APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5025041-23.2022.4.03.6100
RELATOR: Gab. 07 - DES. FED. NERY JÚNIOR
APELANTE: TABOAO FAST FOOD LTDA
Advogado do(a) APELANTE: MARCEL BURKHARDT COSTI - PE27375-A
APELADO: DELEGADO DA DELEGACIA DE ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL (DERAT/SPO), UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5025041-23.2022.4.03.6100 RELATOR: Gab. 07 - DES. FED. NERY JÚNIOR APELANTE: TABOAO FAST FOOD LTDA Advogado do(a) APELANTE: MARCEL BURKHARDT COSTI - PE27375-A APELADO: DELEGADO DA DELEGACIA DE ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL (DERAT/SPO), UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de recurso de apelação interposto por TABOAO FAST FOOD LTDA contra sentença que julgou improcedente o pedido e denegou a segurança pretendida, na forma do art. 487, I, do CPC. O writ foi impetrado por RAIZES RESTAURANTE E PIZZARIA LTDA, em 27.10.2022, contra ato do DELEGADO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL EM SÃO JOSÉ DOS CAMPOS objetivando ter “reconhecido o direito das Impetrantes de usufruir do benefício de redução a zero das alíquotas de PIS, COFINS, IRPJ e CSLL previsto no art. 4º da Lei nº 14.148/2021 independentemente da data de inscrição no CADASTUR, determinando-se à D. Autoridade Coatora que se abstenha de efetuar a cobrança destes tributos sobre as receitas auferidas pelas Impetrantes no desempenho das suas atividades consideradas, para fins do PERSE, como do setor de eventos pelo prazo de sessenta meses previsto no mencionado dispositivo”. Pedido de liminar indeferido, consoante decisão ID 279765905. Informações prestadas pela autoridade apontada como coatora (ID 279765929). Pela sentença ID 285566080, entendeu o Magistrado sentenciante que “a Portaria 7.163/2021, ao estabelecer a necessidade de prévio cadastro no Cadastur, impôs exigência objetiva para identificar prestadores de serviços eminentemente afetos ao turismo, conforme previsto no inciso IV, do art. 2° da Lei 14.148/2021, não tendo sido extrapoladas as disposições legais da Lei do PERSE”. Diante disso, reconheceu a improcedência do pedido. Em suas razões de recorrer (ID 285566082), alega a parte apelante que: a) a inscrição no CADASTUR não era obrigatória para bares e restaurantes, de modo que “o §1º do art. 1o da Portaria nº 7.613/2021 extrapola os limites legais reservados a este tipo normativo, visto que traz obrigações ao contribuinte que não constam na lei, em clara inobservância ao princípio da legalidade”; b) “a Portaria editada pelo Ministério da Economia, que acabou por excluir a Apelante ante a ausência de registro no CADASTUR à data de publicação da Lei n. 14.148/2021, não só extrapolou os limites legais da própria lei que regulamenta, como também da Lei n. 11.771/2008, que trata da Política Nacional do Turismo”; c) “a Portaria ME nº 7.163, de 21 de junho de 2021, desrespeita a hierarquia normativa do ordenamento jurídico tributário, haja vista que estabelece dois requisitos que não encontram respaldo jurídico na legislação”. Aduz, outrossim, que “a Apelante atende aos requisitos impostos pela Lei n. 14.148/2021 e pela Portaria 7.163/2021 para participação no PERSE, quais sejam: (i) possui CNAE listado na Portaria desde o momento de promulgação da Lei, conforme disposto em seu cartão de CNPJ; (ii) está enquadrada no regime fiscal de Lucro Presumido, conforme documento juntado aos autos (iii) está atualmente registrada no CADASTUR”. Pretende, dessa maneira, a reforma da sentença, a fim de que a segurança seja concedida. Contrarrazões recursais apresentadas pela União (ID 285566087). Manifestação do Parquet Federal (ID 285712692) no sentido da desnecessidade de sua intervenção no feito. É o relatório.
DECLARAÇÃO DE VOTO O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO: Discute-se a legalidade da exigência prevista no § 2º, do artigo 1º, da Portaria ME n.º 7.163/2021, do Ministério da Economia, que, em relação às pessoas jurídicas prestadoras de serviços qualificadas, dentre outros, como restaurantes, cafeterias, bares e similares, condicionou-as à situação regular no Cadastro de Prestadores de Serviços Turísticos – Cadastur na data publicação do artigo 4º da Lei n.º 14.148/2021, em 18.03.2022, para fins de enquadramento no Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos – PERSE. Acompanho o i. Relator no que tange ao reconhecimento da ilegalidade do quanto disposto no § 2º, do artigo 1º, da Portaria ME n.º 7.163/2021. Divirjo, pedindo vênias à Sua Excelência, no que tange ao reconhecimento de direito adquirido ao benefício fiscal. O poder constituinte originário conferiu ao Estado o poder de tributar os contribuintes, para obter recursos para financiar suas atividades. A fim de que o exercício desse poder estatal seja legítimo, contudo, deve-se observar não só os limites da competência atribuída pela Constituição Federal a cada ente da federação, como também as imunidades e as garantias individuais do contribuinte previstas principalmente no artigo 150 da Constituição Federal. Na seara tributária, isso se reflete na vedação do Estado de promover modificações legislativas repentinas, com efeitos concretos imediatos, que elevem a carga tributária. Assegura, ainda, ao contribuinte, um tempo mínimo para conhecer a modificação na legislação tributária e planejar a atividade econômica para suportar seus efeitos. É justamente para impedir tais “surpresas”, que o artigo 150, III, da Constituição Federal confere ao contribuinte a proteção dos princípios da anterioridade genérica e da anterioridade. Em sua modalidade genérica, o princípio da anterioridade veda que a lei que institua ou majore tributo produza efeitos no mesmo exercício financeiro em que ela foi publicada, nos termos do artigo 150, III, alínea ‘b’ da Constituição Federal. Já de acordo com o princípio da anterioridade nonagesimal, a lei que institui ou majora tributos só produz efeitos após 90 (noventa) dias da data de sua publicação. A matéria em questão, inicialmente, foi apenas tratada como limitação ao poder de tributar, consoante decorre explicitamente do texto constitucional. No entanto, passou-se também a questionar a aplicação principiológica para os benefícios fiscais concedidos. O debate faz sentido na medida em que a retirada de benesses fiscais - tal como a criação ou aumento dos tributos –, da mesma forma, é passível de gerar surpresa aos contribuintes, caracterizando, na realidade, espécie de majoração indireta