APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5022303-04.2018.4.03.6100
RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO
APELANTE: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL
APELADO: INSTITUTO DE PAGAMENTOS ESPECIAIS DE SAO PAULO - IPESP
Advogado do(a) APELADO: CAROLINA JIA JIA LIANG - SP287416-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5022303-04.2018.4.03.6100 RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO APELANTE: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL APELADO: INSTITUTO DE PAGAMENTOS ESPECIAIS DE SAO PAULO - IPESP, ESTADO DE SAO PAULO Advogado do(a) APELADO: CAROLINA JIA JIA LIANG - SP287416-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O EXMO. DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS FRANCISCO (Relator): Cuida-se de ação de cobrança ajuizada pelo Instituto de Pagamentos Especiais de São Paulo – IPESP, em face da Caixa Econômica Federal – CEF e da União Federal, objetivando a condenação da ré ao pagamento de R$ 137.489,51, referente ao saldo residual de contrato de financiamento de imóvel que contava com cobertura do FCVS. A r. sentença julgou procedente o pedido, para condenar a CEF ao pagamento de R$ 137.489,51 (centro e trinta e sete mil, quatrocentos e oitenta e nove reais e cinquenta e um centavos), correspondente ao saldo residual do contrato de financiamento do imóvel, a ser coberto pelo FCVS. Condenou a CEF ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, em conformidade com o disposto no art. 85, § 2 do Código de Processo Civil. A CEF apelou com os seguintes argumentos: preliminarmente, alega que é parte ilegítima para figurar na presente demanda, havendo necessidade de inclusão da União Federal; decadência do pedido, por não haver manifestação no prazo estabelecido pelo art. 1º, §7º, da Lei nº 10.150/2000; há impossibilidade de quitação pelo FCVS de mais de um saldo devedor remanescente; o ressarcimento, caso mantido, deve observar as regras estabelecidas para habilitação do FCVS. Requer, subsidiariamente, a redução da verba honorária. Com contrarrazões, subiram os autos a este E. Tribunal. É o breve relatório. Passo a decidir.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5022303-04.2018.4.03.6100 RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO APELANTE: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL APELADO: INSTITUTO DE PAGAMENTOS ESPECIAIS DE SAO PAULO - IPESP, ESTADO DE SAO PAULO Advogado do(a) APELADO: CAROLINA JIA JIA LIANG - SP287416-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O EXMO. DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS FRANCISCO (Relator): Inicialmente, lembro que contrato é um negócio jurídico bilateral na medida em que retrata o acordo de vontades com o fim de criar, modificar ou extinguir direitos, gerando obrigações aos envolvidos; vale dizer, o contrato estabelece relação jurídica entre credor e devedor, podendo aquele exigir o cumprimento da prestação por este assumida. Há dois vetores que norteiam as relações contratuais: o primeiro é autonomia de vontade, que confere às partes liberdade para estabelecer ou não avenças, fixando seu conteúdo desde que em harmonia com as leis e a ordem pública; o segundo é obrigatoriedade, pois uma vez firmado o acordo de vontades, as partes devem cumprir o contratado (primado “pacta sunt servanda”), garantidor da seriedade e da segurança jurídica. Qualquer alteração do contrato deverá ocorrer de forma voluntária e bilateral, salvo em casos como mudanças decorrentes de atos normativos supervenientes (cuja eficácia se viabilize sem prejuízo ao ato jurídico perfeito e ao direito adquirido) ou situações imprevistas e extraordinárias que alterem o equilíbrio do que foi pactuado. Contratos que envolvam operações de crédito (em regra mútuos) relacionadas a imóveis residenciais têm sido delimitados por atos legislativos, notadamente em favor da proteção à moradia (descrita como direito