APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000791-74.2019.4.03.6117
RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO
APELANTE: MARCIO DONATO OREFICE
Advogado do(a) APELANTE: GISLANDIA FERREIRA DA SILVA - SP117883-A
APELADO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, FUNDACAO DOS ECONOMIARIOS FEDERAIS FUNCEF
Advogado do(a) APELADO: JUSUVENNE LUIS ZANINI - SP399243-S
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000791-74.2019.4.03.6117 RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO APELANTE: MARCIO DONATO OREFICE Advogado do(a) APELANTE: GISLANDIA FERREIRA DA SILVA - SP117883-A APELADO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, FUNDACAO DOS ECONOMIARIOS FEDERAIS FUNCEF Advogado do(a) APELADO: JUSUVENNE LUIS ZANINI - SP399243-S OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O EXMO SR. DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS FRANCISCO (Relator): Trata-se de apelação interposta por MARCIO DONATO OREFICE contra sentença que julgou improcedente os pedidos de declaração de que verbas reconhecidas em reclamação trabalhista movida contra a CAIXA integram a base de cálculo do benefício previdenciário pago pela FUNCEF, bem como a condenação da CAIXA ao recolhimento de diferenças de contribuições previdenciárias e da FUNCEF ao pagamento de diferenças no valor do benefício. Foi o autor condenado ao pagamento de honorários advocatícios fixados em 10% do valor da causa, divididos entre as rés. As razões da apelação são: necessidade de concessão do benefício de justiça gratuita; superveniência do julgamento do Tema 1.166 pelo STF, reconhecendo a competência da Justiça Trabalhista para casos como o presente; negativa de prestação jurisdicional pelo juízo a quo; inexistência de decadência do direito pleiteado; inexistência de ato jurídico perfeito em razão da existência de cláusulas abusivas no contrato de adesão firmado com a FUNCEF; responsabilidade da CEF pelo dano causado. Com contrarrazões, vieram os autos a esta E. Corte. Em 23/04/2024 o autor peticionou requerendo a suspensão do julgamento tendo em vista o ajuizamento de Conflito de Competência no e.STJ (id 289081858). É o breve relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000791-74.2019.4.03.6117 RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO APELANTE: MARCIO DONATO OREFICE Advogado do(a) APELANTE: GISLANDIA FERREIRA DA SILVA - SP117883-A APELADO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, FUNDACAO DOS ECONOMIARIOS FEDERAIS FUNCEF Advogado do(a) APELADO: JUSUVENNE LUIS ZANINI - SP399243-S OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS FRANCISCO (Relator): No que se refere ao pedido de justiça gratuita, verifica-se que há entendimento do Superior Tribunal de Justiça (AgInt no AREsp nº 1430913/SP, Quarta Turma, Rel. Min. Luís Felipe Salomão, j. 24/09/2019, DJe 30/09/2019; AgInt no AREsp nº 1311620/RS, Terceira Turma, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 10/12/2018, Dje 14/12/2018) no sentido de que o benefício da assistência judiciária não é absoluto, podendo o magistrado ordenar a comprovação do estado de hipossuficiência do declarante quando houver fundadas razões para tanto. No caso dos autos, o feito tramitou sem contar com tal benefício. Ainda que o pedido seja possível a qualquer tempo, conforme reiterada jurisprudência do STJ e, atualmente, positivado no novo CPC/2015 em seu art. 99, faz-se necessário que a parte requerente demonstre fazer jus ao benefício, com o qual até então não contava. Contudo, o apelante alega genericamente que tem altos gastos com remédios e despesas médicas, não comprovando tais alegações com quaisquer documentos. Além disso, recolheu as custas recursais, do que se presume não haver insuficiência de recursos que impeça seu acesso à prestação jurisdicional. Assim, indefiro o pedido de justiça gratuita, haja vista que a renovação do pedido, após seu indeferimento ou revogação, deve vir acompanhada de documentos que demonstrem a incorreção da decisão, por persistirem os requisitos que ensejam o deferimento do benefício, ou a situação de hipossuficiência superveniente, que