de tributos. Não se questiona a possibilidade de eventual alteração legislativa ou mesmo da reedição de atos infralegais que tenham por consequência a supressão de benefícios, seja pela alteração do entendimento do Parlamento ou mesmo por diversa compreensão da Administração. A bem da verdade, compreende-se com naturalidade que se sucedam modificações normativas, inclusive, em curto espaço tempo, o que decorre de novos cenários e demandas. Todavia, preza-se, apenas, pela aplicação dos mesmos princípios constitucionais para situação equivalente, isto é, de exasperação da carga tributária. Assim, a Lei que estabelece restrição a benefício fiscal, que implique na sua redução ou revogação, está sujeita ao princípio da anterioridade, seja a anterioridade de exercício (artigo 150, III, b, da CF), seja a anterioridade nonagesimal (alínea c), de acordo com o respectivo tributo (§ 1º), conforme entendimento atualmente respaldado tanto no Supremo Tribunal Federal como nesta E. Corte. Confira-se: “DIREITO TRIBUTÁRIO. AGRAVO INTERNO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. INCENTIVO FISCAL. REVOGAÇÃO. MAJORAÇÃO INDIRETA. ANTERIORIDADE. 1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal concebe que não apenas a majoração direta de tributos atrai a eficácia da anterioridade nonagesimal, mas também a majoração indireta decorrente de revogação de benefícios fiscais. Precedentes. 2. Agravo interno a que se nega provimento, com aplicação da multa prevista no art. 1.021, § 4º, do CPC/2015” (RE 1053254 AgR, Rel. Min. Roberto Barroso, 1ª Turma, DJe 13.11.2018).” “REINTEGRA – DECRETO Nº 9.393/2018 – BENEFÍCIO – REDUÇÃO DO PERCENTUAL – ANTERIORIDADE – PRECEDENTES. Alcançado aumento indireto de tributo mediante redução da alíquota de incentivo do Regime Especial de Reintegração de Valores Tributários para as Empresas Exportadoras – Reintegra, cumpre observar o princípio da anterioridade, geral e nonagesimal, versado nas alíneas “b” e “c” do inciso III do artigo 150 da Constituição Federal. Precedente: medida cautelar na ação direta de inconstitucionalidade nº 2.325/DF, Pleno, relator ministro Marco Aurélio, acórdão publicado no Diário da Justiça de 6 de outubro de 2006.” (STF, 1ª Turma, Ag.Reg.RE 1,263,840/RS, Rel.: Min. Marco Aurélio, Data de Julg.: 05.08.2020) MANDADO DE SEGURANÇA. TRIBUTÁRIO. ISENÇÃO DE IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS – PRAZO MÍNIMO – MEDIDA PROVISÓRIA N.º 1.034/21 – ANTERIORIDADE NONAGESIMAL. 1. A Lei Federal n.º 8.989/95 estabelece a isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados com relação aos automóveis de passageiros de fabricação nacional, adquiridos por pessoas com deficiência física, visual, auditiva e mental severa ou profunda e pessoas com transtorno do espectro autista, diretamente ou por intermédio de seu representante legal (artigo 1º, inciso IV). 2. A reutilização do benefício fiscal implica, em regra, a observância do interregno mínimo de dois anos (artigo 2º). Contudo, em 1º de março de 2021, foi editada a Medida Provisória n.º 1.034, que alterou o parágrafo único do artigo 2º da lei, ampliando para quatro anos o prazo mínimo de reutilização do benefício fiscal por pessoas com deficiência. A regra entrou em vigor na data de publicação (artigo 5º, inciso I). Posteriormente, por ocasião da conversão na Lei Federal n.º 14.183/21, o prazo foi reduzido para três anos. 3. É pertinente considerar que, em hipóteses de majoração indireta de tributo decorrente da revogação de benefícios fiscais, o C. Supremo Tribunal Federal tem se posicionado pela necessária observância do princípio da anterioridade nonagesimal, estabelecida no artigo 150, inciso III, alínea “c”, da Constituição Federal. 4. Em decorrência da alteração perpetrada pela Medida Provisória, a autoridade coatora proferiu despacho indeferindo o requerimento de isenção, sob o fundamento de inobservância do interregno mínimo de quatro anos. A negativa fundamentada na aplicação imediata da nova regra configura afronta à anterioridade nonagesimal, constitucionalmente assegurada. 5. Remessa necessária desprovida. (TRF 3ª Região, 6ª Turma, RemNecCiv - REMESSA NECESSÁRIA CÍVEL - 5000372-68.2021.4.03.6122, Rel. Desembargador Federal PAULO SERGIO DOMINGUES, julgado em 25/03/2022, Intimação via sistema DATA: 29/03/2022)” Por seu turno, dispõe o artigo 178 do Código Tributário Nacional que “a isenção, salvo se concedida por prazo certo ou em função de determinadas condições, pode ser revogada ou modificada por lei a qualquer tempo, observado o disposto no inc. III do CTN, art. 104”. Exsurgem, portanto, duas modalidades de isenção: as simples e as onerosas. As isenções simples são passíveis de revogação a qualquer tempo, apenas sendo de rigor a observância dos princípios da anterioridade anual e nonagesimal, entendimento atualmente respaldado tanto no Supremo Tribunal Federal como nesta E. Corte. Já as isenções onerosas, por sua vez, são concedidas por um lapso temporal definido e, necessariamente, para a sua caracterização, devem vir acompanhadas de determinadas ações do seu beneficiário para que possam dela usufruir (“em função de determinadas condições”). Em razão de tais características, isto é, tempo determinado e contrapartida do contribuinte, não é possível se falar em revogação da isenção onerosa, devido à proteção conferida ao direito adquirido de seu beneficiário. Como elemento chave na caracterização das isenções onerosas e com conceito jurídico bem definido no ordenamento pátrio, as condições não são diferentes na esfera tributária e também se caracterizam como eventos futuros e incertos. Na mesma linha argumentativa, são precisas as lições de Leandro Paulsen, no Curso de Direito Tributário Completo, 13ª edição – 2022, editora Saraiva: “Quanto aos requisitos e condições, vale distingui-los, porquanto se prestam para a classificação das isenções em simples ou onerosas. O estabelecimento de requisitos remete à caracterização do objeto ou do sujeito alcançado pela norma em face de uma situação preexistente ou atual, que lhe é inerente, exigida como mero critério de enquadramento na sua hipótese de incidência. Já a fixação de condições induz à conformação da situação ou da conduta futura do sujeito ao que é pretendido pelo legislador e que deve ser cumprido para que os efeitos jurídicos prometidos sejam aplicados” (p. 313). Figura como requisito legal (e não condição) para a fruição das benesses fiscais a inscrição no Cadastur na data de publicação