fundamental social no art. 6º da Constituição de 1988). A cobertura pelo Fundo de Compensação de Variação Salarial – FCVS tem por objetivo cobrir eventual saldo residual existente após o pagamento de todas as parcelas inicialmente pactuadas no contrato, o que geralmente ocorria em razão do fenômeno inflacionário. A questão em debate diz respeito à possibilidade de se utilizar o FCVS para quitação de mais de um contrato de financiamento imobiliário. Inicialmente, não existia previsão legal que impusesse restrição à utilização do FCVS para quitação de mais de um financiamento por mutuário. A limitação surgiu apenas com a promulgação da Lei nº 8.100, de 05/12/1990, que dispunha, em seu art. 3º, o seguinte: Art. 3° O Fundo de Compensação das Variações Salariais (FCVS) quitará somente um saldo devedor remanescente por mutuário ao final do contrato, inclusive os já firmados no âmbito do SFH. Tal dispositivo legal, entretanto, ganhou nova redação com a Lei nº 10.150/2000, verbis: Art. 3º O Fundo de Compensação de Variações Salariais - FCVS quitará somente um saldo devedor remanescente por mutuário ao final do contrato, exceto aqueles relativos aos contratos firmados até 5 de dezembro de 1990, ao amparo da legislação do SFH, independentemente da data de ocorrência do evento caracterizador da obrigação do FCVS. A questão, atualmente, encontra-se amplamente pacificada, tanto pela alteração legislativa acima mencionada, como também por haver sido objeto de julgamento pelo C. STJ, em sede de recurso especial repetitivo, Tema 323, no qual foram firmados os seguintes entendimentos: - A CEF é parte legítima para integrar o polo passivo das demandas em que se pretende a quitação do saldo residual pelo FCVS, por ser sucessora do BNH e também gestora do FCVS. Por outro lado, a União Federal não possui legitimidade passiva. - Reconheceu-se a possibilidade de quitação do saldo residual de mais de um financiamento, pelo FCVS, desde que o contrato seja anterior à vigência da Lei nº 8.100/1990, ao argumento de que referida norma não pode retroagir aos contratos celebrados anteriormente. Confira-se, a seguir, a ementa do julgado: PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C, DO CPC. ADMINISTRATIVO. CONTRATO DE MÚTUO. LEGITIMIDADE. CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. SUCESSORA DO EXTINTO BNH E RESPONSÁVEL PELA CLÁUSULA DE COMPROMETIMENTO DO FCVS. CONTRATO DE MÚTUO. DOIS OU MAIS IMÓVEIS, NA MESMA LOCALIDADE, ADQUIRIDOS PELO SFH COM CLÁUSULA DE COBERTURA PELO FCVS. IRRETROATIVIDADE DAS LEIS 8.004/90 E 8.100/90. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO (SÚMULAS 282 E 356/STF. DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO. SÚMULA 284/STF. 1. A Caixa Econômica Federal, após a extinção do BNH, ostenta legitimidade para ocupar o pólo passivo das demandas referentes aos contratos de financiamento pelo SFH, porquanto sucessora dos direitos e obrigações do extinto BNH e responsável pela cláusula de comprometimento do FCVS - Fundo de Compensação de Variações Salariais, sendo certo que a ausência da União como litisconsorte não viola o artigo 7.º, inciso III, do Decreto-lei n.º 2.291, de 21 de novembro de 1986. Precedentes do STJ: CC 78.182/SP, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA SEÇÃO, DJ de 15/12/2008; REsp 1044500/BA, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, DJ de 22/08/2008; REsp 902.117/AL, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, DJ 01/10/2007; e REsp 684.970/GO, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, DJ 20/02/2006. 2. As regras de direito intertemporal recomendam que as obrigações sejam regidas pela lei vigente ao tempo em que se constituíram, quer tenham base contratual ou extracontratual. 3. Destarte, no âmbito contratual, os vínculos e seus efeitos jurídicos regem-se pela lei vigente ao tempo em que se celebraram, sendo certo que no caso sub judice o contrato foi celebrado em 27/02/1987 (fls. 13/20) e o requerimento de liquidação com 100% de desconto foi endereçado à CEF em 30.10.2000 (fl. 17). 