HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Nº 5006110-65.2024.4.03.0000
RELATOR: Gab. 44 - DES. FED. HELIO NOGUEIRA
PACIENTE: RAUL SANTOS DE FREITAS
IMPETRANTE: LARISSA OLIVEIRA DA ROCHA
Advogado do(a) PACIENTE: LARISSA OLIVEIRA DA ROCHA - SP420122
IMPETRADO: DELEGADO GERAL DA POLICIA CIVIL DO ESTADO DE SAO PAULO, POLÍCIA FEDERAL - SR/PF/SP, POLICIA MILITAR DO ESTADO DE SAO PAULO, SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SÃO PAULO/SP - 5ª VARA FEDERAL CRIMINAL
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HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Nº 5006110-65.2024.4.03.0000 RELATOR: Gab. 44 - DES. FED. HELIO NOGUEIRA PACIENTE: RAUL SANTOS DE FREITAS Advogado do(a) PACIENTE: LARISSA OLIVEIRA DA ROCHA - SP420122 IMPETRADO: DELEGADO GERAL DA POLICIA CIVIL DO ESTADO DE SAO PAULO, POLÍCIA FEDERAL - SR/PF/SP, POLICIA MILITAR DO ESTADO DE SAO PAULO, SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SÃO PAULO/SP - 5ª VARA FEDERAL CRIMINAL R E L A T Ó R I O O Exmo. Desembargador Federal HELIO NOGUEIRA (Relator): Trata-se de Habeas Corpus preventivo impetrado por Larissa Rocha em favor de RAUL SANTOS DE FREITAS, apontando como autoridade coatora o Juízo da 5ª Vara Federal Criminal da Subseção Judiciária de São Paulo, que denegou a ordem de habeas corpus (autos nº 5001370-48.2024.4.03.6181), “sob o fundamento da ausência de prova pré constituida sobre a eficácia do tratamento de óleo rico em CBD e THC contra a efermidade de que padece o paciente”. Narra a impetrante que “o paciente possui ocupação licita haja vista ser engenheiro civil conforme consta em documento nº 03 anexo e apresenta quadro compativel como CID10: F41.1 transtorno de ansiedade generalizada”. “A referida efermidade causa sintomas fisicos e mentais colecionados a seguir: nervosismo persistente, tremores, tensão muscular, transpiração, sensação de vazio na cabeça, palpitações, tonturas e desconforto epigástrico”. Afirma que “conforme o próprio laudo médico descreve foi ignorada a possibilidade de tratamento com farmacoterapia alopática, uma vez que essa espécie terapeutica abre a possibiidade para diveros efeitos colaterais, ao contrário do que se verifica com o tratamento a base de cannabis sativa”. Alega “embora não seja necessário para concessão da ordem buscada resta esclarecer que a eficácia do tratamento de óleo rico em CBD e THC face a ansiedade generaliada já foi devidamente comprovada em estudo cientifico realizado pela USP conforme deflagra-se do documento nº 05 anexo”. Relata que “o paciente concluiu dois cursos sobre cultivo da planta Cannabis Sativa e extração do óleo (doc.06 nº anexo) e sendo assim é notável que possui competencia tecnica para o cultivo e extração do óleo conforme prescreve seu médico de confiança”. Aduz que “o juízo a quo agiu com excesso de poder, isto porque, embora competente para conhecer sobre o Habeas Corpus, excede os limites de sua competência ao submeter a concessão da ordem buscada a demonstração da eficacia do tratamento quando há prescrição médica para tanto aliada a comprovação técnica do paciente para o cultivo e extração de óleo”. Postula “seja concedida a ordem liminar em Habeas Corpus autorizando o plantio do paciente com destinação exclusivamente madicinal”. Ao final, a confirmação da liminar. Em apreciação do pedido de liminar, indeferi-o, consignando “carecendo a comprovação da quantidade de sementes a serem importadas e plantadas e a quantidade de plantas ao ano, não vislumbro a demonstração dos requisitos para a concessão da liminar” (ID 286660720). A autoridade impetrada prestou as informações solicitadas (ID 286921486). O Ministério Público Federal, em parecer, manifestou-se pela denegação da ordem. Pugnou pela retificação da “autuação do feito no PJe, a fim de que conste como Impetrado apenas o Juízo da 5.ª Vara Federal Criminal de São Paulo/SP” (ID 287075171). Dispensada a revisão, nos termos regimentais. É o relatório.