demonstrem fato novo a ensejar novo deferimento. Tendo em vista que o pedido de suspensão do julgamento se fundamenta na alegação de incompetência da Justiça Federal para o processamento do feito, e que tal tese é analisada e decidida nesta oportunidade, entendo que resta prejudicado tal pleito, como se verá adiante. Versa o caso dos autos sobre reconhecimento da responsabilidade da CEF pelo recolhimento a maior de contribuição previdenciária, em razão de sentença transitada em julgado na Justiça do Trabalho, e responsabilidade da FUNCEF pela revisão e complementação do benefício previdenciário, decorrente do reconhecimento de verbas salariais, naquela mesma reclamação trabalhista, e que por consequência resultariam em maior salário de contribuição utilizado como base de cálculo do benefício. Verifico que no presente feito há cumulação de pedido de natureza trabalhista, em face da CEF, e de natureza cível, em face da FUNCEF. Passo a explanar devidamente a questão para fundamentar a presente decisão. A Constituição Federal versa sobre o regime de previdência privada em seu art. 202: Art. 202. O regime de previdência privada, de caráter complementar e organizado de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social, será facultativo, baseado na constituição de reservas que garantam o benefício contratado, e regulado por lei complementar. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998) § 1° A lei complementar de que trata este artigo assegurará ao participante de planos de benefícios de entidades de previdência privada o pleno acesso às informações relativas à gestão de seus respectivos planos. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998) § 2° As contribuições do empregador, os benefícios e as condições contratuais previstas nos estatutos, regulamentos e planos de benefícios das entidades de previdência privada não integram o contrato de trabalho dos participantes, assim como, à exceção dos benefícios concedidos, não integram a remuneração dos participantes, nos termos da lei. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998) § 3º É vedado o aporte de recursos a entidade de previdência privada pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, suas autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista e outras entidades públicas, salvo na qualidade de patrocinador, situação na qual, em hipótese alguma, sua contribuição normal poderá exceder a do segurado. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998) § 4º Lei complementar disciplinará a relação entre a União, Estados, Distrito Federal ou Municípios, inclusive suas autarquias, fundações, sociedades de economia mista e empresas controladas direta ou indiretamente, enquanto patrocinadores de planos de benefícios previdenciários, e as entidades de previdência complementar. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 103, de 2019) § 5º A lei complementar de que trata o § 4º aplicar-se-á, no que couber, às empresas privadas permissionárias ou concessionárias de prestação de serviços públicos, quando patrocinadoras de planos de benefícios em entidades de previdência complementar. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 103, de 2019) § 6º Lei complementar estabelecerá os requisitos para a designação dos membros das diretorias das entidades fechadas de previdência complementar instituídas pelos patrocinadores de que trata o § 4º e disciplinará a inserção dos participantes nos colegiados e instâncias de decisão em que seus interesses sejam objeto de discussão e deliberação. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 103, de 2019) Conforme se depreende do art. 202, §2º, da Constituição, a relação do empregado com a entidade de previdência complementar não se confunde com sua relação com seu empregador, constituindo vínculos distintos e de naturezas diferentes. Ressalte-se que o E. STF já assentou o entendimento de que o Direito Previdenciário tem autonomia em relação ao Direito do Trabalho e que, portanto, litígios que versassem sobre complementação de aposentadoria ajuizados em face de entidade de previdência privada deveriam tramitar na justiça comum, e não na justiça trabalhista, pelo que firmou a tese jurídica do Tema 190, com repercussão geral reconhecida: “Compete à Justiça comum o processamento de demandas ajuizadas contra entidades privadas de previdência com o propósito de obter complementação de aposentadoria, mantendo-se na Justiça Federal do Trabalho, até o trânsito em julgado e correspondente execução, todas as causas dessa espécie em que houver sido proferida sentença de mérito até 20/2/2013. Obs: Redação da tese aprovada nos termos do item 2 da Ata da 12ª Sessão Administrativa do STF, realizada em 09/12/2015”. Confira-se a ementa do julgado (grifei): EMENTA Recurso extraordinário – Direito Previdenciário e Processual Civil – Repercussão geral reconhecida – Competência para o processamento de ação ajuizada contra entidade de previdência privada e com o fito de obter complementação de aposentadoria – Afirmação da autonomia do Direito Previdenciário em relação ao Direito do Trabalho – Litígio de natureza eminentemente constitucional, cuja solução deve buscar trazer maior efetividade e racionalidade ao sistema – Recurso provido para afirmar a competência da Justiça comum para o processamento da demanda - Modulação dos efeitos do julgamento, para manter, na Justiça Federal do Trabalho, até final execução, todos os processos dessa espécie em que já tenha sido proferida sentença de mérito, até o dia da conclusão do julgamento do recurso (20/2/13). 1. A competência para o processamento de ações ajuizadas contra entidades privadas de previdência complementar é da Justiça comum, dada a autonomia do Direito Previdenciário em relação ao Direito do Trabalho. Inteligência do art. 202, § 2º, da Constituição Federal a excepcionar, na análise desse tipo de matéria, a norma do art. 114, inciso IX, da Magna Carta. 2. Quando, como ocorre no presente caso, o intérprete está diante de controvérsia em que há fundamentos constitucionais para se adotar mais de uma solução possível, deve ele optar por aquela que efetivamente trará maior efetividade e racionalidade ao sistema. 3. Recurso extraordinário de que se conhece e ao qual se dá provimento para firmar a competência da Justiça comum para o processamento de demandas ajuizadas contra entidades privadas de previdência buscando-se o complemento de aposentadoria. 4. Modulação dos efeitos da decisão para reconhecer a competência da Justiça Federal do Trabalho para processar e julgar, até o trânsito em julgado e a correspondente execução, todas as causas da espécie em que houver sido proferida sentença de mérito até a data da conclusão, pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, do julgamento do presente recurso (20/2/2013). 5. Reconhecimento, ainda, da inexistência de repercussão geral quanto ao alcance da prescrição de ação tendente a questionar as parcelas referentes à aludida complementação, bem como quanto à extensão de vantagem a aposentados que tenham obtido a complementação de aposentadoria por entidade de previdência privada sem que tenha havido o respectivo custeio. (RE 586453, Relator(a): ELLEN GRACIE, Relator(a) p/ Acórdão: DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 20-02-2013, REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-106 DIVULG 05-06-2013 PUBLIC 06-06-2013 EMENT VOL-02693-01 PP-00001) Tal conclusão também é alcançada quando se analisa a Lei Complementar nº 109/2001, que disciplina o Regime de Previdência Complementar. Nos termos dos arts. 32 e 34 do referido diploma, verifica-se que o papel da entidade é de administradora de patrimônio alheio: Art. 32. As entidades fechadas têm como objeto a administração e execução de planos de benefícios de natureza previdenciária. Parágrafo único. É vedada às entidades fechadas a prestação de quaisquer serviços que não estejam no âmbito de seu objeto, observado o disposto no art. 76. (...) Art. 34. As entidades fechadas podem ser qualificadas da seguinte forma, além de outras que possam ser definidas pelo órgão regulador e fiscalizador: I - de acordo com os planos que administram: a) de plano comum, quando administram plano ou conjunto de planos acessíveis ao universo de participantes; e b) com