4. A cobertura pelo FCVS - Fundo de Compensação de Variação Salarial é espécie de seguro que visa a cobrir eventual saldo devedor existente após a extinção do contrato, consistente em resíduo do valor contratual causado pelo fenômeno inflacionário. 5. Outrossim, mercê de o FCVS onerar o valor da prestação do contrato, o mutuário tem a garantia de, no futuro, quitar sua dívida, desobrigando-se do eventual saldo devedor, que, muitas vezes, alcança o patamar de valor equivalente ao próprio. 6. Deveras, se na data do contrato de mútuo ainda não vigorava norma impeditiva da liquidação do saldo devedor do financiamento da casa própria pelo FCVS, porquanto preceito instituído pelas Leis 8.004, de 14 de março de 1990, e 8.100, de 5 de dezembro de 1990, fazê-la incidir violaria o Princípio da Irretroatividade das Leis a sua incidência e conseqüente vedação da liquidação do referido vínculo. 7. In casu, à época da celebração do contrato em 27/02/1987 (fls. 13/20) vigia a Lei n.º 4.380/64, que não excluía a possibilidade de o resíduo do financiamento do segundo imóvel adquirido ser quitado pelo FCVS, mas, tão-somente, impunha aos mutuários que, se acaso fossem proprietários de outro imóvel, seria antecipado o vencimento do valor financiado. 8. A alteração promovida pela Lei n.º 10.150, de 21 de dezembro de 2000, à Lei n.º 8.100/90 tornou evidente a possibilidade de quitação do saldo residual do segundo financiamento pelo FCVS, aos contratos firmados até 05.12.1990. Precedentes do STJ: REsp 824.919/RS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, DJ de 23/09/2008; REsp 902.117/AL, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, DJ 01/10/2007; REsp 884.124/RS, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, DJ 20/04/2007 e AgRg no Ag 804.091/RS, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, DJ 24/05/2007. 9. O FCVS indicado como órgão responsável pela quitação pretendida, posto não ostentar legitimatio ad processum, arrasta a competência ad causam da pessoa jurídica gestora, responsável pela liberação que instrumentaliza a quitação. 11. É que o art. º da Lei 8.100/90 é explícito ao enunciar: "Art. 3º O Fundo de Compensação de Variações Salariais - FCVS quitará somente um saldo devedor remanescente por mutuário ao final do contrato, exceto aqueles relativos aos contratos firmados até 5 de dezembro de 1990, ao amparo da legislação do SFH, independentemente da data de ocorrência do evento caracterizador da obrigação do FCVS. (Redação dada pela Lei nº 10.150, de 21.12.2001) 12. A Súmula 327/STJ, por seu turno, torna inequívoca a legitimatio ad causam da Caixa Econômica Federal (CEF). 14. A União, ao sustentar a sua condição de assistente, posto contribuir para o custeio do FCVS, revela da inadequação da figura de terceira porquanto vela por "interesse econômico" e não jurídico. 15. A simples indicação do dispositivo legal tido por violado (art. 6º, § 1º, da Lei de Introdução ao Código Civil), sem referência com o disposto no acórdão confrontado, obsta o conhecimento do recurso especial. Incidência dos verbetes das Súmula 282 e 356 do STF. 17. Ação ordinária ajuizada em face da CAIXA ECONÔMICA FEDERAL -CEF, objetivando a liquidação antecipada de contrato de financiamento, firmado sob a égide do Sistema Financeiro de Habitação, nos termos da Lei 10.150/2000, na qual os autores aduzem a aquisição de imóvel residencial em 27.02.1987 (fls. 13/20) junto à Caixa Econômica Federal, com cláusula de cobertura do Fundo de Compensação de Variações Salariais, motivo pelo qual, após adimplidas todas a prestações mensais ajustadas para o resgate da dívida, fariam jus à habilitação do saldo devedor residual junto ao mencionado fundo. 