IMPETRANTE: LARISSA OLIVEIRA DA ROCHA
HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Nº 5006110-65.2024.4.03.0000 RELATOR: Gab. 44 - DES. FED. HELIO NOGUEIRA PACIENTE: RAUL SANTOS DE FREITAS Advogado do(a) PACIENTE: LARISSA OLIVEIRA DA ROCHA - SP420122 IMPETRADO: DELEGADO GERAL DA POLICIA CIVIL DO ESTADO DE SAO PAULO, POLÍCIA FEDERAL - SR/PF/SP, POLICIA MILITAR DO ESTADO DE SAO PAULO, SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SÃO PAULO/SP - 5ª VARA FEDERAL CRIMINAL V O T O O Exmo. Desembargador Federal HELIO NOGUEIRA (Relator): Preliminarmente, quanto ao pedido ministerial de retificação da autoridade coatora, verifico a necessidade de manutenção de todas as autoridades indicadas, considerando-se que em caso de concessão da ordem as autoridades policiais deverão observar o comando judicial, a fim de obstar qualquer ato de repressão criminal dirigido ao paciente, no concernente à produção caseira da cannabis sativa e extração de medicamento. Passo ao exame da impetração. No caso, a parte impetrante sustenta a demonstração dos requisitos para permitir ao paciente o cultivo da planta de cannabis para fins de extração de medicamento para uso pessoal. O Superior Tribunal de Justiça sedimentou entendimento acerca da pertinência da ação de habeas corpus para enfrentar a falta de regulamentação estatal para a produção pessoal de derivados de cannabis com fins medicinais para uso próprio. Nesse sentido: RECURSO ESPECIAL. CULTIVO DOMÉSTICO DA PLANTA CANNABIS SATIVA PARA FINS MEDICINAIS. HABEAS CORPUS PREVENTIVO. RISCO PERMANENTE DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. SALVO-CONDUTO. POSSIBILIDADE. REVOLVIMENTO DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. DESNECESSIDADE. ANVISA. AUSÊNCIA DE REGULAMENTAÇÃO ESPECÍFICA. ATIPICIDADE PENAL DA CONDUTA. PRINCÍPIO DA LESIVIDADE. RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO. 1. O art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006 apresenta-se como norma penal em branco, porque define o crime de tráfico a partir da prática de dezoito condutas relacionadas a drogas - importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer -, sem, no entanto, trazer a definição do elemento do tipo "drogas". 2. A definição do que sejam "drogas", capazes de caracterizar os delitos previstos na Lei n. 11.343/2006, advém da Portaria n. 344/1998, da Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde. A Cannabis sativa integra a "Lista E" da referida portaria, que, em última análise, a descreve como planta que pode originar substâncias entorpecentes e/ou psicotrópicas. 3. Uma vez que é possível, ao menos em tese, que os pacientes (ora recorridos) tenham suas condutas enquadradas no art. 33, § 1º, da Lei n. 11.343/2006, punível com pena privativa de liberdade, é indiscutível o cabimento de habeas corpus para os fins por eles almejados: concessão de salvo-conduto para o plantio e o transporte de Cannabis sativa, da qual se pode extrair a substância necessária para a produção artesanal dos medicamentos prescritos para fins de tratamento de saúde. 4. Também há o risco, pelo menos hipotético, de que as autoridades policiais tentem qualificar a pretendida importação de sementes de Cannabis no tipo penal de contrabando (art. 334-A do CP), circunstância que reforça a possibilidade de que os recorridos se socorram do habeas corpus para o fim pretendido, notadamente porque receberam intimação da Polícia Federal para serem ouvidos em autos de inquérito policial. Ações pelo rito ordinário e outros instrumentos de natureza cível podem até tratar dos desdobramentos administrativos da questão trazida a debate, mas isso não exclui o cabimento do habeas corpus para impedir ou cessar eventual constrangimento à liberdade dos interessados. 5. Efetivamente, é adequada a via eleita pelos recorridos - habeas corpus preventivo - haja vista que há risco, ainda que mediato, à liberdade de locomoção deles, tanto que o Juiz de primeiro grau determinou a apuração dos fatos narrados na inicial do habeas corpus pela Polícia Federal, o que acabou sendo expressamente revogado pelo Tribunal a quo, ao conceder a ordem do habeas corpus lá impetrado. 