da Lei instituidora do PERSE. A rigor, não foi estabelecido na legislação discutida qualquer ônus às empresas para a fruição dos benefícios previstos, o que implica em reconhecer a ausência de violação do artigo 178 do CTN e de distinção da situação abrangida pela Súmula 544 do STF (“Isenções tributárias concedidas, sob condição onerosa, não podem ser livremente suprimidas”). Importante ressaltar que a fruição dos benefícios fiscais previstos para as pessoas jurídicas que preenchem os requisitos legais independe de qualquer ato formal de adesão ao Programa. Enquadrada na hipótese legal do PERSE, nasce para o contribuinte, de imediato, o direito à redução a zero da alíquota tributária e, para o Fisco, exsurge a impossibilidade de exigir qualquer tributo em descompasso com a Lei. Ausente condição relativa à adesão ao PERSE, incabível a exigência de sua comprovação para fruição dos benefícios do Programa, bastando o cumprimento dos requisitos legais para que, desde a vigência do artigo 4º da Lei n.º 14.148/2021 (em 18.03.2022), as pessoas jurídicas façam jus à redução a zero da alíquota tributária. Porém, com a vigência da Lei n.º 14.592/2023, para fins de fruição dos benefícios do PERSE passou a se exigir a comprovação de situação regular no Cadastur, na data de 18.03.2022, o que implica revogação do benefícios fiscal para os contribuintes que não atendem a este requisito legal, observado o critério da anterioridade de exercício em relação ao IRPJ e à anterioridade nonagesimal quanto às contribuições à seguridade social. Desta sorte, de rigor o reconhecimento da ilegalidade do quanto disposto no § 2º, do artigo 1º, da Portaria ME n.º 7.163/2021 e, por consequência, o direito ao enquadramento no PERSE do contribuinte prestador de serviços qualificados como restaurantes, cafeterias, bares e similares, sem que se lhe exija a comprovação de situação regular no Cadastur na data publicação do artigo 4º da Lei n.º 14.148/2021 (em 18.03.2022), observada a sujeição à anterioridade constitucional da restrição prevista na Lei n.º 14.592/2023. Ante o exposto, pedindo vênias para divergir em parte de Sua Excelência, dou parcial provimento à apelação da parte impetrante, limitando a fruição do benefício fiscal do PERSE, independentemente da comprovação de situação regular no Cadastur em 18.03.2022, ao interregno de sujeição à anterioridade constitucional da restrição prevista na Lei n.º 14.592/2023. É como voto.
EXMA SENHORA DESEMBARGADORA FEDERAL CONSUELO YOSHIDA:
Com a devida vênia, divirjo do Senhora Relator para negar provimento à apelação.
Por exigência do § 2º, do art. 2º da Lei 14.148/2021, o Ministério da Economia editou a Portaria ME nº 7.163/2021, trazendo os códigos da Classificação Nacional de Atividades Econômicas - CNAE considerados do setor de eventos, definindo no Anexo I as atividades econômicas que estão enquadradas no PERSE, e no Anexo II as atividades cujo enquadramento é permitido, desde que na data da publicação da Lei nº 14.148/2021, estivessem registradas no Cadastro de Prestadores de Serviços Turísticos - CADASTUR.
Verifica-se que a exigência de inscrição prévia no CADASTUR para usufruir dos benefícios do PERSE não se mostra desarrazoada, na medida em que as atividades descritas nos incisos do parágrafo único do art. 21 da Lei 11.771/2008 (como restaurantes e bares, por exemplo) não são, necessariamente, qualificadas como pertencentes ao setor turístico. Tanto é que a apelante não está registrada no CADASTUR, embora o cadastro já fosse obrigatório aos prestadores de serviços tipicamente turísticos e efetivamente atuantes (art. 22).
A Portaria ME 7.163/2021 não extrapola as disposições das Leis 14.148/2021 e 11.771/2008, apenas possibilita a adesão ao PERSE de pessoas jurídicas que exercem atividades que não são típicas do setor de eventos, mas podem nele atuar, para o que se exige o registro no CADASTUR.
Não se identifica, portanto, que a norma regulamentar apresente ilegalidade ou abuso a atrair a interferência do Poder Judiciário.
Em face do exposto, pedindo vênia ao Sr. Relator, nego provimento à apelação.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5025041-23.2022.4.03.6100
RELATOR: Gab. 07 - DES. FED. NERY JÚNIOR
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OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Presentes os pressupostos de admissibilidade, deve ser conhecido o recurso de apelação.
A irresignação da parte apelante comporta acolhida.
Com efeito, dispõe a Lei n. 14.148/2021 ("Lei Perse" - Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos):
Art. 2º Fica instituído o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse), com o objetivo de criar condições para que o setor de eventos possa mitigar as perdas oriundas do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020.
§ 1º Para os efeitos desta Lei, consideram-se pertencentes ao setor de eventos as pessoas jurídicas, inclusive entidades sem fins lucrativos, que exercem as seguintes atividades econômicas, direta ou indiretamente:
I - realização ou comercialização de congressos, feiras, eventos esportivos, sociais, promocionais ou culturais, feiras de negócios, shows, festas, festivais, simpósios ou espetáculos em geral, casas de eventos, buffets sociais e infantis, casas noturnas e casas de espetáculos;
II - hotelaria em geral;
III - administração de salas de exibição cinematográfica; e
IV - prestação de serviços turísticos, conforme o art. 21 da Lei nº 11.771, de 17 de setembro de 2008.
§ 2º Ato do Ministério da Economia publicará os códigos da Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) que se enquadram na definição de setor de eventos referida no § 1º deste artigo.
(...)
Art. 4º Ficam reduzidas a 0% (zero por cento) pelo prazo de 60 (sessenta) meses, contado do início da produção de efeitos desta Lei, as alíquotas dos seguintes tributos incidentes sobre o resultado auferido pelas pessoas jurídicas de que trata o art. 2º desta Lei:
I - Contribuição para os Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Contribuição PIS/Pasep);
II - Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins);
III - Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL); e
IV - Imposto sobre a Renda das Pessoas Juridicas (IRPJ).”
Com efeito, a Lei n. 14.148, de 3.5.2021 trouxe importantes benefícios fiscais ao setor de eventos como forma de mitigar os danos causados pela pandemia da COVID19, trazendo ações emergenciais e temporárias destinadas a essa área empresarial.