18. Recurso Especial desprovido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 08/2008 (REsp 1133769/RN, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 25/11/2009, DJe 18/12/2009). No mesmo sentido, trago os seguintes julgados desta E. Corte: APELAÇÃO - PROCESSUAL CIVIL - SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO - FUNDO DE COMPENSAÇÃO DE VARIAÇÕES SALARIAIS - MULTIPLICIDADE DE FINANCIAMENTO DE IMÓVEL - COBERTURA - LEI Nº. 8.100/1990 - CONTRATOS DE FINANCIAMENTO FIRMADOS ANTES DE 05/12/1990 - QUITAÇÃO DO SALDO DEVEDOR - PRINCÍPIO DA IRRETROATIVIDADE DAS LEIS - APELAÇÃO PROVIDA. I - Mantida a cobertura do saldo devedor pelo FCVS, tendo em vista a quitação de todas as parcelas avençadas e que o contrato foi firmado anteriormente à vigência da Lei 8.100/90, que restringiu a quitação através do FCVS a apenas um saldo devedor remanescente por mutuário, porquanto a referida norma não pode retroagir a situações ocorridas antes da sua vigência. II - Em sede de recurso especial repetitivo nº 1.133.769/SP, o Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de que a alteração promovida pela Lei nº 10.150/2000 em relação ao art. 3º da Lei nº 8.100/90 tornou evidente a possibilidade de quitação do saldo residual do segundo financiamento habitacional pelo FCVS, aos contratos firmados até 05.12.1990. III - A previsão contida no artigo 2º, § 3º, da Lei 10.150/00, no tocante à novação do montante de 100%, refere-se ao saldo devedor residual, não abrangendo as parcelas em aberto. IV - A MP 1.981-52, de 27-09-2000 foi a primeira norma jurídica a conceder o desconto de 100% do saldo devedor, devendo o mutuário comprovar estar em dia com as prestações até tal data para fazer jus ao referido benefício. In casu, o contrato possui cobertura do FCVS e é anterior a 31/12/1987, não havendo notícia de inadimplemento em 09/2000, conforme se observa da planilha de evolução do financiamento, juntada às fls. 48/50. V - In casu, verifica-se que o contrato originário foi firmado em 01.04.1981, e posteriormente sub-rogado à irmã das apelantes, Selma Nascimento da Silva, em 28.08.1986. VI - Apelação provida. (TRF 3ª Região, 2ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL, 5000817-82.2017.4.03.6104, Rel. Desembargador Federal LUIZ PAULO COTRIM GUIMARAES, julgado em 09/07/2020, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 13/07/2020). DIREITO CIVIL. CONTRATOS. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO. SALDO DEVEDOR. FCVS. SEGUNDO FINANCIAMENTO PARA IMÓVEL NA MESMA LOCALIDADE. I - A vedação de se utilizar o FCVS para quitação de mais de um saldo devedor por mutuário, para imóveis na mesma localidade, não se aplica aos contratos celebrados anteriormente à vigência da superveniente restrição legal. Precedentes. II - Recurso desprovido. (TRF 3ª Região, 2ª Turma, ApelRemNec - APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA, 0008806-86.2010.4.03.6100, Rel. Desembargador Federal OTAVIO PEIXOTO JUNIOR, julgado em 25/06/2020, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 30/06/2020). DIREITO CIVIL. FCVS. DUPLICIDADE DE CONTRATOS. COBERTURA DE SALDO RESIDUAL. DIREITO SUBJETIVO. CONTRATOS ANTERIORES À LEI Nº 8.100/90. IRRETROATIVIDADE. VEDAÇÃO AO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS RECURSAIS. 1. Pretende a parte autora a declaração de quitação de débito referente saldo residual de contrato de financiamento imobiliário, mediante recursos do Fundo de Compensação de Variações Salariais - FCVS, com a consequente baixa da hipoteca. 2. Em respeito ao princípio da irretroatividade das leis, resta inequívoca a possibilidade de cobertura de saldos devedores pelo Fundo de Compensação de Valores Salariais - FCVS, quando a celebração do contrato se deu anteriormente à vigência do art. 3º da Lei nº 8.100/90. 3. Cabe ressaltar que a quitação pelo FCVS de saldos devedores remanescentes de financiamentos adquiridos anteriormente a 5 de dezembro de 1990 (data da entrada em vigor da Lei nº 8.100/90) tornou-se ainda mais evidente com a edição da Lei nº 10.150/2000, que a declarou expressamente, autorizando, ainda, a regularização dos chamados "contratos de gaveta". 