6. A análise da questão trazida a debate pela defesa não demanda dilação probatória, consistente na realização de perícia médica a fim de averiguar se os pacientes realmente necessitam de tratamento médico com canabidiol. A necessidade de dilação probatória - circunstância, de fato, vedada na via mandamental - foi afastada no caso concreto, tendo em vista que os recorridos apresentaram provas pré-constituídas de suas alegações, provas essas consideradas suficientes para a concessão do writ pelo Tribunal de origem, dentre as quais a de que os pacientes estavam autorizados anteriormente pela Anvisa a importar, com objetivo terapêutico, medicamento com base em extrato de canabidiol, para tratamento de enfermidades também comprovadas por laudos médicos, devidamente acostados aos autos. 7. Se para pleitear aos entes públicos o fornecimento e o custeio de medicamento por meio de ação cível, o pedido pode ser amparado em laudo do médico particular que assiste a parte (STJ, EDcl no REsp n. 1.657.156/RJ, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, 1ª S., DJe 21/9/2018), não há razão para se fazer exigência mais rigorosa na situação dos autos, em que a pretensão da defesa não implica nenhum gasto financeiro ao erário. 8. Há, na hipótese, vasta documentação médica atestando a necessidade de o tratamento médico dos pacientes ser feito com medicamentos à base de canabidiol, inclusive com relato de expressivas melhoras na condição de saúde deles e esclarecimento de que diversas vias tradicionais de tratamento foram tentadas, mas sem sucesso, circunstância que reforça ser desnecessária a realização de dilação probatória com perícia médica oficial. 9. Não há falar que a defesa pretende, mediante o habeas corpus, tolher o poder de polícia das autoridades administrativas. Primeiro, porque a própria Anvisa, por meio de seu diretor, afirmou que a regulação e a autorização do cultivo doméstico de plantas, quaisquer que sejam elas, não fazem parte do seu escopo de atuação. Segundo, porque não se objetiva nesta demanda obstar a atuação das autoridades administrativas, tampouco substituí-las em seu mister, mas, apenas, evitar que os pacientes/recorridos sejam alvo de atos de investigação criminal pelos órgãos de persecução penal. 10. Embora a legislação brasileira possibilite, há mais de 40 anos, a permissão, pelas autoridades competentes, de plantio, cultura e colheita de Cannabis exclusivamente para fins medicinais ou científicos (art. 2º, parágrafo único, da Lei n. 11.343/2006; art. 2º, § 2º, da Lei n. 6.368/1976), fato é que até hoje a matéria não tem regulamentação ou norma específica, o que bem evidencia o descaso, ou mesmo o desprezo - quiçá por razões morais ou políticas - com a situação de uma número incalculável de pessoas que poderiam se beneficiar com tal regulamentação. 11. Em 2019, a Diretoria Colegiada da Anvisa, ao julgar o Processo n. 25351.421833/2017-76 - que teve como objetivo dispor sobre os requisitos técnicos e administrativos para o cultivo da planta Cannabis exclusivamente para fins medicinais ou científicos -, decidiu pelo arquivamento da proposta de resolução. Ficou claro, portanto, que o posicionamento da Diretoria Colegiada da Anvisa, à época, era o de que a autorização para cultivo de plantas que possam originar substâncias sujeitas a controle especial, entre elas a Cannabis sativa, é da competência do Ministério da Saúde, e que, para atuação da Anvisa, deveria haver uma delegação ou qualquer outra tratativa oficial, de modo a atribuir a essa agência reguladora a responsabilidade e a autonomia para definir, sozinha, o modelo regulatório, a autorização, a fiscalização e o controle dessa atividade de cultivo. 