O aludido diploma legal autorizou, por prazo limitado, a redução da alíquota dos tributos que elenca para zero. Registre-se que a hipótese não é de isenção ou não incidência, mas de incidência de alíquota zero, pelo prazo que fixa.
A lei, ainda, delegou ao Ministério da Economia a publicação dos códigos da Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) que se enquadram na definição de setor de eventos.
Em razão dessa delegação, foi editada a Portaria n. 7163/2021 que incluiu as atividades exercidas pela autora quando considerada prestadora de serviços turísticos, conforme art. 21 da Lei 11.771, de 17/09/2008.
A referida portaria previu: “As pessoas jurídicas que exercem as atividades econômicas relacionadas no Anexo II a esta Portaria poderão se enquadrar no Perse desde que, na data de publicação da Lei nº 14.148, de 2021, sua inscrição já estivesse em situação regular no Cadastur, nos termos do art. 21 e do art. 22 da Lei nº 11.771, de 17 de setembro de 2008.” (art. 1º, § 2º). (grifos)
A Lei n. 11.771/2008, que depôs sobre a Política Nacional de Turismo, definiu as atribuições do Governo Federal no planejamento, desenvolvimento e estímulo ao setor turístico:
Art. 21. Consideram-se prestadores de serviços turísticos, para os fins desta Lei, as sociedades empresárias, sociedades simples, os empresários individuais e os serviços sociais autônomos que prestem serviços turísticos remunerados e que exerçam as seguintes atividades econômicas relacionadas à cadeia produtiva do turismo:
I - meios de hospedagem;
II - agências de turismo;
III - transportadoras turísticas;
IV - organizadoras de eventos;
V - parques temáticos; e
VI - acampamentos turísticos.
Parágrafo único. Poderão ser cadastradas no Ministério do Turismo, atendidas as condições próprias, as sociedades empresárias que prestem os seguintes serviços:
I - restaurantes, cafeterias, bares e similares;
II - centros ou locais destinados a convenções e/ou a feiras e a exposições e similares;
III - parques temáticos aquáticos e empreendimentos dotados de equipamentos de entretenimento e lazer;
IV - marinas e empreendimentos de apoio ao turismo náutico ou à pesca desportiva;
V - casas de espetáculos e equipamentos de animação turística;
VI - organizadores, promotores e prestadores de serviços de infra-estrutura, locação de equipamentos e montadoras de feiras de negócios, exposições e eventos;
VII - locadoras de veículos para turistas; e
VIII - prestadores de serviços especializados na realização e promoção das diversas modalidades dos segmentos turísticos, inclusive atrações turísticas e empresas de planejamento, bem como a prática de suas atividades.
Art. 22. Os prestadores de serviços turísticos estão obrigados ao cadastro no Ministério do Turismo, na forma e nas condições fixadas nesta Lei e na sua regulamentação.
§ 1o As filiais são igualmente sujeitas ao cadastro no Ministério do Turismo, exceto no caso de estande de serviço de agências de turismo instalado em local destinado a abrigar evento de caráter temporário e cujo funcionamento se restrinja ao período de sua realização.
§ 2o O Ministério do Turismo expedirá certificado para cada cadastro deferido, inclusive de filiais, correspondente ao objeto das atividades turísticas a serem exercidas.
§ 3o Somente poderão prestar serviços de turismo a terceiros, ou intermediá-los, os prestadores de serviços turísticos referidos neste artigo quando devidamente cadastrados no Ministério do Turismo.
§ 4o O cadastro terá validade de 2 (dois) anos, contados da data de emissão do certificado.
§ 5o O disposto neste artigo não se aplica aos serviços de transporte aéreo.
Logo, em que pese não desconhecer a existência de julgados desta Corte em sentido contrário, tenho que a imposição do cadastro (na hipótese, no Cadastur), para gozo da incidência da alíquota zero, decorreu de ato infralegal e não da lei estipuladora do benefício fiscal.
Ademais, tornou faculdade em condição obrigatória para a concessão da benesse a partir da edição da portaria.
Vale lembrar que o Ministério da Economia não possuía capacidade normativa para instituir a obrigação cadastral, excedendo a delegação concedida pela lei. Se a lei instituidora do benefício não o restringiu às empresas inscritas no Cadastur, não cabe ao ato infralegal limitar seu alcance, sob pena de ofensa ao princípio da legalidade.
Frise-se, admitir que uma portaria possa inovar, criando uma obrigação para o contribuinte que não foi prevista em lei, importa violação ao disposto no art. 100, do CTN, pois desborda dos estreitos limites do poder regulamentar conferidos à Administração Fiscal.
Convém ressaltar, noutro giro, que a Medida Provisória nº 1.147/2022, de 22.12.22, alterou o art. 4º da Lei nº 14.148/2021, restringindo o benefício da alíquota zero, de modo que apenas os resultados das atividades relacionadas no novo texto (a serem detalhadas em portaria editada pelo Ministério da Economia) poderiam ser alvo do benefício fiscal, não mais sendo atingido todo o resultado auferido pela pessoa jurídica.