multiplano, quando administram plano ou conjunto de planos de benefícios para diversos grupos de participantes, com independência patrimonial; II - de acordo com seus patrocinadores ou instituidores: a) singulares, quando estiverem vinculadas a apenas um patrocinador ou instituidor; e b) multipatrocinadas, quando congregarem mais de um patrocinador ou instituidor. Ou seja, os vínculos que se estabelecem entre a entidade de previdência fechada e patrocinadores e participantes são de natureza civil e não subordinados aos vínculos trabalhistas que o originaram, visando à administração e à gestão compartilhada de patrimônio e execução de planos de previdência complementar. O E. STJ já reconheceu essa natureza civil e contratual do vínculo entre entidade de previdência, patrocinadora e participantes (grifei): AGRAVO INTERNO. PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR. SUPERÁVIT. FORMA DE UTILIZAÇÃO. MATÉRIA PARA DELIBERAÇÃO NO ÂMBITO INTERNO DA ENTIDADE PREVIDENCIÁRIA. PRETENSÃO DE RECEBIMENTO DA VERBA DE MODO ALHEIO À PARTICIPAÇÃO DO CONSELHO DELIBERATIVO E DO ÓRGÃO PÚBLICO FISCALIZADOR. MANIFESTA INVIABILIDADE. 1. No regime fechado de previdência privada, a entidade não opera com patrimônio próprio - sendo-lhe vedada até mesmo a obtenção de lucro -, tratando-se tão somente de administradora do fundo formado pelas contribuições da patrocinadora e dos participantes e assistidos, havendo um mutualismo, com explícita submissão ao regime de capitalização. 2. Com efeito, o artigo 34, I, da Lei Complementar n. 109/2001 deixa límpido que as entidades fechadas de previdência privada apenas administram os planos, havendo gestão compartilhada entre representantes dos participantes e assistidos - eleitos por seus pares -, e dos patrocinadores nos conselhos deliberativo (órgão máximo da estrutura organizacional, a quem incumbe, dentre outras atribuições relevantes, definir a alteração de estatuto e regulamentos dos planos de benefícios, nomeação e exoneração dos membros da diretoria-executiva, contratação de auditor independente atuário, avaliador de gestão) e fiscal (órgão de controle interno). 3. "Como a entidade de previdência fechada é apenas administradora do fundo formado pelas contribuições da patrocinadora e dos participantes e assistidos - que participam da gestão do plano -, os desequilíbrios atuariais verificados no transcurso da relação contratual, isto é, a não confirmação da premissa atuarial decorrente de fatores diversos - até mesmo exógenos, como a variação da taxa de juros que remunera seus investimentos -, os superavit e deficit verificados, repercutem para o conjunto de participantes e beneficiários". (REsp 1384432/SE, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 05/03/2015, DJe 26/03/2015) 4. Com efeito, é improcedente a pretensão, exposta na exordial, de que a alteração do Regulamento teria de ocorrer, necessariamente, para que seja revertida verba em forma pecúnia, ou para beneficiar apenas os assistidos - que já gozam de situação privilegiada com relação aos participantes que, por expressa disposição do art. 21, § 1º, da Lei Complementar 109/2001 poderão, em caso de desequilíbrio atuarial, inclusive ver reduzido o benefício (a conceder). 5. A Segunda Seção, por ocasião do julgamento do recurso repetitivo, REsp 1.564.070/MG, pontuou que o superávit pode ser utilizado das mais diversas formas que acaso delibere o Conselho Deliberativo da entidade previdenciária. Dessarte, evidentemente, não cabe ao assistido definir unilateralmente como será feita a revisão do plano de benefícios - ademais, suprimindo a atribuição da Previc, que deverá previamente anuir com a eventual alteração que implique na reversão de verba aos participantes, assistidos e ao patrocinador, consoante disciplinado no art. 26 da Resolução n. 30 do Conselho Nacional de Previdência Complementar, de 10 de outubro de 2018. 