AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº 5000171-41.2023.4.03.0000
RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO
AUTOR: ROQUE RUARO, ROSANE TERESINHA CORTESE RUARO
Advogados do(a) AUTOR: CICERO ALVES DA COSTA - MS5106-A, JULIANA CEMBRANELLI DA COSTA - MS19048-A
REU: INST. NAC. COLON. REFORMA AGRARIA - INCRA
OUTROS PARTICIPANTES:
AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº 5000171-41.2023.4.03.0000 RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO AUTOR: ROQUE RUARO, ROSANE TERESINHA CORTESE RUARO Advogados do(a) AUTOR: CICERO ALVES DA COSTA - MS5106-A, JULIANA CEMBRANELLI DA COSTA - MS19048-A REU: INST. NAC. COLON. REFORMA AGRARIA - INCRA OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS FRANCISCO (Relator): Trata-se de ação rescisória ajuizada por ROQUE RUARO e ROSANE TERESINHA CORTESE RUARO com fulcro no art. 966, V, do Código de Processo Civil, objetivando a desconstituição de julgado proferido nos autos da ação 0002431-09.2009.4.03.6002 (ARE 1.396.423). Sustenta a parte autora, em síntese, que o julgado rescindendo, ao validar o processo administrativo nº 54290.000373/2005-12, que identificou como território ocupado por remanescentes dos quilombos a propriedade dos autores (fração ideal de 50% da área de terras identificada por remanescente da Fazenda Primavera, com 341,2125 ha, matrícula imobiliária de nº 16.568, do livro 02, da Serventia de Registro Imobiliário da Comarca de Dourados), violou o art. 569, caput, inciso I, da Lei nº 13.105/2015 e a jurisprudência dos Tribunais Superiores a respeito da matéria (que é no sentido de que que a demarcação não se presta à regularização fundiária). Foi indeferido pedido de concessão de tutela de urgência. O réu (INCRA) apresentou contestação (Id. 274452223). Arguiu preliminares já analisadas (Ids. 275135643, 276327648, 276225855). No mérito, alega que não houve violação manifesta à norma jurídica, mas apenas má compreensão do direito material aplicável, inconformismo e uma tentativa de reanálise probatória. Ressalta que a ação rescisória não é instância recursal. Afirma ser incorreto o entendimento de que somente terras devolutas poderiam vir a ser identificadas e reivindicadas como território quilombola. Acrescenta que os autores fazem uma afirmação genérica de violação manifesta à norma jurídica contida no art. 569, I, do CPC, norma sequer utilizada como fundamento para a improcedência dos pedidos e impertinente à discussão. Destaca que alegações abstratas e genéricas de violação frontal à norma jurídica não justificam a propositura de ação rescisória. Destaca o teor do art. 13 do Decreto nº 4.887/2003, que dispõe sobre o procedimento na hipótese dos territórios ocupados por remanescentes das comunidades quilombolas estiverem sobrepostos em área de domínio particular e já foi objeto de discussão na ADI 3239/STF. Afirma que a ação de demarcação tratada na legislação invocada pelos autores refere-se a relações de direito privado, hipótese distinta daquela em discussão nos autos. Quanto ao mérito do pedido rescisório, afirma que não é possível a insurgência desmotivada ao procedimento administrativo destinado a identificação das terras ocupadas por quilombos, porque decorre do comando contido no art. 68 do ADCT, e é poder-dever estatal agir no sentido de dar cumprimento ao disposto no referido artigo. Existindo título legítimo particular, necessariamente ocorrerá a indenização (desapropriação, nos termos utilizados pelo Decreto nº 4.887/2003). Manifestação à contestação no Id. 275048077. Apresentadas alegações finais por ambas as partes. Parecer do Ministério Público Federal pela improcedência da ação rescisória. As custas e o depósito prévio foram regularizados pela parte autora. É o relatório.
AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº 5000171-41.2023.4.03.0000 RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO AUTOR: ROQUE RUARO, ROSANE TERESINHA CORTESE RUARO Advogados do(a) AUTOR: CICERO ALVES DA COSTA - MS5106-A, JULIANA CEMBRANELLI DA COSTA - MS19048-A REU: INST. NAC. COLON. REFORMA AGRARIA - INCRA OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O Exmo. Sr. Desembargador Federal Carlos Francisco (Relator): Verifico que a ação rescisória foi ajuizada em 09/01/2023, dentro, portanto, do prazo decadencial previsto no art. 975 do CPC, já que a decisão atacada transitou em julgado em 12/12/2022. A coisa julgada é garantia fundamental que ampara a segurança jurídica (art. 5º, XXXI da Constituição), e sua preservação é a regra geral no Estado de Direito brasileiro, de modo que sua rescisão é exceção subordinada a hipóteses legais interpretadas restritivamente. Contudo, a coisa julgada não é um fim em si mesmo ao ponto de ser defendida a qualquer custo (especialmente se formada com irregularidades), mesmo porque a segurança jurídica se projeta para a preservação dos efeitos jurídicos de atos passados, bem como para certeza possível do presente e para previsibilidade elementar do futuro. Previstas no art. 966 do CPC/2015, as hipóteses que permitem a ação rescisória envolvem vícios, erros e conflitos que colocam determinada coisa julgada em conflito com o funcionamento lógico-racional do sistema jurídico. Sendo o caso de rescindir a decisão transitada em julgado (juízo rescidendo), o feito originário deve ser rejulgando para sanar a irregularidade em sua extensão (juízo rescisório), mostrando que a ação rescisória é inconfundível com as vias recursais. A parte autora formula pedido com base no art. 966, inciso V, do CPC/2015 (violação manifesta de norma jurídica). Dispõe o art. 966 do CPC: Art. 966. A decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando: (...) V - violar manifestamente norma jurídica; (...) § 2º Nas hipóteses previstas nos incisos do caput , será rescindível a decisão transitada em julgado que, embora não seja de mérito, impeça: I - nova propositura da demanda; ou II - admissibilidade do recurso correspondente. (...) § 5º Cabe ação rescisória, com fundamento no inciso V do caput deste artigo, contra decisão baseada em enunciado de súmula ou acórdão proferido em julgamento de casos repetitivos que não tenha considerado a existência de distinção entre a questão discutida no processo e o padrão decisório que lhe deu fundamento. (Incluído pela Lei nº 13.256, de 2016) (Vigência) § 6º Quando a ação rescisória fundar-se na hipótese do § 5º deste artigo, caberá ao autor, sob pena de inépcia, demonstrar, fundamentadamente, tratar-se de situação particularizada por hipótese fática distinta ou de questão jurídica não examinada, a impor outra solução jurídica. (Incluído pela Lei nº 13.256, de 2016)” Nos moldes do art. 966, V, §§ 5º e 6º, do CPC/2015, a violação manifesta de norma jurídica se materializa quando o julgado se apoiar em entendimento jurídico inaceitável pelo sistema jurídico, compreendendo tanto omissão sobre a existência de preceito normativo (constituições, leis, etc., bem como súmulas vinculantes e demais decisões obrigatórias derivadas do mecanismo de precedentes) quanto interpretação claramente incoerente, má ou teratológica. Não caberá ação rescisória como sucedâneo recursal para rever coisa julgada fundamentada em uma dentre várias interpretações aceitáveis (ainda que não seja a predominante). A esse respeito, há ampla jurisprudência no e.STJ, como se nota nos seguintes casos: AgInt na AR n. 6.839/SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, Segunda Seção, julgado em 13/12/2022, DJe de 15/12/2022; AR n. 6.335/DF, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Segunda Seção, julgado em 14/12/2022, DJe de 20/12/2022; AgInt no REsp n. 1.960.713/SC, relator Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, DJe de 31/3/2022; e AgInt no AREsp n. 1.238.929/SP, relator Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, julgado em 13/6/2022, DJe de 21/6/2022). Por isso, a Súmula 343 do c.STF é categórica ao rejeitar a rescisão baseada em interpretação controvertida ("Não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais"). O marco temporal para a demonstração da interpretação controvertida que impede o juízo rescindendo é momento no qual foi lançada a decisão que transitou em julgado, mas se a coisa julgada transgrediu (de modo evidente, direto e manifesto) a compreensão jurídica que já vinha sendo dada, que era empregada quando o julgamento foi feito e que permaneceu aplicável, há manifesta violação de norma jurídica (compreendida pela combinação de texto e de interpretação). A esse respeito, no e.ST, cito como exemplos: AgInt na AR 2990 / SP, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, DJe de 17/10/2017; AgRg na AR n. 5.300/RJ, Rel. Min. Laurita Vaz, CORTE ESPECIAL, DJe de 5/3/2014; e AgInt na AR n. 4.821/RN, relator Ministro Marco Buzzi, Segunda Seção, julgado em 13/3/2019, DJe de 18/3/2019. Diversa é a situação da coisa julgada que contraria julgado vinculante ou obrigatório do c.STF ou do e.STJ, pois nesse caso é inexigível esse marco temporal em favor da unificação dos pronunciamentos judiciais e da isonomia. Não bastasse, antes mesmo da consolidação do sistema de precedentes no direito brasileiro, a jurisprudência do e.STF já havia se pacificado quanto à possibilidade de rescisão do julgado que violava interpretação da ordem constitucional dada pelo Pretório Excelso, dada sua função de guardião da Constituição (p. ex., no e.STF, RE 529675 AgR-segundo, Relator Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 21-09-2018, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-205 DIVULG 26-09-2018 PUBLIC 27-09-2018). Contudo, observe-se que, nos moldes do Tema 136/STF, “Não cabe ação rescisória quando o julgado estiver em harmonia com o entendimento firmado pelo Plenário do Supremo à época da formalização do acórdão rescindendo, ainda que ocorra posterior superação do precedente”, sendo irrelevante a natureza da discussão posta no feito rescindendo (se constitucional ou infraconstitucional) para a observância da Súmula 343 (p. ex., no e.STF, AR 2572 AgR, Relator Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 24-02-2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-054 DIVULG 20-03-2017 PUBLIC 21-03-2017). No caso dos autos, a legislação invocada pelas autores como sendo violada pelo julgado rescindendo é o art. 569, I, do CPC/2015, segundo o qual cabe ao proprietário “a ação de demarcação, para obrigar o seu confinante a estremar os respectivos prédios, fixando-se novos limites entre eles ou aviventando-se os já apagados”. O julgado rescindendo foi proferido nos seguintes termos: “RELATÓRIO O EXMO. DESEMBARGADOR FEDERAL