4. Ademais, se admitida a não cobertura do saldo residual de um dos dois contratos firmados pelos autores e para os quais houve pagamento de prêmio referente ao Fundo de Variação de Compensações Salariais - FCVS, haveria evidente enriquecimento ilícito do Fundo em detrimento do mutuário, o que não se pode admitir. 5. Uma vez que os autores celebraram dois contratos de financiamento imobiliário com previsão de cobertura do saldo devedor residual pelo Fundo de Compensação de Variações Salariais - FCVS nos anos de 1983 e 1984, para os quais houve o devido pagamento dos respectivos prêmios pelos mutuários, correta a sentença ao reconhecer o direito dos autores à quitação do saldo residual de um destes contratos mediante recursos do FCVS, ante a irretroatividade da vedação ao duplo financiamento prevista na Lei nº 8.100/90 e a vedação ao enriquecimento sem causa, devendo ser mantida. 6. Honorários advocatícios devidos pelo apelante majorados de 5% para 7% sobre o valor atualizado da condenação, mantida a condenação da corré CEF ao pagamento, a este título, de 5% sobre o valor atualizado da condenação. 7. Apelação não provida. (TRF 3ª Região, 1ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL, 0003453-51.2013.4.03.6103, Rel. Desembargador Federal WILSON ZAUHY FILHO, julgado em 15/06/2020, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 18/06/2020). Com relação à decadência em razão de não ter havido opção pela novação, nos termos da Lei nº 10.150/2000, observo que a redação original do art. 1º, §7º, do mencionado dispositivo legal, determinava que “As instituições financiadoras que optarem pela novação prevista nesta Lei deverão, até 20 de fevereiro de 2001, manifestar à Caixa Econômica Federal - CEF a sua adesão às condições de novação estabelecidas neste artigo”. Contudo, o art. 52, da Medida Provisória nº 2.181-45/2001, alterou a redação do art. 1º, §7º, da Lei nº 10.150/2000, sem estabelecer novo prazo para a opção pela novação nos termos da lei. Assim, não há que se falar em decadência, como se observa dos seguintes julgados desta E. Corte: PROCESSO CIVIL. APELAÇÃO. FCVS. COBERTURA DE SALDO RESIDUAL. DUPLICIDADE DE FINANCIAMENTOS. PRESCRIÇÃO NÃO CONFIGURADA. APELAÇÃO IMPROVIDA. (...) VII - A jurisprudência desta Primeira Turma já aplicou o art. 206, § 5º, I do CC, e o termo inicial para o cálculo da prazo prescricional é a data em que surge a pretensão à reparação, e não a data da primeira recusa injustificada do devedor. Não suficiente, merece ser prestigiado o entendimento adotado pelo juízo de origem que, ante a natureza de fundo público do FCVS, com razão, aplicou a prescrição quinquenal à hipótese dos autos. Sob qualquer das óticas anteriormente apontadas, não resta configurada a prescrição. No tocante à decadência, esta Primeira Turma afasta a incidência do art. 1º, § 7º, da Lei 10.150/00, quer se considere tratar-se de prazo posterior à vigência do contrato, quer se considere a alteração realizada pela MP 2.181-45/01 (ApCiv 0015411-09.2014.4.03.6100). VIII - Como bem apontado pelo juízo de origem, pelo princípio da concentração, nos termos positivados pelo art. 336 do CPC, incumbe ao réu alegar, na contestação, toda a matéria de defesa, expondo as razões de fato e de direito com que impugna o pedido do autor e especificando as provas que pretende produzir. Desta forma, alterando entendimento anterior, caberia à CEF apresentar naquele momento os seus próprios cálculos que dariam oportunidade ao autor apresentar sua réplica. A apresentação intempestiva de cálculos que apontam valores irrisórios em comparação àqueles apresentados na inicial denotam que a argumentação da instituição financeira pretende apenas perpetuar sua resistência e postergar para a fase de cumprimento de sentença matéria que deve ser exaurida em fase de conhecimento. IX - Apelação improvida. Honorários advocatícios majorados. (TRF 3ª Região, 1ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5023917-44.2018.4.03.6100, Rel. Desembargador Federal VALDECI DOS SANTOS, julgado em 17/02/2022, DJEN DATA: 23/02/2022 – grifo nosso). PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO. AÇÃO DE COBRANÇA. FCVS. COBERTURA DE SALDO RESIDUAL. MULTIPLICIDADE. DECADÊNCIA. PRESCRIÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. HABILITAÇÃO DE CRÉDITO. RECURSO PROVIDO EM PARTE. 