12. O Ministério da Saúde, por sua vez, a quem a Anvisa afirmou competir regular o cultivo doméstico de Cannabis, indicou que não pretende fazê-lo, conforme se extrai de Nota Técnica n. 1/2019-DATDOF/CGGM/GM/MS, datada de 19/8/2019, em resposta à Consulta Dirigida sobre as propostas de regulamentação do uso medicinal e científico da planta Cannabis, assinada pelo ministro responsável pela pasta. O quadro, portanto, é de intencional omissão do Poder Público em regulamentar a matéria. 13. Havendo prescrição médica para o uso do canabidiol, a ausência de segurança, de qualidade, de eficácia ou de equivalência técnica e terapêutica da substância preparada de forma artesanal - como se objeta em desfavor da pretendida concessão do writ - torna-se um risco assumido pelos próprios pacientes, dentro da autonomia de cada um deles para escolher o tratamento de saúde que lhes corresponda às expectativas de uma vida melhor e mais digna, o que afasta, portanto, a abordagem criminal da questão. São nesse sentido, aliás, as disposições contidas no art. 17 da RDC n. 335/2020 e no art. 18 da RDC n. 660/2022 da Anvisa, ambas responsáveis por definir "os critérios e os procedimentos para a importação de Produto derivado de Cannabis, por pessoa física, para uso próprio, mediante prescrição de profissional legalmente habilitado, para tratamento de saúde". 14. Em 2017, com o advento da Resolução n. 156 da Diretoria Colegiada da Anvisa, a Cannabis Sativa foi incluída na Lista de Denominações Comuns Brasileiras - DCB como planta medicinal, marco importante em território nacional quanto ao reconhecimento da sua comprovada capacidade terapêutica. Em dezembro de 2020, o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes - UNODC acolheu recomendações feitas pela Organização Mundial de Saúde sobre a reclassificação da Cannabis e decidiu pela retirada da planta e da sua resina do Anexo IV da Convenção Única de 1961 sobre Drogas Narcóticas, que lista as drogas consideradas como as mais perigosas, e a reinseriu na Lista 1, que inclui outros entorpecentes como a morfina - para a qual a OMS também recomenda controle -, mas admite que a substância tem menor potencial danoso. 15. Tanto o tipo penal do art. 28 quanto o do art. 33 se preocupam com a tutela da saúde, mas enquanto o § 1º do art. 28 trata do plantio para consumo pessoal ("Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica"), o § 1º, II, do art. 33 trata do plantio destinado à produção de drogas para entrega a terceiros. 16. A conduta para a qual os recorridos pleitearam e obtiveram salvo-conduto no Tribunal de origem não é penalmente típica, seja por não estar imbuída do necessário dolo de preparar substâncias entorpecentes com as plantas cultivadas (nem para consumo pessoal nem para entrega a terceiros), seja por não vulnerar, sequer de forma potencial, o bem jurídico tutelado pelas normas incriminadoras da Lei de Drogas (saúde pública). 17. O que pretendem os recorridos com o plantio da Cannabis não é a extração de droga (maconha) com o fim de entorpecimento - potencialmente causador de dependência - próprio ou alheio, mas, tão somente, a extração das substâncias com reconhecidas propriedades medicinais contidas na planta. Não há, portanto, vontade livre e consciente de praticar o fim previsto na norma penal, qual seja, a extração de droga, para entorpecimento pessoal ou de terceiros. 18. Outrossim, a hipótese dos autos também não se reveste de tipicidade penal - aqui em sua concepção material -, porque a conduta dos recorridos, ao invés de atentar contra o bem jurídico saúde pública, na verdade intenciona promovê-lo - e tem aptidão concreta para isso - a partir da extração de produtos medicamentosos; isto é, a ação praticada não representa nenhuma lesividade, nem mesmo potencial (perigo abstrato), ao bem jurídico pretensamente tutelado pelas normas penais contidas na Lei n. 11.343/2006. 19. Se o Direito Penal é um mal necessário - não apenas instrumento de prevenção dos delitos, mas também técnica de minimização da violência e do arbítrio na resposta ao delito -, sua intervenção somente se legitima "nos casos em que seja imprescindível para cumprir os fins de proteção social mediante a prevenção de fatos lesivos" (SILVA SANCHEZ, Jesus Maria. Aproximación al derecho penal contemporâneo. Barcelona: Bosch, 1992, p. 247, tradução livre). 