Posteriormente, com a edição da Lei n. 14.592, de 30 de maio de 2023, lei de conversão da Medida Provisória nº 1.147/2022, passou-se a estabelecer a necessidade de prévio registro no CADASTUR como requisito prévio para inscrição no PERSE. Confira-se:
“Art. 1º O art. 4º da Lei nº 14.148, de 3 de maio de 2021, passa a vigorar com as seguintes alterações:
“Art. 4º Ficam reduzidas a 0% (zero por cento) pelo prazo de 60 (sessenta) meses, contado do início da produção de efeitos desta Lei, as alíquotas dos seguintes tributos, incidentes sobre o resultado auferido pelas pessoas jurídicas pertencentes ao setor de eventos abrangendo as seguintes atividades econômicas, com os respectivos códigos da CNAE: hotéis (5510-8/01); apart-hotéis (5510-8/02); albergues, exceto assistenciais (5590-6/01); campings (5590-6/02), pensões (alojamento) (5590-6/03); outros alojamentos não especificados anteriormente (5590-6/99); serviços de alimentação para eventos e recepções - bufê (5620-1/02); produtora de filmes para publicidade (5911-1/02); atividades de exibição cinematográfica (5914-6/00); criação de estandes para feiras e exposições (7319-0/01); atividades de produção de fotografias, exceto aérea e submarina (7420-0/01); filmagem de festas e eventos (7420-0/04); agenciamento de profissionais para atividades esportivas, culturais e artísticas (7490-1/05); aluguel de equipamentos recreativos e esportivos (7721-7/00); aluguel de palcos, coberturas e outras estruturas de uso temporário, exceto andaimes (7739-0/03); serviços de reservas e outros serviços de turismo não especificados anteriormente (7990-2/00); serviços de organização de feiras, congressos, exposições e festas (8230-0/01); casas de festas e eventos (8230-0/02); produção teatral (9001-9/01); produção musical (9001-9/02); produção de espetáculos de dança (9001-9/03); produção de espetáculos circenses, de marionetes e similares (9001-9/04); atividades de sonorização e de iluminação (9001-9/06); artes cênicas, espetáculos e atividades complementares não especificadas anteriormente (9001-9/99); gestão de espaços para artes cênicas, espetáculos e outras atividades artísticas (9003-5/00); produção e promoção de eventos esportivos (9319-1/01); discotecas, danceterias, salões de dança e similares (9329-8/01); serviço de transporte de passageiros - locação de automóveis com motorista (4923-0/02); transporte rodoviário coletivo de passageiros, sob regime de fretamento, municipal (4929-9/01); transporte rodoviário coletivo de passageiros, sob regime de fretamento, intermunicipal, interestadual e internacional (4929-9/02); organização de excursões em veículos rodoviários próprios, municipal (4929-9/03); organização de excursões em veículos rodoviários próprios, intermunicipal, interestadual e internacional (4929-9/04); transporte marítimo de cabotagem - passageiros (5011-4/02); transporte marítimo de longo curso - passageiros (5012-2/02); transporte aquaviário para passeios turísticos (5099-8/01); restaurantes e similares (5611-2/01); bares e outros estabelecimentos especializados em servir bebidas, sem entretenimento (5611-2/04); bares e outros estabelecimentos especializados em servir bebidas, com entretenimento (5611-2/05); agências de viagem (7911-2/00); operadores turísticos (7912-1/00); atividades de museus e de exploração de lugares e prédios históricos e atrações similares (9102-3/01); atividades de jardins botânicos, zoológicos, parques nacionais, reservas ecológicas e áreas de proteção ambiental (9103-1/00); parques de diversão e parques temáticos (9321-2/00); atividades de organizações associativas ligadas à cultura e à arte (9493-6/00):
(...)
§ 4º Somente as pessoas jurídicas, inclusive as entidades sem fins lucrativos, que já exerciam, em 18 de março de 2022, as atividades econômicas de que trata este artigo poderão usufruir do benefício.
§ 5º Terão direito à fruição de que trata este artigo, condicionada à regularidade, em 18 de março de 2022, de sua situação perante o Cadastro dos Prestadores de Serviços Turísticos (Cadastur), nos termos dos arts. 21 e 22 da Lei nº 11.771, de 17 de setembro de 2008 (Política Nacional de Turismo), as pessoas jurídicas que exercem as seguintes atividades econômicas: serviço de transporte de passageiros - locação de automóveis com motorista (4923-0/02); transporte rodoviário coletivo de passageiros, sob regime de fretamento, municipal (4929-9/01); transporte rodoviário coletivo de passageiros, sob regime de fretamento, intermunicipal, interestadual e internacional (4929-9/02); organização de excursões em veículos rodoviários próprios, municipal (4929-9/03); organização de excursões em veículos rodoviários próprios, intermunicipal, interestadual e internacional (4929-9/04); transporte marítimo de cabotagem - passageiros (5011-4/02); transporte marítimo de longo curso - passageiros (5012-2/02); transporte aquaviário para passeios turísticos (5099-8/01); restaurantes e similares (5611-2/01); bares e outros estabelecimentos especializados em servir bebidas, sem entretenimento (5611-2/04); bares e outros estabelecimentos especializados em servir bebidas, com entretenimento (5611-2/05); agências de viagem (7911-2/00); operadores turísticos (7912-1/00); atividades de museus e de exploração de lugares e prédios históricos e atrações similares (9102-3/01); atividades de jardins botânicos, zoológicos, parques nacionais, reservas ecológicas e áreas de proteção ambiental (9103-1/00); parques de diversão e parques temáticos (9321-2/00); atividades de organizações associativas ligadas à cultura e à arte (9493-6/00).”
Sendo assim, o requisito da inscrição prévia no CADASTUR somente pode ser exigido para os pedidos de inscrição no PERSE ocorridos após a edição da supracitada lei.
Sobre o tema, válido trazer à baila os seguintes precedentes jurisprudenciais:
PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. ART. 1.022 DO CPC. PRESSUPOSTOS. INEXISTÊNCIA. REDISCUSSÃO DA MATÉRIA. NÃO CABIMENTO. ADVENTO DE NORMA LEGAL A PREVER A EXIGÊNCIA.
1. Embargos de declaração opostos pela União (Fazenda Nacional) contra acórdão desta Quinta Turma que deu provimento ao agravo de instrumento.
2. O acórdão embargado tratou da questão ora reiterada no recurso, qual seja, o disposto na Portaria ME 7.163/2021 e a obrigatoriedade do registro no CADASTUR. Esta Quinta Turma se manifestou expressamente sobre o cerne da questão trazida à baila por ocasião da apreciação do recurso de agravo de instrumento, fundamentando que, a referida portaria estabelece uma limitação que afronta o princípio da legalidade estrita, já que restringe a concessão do benefício da desoneração fiscal prevista no art. 4º, da Lei nº 14.148, de 2021. Além disso, a Quinta Turma evidenciou a prevalência do entendimento segundo o qual o prévio registro no Cadastur não deve ser exigido para que a pessoa jurídica possa participar do PERSE.
3. Esta eg. 5ª Turma do TRF5 compreende que a Portaria ME nº 7.163/2021 violou o princípio da legalidade ao exigir a prévia inscrição no CADASTUR das empresas interessadas nas benesses do programa, pois, no momento da edição do referido normativo, não constava tal requisito na Lei nº 14.148/21.
4. Ocorre, todavia, que, com o advento da Medida Provisória nº 1.147, de 20/12/2022, e, mais especificamente, com o advento da respectiva lei de conversão (Lei nº 14.592, de 30/5/2023), o artigo 4º da Lei nº 14.148/2021 passou a estabelecer a necessidade de prévio registro no CADASTUR como requisito para a fruição da benesse (a necessidade de prévio registro no aludido cadastro não constava na redação da MP, mas passou a constar na redação da referida lei de conversão; o que já constava, na aludida medida provisória, era a previsão de que a benesse não poderia se aplicar a todas as atividades da pessoa jurídica, mas apenas àquelas expressamente previstas como relacionadas ao setor de eventos e turismo, devendo ser realizada a devida distinção e separação na contabilidade fiscal respectiva).