HÉLIO NOGUEIRA (RELATOR): Trata-se de recurso de apelação interposto por Roque Ruaro e outros contra a sentença que, nos autos da ação ordinária ajuizada em face do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA com o fim de anular o procedimento administrativo n° 54290.000373/2005-12 com o escopo de identificar, reconhecer, delimitar, demarcar e titular terras ocupadas por remanescentes da Comunidade Quilombola de "Dezidério Fellipe de Oliveira" no Distrito de Picadinlio, pertencente ao Município de Dourados/MS, julgou improcedente o pedido e condenou a autora ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em R$ 1 .000,00 (mil reais) para cada autor. Em suas razões recursais, sustentam os autores que as terras em questão não são ocupadas por quilombolas desde a década de 1930, conforme constatado pelo laudo antropológico, descumprindo o requisito do art. 68 dos ADCT. Concluem que o ato administrativo que convolou as terras de propriedade dos autores em terra quilombola fere o direito de propriedade, do devido processo legal e da inafastabilidade jurísdicional, ensejando esbulho da posse dos autores. Afirma que o Sr. Dezidério somente veio a ser reconhecido como escravo na data de 31/03/2005 e este ato não retroage, tampouco invalida a cadeia dominial que compreende a posse dos apelantes. Com as contrarrazões do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária e do Ministério Público Federal, subiram os autos a este E. Tribunal. O Ministério Público Federal de 2° grau opinou pelo desprovimento da apelação. É o relatório. VOTO Dos territórios ocupados por remanescentes das comunidades dos guilombos suleitos a título de domínio por particulares O art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias assegurou a propriedade definitiva aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras e impôs ao Estado a obrigação de emitir os títulos de propriedade em favor deles: "Art. 68. Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos." Esse dispositivo foi regulamento pelo Decreto n° 4.887/2003, que dispõe sobre o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e títulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos. O seu art. 2° define os critérios para identificação dos remanescentes das comunidades dos quilombos: "Art. 2. Consideram-se remanescentes das comunidades dos quilombos, para os fins deste Decreto, os grupos étnico -raciais, segundo critérios de auto -atribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida. §1o Para os fins deste Decreto, a caracterização dos remanescentes das comunidades dos quilombos será atestada mediante autodefinição da própria comunidade. §2o São terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos as utilizadas para a garantia de sua reprodução física, social, econômica e cultural. §3° Para a medição e demarcação das terras, serão levados em consideração critérios de territorialidade indicados pelos remanescentes das comunidades dos quilombos, sendo facultado à comunidade interessada apresentar as peças técnicas para a instrução procedimental." E o seu art. 13 previu a desapropriação das áreas que, apesar de ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos, estivessem sujeitas a título de domínio por um particular: "Art. 13. Incidindo nos territórios ocupados por remanesceu/es das comunidades dos quilombos título de domínio particular não invalidado por nulidade, prescrição ou comisso, e nem tornado ineficaz por outros fundamentos, será realizada vistoria e avaliação do imóvel, objetivando a adoção dos atos necessários à sua desapropriacão, quando couber. §1o Para os fins deste Decreto, o INCRA estará autorizado a ingressar no imóvel de propriedade particular, operando as publicações editalícias do art. 7° efeitos de comunicação prévia. §2° O INCRA regulamentará as hipóteses suscetíveis de desapropriação, com obrigatória disposição de prévio estudo sobre a autenticidade e legitimidade do título de propriedade, mediante levantamento da cadeia dominial do imóvel até a sua origem." A constitucionalidade desse Decreto foi questionada na Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 3.239. Arguiu-se tanto a inconstitucionalidade formal, por invadir esfera reservada à lei, quanto a inconstitucionalidade material, por criação de uma nova modalidade de desapropriação não prevista na CF; por resumir a identificação dos remanescentes das comunidades quilombolas ao critério da auto atribuição; e por sujeitar a delimitação das tenas a serem titulados aos indicativos fornecidos pelos próprios interessados. Embora o Relator, Exmo. Ministro Cezar Peluzo, tenha acolhido as teses da autora e votado pela procedência da ADI, prevaleceu, ao final, o voto da Exma. Ministra Rosa Weber, que votou pela improcedência. Confira-se a ementa do referido julgado: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. DECRETO N° 4.887/2003. PROCEDIMENTO PARA IDENTIFICAÇÃO, RECONHECIMENTO, DELIMITAÇÃO, DEMARCAÇÃO E TITULA ÇÃO DAS TERRAS OCUPADAS POR REMANESCENTES DAS COMUNIDADES DOS QUILOMBOS. ATO NORMATIVO AUTÔNOMO. ART. 68 DO ADCT. DIREITO FUNDAMENTAL. EFICÁCIA PLENA E IMEDIATA. INVASÃO DA ESFERA RESERVADA A LEI. ART 84, IV E VI, "A", DA CF. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL. INOCORRÉNCIA. CRITÉRIO DE IDENTIFICAÇÃO. AUTOATRIBUIÇÃO. TERRAS OCUPADAS. DESAPROPRIAÇÃO. ART 2' CAPUTE 1' 2"E3' EART. 13, CAPUTE,2' DO DECRETO N" 4.887/2003. INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL. INOCORRÊNCIA. IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO. 1. Ato normativo autónomo, a retirar diretamente da Constituição da República o seu fundamento de validade, o Decreto n° 4.887/2003 apresenta densidade normativa suficiente a credenciá-lo ao controle abstrato de constitucionalidade. 2. Inocorrente a invocada ausência de cotejo analítico na petição inicial entre o ato normativo atacado e os preceitos da Constituição tidos como malferidos, uma vez expressamente indicados e esgrimidas as razões da insurgência. 3. Não obsta a cognição da ação direta a falta de impugnação de ato jurídico revogado pela norma tida como inconstitucional, supostamente padecente do mesmo vício, que se feria por repristinada. Cabe à Corte, ao delimitar a eficácia da sua decisão, se o caso, excluir dos efeitos da decisão declaratória eventual efeito repristinatório quando constatada incompatibilidade com a ordem constitucional. 4. O art. 68 do ADCT assegura o direito dos remanescentes das comunidades dos quilombos de ver reconhecida pelo Estado a propriedade sobre as terras que histórica e tradicionalmente ocupam - direito fundamental de grupo étnico -racial minoritário dotado de eficácia plena e aplicação imediata. Nele definidos o titular (remanescentes das comunidades dos quilombos), o objeto (terras por eles ocupadas), o conteúdo (direito de propriedade), a condição (ocupação tradicional), o sujeito passivo (Estado) e a obrigação espec (fica (emissão de títulos), mostra-se apto o art. 68 do ADCT a produzir todos os seus efeitos, independentemente de integração legislativa. 5. Disponíveis à atuação integradora tão-somente os aspectos do art. 68 do ADCT que dizem com a regulamentação do comportamento do Estado na implementação do comando constitucional, não se identifica, na edição do Decreto 4.887/2003 pelo Poder Executivo, mácula aos postulados da legalidade e da reserva de lei. Improcedência do pedido de declaração de inconstitucionalidade formal por ofensa ao art. 84, IV e VI; da Constituição da República. 6. O compromisso do Constituinte com a construção de uma sociedade livre, justa e solidária e com a redução das desigualdades sociais (art. 3°, 1 e III, da CF) conduz, no tocante ao reconhecimento da propriedade das terras ocupadas pelos remanescentes das comunidades dos quilombos, à convergência das dimensões da luta pelo reconhecimento - expressa no fator de determinação da identidade distintiva de grupo étnico -cultural - e da demanda por justiça socioeconômica, de caráter redistributivo - compreendida no fator de medição e demarcação das terras. 7. Incorporada ao direito interno brasileiro, a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho - OIT sobre Povos Indígenas e Tribais, consagra a "consciência da própria identidade" como critério para determinar os grupos tradicionais aos quais aplicável, enunciando que Estado algum tem o direito de negar a identidade de um povo que se reconheça como tal. 8. Constitucionalmente legítima, a adoção da autoatribuição como critério de determinação da identidade quilombola, além de consistir em método autorizado pela antropologia contemporânea, cumpre adequadamente a tarefa de trazer à luz os destinatários do art. 68 do ADCT, em absoluto se prestando a inventar novos destinatários ou ampliar indevidamente o universo daqueles a quem a norma é dirigida. O conceito vertido no art. 68 do ADCT não se aparta do fenómeno objetivo nele referido, a alcançar todas as comunidades historicamente vinculadas ao uso linguístico do vocábulo quilombo. Adequação do emprego do termo "quilombo" realizado pela Administração Pública às balizas linguísticas e hermenêuticas impostas pelo texto -norma do art. 68 do ADCT Improcedência do pedido de declaração de inconstitucionalidade do art. 2°, § 1°, do Decreto 4.887/2003. 9. Nos casos Moiwana v. Suriname (2005) e Saramaka v. Suriname (2007), a Corte Interamericana de Direitos Humanos reconheceu o direito de propriedade de comunidades formadas por descendentes de escravos fugitivos sobre as terras tradicionais com as quais mantêm relações territoriais, ressaltando o compromisso dos Estados partes (Pacto de San José da Costa Rica, art. 21) de adotar medidas para garantir o seu pleno exercício. 10. O comando para que sejam levados em consideração, na medição e demarcação das terras, os critérios de territorialidade indicados pelos remanescentes das comunidades quilombolas, longe de submeter o procedimento demarcatório ao arbítrio dos próprios interessados, positiva o devido processo legal na garantia de que as comunidades tenham voz e sejam ouvidas. Improcedência do pedido de declaração de inconstitucionalidade do art. 2°, § 2° e 3°, do Decreto 4.887/2003. 11. Diverso do que ocorre no tocante às terras tradicionalmente ocupadas pelos índios - art. 231, § 6"- a Constituição não reputa nulos ou extintos os títulos de terceiros eventualmente incidentes sobre as terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos, de modo que a regularização do registro exige o necessário o procedimento expropriatório. A exegese sistemática dos arts. 5", XXIV, 215 e 216 da Carta Política e art. 68 do ADCT impõe, quando incidente título de propriedade particular legítimo sobre as terras ocupadas por quilombolas, seja o processo de transferência da propriedade mediado por regular procedimento de desapropriacão. Improcedência do pedido de declaração de inconstitucionalidade material do ar!. 13 do Decreto 4.887/2003. Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente. (ADI 3239, Relator(a): Mi CEZÁR PEL USO, Relator(a) p/ Acórdão: Mi ROSA WEBER, Tribunal Pleno, julgado em 08/02/2018, ACORDAO ELETRONICO DJe-019 DIVULG 31-01-2019 PUBLIC 01- 02-20 19) Entendeu a Exma. Ministra Rosa Weber que o art. 68 da ADCT não é mera norma veiculadora de preceito genérico, mas sim norma definidora de direito fundamental de grupo étnico -racial minoritário, dotada de eficácia plena e aplicação imediata, cujo direito subjetivo nela assegurado é exercitável, independentemente de integração legislativa, e não se admite que nenhuma lei que venha a ser editada poderá frustrar ou restringir o exercício dos direitos nela. Consignou que o art. 68 elenca de modo completo e abrangente os elementos delineadores do direito que consagra, ainda que sem esmiuçar os detalhes procedimentais ligados ao respectivo exercício, a saber: o titular (os remanescentes das comunidades dos quilombos); o objeto (as terras por eles ocupadas); o conteúdo (o direito de propriedade); a condição (ocupação tradicional); o sujeito passivo (o Estado); e a obrigação específica (emissão de títulos), de modo que não há espaço para a conformação do direito em si e é dever do Estado a tutela (observância e proteção) do direito fundamental, assim como agir positivamente para alcançar o resultado pretendido pela Constituição. A partir dessa linha de raciocínio, concluiu pela inexistência de invasão de esfera reservada à lei e, por conseguinte, pela improcedência da inconstitucionalidade formal. E afastou a alegada inconstitucionalidade material do art. 2°, caput e § 10, do Decreto n° 4.887/2003, sob o argumento de que é válido o critério de "auto atribuição/auto definição" para identificação dos remanescentes das comunidades quilombolas, pois não há uma definição precisa do termo quilombo, o qual, entretanto, descreve um fenômeno objetivo - ainda que de imprecisa definição -' e estes grupos são caracterizados pela heterogeneidade. Porém, é certo que a Constituição brasileira reconhece-os como unidades dotadas de identidade étnico -cultural distintiva e prevê proteção, equiparada à dispensada aos povos indígenas, tendo em vista que constituem populações extremamente vulneráveis e com elevado déficit na fruição de direitos fundamentais e a Constituição compromete-se com a construção de uma sociedade livre, justa e solidária e com a redução das desigualdades sociais, consoante dispõe o seu art. 30, 1 e III. Assim, conclui que "a eleição do Critério da autoatribuição não é arbitrário, tampouco desfundamentado ou viciado. Além de consistir em método autorizado pela antropologia contemporânea, estampa uma opção de política pública legitimada pela Carta da República, na medida em que visa à interrupção do processo de negação sistemática da própria identidade aos grupos marginalizados, este uma injustiça em si mesmo" e que 'Recusar a autoidentificação implica converter a comunidade remanescente do quilombo em gueto, substituindo-se a lógica do reconhecimento pela lógica da segregação Também aponta que a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho - OIT sobre Povos Indígenas e Tribais, de 27.6.1989, incorporada ao direito interno por meio do Decreto Legislativo 143/2002 e do Decreto 5.051/2004, consagrou a "consciência da própria identidade" como critério para determinar os grupos tradicionais indígenas ou tribais, enunciando que nenhum Estado tem o direito de negar a identidade de um povo indígena ou tribal que se reconheça como tal. Assim, o critério da autoidentificação cumpre adequadamente a tarefa de trazer à luz os destinatários do art. 68 do ADCT, não se prestando a inventar novos destinatários ou ampliar indevidamente o universo daqueles a quem a norma é dirigida. Também afastou a alegada inconstitucionalidade material do art. 2°, e 3°, do Decreto n° 4.887/2003 "por supostamente sujeitarem a identificação, medição e demarcação das terras aos critérios indicados pelos próprios interessados, em detrimento de Critérios histórico -antropológicos ", sob os argumentos de que: (í) a área ocupada pelos remanescentes das comunidades dos quilombos pode ser conceituada como as terras utilizadas por aquele grupo social para garantir sua sobrevivência, ou mais ainda, para assegurar a reprodução de seu modo de vida específico e, muitas vezes, a própria ideia de um território fechado, com limites individualizados, parece estranha aos moradores dessas comunidades; e (ii) os critérios de territorialidade indicados pelos remanescentes das comunidades quilombolas, embora devam ser levados em consideração pela Administração durante o procedimento de medição e demarcação das terras, assegurando a sua participação, não faz de tais parâmetros os únicos objeto de análise ou que vinculem o ato administrativo correspondente. Ressalta que há possibilidade de controle, pois não basta à incidência do art. 68 do ADCT a autodefinição do sujeito coletivo como remanescente de quilombo, sendo necessária a evidência da ocupação tradicional das terras reivindicadas. Pontua que a data da abolição da escravidão, 13 de maio de 1888, não tem serventia metodológica à definição do status dos quilombos, porque o próprio conceito de remanescente de quilombo nos dias atuais exige a reprodução contínua de uma comunidade que, originada da resistência à escravidão, permaneceu coesa; e é impossível saber, hoje, em que momento do passado histórico a Lei Aurea, embora assinada naquela data, se tornou de conhecimento público em localidades remotas do território brasileiro, bem como a disposição que tiveram as autoridades locais de lhe conferir eficácia. Por fim, afastou a alegada inconstitucionalidade material do art. 13 do Decreto n° 4.887/2003, sob os argumentos de que: (i) o art. 68 do ADCT define o fato da ocupação tradicional por remanescentes dos quilombos, com as relações territoriais específicas que lhe são inerentes, como constitutivo da propriedade e do domínio, de modo que, constatada a situação de fato, a Lei Maior do país confere-lhes o título de propriedade; (ii) como a Constituição não invalidou os títulos de propriedade eventualmente existentes, faz-se necessária a regularização do registro, por meio de procedimento expropriatório; e (iii) não se criou nova modalidade de desapropriação, sem previsão constitucional, seja porque o art. 5°, XXW, da CF/88 prevê a desapropriação por interesse social e há motivo de interesse social quando a expropriação se destine a solucionar os chamados problemas sociais ou, nos termos do art. 18 da Lei n° 4.504/1964, é aquela que tem por fim, entre outros objetivos, "condicionar o uso da terra à sua função social", seja porque os arts. 215 e 216 da CF autorizam a desapropriação para a proteção do patrimônio cultural brasileiro, de modo que a possibilidade de desapropriação decorre diretamente da Constituição. Confira-se, ainda, o trecho do voto vencedor: "4.5. Adequação do instrumento da desapropriação (ari. 13, capul e § 2', do Decreto 4.887/2003. Também não vinga a tese de que, ao reconhecer a propriedade definitiva, o art. 68 do ADCT não admite a realização de desapropriações, pelo INCRA, visando à transferência, aos remanescentes das comunidades dos quilombos, das áreas por eles ocupadas (art. 13, caput e § 2", do Decreto 4.887/2003). Eis o teor do art. 13, caput e § 2', do Decreto 4.887/2003: "Art. 13. Incidindo nos territórios ocupados por remanescentes das comunidades dos quilombos título de domínio particular não invalidado por nulidade, prescrição ou comisso, e nem tornado ineficaz por outros fundamentos, será realizada vistoria e avaliação do imóve4 objetivando a adoção dos atos necessários à sua desapropriação, quando couber. (...) § 2" O INCRA regulamentará as hipóteses suscetíveis de desapropriação, com obrigatória disposição de prévio estudo sobre a autenticidade e legitimidade do título de propriedade, mediante levantamento da cadeia dominial do imóvel até a sua origem." 4.5.1. Na hipótese do art. 68 do ADCT, os atos administrativos que, envolvendo a identificação, o reconhecimento, a delimitação e a demarcação, resultam na titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos formalizam o direito de propriedade constituído pela norma constitucional. A ocupação - posse - conduz à propriedade, desde que observadas as demais condições constantes do preceito. Reconhece-se o fato da ocupação tradicional, com as relações territoriais específicas que lhe são inerentes, como constitutivo da propriedade e do domínio e, em vista disso, se procede a titulação, formalizando a situação fundiária. O art. 68 do ADCT, leciona José Afonso da Silva, não exige outra formalidade "senão a simples constatação da ocupação - pressuposto que dá direito aos beneficiados de obter os títulos de propriedade respectivos. "52 4.5.2. O art. 68 do ADCT, por definir e assegurar direito fundamental, reveste-se de autoaplicabilidade, a teor do art. 5', § 1 ' da Lei Maior. Em consequência, juridicamente perfeita a edição de decreto federal com regras administrativas visando a dar àquela norma constitucional efetividade prática, possibilitando o gozo dos direitos. "53 A respeito da natureza da norma insculpida no art. 68 do ADCT, discorre Antônio Carlos Caetano de Menezes: "O Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, como sabemos, é estabelecido em caráter temporário e se destina à transição de um regime constitucional para outro. Dessa forma, tende a perder sua importância na medida em que suas determinações se efetivam, mas enquanto isso não ocorre, obviamente deve ser aceito ainda como parte integrante do texto constitucional, ao qual se deve conferir a máxima efetividade." (destaque)” É a própria Constituição, portanto, o nascedouro do título, ao outorgar, aos remanescentes de quilombos, a propriedade das terras por eles ocupadas. Constatada a situação de fato - ocupação tradicional das terras por remanescentes dos quilombos -, a Lei Maior do país confere-lhes o título de propriedade. E o faz não só em proteção ao direito fundamental à moradia, mas à própria dignidade humana, em face da íntima relação entre a identidade coletiva das populações tradicionais e o território por elas ocupado. A injustiça que o art. 68 do ADCT visa a coibir não se restringe à "terra que se perde, pois a identidade coletiva também perigo sucumbir"55. 