenta e dois reais) em tributos –, sendo que as demais circunstâncias judiciais previstas no art. 59 do Código Penal devem ser consideradas neutras, uma vez que não comprovada a existência de elementos desabonadores.

Ante a ausência de agravantes e atenuantes, bem como de majorantes ou minorantes a serem apreciadas, torno definitiva a pena de 7 (sete) meses de reclusão.

Incide, na hipótese, a previsão relativa à continuidade delitiva, nos termos do art. 71 do Código Penal, devendo ocorrer a elevação da pena privativa de liberdade em 1/6 (um sexto), considerando a quantidade de condutas praticadas pelo acusado (em quatro meses subsequentes), alcançando a pena final de 8 (oito) meses e 5 (cinco) dias de reclusão.

Considerando que tanto a pena privativa de liberdade quanto a pena de multa sujeitam-se a critérios uniformes para a sua determinação, é adequada a fixação proporcional da sanção pecuniária (TRF da 3ª Região, EI n. 0004791-83.2006.4.03.6110, Rel. Des. Fed. André Nekatschalow, j. 16.02.17; TRF da 3ª Região, ACR n. 0002567-55.2013.4.03.6102, Des. Fed. Cecilia Mello, j. 20.09.16; TRF da 3ª Região, ACR n. 0003484-24.2012.4.03.6130, Rel. Des. Fed. Mauricio Kato, j. 11.04.16), razão pela qual fixo a pena de multa em 12 (doze) dias-multa.

Arbitro o valor unitário do dia-multa em 1 (um) salário-mínimo, corrigido monetariamente quando da execução, tendo em vista a capacidade econômica do agente, que é empresário.

Fixo o regime inicial aberto para o cumprimento da pena privativa de liberdade (art. 33, caput e §2º, “c”, do Código Penal).

Presentes os requisitos do art. 44 do Código Penal, substituo a pena privativa de liberdade por 1 (uma) pena restritiva de direito, consistente em prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas (CP, art. 43, IV, c. c. o art. 46), pelo mesmo tempo da pena privativa de liberdade, cabendo ao Juízo das Execuções Penais definir a entidade beneficiária, o local de prestação de serviços e observar as aptidões do réu.

Condeno o acusado ao pagamento das custas processuais.

 

Ante o exposto, DOU PROVIMENTO à apelação do Ministério Público Federal, para o fim de condenar o réu André Faria Parodi pela prática do delito do art. 2º, II, da Lei n. 8.137/90, à pena de 8 (oito) meses e 5 (cinco) dias de reclusão e ao pagamento de 12 (doze) dias-multa, substituída a pena privativa de liberdade por 1 (uma) pena restritiva de direito, consistente em prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas.

É o voto. 


E M E N T A

PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. ARTIGO 2º, II, DA LEI 8.137/90. CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. MATERIALIDADE. AUTORIA. DOLO. EXCLUDENTE CULPABILIDADE. INEXIGILIDADE CONDUTA DIVERSA. DIFICULDADES FINANCEIRAS.

1. O reconhecimento da causa supralegal de exclusão de culpabilidade por inexigibilidade de conduta diversa, em virtude de dificuldades financeiras exige prova da situação econômica desfavorável da empresa que afete as atividades empresariais, interesses de funcionários e de credores, assim como a vida pessoal dos administradores.

2. Para a exclusão da culpabilidade, é necessária a demonstração de que a conduta típica era a derradeira solução para evitar o sacrifício da empresa.

3. Apelação do Ministério Público Federal desprovida.

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, A Quinta Turma, por maioria, decidiu negar provimento ao recurso, nos termos do voto do Des. Fed. Mauricio Kato, acompanhado pelo Des. Fed. Ali Mazloum, vencido o Relator Des. Fed. André Nekatschalow que DAVA PROVIMENTO à apelação do Ministério Público Federal, para o fim de condenar o réu André Faria Parodi pela prática do delito do art. 2º, II, da Lei n. 8.137/90, à pena de 8 (oito) meses e 5 (cinco) dias de reclusão e ao pagamento de 12 (doze) dias-multa, substituída a pena privativa de liberdade por 1 (uma) pena restritiva de direito, consistente em prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.