20. O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada pela própria Constituição Federal à generalidade das pessoas (Art. 196. "A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação"). 21. No caso, uma vez que o uso pleiteado do óleo da Cannabis Sativa, mediante fabrico artesanal, se dará para fins exclusivamente terapêuticos, com base em receituário e laudo subscrito por profissional médico especializado, chancelado pela Anvisa na oportunidade em que autorizou os pacientes a importarem o medicamento feito à base de canabidiol - a revelar que reconheceu a necessidade que têm no seu uso -, não há dúvidas de que deve ser obstada a iminente repressão criminal sobre a conduta praticada pelos pacientes/recorridos. 22. Se o Direito Penal, por meio da "guerra às drogas", não mostrou, ao longo de décadas, quase nenhuma aptidão para resolver o problema relacionado ao uso abusivo de substâncias entorpecentes - e, com isso, cumprir a finalidade de tutela da saúde pública a que em tese se presta -, pelo menos que ele não atue como empecilho para a prática de condutas efetivamente capazes de promover esse bem jurídico fundamental à garantia de uma vida humana digna, como pretendem os recorridos com o plantio da Cannabis sativa para fins exclusivamente medicinais. 23. Recurso especial do Ministério Público não provido, confirmando-se o salvo-conduto já expedido em favor dos ora recorridos. (REsp n. 1.972.092/SP, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 14/6/2022, DJe de 30/6/2022) Esse entendimento foi reafirmado mais recentemente pela Quinta Turma do C. STJ no HC 779.289, rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 22/11/2022, DJe de 28/11/2022. Portanto, há pertinência da impetração do habeas corpus na presente hipótese. Superado este ponto, cumpre aferir o cabimento da presente impetração como substitutivo de recurso adequado. No caso, denegada a ordem de habeas corpus de origem, a decisão é impugnável por recurso em sentido estrito, nos termos do art. 581, inc. X, do CPP. Nessas situações a jurisprudência tem se posicionado no sentido de não ser admissível o habeas corpus como substitutivo do recurso pertinente. Contudo, excepciona-se a situação quando a decisão impugnada no habeas corpus substitutivo configurar constrangimento ilegal ao paciente. Nesse sentido: (...) 1. Esta Corte - HC 535.063/SP, Terceira Seção, Rel. Ministro Sebastião Reis Junior, julgado em 10/6/2020 - e o Supremo Tribunal Federal - AgRg no HC 180.365, Primeira Turma, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 27/3/2020; AgR no HC 147.210, Segunda Turma, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 30/10/2018 -, pacificaram orientação no sentido de que não cabe habeas corpus substitutivo do recurso legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado.(...) (destaquei) (AgRg no HC n. 791.815/SC, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 8/5/2023, DJe de 12/5/2023.) Na hipótese, o juízo impetrado ao denegar liminarmente a ação de habeas corpus ao fundamento de que “o pedido baseia-se em laudos e atestados médicos que prescrevem tratamento com extrato de cannabis medicinal rico em THC e CBD, não trazendo efetiva análise do produto fabricado de forma doméstica, sem controle sanitário e diferente dos produtos farmacológicos de eficácia reconhecida pela ANVISA, entendo que não houve prova suficiente da pretensão medicinal, devendo prevalecer a vedação legal sob as condutas típicas de importação, cultivo, posse e guarda da planta Cannabis sativa” e “na falta de justificativa para a impetração, em razão da ausência da prova de que pela parte paciente houve o pedido de fornecimento gratuito do produto terapêutico por meio da via legal administrativa, ou que houve o indeferimento de tal pedido”, afrontou o entendimento que se firmou