4.5.3. Na própria Constituição há de se buscar a solução para a questão procedimental atinente a eventual existência de títulos em nome de terceiros relativos às mesmas áreas, pois em nenhum de seus dispositivos reputa nulos ou extintos os títulos eventualmente incidentes sobre as terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos, diverso do que ocorre, por exemplo, no tocante às terras tradicionalmente ocupadas pelos índios - art. 23], § 6" -, em relação às quais esta Corte já assentou: "(..) DIREITOS 'ORIGINÁRIOS Os direitos dos índios sobre as terras que tradicionalmente ocupam foram constitucionalmente 'reconhecidos', e não simplesmente outorgados, com o que o ato de demarcação se orna de natureza declaratória, e não propriamente constitutiva. Ato declaratório de uma situação jurídica ativa preexistente. Essa a razão de a Carta Magna havê-los chamado de 'originários', a traduzir um direito mais antigo do que qualquer outro, de maneira a preponderar sobre pretensos direitos adquiridos, mesmo os materializados em escrituras públicas ou títulos de legitimação de posse em favor de não -índios. Atos, estes, que a própria Constituição declarou como 'nulos e extintos' (6 do art. 23 da CF)." (Pet 3.388/RR, Tribunal Pleno, Relator Ministro Ayres Brito, DJe 24.9.2009). No caso dos remanescentes das comunidades quilombolas, a Constituição reconhece, pela primeira vez na ordem jurídica, a própria existência jurídica de tais sujeitos coletivos de direitos e lhes outorga o direito de propriedade sobre as terras por eles ocupadas. Não invalida os títulos de propriedade eventualmente existentes, de modo que a regularização do registro exige o necessário o procedimento expropriatório 4.5.4. O princípio exegético da máxima efetividade das normas definidoras de direitos fundamentais impõe ao intérprete da Constituição, diante de um texto polissêmico, optar, dentre os sentidos que a linguagem possibilita, por aquele que lhe confere a maior concretude. A interpretação do art. 68 do ADCT no sentido de que contempla hipótese de aquisição da propriedade por meio de usucapião sui generis esvazia o seu conteúdo, uma vez que tal modalidade de aquisição da propriedade independe de previsão especifica de proteção aos remanescentes das comunidades dos quilombos. Por outro lado, na medida em que assegura uma proteção especial, a previsão do art. 68 do ADCT não prejudica nem interfere na aquisição da propriedade por meio do usucapião que já se tenha eventualmente operado: se já ocorreu o usucapião em favor dos remanescentes das comunidades quilombolas, não há razão para a instauração do procedimento de desapropriação. Diversamente, se por alguma razão não se operou a prescrição aquisitiva - pela intercorrência de alguma causa suspensiva ou interruptiva - aí sim tem lugar a desapropriação. 4.5.5. Entender, como o fazem Celso Ribeiro Rastos e Ives Gandra Martins, que o escopo do dispositivo se limita às terras devolutas, chancela, com a devida vênia, discriminação indevida entre remanescentes das comunidades dos quilombos alcançados pela proteção constitucional e remanescentes das comunidades dos quilombos em relação aos quais se retira a concretude da norma do art. 68 do ADCT - norma definidora de direito fundamental. Tal discriminação, fundada tão só o status da terra ocupada, não encontra respaldo no Sistema da Constituição da República de 1988. 4.5.6. A Constituição de 1988 consagra o instituto, já presente na Constituição de 1946, da desapropriação por interesse social. Consoante o art. 5°, XXIV, da Lei Maior, "a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição (destaquei). A respeito dessa categoria de desapropriação, afirma Seabra Fagundes, um dos autores do texto da Lei 4.132/1962 - definidora, ainda sob a égide da Carta de 1946, de suas hipóteses -, que "haverá motivo de interesse social quando a expropriação se destine a solucionar os chamados problemas sociais, isto é, aqueles diretamente atinentes às classes pobres, aos trabalhadores e à massa do povo em geral, pela melhoria das condições de vida, pela mais equitativa distribuição da riqueza, enfim, pela atenuação das desigualdades sociais. Com base nele, terão lugar as expropriações que se façam para atender a planos de habitações populares ou de distribuições de terras, à monopolização de indústrias ou nacionalização de empresas quando relacionadas com a política econômico -trabalhista do governo." Ressalte-se que não cuida da espécie a Lei 8.629/1993, que dispõe sobre a desapropriação para fins de reforma agrária, do que aqui não se cogita. O conteúdo jurídico da desapropriação por interesse social é, ainda hoje, dado pela Lei 4.504/1964, cujo art. 18, alínea "a", reza: a desapropriação por interesse social é aquela que tem por fim, entre outros objetivos, "condicionar o uso da terra à sua função social". Nessa medida, a função social das terras ocupadas pelos remanescentes das comunidades dos quilombos somente pode ser aquela que lhes é dada diretamente pela Constituição, pois nenhuma norma outra a ela se sobrepõe. Assim, "o próprio texto constitucional operou a afetação das terras ocupadas pelos quilombolas a uma finalidade pública de máxima relevância, eis que relacionada a direitos fundamentais de uma minoria étnica vulnerável: o seu uso, pelas próprias comunidades, de acordo com os seus costumes e tradições, de forma a garantir a reprodução fisica, social, econômica e cultural dos grupos em questão. " A possibilidade de desapropriação decorre, portanto, diretamente da Constituição, de todo inviável inferir do art. 68 do ADCT presunção de que devolutas as terras ocupadas pelos quilombolas ou pertinentes a propriedades com títulos inválidos. 4.4.7. Compreendida a norma constitucional transitória como veiculadora de direito fundamental de uma população vulnerável e uma vez atrelado a esse direito o estabelecimento, pelo legislador constituinte, de política pública voltada ao resgate dos direitos dessa população - agora reconhecidos, mas até então sistematicamente recusados -, a responsabilidade pela respectiva implementação não pode recair somente nos ombros dos eventuais detentores de título de propriedade sobre terras quilombolas. Além disso, por se tratar de direito que não se esgota na dimensão do direito real de propriedade, e sim de direito qualificado como direito cultural fundamenta4 a norma do art. 68 do ADCT deve ser interpretada em conjunto com a do art. 216, § 1', da Constituição da República, que expressamente autoriza a desapropriação para a proteção do patrimônio cultural brasileiro. Reforça essa exegese o fato de que o texto que veio a se constituir no art. 68 do ADCT partiu de demandas apresentadas pelo movimento negro organizado a integrantes da Assembleia Nacional Constituinte, tendo sua gênese nas discussões sobre o patrimônio cultural brasileiro que se encontram na base dos arts. 215 e 216 do corpo da Constituição. Nada obstante, "durante o processo constituinte, nem uma única discussão foi registrada nos anais do Congresso sobre o futuro artigo 68 do ADCT. Incluído inicia/mente em uma das propostas sobre a proteção do patrimônio cultural brasileiro, a proposição de titulação das terras dos remanescentes de comunidades de quilombos foi deslocada para o ADCT devido à sua própria natureza transitória. "58 A adequada exegese do art. 68 do ADCT passa, pois, pela perspectiva de sua íntima relação com o disposto nos uns. 215 e 216 do corpo da Constituição da República. Nessa medida, a compreensão sistemática da Carta Política não só autoriza como exige, quando incidente título de propriedade particular legítimo sobre as terras ocupadas por quilombolas, seja o processo de transferência da propriedade para estes mediada por regular procedimento de desapropriação. E esse imperativo constitucional é preservado pelo art. 13 do Decreto 4.887/2003. Assim, por não vislumbrar vício de inconstitucionalidade no procedimento de desapropriacão previsto no Decreto 4.887/2003, julgo improcedente o pedido de declaração de inconstitucionalidade material do art. 13, caput e 2", que encontram amparo no art. 5", XXIV, da Lei Maior, tal como conformado pela legislação infraconstitucional vigente. 5. Impertinente, para o exame da constitucionalidade do Decreto 4.887/2003, o argumento calcado na suposta insuficiência, em comparação com determinadas expectativas, dos resultados obtidas até o momento pela política pública de titulação das terras ocupadas pelas comunidades remanescentes dos quilombos. Somente pode ser aperfeiçoado um Sistema em funcionamento. A imperfeição dos resultados alcançados por uma política pública - sob prisma outro que não a de sua constitucionalidade - requer ajuste e aperfeiçoamento, em absoluto a sua paralisação. 6. Conclusão. Ante o exposto, pedindo vênia ao eminente relator, conheço da ação direta de inconstitucionalidade e a julgo improcedente." No caso dos autos, trata-se da demarcação da Comunidade Quilombola de "Dezidério Felipe de Oliveira" no Distrito de Picadinho, pertencente ao Município de Dourados/MS, por meio do processo administrativo n.° 54.290.000373/2005-12. Alegam os autores que as terras em questão não são ocupadas por quilombolas desde a década de 1930 conforme supostamente constatado pelo laudo antropológico. Porém, os autores não juntaram cópias do procedimento administrativo n° 54290.000373/2005-12 ou, ao menos, do Relatório Antropológico e o Relatório de Limitação e Delimitação e não há nos autos qualquer prova de que não houvesse ocupação pelos remanescentes da comunidade quilombola. Isso porque os únicos documentos trazidos pelos autores são os títulos de propriedade em seu favor e as guias de recolhimento de tributos relativos aos imóveis, todavia estes documentos não se prestam a comprovar a inexistência de ocupação tradicional pelos remanescentes de comunidades de quilombo. Também alegam os autores que o Sr. Dezidério somente veio a ser reconhecido como escravo na data de 31/03/2005, contudo este fato é irrelevante para o deslinde do caso, porquanto art. 68 do ADCT e o Decreto no 4.887/2003 exigem apenas a ocupação tradicional pelos remanescentes de comunidades de quilombo, assim auto definidos. Aliás, este Tribunal já teve a oportunidade de apreciar, por diversas vezes, a questão específica das terras "particulares' na Comunidade Quilombola de "Dezidério Fellipe de Oliveira" no Distrito de Picadinho, pertencente ao Município de Dourados/MS e, em todas as ocasiões, concluiu pela regularidade do processo administrativo n° 54.290.000373/2005-12 e pela inoponibilidade dos títulos particulares. Confira-se os seguintes precedentes: ADMINISTRATIVO. COMUNIDADE REMANESCENTE DE QUILOMBO. ATO ADMINISTRATIVO. PRESUNÇÃO DE LEGITIMIDADE E VERACIDADE. TÍTULO RATIFICA TÓRIO. PROCESSO ADMINISTRATIVO. VALIDADE. DECADÊNCIA. PRESUNÇÃO "JUPJS TANTUM" DO REGISTRO. 