6. Agravo interno não provido. (AgInt na TutPrv no REsp 1742683/DF, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 12/03/2019, DJe 19/03/2019) Ou seja, a menos que haja pedido que dependa do reconhecimento de direito de cunho trabalhista, a demanda dirigida à entidade de previdência complementar tem natureza eminentemente civil; e, no mesmo sentido, ainda que a patrocinadora integre o polo passivo, deve ser analisado se o que se pleiteia em face dela versa de fato sobre direitos oriundos do contrato de trabalho mantido com o participante, ou se versa sobre responsabilidades advindas de seu vínculo direto com a entidade previdenciária. Esta é conclusão corroborada no julgamento do RE 1265564, que também teve repercussão geral reconhecida e no qual se firmou a tese jurídica de Tema 1166: “Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar causas ajuizadas contra o empregador nas quais se pretenda o reconhecimento de verbas de natureza trabalhista e os reflexos nas respectivas contribuições para a entidade de previdência privada a ele vinculada”. Extraio do referido julgado os seguintes trechos, esclarecedores sobre a diferença dos objetos entre este recurso extraordinário e aquele que ensejou o Tema 190 (grifei): “Releva notar que o Plenário desta Suprema Corte, no julgamento do RE 586.453, Redator para o acórdão Min. Dias Tofolli, Tema 190 da Repercussão Geral, DJe de 6/6/2013, assentou que compete à Justiça Comum julgar as causas ajuizadas contra as entidades de previdência privada relativas à complementação de aposentadoria. Colaciono a ementa do julgado: (...) Nada obstante, o caso sub examine cuida de hipótese diversa daquela tratada no Tema 190 da Repercussão Geral. É que aqui a reclamante formula pedido de condenação da empresa empregadora ao recolhimento das respectivas contribuições à entidade de previdência privada como consectário da incidência sobre as verbas trabalhistas pleiteadas na presente ação, e não complementação de aposentadoria. Assim, a ratio decidendi do referido leading case não é aplicável ao presente caso”. Ocorre que muitas vezes – como no presente caso – a exordial acumula o pedido de natureza trabalhista com o pedido de natureza cível. É dizer, as regras firmadas pelo STF nos julgamentos dos Temas 190 e 1.166 não se ajustam perfeitamente para definição da competência. O STJ, analisando conflito de competência sobre processo que cumulava pedidos de naturezas trabalhista e civil, traçou distinção em relação aos casos julgados pelo E. STF, para afirmar que, nessas situações, cada pedido deve ser analisado pela Justiça respectiva e competente para tanto (grifei): CONFLITO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO PROPOSTA CONTRA A CEF E A FUNCEF. PEDIDO QUE NÃO SE RESTRINGE À ANÁLISE DAS REGRAS DA PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR. COMPETÊNCIA, INICIALMENTE, DA JUSTIÇA DO TRABALHO. JUÍZO DE RETRATAÇÃO. ART. 1.030, II, DO CPC/2015. HIPÓTESE DIVERSA DO RE N. 586.453/SE, JULGADO PELO STF SOB O REGIME DE REPERCUSSÃO GERAL. RESULTADO DO JULGAMENTO MANTIDO. 1. A causa de pedir da contenda tem origem na exclusão da parcela denominada CTVA do salário de contribuição do autor, fato que terá repercussão financeira em sua aposentadoria futura, cuja solução, contudo, não se restringe à interpretação das regras da previdência complementar. 2. Considerando que a matéria em discussão é afeta à relação de emprego estabelecida com a Caixa Econômica Federal, ainda que haja reflexos no valor dos benefícios de responsabilidade da entidade de previdência privada, a FUNCEF, aplica-se ao caso, com as devidas adaptações, o comando da Súmula 170/STJ: "Compete ao juízo onde primeiro for intentada a ação envolvendo acumulação de pedidos, trabalhista e estatutário, decidi-la nos limites da sua jurisdição, sem prejuízo de nova causa, com pedido remanescente, no juízo próprio". Precedentes da Segunda Seção. 3. Hipótese que não se enquadra no entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE n. 586.453/SE, sob o regime de repercussão geral, no qual foi reconhecida a competência da Justiça comum para o processamento, em regra, de demandas ajuizadas contra entidades privadas de previdência nas quais se busca o complemento de aposentadoria. 