1. Nos contratos do Sistema Financeiro da Habitação - SFH, com cobertura do Fundo de Compensação de Variação Salarial - FCVS, em razão da extinção do Banco Nacional da Habitação - BNH, a gestão do referido fundo foi transferida integralmente para a Caixa Econômica Federal - CEF, sendo desnecessária a inclusão da União no polo passivo da lide. 2. Merece ser mantida a cobertura do saldo devedor pelo FCVS, tendo em vista que o contrato foi firmado anteriormente à vigência da Lei 8.100/90, que restringiu a quitação através do FCVS a apenas um saldo devedor remanescente por mutuário, porquanto a referida norma não pode retroagir a situações ocorridas antes da sua vigência. 3. Em sede de recurso especial repetitivo nº 1.133.769/SP, o Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de que a alteração promovida pela Lei nº 10.150/2000 em relação ao art. 3º da Lei nº 8.100/90 tornou evidente a possibilidade de quitação do saldo residual do segundo financiamento habitacional pelo FCVS, aos contratos firmados até 05.12.1990. 4. No tocante à decadência, resta afastada a incidência do art. 1º, § 7º, da Lei 10.150/00, considerando a alteração realizada pela MP 2.181-45/01 (art. 52) que deixou de estabelecer novo prazo para a opção pela novação de que trata aquela lei. Tampouco se cogita da prescrição, pois houve a apresentação de recurso administrativo e a negativa de cobertura ocorreu em 23/05/2019, tendo sido a ação proposta no mesmo ano. (...) 8. Apelação parcialmente provida para o fim de reforma a sentença, condenando a CEF a habilitar o crédito da parte Autora junto ao FCVS e proceder à cobertura do saldo residual do contrato discutido nos autos nos moldes da legislação que rege referido fundo. (TRF 3ª Região, 2ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5006431-12.2019.4.03.6100, Rel. Desembargador Federal LUIZ PAULO COTRIM GUIMARAES, julgado em 20/04/2021, DJEN DATA: 05/05/2021 – grifo nosso). Portanto, afasto as preliminares de ilegitimidade passiva da CEF, de necessidade de inclusão da União Federal no polo passivo da demanda e de decadência. Da análise dos autos, contudo, verifico a ocorrência de prescrição. Em se tratando de cobrança de dívida líquida constante de instrumento particular, aplica-se o prazo quinquenal, previsto no art. 206, §5º, I, do Código Civil, com termo inicial a partir da data da negativa administrativa. Nesse sentido, o seguinte julgado desta Segunda Turma: “O prazo prescricional começa a fluir a partir da negativa da ré. O prazo prescricional a ser adotado para os casos como o presente é o previsto no artigo 206, 5º, do Código Civil: Art. 206. Prescreve: [...] § 5º Em cinco anos: I - a pretensão de cobrança de dívidas líquidas constantes de instrumento público ou particular; [...] Da análise do documento enviado à apelante (ID 145622893 - Pág. 8), não subsistem dúvidas quanto à recusa definitiva da CEF à cobertura pleiteada, justificada nos seguintes termos: 1. Informamos que foi concluída a análise documental e financeira do contrato habilitado ao FCVS, o qual foi analisado de acordo com as instruções do Roteiro de Análise do FCVS e MNPO, em relação aos seguintes aspectos: (...) 