1. O ato administrativo goza de presunção de legitimidade e veracidade, justflcando-se a pretensão do INCRA de investigar se a área é ou não remanescente de quílombos, pois em decorrência desse atributo presumem-se verdadeiros os fatos alegados pela Administração. Também se presume verossímil o "título ratificatório" emitido pelo INCRA aos particulares, mas o processo que o antecede tem por objetivo verificar questões de segurança nacional e agrárias, de modo a verificar se o imóvel cumpre as determinacões do Estatuto da Terra e se está apto a cumprir a função social da propriedade. 2. Inexistente nos autos prova inequívoca de que a área objeto de litígio pertence ou não à comunidade quilombola, é injustificável a alegação de nulidade do procedimento de identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos de que trata o art. 68 do ADCT, regulamentado pelo decreto n.° 4.887/2003. 3. Deflagrado o processo administrativo, a questão será analisada em todo o seu aspecto, com a devida observância do contraditório e da ampla defesa, quando então poderá se definir se o imóvel integra ou não a comunidade quilombola. Precedente do E. TRF da 5Região. 4. O decreto n. ' 4.887/2003. art. 17, incorporou ao ordenamento jurídico pátrio os caracteres da inalienabilidade, indisponibilidade e imprescritibilidade das terras remanescentes das comunidades de quilombos. Seja por expressa previsão formal na legislação, seja porque a Constituição explicitamente diz ser dever do Estado a emissão dos títulos de propriedade definitiva aos remanescentes das comunidades dos quilombos (ADCT, art. 68), não há que se falar em decadência do direito dos quilombolas de reaverem as terras. 5. O registro do título translativo no Registro de Imóveis não gera presunção absoluta do direito real de propriedade, apenas relativa (CC/1916, art. 527 e CC/2002, art. 1.231). Na hipótese dos autos, não há que se apegar ao fato de haver título ratificatório com forca de escritura pública outorgado pelo INCRA à particular em 1983, para retirá-lo do domínio público. Mesmo que os particulares sejam portadores de título, ele poderá ser inoponível à União, mesmo sendo a transcrição imobiliária muito antiga, uma vez que a titularidade de áreas remanescentes de quilombos tem natureza originária. 6. E indevido excluir do processo administrativo 0 54.290.0003 73/2005-12 o imóvel em litígio, sendo devido aguardar a deflagração de regular processo administrativo no qual poderá se definir se o imóvel integra ou não terra remanescente das comunidades quilombolas, inclusive para fins do art. 68 do ADCT 7. Preliminares rejeitadas. Apelação do INCRA a que se dá provimento. Apelação de Francisco Seiki Arakaki e Valter Arakaki a que se nega provimento. Decisão de concessão de tutela antecipada suspensa. (APELREEX - APELAÇÃO/REEXAME NECESSARIO - 1442686 0002501-60.2008.4.03.6002, DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI, TRF3 - PRIMEIRA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:08/07/201 1 PÁGINA: 270 FONTE REPUBLICACAO:.) PROCESSUAL CIVIL. DIREITO CONSTITUCIONAL. REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA DA COMUNIDADE QUILOMBOLA DO PICADINHO/MS. AÇÃO ANULATÓRIA DE ATO ADMINISTRATIVO DO INCRA. INTERESSE PROCESSUAL PRESENTE. LEGITIMIDADE RECUR SAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO. OCUPAÇÃO CONTEMPORÂNEA A OUTUBRO DE 1988. PRESENÇA DE ESBULHO RENITENTE. REIVINDICAÇÃO DAS TERRAS POR DESCENDENTES DE DEZIDÉRIO FELLIPE OLIVEIRA. CONCESSÃO DE TITULA ÇÃO DEFINITIVA. REMESSA OFICIAL E APELAÇÕES PROVIDAS. 1. O interesse de agir está presente. Com a elaboração de relatório técnico favorável à Comunidade Quilombola do Picadinho, é grande a possibilidade de publicação da portaria de demarcação e do decreto homologatório. A ameaça de lesão a direito se apresenta claramente. II. De qualquer jeito, o Conselho Diretor do INCRA negou provimento aos recursos interpostos no procedimento administrativo, o que ratifica a regularização fundiário sugerido e impulsiona a execução da atividade demarcatória (artigo 9°, parágrafo único, do Decreto n° 4.887/2003 e artigo 17 da Instrução Normativa n° 57/2009). III. O Ministério Público possui legitimidade recursal. IV. Além de defensor da ordem jurídica, cuja violação pode ter sida causado por decisão judicial em particular, compete a ele proteger os interesses coletivos - os direitos das comunidades tradicionais dizem respeito ao patrimônio cultural brasileiro - e intervir nas causas de conflito de terras (artigo 5°, 1 e III, e, da Lei Complementar n° 75/1993 e artigo 82, III, do CPC). V. A Constituição Federal de 1988, para reafirmar a composição heterogênea da civilização nacional e responder aos malefícios do regime de escravidão que marcou a história do Brasil, assegurou aos remanescentes dos quilombos a propriedade definitiva dos territórios que estejam ocupando (artigo 68 da ADCT). VI. A regularização fundiária tem um marco temporal específico: as áreas possuídas pelo grupo tribal no momento da promulgação da norma constitucional. Os trechos ocupados no passado, sem desdobramentos recentes, ou que o forem após aquela data ficam à margem do processo. VII. E necessário também que os espaços condicionem a manifestação cultural da comunidade quilombola, representando não apenas um meio de subsistência, mas também um elemento de identificação étnico -racial. VIII O fato de a ocupação precisar ser contemporânea à promulgação da CF de 88 não barra o direito de quem continua a cobiçar culturalmente o território e não consegue reconquistá-lo devido ao esbulho renitente dos atuais ocupantes. IX. De acordo com o Relatório de Identificação e Delimitação, Dezidério Feilipe de Oliveira, ao se mudar para o distrito de Picadinho. passou a ocupar 3.748 hectares na cabeceira de São Domingos. Após o seu falecimento, Maria Cândida Batista de Oliveira, a rogo, outorgou uma procuração a Waldemiro de Souza, para que ele providenciasse a legalização da posse junto ao Estado do Mato Grosso do Sul. X. Depois da concessão de título definitivo de propriedade, o mandatário habilitou no Juízo de Inventário o crédito pela prestação de serviços e obteve a transferência de 3.148 hectares, distribuindo, nos três anos seguintes, parcelas do terreno a diversos compradores. XI. Houve a apropriação fraudulenta das terras, porquanto a retribuição pelo desempenho do mandato foi nitidamente desproporcional. Ninguém se prontificaria a pagar uma assessoria que consumisse mais de 80% da área pretendida, principalmente num momento de grande especulação imobiliária no local. XII. Os herdeiros, cientes da fraude e da evasão da herança, decidiram contratar Milton de França Morais para anular as transcrições feitas no nome de Waldomiro de Souza. A ação foi proposta no ano de 1970 e o Juiz da 2° Vara Cível da Comarca de Dourados/MS determinou a expedição de mandado de citação por edital. XIII. Os filhos, netos, bisnetos de Dezidério Fellipe de Oliveira não assistiram passivamente à transmissão maliciosa de 3.148 hectares entregues pelo Estado do Mato Grosso do SuL. Nas décadas de 1970 e 1980, reivindicaram os imóveis, por intermédio de ações anulatórias. Os atuais ocupantes tentaram intimidá-los, como demonstram os recortes de jornais da época. XIV. A resistência trouxe ao esbulho urna feição renitente e impediu que a comunidade perdesse o vínculo moral com os territórios, que continuaram a condicionar a reprodução física, cultural, social e econômica de cada um de seus membros. Como a reação se aproximou da data da promulgação da CF de 88, a ocupação manteve a tradicionalidade. XV Remessa oficial e apelações providas. Condenação do autor ao pagamento de honorários de advogado de R$ 5.000,00. (APELREEX - APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO - 1651830 0002213-78.2009.4.03.6002, DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO CEDENHO, TRF3 - SEGUNDA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:04/12/2014 FONTE REPUBLICACAO:.) DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. QUILOMBOLAS. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. LEGALIDADE E DISCRICIONARIEDADE. INTERESSE DE AGIR DA A UTORA. PRELIMINAR DO INCRA REJEITADA. RECURSOS DO INCRA E DO MPF PROVIDOS. 1 - Preliminar. Artigo 5", XXV da Constituição Federal. A autora consta nas matrículas dos imóveis na condição de proprietária dos bens. Ainda que o processo de demarcação das terras esteja no início, resta evidente que a autora tem contra ela o receio da perda da propriedade, até porque esse é o objetivo do procedimento administrativo instaurado. Diante disso, tem a autora interesse de agir, vez que na ação intentada há coexistência de necessidade concreta, atual e específica de se recorrer ao Poder Judiciário para obtenção de um provimento. II - Mérito. Segundo os termos do Decreto n° 4.887/03, o Ministério do Desenvolvimento Agrário, por intermédio do Instituto de Colonização e Reforma Agrária - INCRA é o órgão da Administração Pública competente para a identificação. reconhecimento, delimitação. demarcação e titulação das terras ocupadas pelos remanescentes das comunidades dos quilombos, sem prejuízo da competência concorrente dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (artigo 3', caput c.c. artigo 68. do ADCT). III - Diante dessa prerrogativa, fica a Administração Pública encarregada de instaurar o procedimento administrativo para a identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas pelos quilombolas, assegurando aos proprietários das áreas investigadas o respeito à estrita observância dos princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa. IV - A simples instauração do procedimento administrativo por parte do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA para a averiguação de área como quilombola não gera a presunção absoluta de que o imóvel deverá ser desapropriado. A autora terá à sua disposição todos os meios aptos a demonstrar que é legítima proprietária do imóvel em questão, além de estar protegida pela certeza do cumprimento do devido processo legal e da observância do contraditório e da ampla defesa. V - Além disso, cumpre ressaltar que a instauração do procedimento administrativo para a averiguação de área como quilombola é ato discricionário da Administração