4. Resultado do julgamento mantido. (CC 158.327/MG, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 11/03/2020, DJe 13/03/2020) É entendimento que vem se repetindo naquela Corte (grifei): AGRAVO INTERNO NO CONFLITO DE COMPETÊNCIA. COMPLEMENTO TEMPORÁRIO VARIÁVEL DE AJUSTE (CTVA) NO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. INCORPORAÇÃO. CEF E FUNCEF. PEDIDOS. CUMULAÇÃO INDEVIDA. 1. Causa de pedir e pedido que não se limitam exclusivamente às questões previdenciárias, dependendo de discussão preliminar de matéria atinente à relação de trabalho. 2. Compete à Justiça do Trabalho, dentro dos seus limites, a apreciação e o julgamento da controvérsia, nada impedindo o ajuizamento, se for o caso, de ação própria futura perante a justiça comum exclusivamente contra a entidade de previdência privada. Precedentes. 3. Distinguishing que afasta a aplicação cega do Tema nº 190/STF de repercussão geral. 4. Agravo interno não provido. (AgInt no CC n. 188.476/CE, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Segunda Seção, julgado em 3/10/2023, DJe de 6/10/2023.) AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL - AÇÃO CONDENATÓRIA - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE, DE OFÍCIO, RECONHECEU A INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA DA JUSTIÇA COMUM. INSURGÊNCIA DA DEMANDADA. 1. Demanda originária ajuizada em face da CEF e FUNCEF, buscando o reconhecimento da natureza salarial da verba CTVA, com a recomposição da reserva matemática e revisão do benefício de previdência complementar. 1.1. Nos termos da jurisprudência deste STJ, a causa apresenta cumulação de pretensões de naturezas distintas, havendo a necessidade de prévio julgamento da controvérsia trabalhista. 1.2. Distinção da hipótese sub judice em relação ao entendimento firmado pela Suprema Corte, em repercussão geral (Tema 190 - RE 586.453-SE e 583.050-RS). 1.3. Aplicação da tese firmada pelo STF no sentido de que "compete à Justiça do Trabalho processar e julgar causas ajuizadas contra o empregador nas quais se pretenda o reconhecimento de verbas de natureza trabalhista e os reflexos nas respectivas contribuições para a entidade de previdência privada a ele vinculada" (Tema 1.166 - RE 1.265.564-SC). 2. Agravo interno desprovido. (AgInt no AREsp n. 1.953.630/DF, relator Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, julgado em 22/8/2022, DJe de 26/8/2022.) Portanto, o que se tem é que deve ser analisada a natureza dos pedidos feitos e, havendo pedido que dependa do reconhecimento de direito trabalhista, não deve a justiça trabalhista ser alheada dessa tarefa. Ao contrário, deve ser primeiro por ela decidido tal pleito, para então a justiça comum julgar o pedido que se volta contra a entidade de previdência privada – que, como demonstrado, tem natureza civil desvinculada da relação de trabalho subjacente. No caso dos autos, a FUNCEF é uma entidade fechada de previdência que tem como patrocinadora a CEF e como participantes os empregados da CEF. Alega o autor, empregado da CEF, que o salário de contribuição utilizado para cálculo do benefício a que tem direito junto à FUNCEF não considerou valores de verbas trabalhistas reconhecidas judicialmente, bem como a CEF deixou de recolher contribuição previdenciária referente a essas diferenças. Somado a isso, há também o fato de que o autor migrou do plano REG/REPLAN para o plano REG/REPLAN SALDADO. Bem se verifica que o caso dos autos se ajusta à questão enfrentada pelo STJ em conflitos de competência que tinham como fundamento a cumulação de pedidos que atraía diferentes competências para julgamento. Ou seja, o pedido feito em face da CEF se amolda à tese do Tema 1.166 do STF (“Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar causas ajuizadas contra o empregador nas quais se pretenda o reconhecimento de verbas de natureza trabalhista e os reflexos nas respectivas contribuições para a entidade de previdência privada a ele vinculada”) e o pedido feito em face da FUNCEF, à tese do Tema 190 (“Compete à Justiça comum o processamento de demandas ajuizadas contra entidades privadas de previdência com o propósito de obter complementação de aposentadoria, mantendo-se na Justiça Federal do Trabalho, até o trânsito em julgado e correspondente execução, todas as causas dessa