1.2 Em decorrência da análise foi verificado que o contrato não conta com cobertura do FCVS por tratar-se de: INDICIO DE MULTIPLICIDADE NO CADMUT Nestas condições, é incontroversa aplicação do prazo quinquenal previsto no art. 206, § 5º, I do CC ao caso dos autos, não subsistindo dúvidas quanto à notificação de recusa definitiva pela CEF ao pleito da parte Autora”. (ApCiv 5002834-45.2018.4.03.6108, Rel. Des. Fed. Cotrim Guimarães, j. 23/02/2021). Ressalte-se que, caso haja pedido de reconsideração ou pedido de reanálise, este não tem o condão de suspender o prazo prescricional, conforme precedentes do C. STJ (AgRg no Ag 1207097/RJ, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 18/03/2014, DJe 29/04/2014; RMS 55.580/RO, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/03/2019, DJe 27/03/2019; AgRg no Ag 1312098/MT, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 21/06/2011, DJe 18/08/2011). Cabe registrar, outrossim, que a prescrição é matéria de ordem pública e, como tal, pode ser conhecida em qualquer fase processual pelas instâncias ordinárias, inclusive de ofício. Nesse sentido: STJ, REsp 1790937/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 03/09/2019, DJe 11/10/2019; STJ, AgInt no AREsp 1106649/SP, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 27/11/2018, DJe 06/12/2018. No caso dos autos, a parte autora figurou como agente financeiro no contrato por instrumento particular de venda e compra de imóvel, celebrado em 16/05/1986, no qual constam como mutuários: Iolanda Ferreira de Lima, Marcelo Luís Ferreira de Lima e Rosane Ferreira Sola (ids 275316446 e 275316447). Após o pagamento da última parcela, houve apuração de saldo residual remanescente, razão pela qual foi requerida a quitação por meio do FCVS. Há resposta da CEF, de 30/05/2008, informando que foi concluída a análise documental e financeira do contrato habilitado ao FCVS, entretanto foi verificado que o contrato não conta com cobertura do FCVS, por haver indício de multiplicidade (id 275316449). O IPESP apresentou pedido de reanálise, com resposta da CEF indeferindo novamente o pedido, em razão da multiplicidade de financiamentos, em 13/11/2014 (id 275316450). A presente demanda foi ajuizada em 04/09/2018. Assim, tendo em vista que a negativa da CEF ocorreu em 30/05/2008 e a ação foi ajuizada apenas em 04/09/2018, operou-se, sem sombra de dúvidas, a prescrição. Pelas razões expostas, REJEITO AS PRELIMINARES arguidas e RECONHEÇO, DE OFÍCIO, a prescrição, julgando extinto o processo, com resolução do mérito, nos termos do art. 487, II, do CPC. Prejudicadas as demais questões da apelação. Nos termos do art. 85, §2º do CPC, condeno a parte-autora ao pagamento da verba honorária em favor da CEF, fixada mediante aplicação do percentual mínimo de 10% sobre o montante atribuído à causa (correspondente ao proveito econômico tratado nos autos). Custas e demais ônus processuais têm os mesmos parâmetros. É o voto.
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO. QUITAÇÃO DO SALDO RESIDUAL. COBERTURA DO FCVS. MULTIPLICIDADE DE FINANCIAMENTO. PRESCRIÇÃO.
- A questão em debate diz respeito à possibilidade de se utilizar o FCVS para quitação de mais de um contrato de financiamento imobiliário. Inicialmente, não existia previsão legal que impusesse restrição à utilização do FCVS para quitação de mais de um financiamento por mutuário, mas a limitação surgiu apenas com a promulgação da Lei nº 8.100, de 05/12/1990.
- Em se tratando de cobrança de dívida líquida constante de instrumento particular, aplica-se o prazo quinquenal, previsto no art. 206, §5º, I, do Código Civil, com termo inicial a partir da data da negativa administrativa.
- O pedido de reconsideração ou pedido de reanálise não tem o condão de suspender o prazo prescricional. Precedentes do C. STJ.
- A prescrição é matéria de ordem pública e, como tal, pode ser conhecida em qualquer fase processual pelas instâncias ordinárias, inclusive de ofício. Precedentes do C. STJ.
- Tendo em vista que a negativa da CEF ocorreu em 30/05/2008 e a ação foi ajuizada apenas em 04/09/2018, operou-se, sem sombra de dúvidas, a prescrição.
- Preliminares rejeitadas. Reconhecida, de ofício, a prescrição, nos termos do art. 487, II, do CPC. Prejudicadas as demais questões da apelação.