no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, conforme anteriormente registrado na presente decisão. Nesse contexto, a denegação liminar do habeas corpus em primeiro grau de jurisdição, nos termos em que proferido, implica em constrangimento ilegal ao paciente. Consequentemente, caracterizado o constrangimento ilegal na hipótese, deve ser o presente habeas corpus conhecido, por estar demonstrada a situação excepcional para sua admissibilidade. Passo seguinte, aprecio o mérito. A parte impetrante sustenta a demonstração dos requisitos para permitir ao paciente o cultivo da planta de cannabis para fins de extração de medicamento para uso pessoal. Contudo, da documentação trazida não vislumbro a comprovação da quantidade de sementes a serem importadas e plantadas e da quantidade de plantas a serem cultivadas no ano. A petição inicial sequer deduz a necessidade de aquisição de sementes ao ano e tampouco indica qual a quantidade de plantas seria necessária para o cultivo ao ano, a fim de extrair o óleo caseiro a ser utilizado no tratamento médico do paciente. Com efeito, não há documento que corrobore o pedido de cultivo da planta cannabis sativa no seu viés quantitativo e qualitativo, de modo que não se extrai dos autos a imprescindível prova pré-constituída. Relevante registrar que o habeas corpus não se presta para mera discussão de tese. Há que se carrear prova dos elementos suscitados na pretensão. Nesses termos, carecendo a comprovação da quantidade de sementes a serem importadas e plantadas e a quantidade de plantas ao ano, resta não demonstrados os requisitos para a concessão da ordem. Diante do exposto, conheço do presente habeas corpus e, denego a ordem. É o voto.
IMPETRANTE: LARISSA OLIVEIRA DA ROCHA
E M E N T A
HABEAS CORPUS. PEDIDO DE SALVO CONDUTO PARA A IMPORTAÇÃO DE SEMENTES DE CANNABIS SATIVA, CULTIVO DA PLANTA E PRODUÇÃO ARTESANAL COM FINS EXCLUSIVAMENTE TERAPÊUTICOS. ADEQUADA A IMPETRAÇÃO PARA ENFRENTAR A FALTA DE REGULAMENTAÇÃO ESTATAL PARA A PRODUÇÃO PESSOAL DE DERIVADOS DE CANNABIS COM FINS MEDICINAIS PARA USO PRÓPRIO. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DO DIREITO ALEGADO COM PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA. HABEAS CORPUS CONHECIDO. ORDEM DENEGADA.
1. Habeas Corpus preventivo impetrado por Larissa Rocha em favor de RAUL SANTOS DE FREITAS, apontando como autoridade coatora o Juízo da 5ª Vara Federal Criminal da Subseção Judiciária de São Paulo, que denegou a ordem de habeas corpus (autos nº 5001370-48.2024.4.03.6181), “sob o fundamento da ausência de prova pré constituida sobre a eficácia do tratamento de óleo rico em CBD e THC contra a efermidade de que padece o paciente”.
2. Pedido para que “seja concedida a ordem liminar em Habeas Corpus autorizando o plantio do paciente com destinação exclusivamente madicinal”.
3. O Superior Tribunal de Justiça sedimentou entendimento acerca da pertinência da ação de habeas corpus para enfrentar a falta de regulamentação estatal para a produção pessoal de derivados de cannabis com fins medicinais para uso próprio.
4. A jurisprudência tem se posicionado no sentido de não ser admissível o habeas corpus como substitutivo do recurso pertinente. Excepciona-se a situação quando a decisão impugnada no habeas corpus substitutivo configurar constrangimento ilegal ao paciente.
5. Da documentação trazida não se vislumbra a comprovação da quantidade de sementes a serem importadas e plantadas e da quantidade de plantas a serem cultivadas no ano. A petição inicial sequer deduz a necessidade de aquisição de sementes ao ano e tampouco indica qual a quantidade de plantas seria necessária para o cultivo ao ano, a fim de extrair o óleo caseiro a ser utilizado no tratamento médico do paciente.
6. Não há documento que corrobore o pedido. Ausente a imprescindível prova pré-constituída.
7. O habeas corpus não se presta para mera discussão de tese. Necessidade de se carrear prova dos elementos suscitados na pretensão.
8. Habeas Corpus conhecido. Ordem denegada.