espécie em que houver sido proferida sentença de mérito até 20/2/2013. Obs: Redação da tese aprovada nos termos do item 2 da Ata da 12ª Sessão Administrativa do STF, realizada em 09/12/2015”). Observo, de outro lado, que o pedido feito em face da CEF é antecedente ao feito em face da FUNCEF. Embora haja o reconhecimento de verbas trabalhistas devidas ao autor em reclamação trabalhista transitada em julgado, elas não foram consideradas como parte da remuneração tanto para efeito de recolhimento de contribuições previdenciárias. A resolução dessa controvérsia é ponto de partida para análise do pedido de recálculo do valor do benefício previdenciário, haja vista que não apenas a consideração de salário de contribuição maior ensejaria essa alteração, mas também o devido pagamento das contribuições sem as quais não se faz jus a ele. Dessa forma, seguindo a orientação jurisprudencial das cortes extremas, necessário reconhecer a competência da Justiça do Trabalho para apreciação do pedido em face da CEF, e a falta de interesse de agir com relação ao pedido feito em face da FUNCEF. Prejudicados os demais argumentos de mérito alegados na apelação, bem como o pedido de suspensão do julgamento feito sob id 289081858. Diante do exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO à apelação para anular a sentença, extinguir o feito sem resolução de mérito em face da FUNCEF, e determinar a remessa dos autos à Justiça do Trabalho para julgamento do pedido feito em face da CEF. Desconstituo a condenação em honorários em favor da CEF, tendo em vista a remessa dos autos para a Justiça do Trabalho para prosseguimento do feito. Nos termos do art. 85 do CPC, condeno a parte autora ao pagamento da verba honorária em favor da FUNCEF, fixada mediante aplicação de 10% sobre o montante atribuído à causa (correspondente ao proveito econômico tratado nos autos). Custas e demais ônus processuais têm os mesmos parâmetros. É como voto.
E M E N T A
APELAÇÃO. EMPREGADO PÚBLICO. PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR. CAIXA E FUNCEF. PEDIDOS CUMULADOS. NATUREZAS DISTINTAS. COMPLEMENTAÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. PEDIDO DECORRENTE DE VÍNCULO EMPREGATÍCIO. COMPLEMENTAÇÃO DE BENEFÍCIO DE PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR. PEDIDO DE NATUREZA CÍVEL. TEMAS 190 E 1.166 DO STF. PARCIAL ADEQUAÇÃO.
- Conforme se depreende do art. 202, §2º, da Constituição, a relação do empregado com a entidade de previdência complementar não se confunde com sua relação com seu empregador, constituindo vínculos distintos e de naturezas diferentes.
- No Tema 190/STF, firmou-se a competência da Justiça Comum para julgamento de lides que versem sobre a complementação de benefício previdenciário. Já no Tema 1.166/STF, restou assentada a competência da Justiça do Trabalho para lides ajuizadas contra o empregador nas quais se pretenda o reconhecimento de verbas de natureza trabalhista e os reflexos nas respectivas contribuições para a entidade de previdência privada a ele vinculada.
- O STJ, analisando conflito de competência sobre processo que cumulava pedidos de naturezas trabalhista e civil, traçou distinção em relação aos casos julgados pelo STF, para afirmar que, nessas situações, cada pedido deve ser analisado pela Justiça respectiva e competente para tanto.
- No caso dos autos, a FUNCEF é uma entidade fechada de previdência que tem como patrocinadora a CEF e como participantes os empregados da CEF. Alega o autor, empregado da CEF, que o salário de contribuição utilizado para cálculo do benefício a que tem direito junto à FUNCEF não considerou valores de verbas trabalhistas reconhecidas judicialmente, bem como a CEF deixou de recolher contribuição previdenciária referente a essas diferenças. Somado a isso, há também o fato de que o autor migrou do plano REG/REPLAN para o plano REG/REPLAN SALDADO.
- Seguindo a orientação jurisprudencial das cortes extremas, necessário reconhecer a competência da Justiça do Trabalho para apreciação do pedido em face da CEF, e a falta de interesse de agir com relação ao pedido feito em face da FUNCEF.
- Apelação parcialmente provida.