Pública. Seja pelo aspecto legal, seja pelos motivos que ensejaram o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA, não há elementos concretos no sentido de provocar o Poder Judiciário para declarar a nulidade do procedimento administrativo n" 54290.000373/2005-12 em relação ao imóvel da autora, o que significa dizer que o seu prosseguimento é medida que se impõe. VI- Precedente desta Egrégio Corte: Embargos de Declaração na Apelação Cível n 0002501-60.2008.4.03.6002, Relator Desembargador Federal José Lunardeili, 1" Turma, j. 24/06/14, e-DJF3 07/07/14. VII - Preliminar rejeitada. No mérito, recursos do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA edo Ministério Público Federal providos. (APELREEX - APELAÇÃO/REEXAME NECESSARIO - 1741442 0003435-81.2009.4.03.6002, DESEMBARGADORA FEDERAL CECILIA MELLO, TRF3 - DÉCIMA PRIMEIRA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA: 15/04/2015 FONTE REPIJBLICACAO:.) Por todas as razões expostas, a sentença deve ser integralmente mantida. Dos honorários recursais Interposto o recurso sob a égide do CPC/1973, deixo de aplicar o artigo 85 do Novo Código de Processo Civil, porquanto a parte não pode ser surpreendida com a imposição de condenação não prevista no momento em que recorreu, sob pena de afronta ao princípio da segurança jurídica. Ressalte-se, ainda, que, nos termos do Enunciado Administrativo n° 7, elaborado pelo Superior Tribunal de Justiça para orientar a comunidade jurídica acerca da questão do direito intertemporal, tratando-se de recurso interposto contra decisão publicada anteriormente a 18/03/2016, não é possível o arbitramento de honorários sucumbenciais recursais, na forma do artigo 85, § 11, do CPC/20l5: Enunciado administrativo número 7: Somente nos recursos interpostos contra decisão publicada a partir de 18 de março de 2016, será possível o arbitramento de honorários sucumbenciais recursais, na forma do artigo 85, § 11, do novo CPC. Do dispositivo Ante o exposto, nego provimento ao recurso de apelação dos autores . É como voto.” Não vislumbro ofensa ao dispositivo legal invocado pela parte autora (o art. 569, I, do CPC/2015), eis que este se aplica às ações de divisão e demarcação de terras particulares. No caso dos autos, ao contrário, discute-se matéria de caráter público. No caso dos autos, incide o procedimento previsto no Decreto nº 4.887/2003, que dispõe sobre os procedimentos administrativos para a identificação, o reconhecimento, a delimitação, a demarcação e a titulação da propriedade definitiva das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos, de que trata o art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Esse Decreto nº 4.887/2003, notadamente em seu art. 13, dispõe expressamente sobre o modo de se proceder nos casos em que sobre os territórios ocupados por remanescentes das comunidades dos quilombos incidir título de domínio particular não invalidado por nulidade, prescrição ou comisso, e nem tornado ineficaz por outros fundamentos. Nessa hipótese, é amplamente descrito o modo de atuação do INCRA, entre eles a vistoria e avaliação do imóvel, objetivando a adoção dos atos necessários à sua desapropriação, quando couber. Trata-se de matéria que já foi objeto de discussão na ADI 3239/STF, que, entre outros itens, afastou a inconstitucionalidade material do art. 13 do Decreto 4.887/2003. Confira-se: EMENTA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. DECRETO Nº 4.887/2003. PROCEDIMENTO PARA IDENTIFICAÇÃO, RECONHECIMENTO, DELIMITAÇÃO, DEMARCAÇÃO E TITULAÇÃO DAS TERRAS OCUPADAS POR REMANESCENTES DAS COMUNIDADES DOS QUILOMBOS. ATO NORMATIVO AUTÔNOMO. ART. 68 DO ADCT. DIREITO FUNDAMENTAL. EFICÁCIA PLENA E IMEDIATA. INVASÃO DA ESFERA RESERVADA A LEI. ART. 84, IV E VI, "A", DA CF. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL. INOCORRÊNCIA. CRITÉRIO DE IDENTIFICAÇÃO. AUTOATRIBUIÇÃO. TERRAS OCUPADAS. DESAPROPRIAÇÃO. ART. 2º, CAPUT E §§ 1º, 2º E 3º, E ART. 13, CAPUT E § 2º, DO DECRETO Nº 4.887/2003. INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL. INOCORRÊNCIA. IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO. 1. Ato normativo autônomo, a retirar diretamente da Constituição da República o seu fundamento de validade, o Decreto nº 4.887/2003 apresenta densidade normativa suficiente a credenciá-lo ao controle abstrato de constitucionalidade. 2. Inocorrente a invocada ausência de cotejo analítico na petição inicial entre o ato normativo atacado e os preceitos da Constituição tidos como malferidos, uma vez expressamente indicados e esgrimidas as razões da insurgência. 3. Não obsta a cognição da ação direta a falta de impugnação de ato jurídico revogado pela norma tida como inconstitucional, supostamente padecente do mesmo vício, que se teria por repristinada. Cabe à Corte, ao delimitar a eficácia da sua decisão, se o caso, excluir dos efeitos da decisão declaratória eventual efeito repristinatório quando constatada incompatibilidade com a ordem constitucional. 4. O art. 68 do ADCT assegura o direito dos remanescentes das comunidades dos quilombos de ver reconhecida pelo Estado a propriedade sobre as terras que histórica e tradicionalmente ocupam – direito fundamental de grupo étnico-racial minoritário dotado de eficácia plena e aplicação imediata. Nele definidos o titular (remanescentes das comunidades dos quilombos), o objeto (terras por eles ocupadas), o conteúdo (direito de propriedade), a condição (ocupação tradicional), o sujeito passivo (Estado) e a obrigação específica (emissão de títulos), mostra-se apto o art. 68 do ADCT a produzir todos os seus efeitos, independentemente de integração legislativa. 5. Disponíveis à atuação integradora tão-somente os aspectos do art. 68 do ADCT que dizem com a regulamentação do comportamento do Estado na implementação do comando constitucional, não se identifica, na edição do Decreto 4.887/2003 pelo Poder Executivo, mácula aos postulados da legalidade e da reserva de lei. Improcedência do pedido de declaração de inconstitucionalidade formal por ofensa ao art. 84, IV e VI, da Constituição da República. 6. O compromisso do Constituinte com a construção de uma sociedade livre, justa e solidária e com a redução das desigualdades sociais (art. 3º, I e III, da CF) conduz, no tocante ao reconhecimento da propriedade das terras ocupadas pelos remanescentes das comunidades dos quilombos, à convergência das dimensões da luta pelo reconhecimento – expressa no fator de determinação da identidade distintiva de grupo étnico-cultural – e da demanda por justiça socioeconômica, de caráter redistributivo – compreendida no fator de medição e demarcação das terras. 7. Incorporada ao direito interno brasileiro, a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT sobre Povos Indígenas e Tribais, consagra a "consciência da própria identidade" como critério para determinar os grupos tradicionais aos quais aplicável, enunciando que Estado algum tem o direito de negar a identidade de um povo que se reconheça como tal. 8. Constitucionalmente legítima, a adoção da autoatribuição como critério de determinação da identidade quilombola, além de consistir em método autorizado pela antropologia contemporânea, cumpre adequadamente a tarefa de trazer à luz os destinatários do art. 68 do ADCT, em absoluto se prestando a inventar novos destinatários ou ampliar indevidamente o universo daqueles a quem a norma é dirigida. O conceito vertido no art. 68 do ADCT não se aparta do fenômeno objetivo nele referido, a alcançar todas as comunidades historicamente vinculadas ao uso linguístico do vocábulo quilombo. Adequação do emprego do termo “quilombo” realizado pela Administração Pública às balizas linguísticas e hermenêuticas impostas pelo texto-norma do art. 68 do ADCT. Improcedência do pedido de declaração de inconstitucionalidade do art. 2°, § 1°, do Decreto 4.887/2003. 9. Nos casos Moiwana v. Suriname (2005) e Saramaka v. Suriname (2007), a Corte Interamericana de Direitos Humanos reconheceu o direito de propriedade de comunidades formadas por descendentes de escravos fugitivos sobre as terras tradicionais com as quais mantêm relações territoriais, ressaltando o compromisso dos Estados partes (Pacto de San José da Costa Rica, art. 21) de adotar medidas para garantir o seu pleno exercício. 10. O comando para que sejam levados em consideração, na medição e demarcação das terras, os critérios de territorialidade indicados pelos remanescentes das comunidades quilombolas, longe de submeter o procedimento demarcatório ao arbítrio dos próprios interessados, positiva o devido processo legal na garantia de que as comunidades tenham voz e sejam ouvidas. Improcedência do pedido de declaração de inconstitucionalidade do art. 2º, §§ 2º e 3º, do Decreto 4.887/2003. 11. Diverso do que ocorre no tocante às terras tradicionalmente ocupadas pelos índios – art. 231, § 6º – a Constituição não reputa nulos ou extintos os títulos de terceiros eventualmente incidentes sobre as terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos, de modo que a regularização do registro exige o necessário o procedimento expropriatório. A exegese sistemática dos arts. 5º, XXIV, 215 e 216 da Carta Política e art. 68 do ADCT impõe, quando incidente título de propriedade particular legítimo sobre as terras ocupadas por quilombolas, seja o processo de transferência da propriedade mediado por regular procedimento de desapropriação. Improcedência do pedido de declaração de inconstitucionalidade material do art. 13 do Decreto 4.887/2003. Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente. (STF. ADI 3239.Tribunal Pleno. Relator: Min. CEZAR PELUSO. Redator(a) do acórdão: Min. ROSA WEBER. Julgamento: 08/02/2018. Publicação: 01/02/2019) – grifo nosso Além disso, o entendimento de que a instauração do procedimento administrativo para a averiguação de área como quilombola é ato discricionário, de competência da Administração Pública, era pacífico nesta Corte na época do julgado rescindendo, e assim permanece. Confira-se:. ADMINISTRATIVO. IDENTIFICAÇÃO, DELIMITAÇÃO E DEMARCAÇÃO DE ÁREA REMANESCENTE DE QUILOMBO. POSSIBILIDADE DE INCLUSÃO DE IMÓVEL PARTICULAR NO PROCEDIMENTO DE DELIMITAÇÃO. ARTIGO 68 DO ADCT. DECRETO Nº 4.887/2003. PRELIMINARES REJEITADAS. 1. De acordo com o artigo 520, inciso VII, do Código de Processo Civil a apelação será recebida só no efeito devolutivo quando interposta de sentença que confirmar a antecipação dos efeitos da tutela, pelo que fica rejeitada a preliminar de recebimento no efeito suspensivo. 2. O prévio exaurimento da via administrativa não constitui condição para o ajuizamento de ação judicial. 