5. A respeito do novo panorama normativo, depreende-se que as referidas Medida Provisória nº 1.147, de 20/12/2022, e Lei nº 14.592, de 30/5/2023, não poderiam se aplicar de forma retroativa, alcançando períodos e fatos anteriores à sua vigência.
6. Em atenção ao princípio da anterioridade (seja o seja a anterioridade nonagesimal, para as contribuições sociais; seja a anual, para os demais tributos, 'ex vi' dos artigos 195, § 6º, e 150, III, b, todos da CF/88), não podem as novas normas ser aplicadas de imediato, mas mediante observância dos marcos temporais alusivos ao referido princípio (intervalo de 90 dias para as contribuições sociais e a data de 1º de janeiro do ano subsequente para os demais tributos).
7. Do exposto se infere que a impetrante somente poderia usufruir do benefício de redução a 0% (zero por cento) das alíquotas do Imposto de Renda sobre a Pessoa Jurídica - IRPJ, Contribuição Social sobre o Lucro Líquido - CSLL, Contribuição para os Programas de Integração Social - PIS e Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social - COFINS, nos termos do art. 4º da Lei nº 14.148/2021, sobre todo seu resultado (englobando todas as atividades), até a finalização do princípio constitucional da anterioridade nonagesimal (para as contribuições sociais) e até o advento da data de 1º de janeiro de 2023 (para o IRPJ), tomando sempre por parâmetro a publicação da Medida Provisória nº 1.147, de 20 de dezembro de 2022, a partir de quando incidirão as regras desta, já transformada na Lei 14.592, de 30.05.2023. Tal se deve, como já dito, ao fato de a Medida Provisória haver limitado a fruição do PERSE apenas às atividades da pessoa jurídica relacionadas ao setor turístico e de eventos. Assim, se ela desenvolver atividades outras, serão estas excluídas a partir dos marcos temporais mencionados.
8. De seu turno, a despeito da inclusão da exigência de prévio registro no CADASTUR a partir da Lei nº 14.592, de 30 de maio de 2023, depreende-se sua inaplicabilidade às pessoas jurídicas que (como a demandante) haviam buscado sua inscrição no PERSE anteriormente ao seu advento. Suficiente que se observe que formulou exigência (de inscrição no CADASTUR em 18 de março de 2022) que não poderia ser validamente exigida. A exigência, para ser considerada legítima, somente poderia impor que a inscrição no referido Cadastro fosse anterior ao advento da própria lei (que ocorreu em 30 de maio de 2023), não podendo indicar uma data muito anterior à sua promulgação.
9. Embargos de declaração desprovidos. Diante do direito superveniente (Medida Provisória nº 1.147, de 20.12.2022, já convertida na Lei 14.592, de 30.05.2023), haverão de ser obrigatoriamente atendidos, pela pessoa jurídica contribuinte, os parâmetros mencionados no item 7.
(PROCESSO: 08017900420234050000, AGRAVO DE INSTRUMENTO, DESEMBARGADORA FEDERAL JOANA CAROLINA LINS PEREIRA, 5ª TURMA, JULGAMENTO: 18/09/2023)
TRIBUTÁRIO. PROGRAMA EMERGENCIAL DE RECUPERAÇÃO DO SETOR DE EVENTOS - PERSE. LEI Nº 14.148/2021. EXIGÊNCIA DE INSCRIÇÃO PRÉVIA NO CADASTUR. PORTARIA ME Nº 7.163/2021. EXTRAPOLAÇÃO DO PODER REGULAMENTAR. ILEGALIDADE. MEDIDA PROVISÓRIA Nº 1.147/2022. ALTERAÇÃO DO ART. 4°, CAPUT DA LEI Nº 14.148/2021. RESTRIÇÃO A ATIVIDADES ESPECIFICADAS. ELEVAÇÃO DA CARGA TRIBUTÁRIA. OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE. LEI Nº 14.592/2023. ALTERAÇÃO DO ART. 4°, § 5º, DA LEI Nº 14.148/2021. INTRODUÇÃO DA EXIGÊNCIA DE PRÉVIO CADASTRO NO CADASTUR. POSSIBILIDADE. APLICAÇÃO RESTRITA ÀS EMPRESAS QUE PLEITEAREM O INGRESSO APÓS A LEI. PROVIMENTO PARCIAL DA APELAÇÃO E DA REMESSA NECESSÁRIA.
1. Apelação interposta pela Fazenda Nacional e remessa necessária contra sentença do Juízo da 2ª Vara Federal de Pernambuco (Magistrado Rafael Tavares da Silva), que concedeu a segurança pleiteada no sentido de garantir o ingresso do particular no Programa de Retomada do Setor de Eventos - PERSE.
2. O PERSE foi criado pelo Governo Federal para combater os efeitos na economia da adoção das medidas de isolamento ou de quarentena realizadas para enfrentamento da pandemia da Covid-19.
3. Os requisitos para ingressar no PERSE encontram-se disciplinados na Lei n° 14.148/2021.
4. A Portaria ME n° 7.163/2021 incluiu exigência indevida de que a pessoa jurídica interessada já possuísse inscrição regular no Cadastro de Prestadores de Serviços Turísticos - CADASTUR quando da data de publicação da Lei n. 14.148/2021, para que pudesse ter acesso ao PERSE.
5. Em razão disso, a Portaria ME nº 7.163/2021 violou o princípio da legalidade, devendo tal exigência ser afastada in concreto.
6. Posteriormente, a redação do art. 4º, da Lei nº 14.148/2021, foi alterada pela Medida Provisória nº 1.147/2022, instituindo-se restrição ao benefício de alíquota zero trazido pelo PERSE.
7. Nos termos da nova redação do art. 4º, apenas aos resultados das atividades ali relacionadas (a serem detalhadas em portaria editada pelo Ministério da Economia) podem ser alvo do benefício fiscal e não mais todo o resultado auferido pela pessoa jurídica.
8. A Solução de Consulta n° 52 - COSIT, de 2023, definiu que, para apuração dos tributos sujeitos ao benefício fiscal do PERSE, é necessário segregar as receitas e resultados auferidos pela pessoa jurídica em duas categorias distintas, conforme tais valores sejam abrangidos ou não pelo referido benefício.
9. A alteração em tela deverá observar o princípio da anterioridade, seja o nonagesimal, seja o anual, delineados no art. 150, § 1º, da Constituição, uma vez que se trata de uma alteração legislativa que envolve matéria tributária e implica em majoração da carga tributária final do contribuinte.