3. O artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias - ADCT estabelece que os remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos. 4. Considerando que as terras a serem entregues aos descendentes de escravos emana da Constituição e normas regulamentares (Decreto nº 4.887/2003), a Administração tem o dever de proceder a regularização fundiária para decidir se o imóvel integra ou não referidas áreas, não havendo qualquer irregularidade passível de anulação na instauração do procedimento investigativo necessário. 5. Preliminares rejeitadas. Apelação e remessa oficial providas. (TRF3. ApReeNec 1581952 / MS - 0001906-27.2009.4.03.6002. Primeira Turma. Relatora: Desembargadora Federal Vesna Kolmar. Data do Julgamento: 14/02/2012; Data da Publicação/Fonte: e-DJF3 Judicial 1 DATA:12/03/2012) – grifo nosso DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. QUILOMBOLAS. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. LEGALIDADE E DISCRICIONARIEDADE. INTERESSE DE AGIR DA AUTORA. PRELIMINAR DO INCRA REJEITADA. RECURSOS DO INCRA E DO MPF PROVIDOS. I - Preliminar. Artigo 5º, XXV, da Constituição Federal. A autora consta nas matrículas dos imóveis na condição de proprietária dos bens. Ainda que o processo de demarcação das terras esteja no início, resta evidente que a autora tem contra ela o receio da perda da propriedade, até porque esse é o objetivo do procedimento administrativo instaurado. Diante disso, tem a autora interesse de agir, vez que na ação intentada há coexistência de necessidade concreta, atual e específica de se recorrer ao Poder Judiciário para obtenção de um provimento. II - Mérito. Segundo os termos do Decreto nº 4.887/03, o Ministério do Desenvolvimento Agrário, por intermédio do Instituto de Colonização e Reforma Agrária - INCRA, é o órgão da Administração Pública competente para a identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas pelos remanescentes das comunidades dos quilombos, sem prejuízo da competência concorrente dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (artigo 3º, caput c.c. artigo 68, do ADCT). III - Diante dessa prerrogativa, fica a Administração Pública encarregada de instaurar o procedimento administrativo para a identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas pelos quilombolas, assegurando aos proprietários das áreas investigadas o respeito à estrita observância dos princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa. IV - A simples instauração do procedimento administrativo por parte do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA para a averiguação de área como quilombola não gera a presunção absoluta de que o imóvel deverá ser desapropriado. A autora terá à sua disposição todos os meios aptos a demonstrar que é legítima proprietária do imóvel em questão, além de estar protegida pela certeza do cumprimento do devido processo legal e da observância do contraditório e da ampla defesa. V - Além disso, cumpre ressaltar que a instauração do procedimento administrativo para a averiguação de área como quilombola é ato discricionário da Administração Pública. Seja pelo aspecto legal, seja pelos motivos que ensejaram o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA, não há elementos concretos no sentido de provocar o Poder Judiciário para declarar a nulidade do procedimento administrativo nº 54290.000373/2005-12 em relação ao imóvel da autora, o que significa dizer que o seu prosseguimento é medida que se impõe. VI - Precedente desta Egrégia Corte: Embargos de Declaração na Apelação Cível nº 0002501-60.2008.4.03.6002, Relator Desembargador Federal José Lunardelli, 1ª Turma, j. 24/06/14, e-DJF3 07/07/14. VII - Preliminar rejeitada. No mérito, recursos do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA e do Ministério Público Federal providos. (TRF3. ApReeNec 1741442 / MS - 0003435-81.2009.4.03.6002. Décima Primeira Turma. Relatora: Desembargadora Federal Cecilia Mello. Data do Julgamento: 07/04/2015. Data da Publicação/Fonte: e-DJF3 Judicial 1, 15/04/2015) ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONAL. CONTINUIDADE DO PROCESSO ADMINISTRATIVO DE IDENTIFICAÇÃO. ÁREA REMANESCENTE DE QUILOMBO. PRELIMINAR REJEITADA. APELAÇÕES DA INCRA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROVIDAS. 1. O artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias dispõe que: "Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos". 2. Como se sabe, o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias - ADCT tem natureza de norma constitucional, contendo regras para assegurar a harmonia da transição do regime constitucional anterior para o novo regime constitucional (1988). 3. Trata-se, na verdade, de um direito fundamental de grupo étnico-racial, de aplicação imediata, conforme art. 5º, § 1º, da Constituição Federal. 4. O Decreto nº 4.887/2003 veio a regulamentar o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras de que trata o artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. 5. A demarcação das terras ocupadas pelos remanescentes das comunidades dos quilombos, conforme disposto no Decreto nº 4.887/2003, é de competência do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), sem prejuízo da competência concorrente dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. 6. E, na hipótese dos autos, o INCRA instaurou o procedimento administrativo nº 54290.000373/2005-12, a pedido da Comunidade Negra Quilombola de Dezidério Felipe de Oliveira, para verificação da área que compreende a região conhecida como Picadinha, como área remanescente da referida comunidade, em março de 2005, conforme se vê de fls. 320/321. 7. Foram notificados os apelados da realização da vistoria através da equipe técnica do INCRA, para o levantamento de dados e informações relativas à ocupação e atualização cadastral do imóvel, para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas pelos remanescentes das comunidades dos quilombos (fls. 1412/1413), sem que houvesse qualquer manifestação por parte dos mesmos. 8. O Ministério Público Federal recomendou a pronta retomada da comunicação prévia aos proprietários e/ou ocupantes de terras localizadas na área pleiteada como da Comunidade Dezitério Felipe de Oliveira, abrangida pela localidade denominada como Picadinha, em observância ao disposto no artigo 10, § 2º, da Instrução Normativa nº 20/2005, do INCRA, e no artigo 10, § 1º, da Instrução Normativa nº 49/2008, do INCRA, e a conclusão total do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação - RTID referente a identificação dos limites das terras da Associação Remanescente de Quilombos Dezitério Felipe de Oliveira (fls. 1902/1906). 9. Houve novas tentativas de notificação da parte autora, para o conhecimento do andamento do procedimento administrativo nº 54290.000373/2005-12, sem que o INCRA lograsse êxito (fls. 2204/vº). Os autores foram notificados através do edital publicado no Jornal "O Progresso" nos dias 28 e 29 de abril de 2009, conforme se vê de fls. 29/30. 10. Não há qualquer ilegalidade no andamento do processo administrativo, na medida em que foram observados todos os trâmites do Decreto nº 4.887/2003. Portanto, imprescindível a continuidade do processo administrativo de identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes da comunidade do Quilombo de Dezidério Felipe de Oliveira, meio através do qual será possível um juízo acerca da ocupação da referida comunidade sobre as áreas em questão. 11. Somente após a concretização dos estudos pelo INCRA com a terra ocupada, serão fornecidos os elementos necessários para descrever com propriedade a existência ou não de ocupação de comunidades dos quilombos na área objeto da lide e demais requisitos previstos para a demarcação de terras. 12. E da realização dos estudos por parte do INCRA, especificamente se as terras foram ocupadas pelas comunidades quilombolas, ao particular afetado pelo processo de identificação da área a ser demarcada será assegurado o contraditório e a ampla defesa, com a possibilidade de se manifestar, produzindo todas as provas pertinentes em defesa de seu direito. 13. Os procedimentos relacionados com o andamento do processo administrativo, em obediência ao Decreto nº 4.887/03, que ainda estão pendentes, são meramente administrativos e não tem o condão de afirmar ou de infirmar a presença de vestígios que demonstrem serem as áreas de ocupação dos remanescentes da comunidade do quilombo. 14. Incumbe o Poder Executivo da realização dos referidos estudos, não podendo o Poder Judiciário avocar para si tal responsabilidade, em ações movidas por particulares, antecipando-se ao pronunciamento dos órgãos legalmente investidos de tais funções. Realizados os estudos, como dito, poderão os particulares questionar os seus resultados, tanto na esfera administrativa quanto na judicial. 15. Não há como impedir o prosseguimento do processo administrativo nº 54290.000373/2015-12. 16. Como bem ponderou o Ministério Público Federal em seu parecer às fls. 2503/2511: (...) 17. Preliminar rejeitada. Apelações providas. (TRF3. ApelRemNec 1724215 / MS - 0002191-20.2009.4.03.6002. Quinta Turma. Relator: Desembargador Federal Paulo Fontes: Data do Julgamento: 19/08/2019; Data da Publicação/Fonte: e-DJF3 Judicial 1, 22/08/2019) – grifo nosso ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. INCRA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DE DEMARCAÇÃO E TITULAÇÃO DE TERRA OCUPADA POR REMANESCENTES DE COMUNIDADE QUILOMBOLA. LEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO. EXCESSIVA E INJUSTIFICADA MORA ESTATAL. NÃO CONFIGURAÇÃO DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. POSSIBILIDADE DE FIXAÇÃO DE MULTA À FAZENDA PÚBLICA POR DESCUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. APELAÇÕES DESPROVIDAS. 1. Trata-se de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal - MPF com a finalidade de compelir o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA e a União a elaborar e concluir o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação relativo a uma comunidade quilombola remanescente conhecida como Família Quintino, localizada no Município de Pedro Gomes/MS. 2. Não se desconhece que seja da competência do INCRA promover a instauração do processo administrativo para identificação, reconhecimento delimitação, demarcação e titulação da terra ocupada por remanescente de comunidade quilombola. Contudo, o procedimento de regularização fundiária envolve a atuação conjunta de órgãos da Administração direta e indireta, como a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República e a Secretaria da Cultura. A jurisprudência tem mantido a União no polo passivo em tais espécies de feito, tendo em conta que têm “um nítido componente político-ideológico que ultrapassa os limites da ação autárquica, o que justifica a presença da União no polo passivo” (STJ, AGRG no RESP 1525797, Rel. Min, Hermann Benjamin, DJE 05/02/2016). 