10. Mais recentemente, a Medida Provisória nº 1.147/2022 foi convertida na Lei nº 14.592/2023, que acrescentou mais uma modificação na Lei nº 14.148/2021.
11. De acordo com a nova redação do § 5º, do art. 4º, da Lei nº 14.148/2021, passou-se a exigir do contribuinte o prévio registro no CADASTUR para fruição dos benefícios do PERSE.
12. A alteração legislativa incorporou o requisito antes veiculado somente pela Portaria ME n° 7.163/2021, corrigindo o vício de legalidade anteriormente existente.
13. Entretanto, tal exigência só poderá ser imposta às empresas que requereram administrativamente o gozo do benefício ou que ingressaram em juízo após a aludida alteração (20/05/2023), uma vez que ela não poderá ser aplicada retroativamente, de modo a atingir períodos e fatos anteriores à sua vigência, em razão do postulado da irretroatividade da lei.
14. Na hipótese dos autos, se está diante de empresa que desempenha atividade contemplada pela lei como as que podem ter acesso ao PERSE (56.11-2-01 - Restaurante e Similares).
15. Tendo a demanda sido ajuizada em 03/06/2022, a empresa faz jus ao ingresso no PERSE sem observância da exigência de prévia inscrição no CADASTUR, mas com as restrições relativas às atividades contempladas no programa, respeitadas as regras da anterioridade pertinentes especificamente aos impostos e contribuições contemplados no programa.
16. A possibilidade da declaração do direito à compensação encontra fundamento no artigo 170 do Código Tributário Nacional (CTN), assim como nas Leis n° 8.383/91 (art. 66) e 9.430/96 (art. 74).
17. Segundo o art. 170-A do CTN, acrescido pela Lei Complementar nº. 104/2001, deve ser condicionada a compensação à verificação do trânsito em julgado da sentença.
18. Os valores a serem compensados devem ser corrigidos exclusivamente pela taxa SELIC, que já engloba juros e correção monetária, na forma prevista no artigo 39, § 4º, da Lei 9.250/95 e deverá ser observada a norma do art. 166, do CTN, com relação ao PIS e à COFINS, por se tratarem de tributos indiretos.
19. No que tange à repetição de indébito dos valores recolhidos durante a tramitação do mandado de segurança, o valor deverá ser restituído ao contribuinte por meio de requisitório de pagamento, por força do art. 100, da Constituição.
20. Apelação e remessa oficial parcialmente providas.
(PROCESSO: 08089314020224058300, APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA, DESEMBARGADORA FEDERAL CIBELE BENEVIDES GUEDES DA FONSECA, 5ª TURMA, JULGAMENTO: 18/09/2023)
No caso concreto, observa-se que a impetrante atua no ramo de restaurantes (ID 285566054), estabelecimentos estes abrangidos pelo PERSE, sendo que este writ foi impetrado em 27.09.2022, de modo que faz jus ao ingresso no PERSE sem observância da exigência de prévia inscrição no CADASTUR, desde que observadas as restrições relativas às atividades contempladas no programa, respeitadas as regras da anterioridade pertinentes especificamente aos impostos e contribuições contemplados no programa.
Ante o exposto, dou provimento ao recurso de apelação para, reformando a sentença, conceder a segurança, para determinar que a autoridade coatora se abstenha de exigir inscrição regular no CADASTUR para fins de inscrição no PERSE, nos termos da fundamentação supra.
É como voto.
E M E N T A
TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. PERSE. EXIGÊNCIA DE REGULARIDADE NO CADASTUR. RESTAURANTES, CAFETERIAS, BARES E SIMILARES. ILEGALIDADE PORTARIA ME 7.163/2021. NECESSIDADE DE OBSERVÂNICAS DOS PRINCÍPIOS DA IRRETROATIVIDADE E ANTERIORIDADE QUANTO À LEI 14.592/2023. ISENÇÃO SIMPLES. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA.
1. Discute-se a legalidade da exigência prevista no § 2º, do artigo 1º, da Portaria ME n.º 7.163/2021, do Ministério da Economia, que, em relação às pessoas jurídicas prestadoras de serviços qualificadas, dentre outros, como restaurantes, cafeterias, bares e similares, condicionou-as à situação regular no Cadastro de Prestadores de Serviços Turísticos – Cadastur na data publicação do artigo 4º da Lei n.º 14.148/2021, em 18.03.2022, para fins de enquadramento no Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos – PERSE.
2. A Lei n.º 14.148/2021 instituiu o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos – PERSE, com o objetivo de criar condições para que o setor de eventos pudesse mitigar as perdas oriundas do estado de calamidade pública. Dentre os benefícios do Programa foi prevista, inicialmente, a redução a zero 0% (zero por cento), pelo prazo de 60 (sessenta) meses, das alíquotas da tributação de PIS, COFINS, CSLL e IRPJ, incidentes sobre as receitas e o resultado auferido pelas pessoas jurídicas do setor de eventos. Ressalta-se que, posteriormente, com a vigência da Medida Provisória n.º 1.147/2022, convertida na Lei n.º 14.592/2023, referida redução a zero 0% (zero por cento) das alíquotas tributárias passou a incidir, restritivamente, sobre o resultado auferido pelas pessoas jurídicas pertencentes ao setor de eventos nas atividades relacionadas no ato do Ministério da Economia.
3. A fim de delimitar as pessoas jurídicas do denominado setor de eventos, a Lei n.º 14.148/2021 estabeleceu que se consideram pertencentes ao setor de eventos as pessoas jurídicas, inclusive entidades sem fins lucrativos, que exercem, direta ou indiretamente, dentre outras atividades econômicas aquela referente à “prestação de serviços turísticos, conforme o art. 21 da Lei nº 11.771, de 17 de setembro de 2008”. Em relação à atividade econômica de “prestação de serviços turísticos”, remeteu-se à Lei n.º 11.771/2008, que, dentre as disposições sobre a Política Nacional de Turismo, disciplinou a prestação de serviços turísticos, seu cadastro, classificação e fiscalização.
4. Editada para o fim de definir os códigos da Classificação Nacional de Atividades Econômicas - CNAE que se consideram inclusos no denominado setor de eventos, a Portaria ME n.º 7.163/2021, do Ministério da Economia, restou expresso no § 2º, de seu artigo 1º, a exigência de situação regular no Cadastur na data publicação do artigo 4º da Lei n.º 14.148/2021 (em 18.03.2022), para que as pessoas jurídicas prestadoras de serviços qualificadas, dentre outros, como restaurantes, cafeterias, bares e similares, pudessem ser enquadradas no PERSE
5. Posteriormente, a Lei n.º 14.592/2023, publicada em 30.05.2023, alterando em parte as disposições da Lei n.º 14.148/2021, passou a exigir, para o enquadramento no PERSE, a regularidade, em 18 de março de 2022, da situação no Cadastur quanto às pessoas jurídicas prestadoras de serviços qualificadas, dentre outros, como restaurantes, cafeterias, bares e similares.