3. O artigo 68 do ADCT reconhece a propriedade definitiva aos remanescentes das comunidades quilombolas que estejam ocupando suas terras, devendo o Estado emitir-lhes os respectivos títulos. Cuida-se de um direito fundamental fundado na valorização da cultura dos grupos étnico-raciais que compõem a nacionalidade brasileira. 4. No caso em apreço, o processo destinado à titulação de território em benefício dos remanescentes da comunidade quilombola Família Quintino foi instaurado em 12.07.2005, ou seja, há aproximadamente 18 anos, e ainda se encontra na fase de realização de estudo antropológico e de delimitação da área (primeira etapa), prevista inicialmente para o ano 2006 e reiteradamente postergada. 5. O INCRA demorou mais de 10 anos após o início do processo de titulação para pleitear em juízo autorização para a entrada na área de particulares, bem como não apresentou qualquer documento que comprovasse a resistência dos supostos proprietários dos imóveis que serão objeto de estudo, pois, sem a conclusão do RTID não é possível saber se há, de fato, propriedades privadas incrustradas em território quilombola. 6. Não há dúvidas, portanto, de que a mora na conclusão do processo de titulação da comunidade quilombola se deve unicamente à inércia do próprio INCRA e, com o passar do tempo, maior é o risco à integridade territorial da comunidade Família Quintino. 7. É razoável o prazo de 180 (cento e oitenta) dias fixado na sentença, para fins de conclusão do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação – RTID, considerando que o aludido prazo somente começará a correr a partir da efetiva intimação dos réus da decisão que concedeu a tutela de urgência nos autos nº 5000423-41.2018.403.6007 ou, eventualmente, do deferimento do emprego de força policial para acompanhar os servidores do INCRA na diligência. 8. E mais, o prazo de 18 (dezoito) meses para conclusão do procedimento de identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas pela Comunidade Família Quintino, contado do encerramento do RTID, tampouco se mostra exíguo ou desarrazoado, pois ficará suspenso caso seja necessário efetivar desapropriação de alguma das áreas que compõe a comunidade e enquanto perdurar o procedimento para transferência compulsória da titularidade privada. 9. A intenção é justamente impedir que o processo de titulação permaneça paralisado além do tempo necessário para a adoção das providências cabíveis pelo INCRA e pela União, a fim de assegurar os direitos da comunidade quilombola, sendo que, nesse contexto, o arbitramento da multa mensal em R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) não se mostra excessivo, considerando a capacidade econômica dos entes envolvidos e a finalidade de compelir o Poder Público a cumprir a obrigação determinada na decisão, sem a qual a norma judicial seria ineficaz. 10. Com relação à dotação orçamentária, cumpre asseverar que o INCRA é uma autarquia dotada de autonomia administrativa e financeira, incumbindo-lhe elaborar a sua proposta orçamentária e despender as dotações respectivas com vistas a equacionar, de modo prioritário e urgente, a questão da titulação das terras quilombolas, que já perdura desde a promulgação da Constituição de 1988. 11. A demora excessiva e injustificada do Poder Público à realização de direitos fundamentais justifica a intervenção do Estado-juiz para impor obrigação de fazer, não se devendo falar em violação do princípio da separação dos poderes. Precedente. 12. Apelações desprovidas. (TRF3. ApCiv 5000317-74.2021.4.03.6007 . Primeira Turma. Relator: Desembargador Federal Nelton Agnaldo Moraes Dos Santos. Data do Julgamento: 15/09/2023. Data da Publicação/Fonte: Intimação via sistema, 18/09/2023) – grifo nosso DIREITO CONSTITUCIONAL. APELAÇÃO. REMESSA NECESSÁRIA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA PROPOSTA PELO MPF COM A FINALIDADE DE COMPELIR O INCRA A PROVIDENCIAR O RECONHECIMENTO, A DELIMITAÇÃO, A DEMARCAÇÃO E A TITULAÇÃO DE TERRAS EM FAVOR DE COMUNIDADE QUILOMBOLA. IMPOSSIBILIDADE. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES (ART. 2º DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA). MÉRITO ADMINISTRATIVO QUE NÃO PODE SER REVISTO JUDICIALMENTE. DEMORA JUSTIFICÁVEL, PORQUE ÍNSITA À COMPLEXIDADE DAS TAREFAS RELACIONADAS À DEMARCAÇÃO DE TERRAS QUILOMBOLAS. REEXAME NECESSÁRIO E RECURSO PROVIDOS. 1. A questão que se coloca nos autos do presente reexame necessário/recurso de apelação é a de se saber se o INCRA pode ou não estar sujeito a uma condenação judicial para que venha a levar a cabo todo o procedimento de demarcação de terras quilombolas em apenas dois anos. 2. Nos casos a envolver a demarcação de terras de comunidades tradicionais, tenho manifestado o entendimento de que não se poderia obrigar judicialmente o Poder Público a emitir uma declaração nesse sentido, porque eventual determinação judicial quanto ao ponto invadiria o espaço de discricionariedade administrativa que a Constituição Federal reservou ao Poder Executivo. Por outras palavras, a imposição para que o Poder Público adote atos necessários para efetivar uma demarcação invade o mérito administrativo, com violação ao princípio da separação dos poderes previsto pelo art. 2º da Carta Magna. 3. Relembre-se que nem todos os atos da Administração Pública são sindicáveis judicialmente. Existem atos praticados pelo Poder Público que estão inseridos no conceito amplo de mérito administrativo, traduzindo questões de Estado e que, por esta razão, não podem ser revistos pelo Poder Judiciário, sob pena de se permitir que a função jurisdicional do poder atravesse atribuições que são precípuas da função executiva do poder, com menoscabo do princípio da separação dos poderes previsto pelo art. 2º da Constituição da República. Precedentes. 4. De mais a mais, é necessário registrar alguns aspectos do caso concreto que influem na solução da causa. A determinação para que as providências sejam realizadas em prazo exíguo como o de dois anos é incabível na espécie porque a demora é algo ínsito ao processo demarcatório de terras quilombolas. Tal procedimento, como se sabe, é revestido de alta complexidade, o que o torna incompatível com o estabelecimento de prazos apertados. 5. No desempenho desta função demarcatória, a Administração Pública providencia a identificação e medição da área analisada; financia a viagem de agentes públicos até o local; produz relatórios extensos e minuciosos a respeito de suas conclusões; e reúne estudos de peritos altamente qualificados em diversas áreas do conhecimento, como Geografia, Antropologia, Sociologia e História, dentre outras medidas que poderiam ser mencionadas. Dessa forma, é inviável que todas estas providências sejam realizadas em prazo limitado, ainda mais quando se tem em vista a conhecida escassez de recursos humanos e financeiros com os quais a Administração Pública convive (TRF 3ª Região, 1ª Turma, ApCiv 5000735-95.2019.4.03.6002, julgado em 16/12/2021, Intimação via sistema DATA: 18/01/2022). 6. Reexame necessário e apelo providos para, reformando a sentença proferida na origem, afastar a condenação do INCRA no sentido de concluir o procedimento administrativo de reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação de terras em favor da Comunidade Quilombola do Jaó (autos n. 54190.003181/2004-5) no prazo máximo de dois anos. (TRF3. ApelRemNec 0000866-40.2016.4.03.6139. Primeira Turma. Relator: Desembargador Federal Wilson Zauhy. Data do Julgamento: 14/04/2023. Data da Publicação/Fonte: Intimação via sistema, 18/04/2023) – grifo nosso Portanto, não há que se falar em violação literal ao preceito contido no art. 569, I, do CPC/2015, uma vez que esse preceito geral não se sobrepõe aos dispositivos específicos do Decreto nº 4.887/2003, cuja constitucional (formal e material) foi afirmada na ADI 3239/STF. Pelo contido na coisa julgada atacada, o que a parte-autora pretende é a utilização da presente ação como sucedâneo recursal, contrariando a Súmula 343/STF e o Tema 136/STF. Ante o exposto, julgo improcedente o pedido formulado na presente ação rescisória. Nos termos do art. 85, §§3º e 5º do CPC, condeno a parte autora ao pagamento da verba honorária, fixada mediante aplicação do percentual mínimo das faixas previstas sobre o montante atribuído à causa (correspondente ao proveito econômico tratado nos autos). Custas e demais ônus processuais têm os mesmos parâmetros. É como voto.
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. QUILOMBOS. TERRITÓRIO REMANESCENTE. ART. 68 DO ADCT. DECRETO Nº 4.887/2003. VIOLAÇÃO LITERAL DE NORMA JURÍDICA. ART. 569, I, DO CPC/2015. INEXISTÊNCIA. ATO NORMATIVO ESPECÍFICO. DECRETO Nº 4.887/2003. CONSTITUCIONALIDADE FORMAL E MATERIAL. ADI 3239/STF. CRITÉRIO DA AUTOATRIBUIÇÃO. VALIDADE. SÚMULA 343/STF. TEMA 136/STF. APLICAÇÃO.
- Trata-se de ação rescisória ajuizada com fulcro no art. 966, V, do CPC/2015, sob o argumento de que a coisa julgada violou o art. 569, caput, I, do CPC/2015 e a jurisprudência dos Tribunais Superiores a respeito da matéria (que é no sentido de que que a demarcação não se presta à regularização fundiária).
- A decisão transitada em julgado se baseou no Decreto nº 4.887/2003, cuja constitucionalidade (formal e material) foi afirmada pelo e.STF na ADI 3239, afirmando que é esse o procedimento para a demarcação de terras em favor de quilombolas, nos moldes do art. 68 do ADCT.
- O critério da autoatribuição é autorizado pela antropologia contemporânea, e busca interromper a negação sistemática da identidade de grupos marginalizados, afirmando-se pela lógica do reconhecimento e da consciência da própria identidade (Convenção nº 169 da OIT sobre Povos Indígenas e Tribais, de 27/06/1989, Decreto Legislativo nº 143/2002 e Decreto nº 5.051/2004).
- Portanto, não há que se falar em violação literal ao preceito contido no art. 569, I, do CPC/2015, uma vez que esse preceito geral não se sobrepõe aos dispositivos específicos do Decreto nº 4.887/2003, cuja constitucional (formal e material) foi afirmada na ADI 3239/STF. Pelo contido na coisa julgada atacada, o que a parte-autora pretende é a utilização da presente ação como sucedâneo recursal, contrariando a Súmula 343/STF e o Tema 136/STF.
- Improcedência do pedido formulado na ação rescisória.