6. O poder regulamentar é uma das formas de manifestação da função normativa do Poder Executivo, que no exercício dessa atribuição pode editar atos normativos que visem explicitar a lei, para sua fiel execução. No ordenamento jurídico brasileiro (artigo 84, IV, da CF), nos limites do princípio da legalidade, o ato regulamentar se limita a estabelecer normas sobre a forma como a lei será cumprida pela Administração, de sorte que não pode estabelecer normas contra legem ou ultra legem, nem pode inovar na ordem jurídica, criando direitos, obrigações, proibições, medidas punitivas (PIETRO, Maria Sylvia Zanella di. Direito Administrativo. 36. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2024, p. 132-133).
7. À pretensão de regulamentação sobreveio indevida inovação jurídica, com restrição de direitos do contribuinte, na medida em que, originariamente, a lei instituidora do PERSE não estabeleceu qualquer exigência relacionada à regularidade no Cadastur e, por consequência, tampouco estabeleceu limite temporal para tal regularização, para o fim do enquadramento no Programa das pessoas jurídicas prestadoras de serviços qualificadas, dentre outros, como restaurantes, cafeterias, bares e similares.
8. Importante frisar que a Lei n.º 11.771/2008, indicada no ato normativo infralegal para justificar a exigência de regularidade no Cadastur, não estabelecia, e permanece não estabelecendo, qualquer obrigatoriedade para que se cadastrem no Ministério do Turismo as pessoas jurídicas prestadoras de serviços qualificadas, dentre outros, como restaurantes, cafeterias, bares e similares; tal medida, nos estritos termos do parágrafo único de seu artigo 21, consiste numa faculdade. O artigo 22 da Lei n.º 11.771/2008 obriga ao cadastro no Ministério do Turismo apenas e tão somente os prestadores de serviços turísticos, os quais, por seu turno, encontram-se elencados nos incisos I a VI, do caput, do artigo 21 do referido ato legal.
9. Com a edição da Lei n.º 14.592/2023 a exigência de cadastro no Ministério do Turismo passou a ser requisito indispensável para o enquadramento no PERSE; contudo, a alteração legislativa posterior não tem o condão de legitimar pretérito ato infralegal, tampouco pode atingir os fatos geradores que lhe precedem, sob pena de ofensa ao princípio da irretroatividade (artigo 150, III, a, da CF). Não é demais ressaltar que a Lei que estabelece restrição a benefício fiscal, que implique na sua redução ou revogação, está sujeita ao princípio da anterioridade, seja a anterioridade de exercício (artigo 150, III, b, da CF), seja a anterioridade nonagesimal (alínea c), de acordo com o respectivo tributo (§ 1º).
10. Por seu turno, dispõe o artigo 178 do Código Tributário Nacional que “a isenção, salvo se concedida por prazo certo ou em função de determinadas condições, pode ser revogada ou modificada por lei a qualquer tempo, observado o disposto no inc. III do CTN, art. 104”. Exsurgem, portanto, duas modalidades de isenção: as simples e as onerosas. As isenções simples são passíveis de revogação a qualquer tempo, apenas sendo de rigor a observância dos princípios da anterioridade anual e nonagesimal, entendimento atualmente respaldado tanto no Supremo Tribunal Federal como nesta E. Corte. Já as isenções onerosas, por sua vez, são concedidas por um lapso temporal definido e, necessariamente, para a sua caracterização, devem vir acompanhadas de determinadas ações do seu beneficiário para que possam dela usufruir (“em função de determinadas condições”). Em razão de tais características, isto é, tempo determinado e contrapartida do contribuinte, não é possível se falar em revogação da isenção onerosa, devido à proteção conferida ao direito adquirido de seu beneficiário. Como elemento chave na caracterização das isenções onerosas e com conceito jurídico bem definido no ordenamento pátrio, as condições não são diferentes na esfera tributária e também se caracterizam como eventos futuros e incertos.
11. Figura como requisito legal (e não condição) para a fruição das benesses fiscais a inscrição no Cadastur na data de publicação da Lei instituidora do PERSE. A rigor, não foi estabelecido na legislação discutida qualquer ônus às empresas para a fruição dos benefícios previstos, o que implica em reconhecer a ausência de violação do artigo 178 do CTN e de distinção da situação abrangida pela Súmula 544 do STF (“Isenções tributárias concedidas, sob condição onerosa, não podem ser livremente suprimidas”).
12. Importante ressaltar que a fruição dos benefícios fiscais previstos para as pessoas jurídicas que preenchem os requisitos legais independe de qualquer ato formal de adesão ao Programa. Enquadrada na hipótese legal do PERSE, nasce para o contribuinte, de imediato, o direito à redução a zero da alíquota tributária e, para o Fisco, exsurge a impossibilidade de exigir qualquer tributo em descompasso com a Lei. Ausente condição relativa à adesão ao PERSE, incabível a exigência de sua comprovação para fruição dos benefícios do Programa, bastando o cumprimento dos requisitos legais para que, desde a vigência do artigo 4º da Lei n.º 14.148/2021 (em 18.03.2022), as pessoas jurídicas façam jus à redução a zero da alíquota tributária.
13. Com a vigência da Lei n.º 14.592/2023, para fins de fruição dos benefícios do PERSE passou a se exigir a comprovação de situação regular no Cadastur, na data de 18.03.2022, o que implica revogação do benefícios fiscal para os contribuintes que não atendem a este requisito legal, observado o critério da anterioridade de exercício em relação ao IRPJ e à anterioridade nonagesimal quanto às contribuições à seguridade social.
14. Reconhecida a ilegalidade do quanto disposto no § 2º, do artigo 1º, da Portaria ME n.º 7.163/2021 e, por consequência, o direito ao enquadramento no PERSE do contribuinte prestador de serviços qualificados como restaurantes, cafeterias, bares e similares, sem que se lhe exija a comprovação de situação regular no Cadastur na data publicação do artigo 4º da Lei n.º 14.148/2021 (em 18.03.2022), observada a sujeição à anterioridade constitucional da restrição prevista na Lei n.º 14.592/2023.
15. Apelação parcialmente provida. Segurança parcialmente concedida.