Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
1ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5008756-61.2022.4.03.6000

RELATOR: Gab. 41 - DES. FED. HERBERT DE BRUYN

APELANTE: UNIÃO FEDERAL

APELADO: LECI BRUM OCAMPOS

Advogado do(a) APELADO: OTON JOSE NASSER DE MELLO - MS5124-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
1ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5008756-61.2022.4.03.6000

RELATOR: Gab. 41 - DES. FED. HERBERT DE BRUYN

APELANTE: UNIÃO FEDERAL

APELADO: LECI BRUM OCAMPOS

Advogado do(a) APELADO: OTON JOSE NASSER DE MELLO - MS5124-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

 

O Senhor Desembargador Federal Herbert De Bruyn (Relator): Trata-se de ação ajuizada por Leci Brum Ocampos em face da União, visando o seu recadastramento e reinclusão no FUSEX, possibilitando-lhe o acesso à assistência médico-hospitalar.

Foram deferidos à parte autora os benefícios da assistência judiciária gratuita, bem como a antecipação dos efeitos da tutela, determinando à União a prestar-lhe assistência médico-hospitalar, com a sua reinclusão no plano de saúde do qual foi excluída, no prazo de 72 horas.

O Juízo a quo julgou procedente o pedido, condenando a ré a reincluir a autora no FUSEX, bem como ao pagamento dos honorários advocatícios, arbitrados nos percentuais mínimos estabelecidos no art. 85, § 3º, inc. I a VI, do CPC, a incidir sobre o valor atualizado da causa.

A União interpôs recurso, requerendo a reforma da sentença, a fim de que seja julgado improcedente o pedido.

Com contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.

É o relatório.

 

 

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
1ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5008756-61.2022.4.03.6000

RELATOR: Gab. 41 - DES. FED. HERBERT DE BRUYN

APELANTE: UNIÃO FEDERAL

APELADO: LECI BRUM OCAMPOS

Advogado do(a) APELADO: OTON JOSE NASSER DE MELLO - MS5124-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

 

 

 

O Senhor Desembargador Federal Herbert De Bruyn (Relator): O Estatuto dos Militares (Lei n. 6.880/80), em sua versão original, assim previa:

 

Art. 50. São direitos dos militares:

(...)

e) a assistência médico-hospitalar para si e seus dependentes, assim entendida como o conjunto de atividades relacionadas com a prevenção, conservação ou recuperação da saúde, abrangendo serviços profissionais médicos, farmacêuticos e odontológicos, bem como o fornecimento, a aplicação de meios e os cuidados e demais atos médicos e paramédicos necessários;

(...)

§ 2° São considerados dependentes do militar:

I - a esposa;

II - o filho menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou interdito;

III - a filha solteira, desde que não receba remuneração;

IV - o filho estudante, menor de 24 (vinte e quatro) anos, desde que não receba remuneração;

V - a mãe viúva, desde que não receba remuneração;

VI - o enteado, o filho adotivo e o tutelado, nas mesmas condições dos itens II, III e IV;

VII - a viúva do militar, enquanto permanecer neste estado, e os demais dependentes mencionados nos itens II, III, IV, V e VI deste parágrafo, desde que vivam sob a responsabilidade da viúva;

VIII - a ex-esposa com direito à pensão alimentícia estabelecida por sentença transitada em julgado, enquanto não contrair novo matrimônio.

§ 3º São, ainda, considerados dependentes do militar, desde que vivam sob sua dependência econômica, sob o mesmo teto, e quando expressamente declarados na organização militar competente:

a) a filha, a enteada e a tutelada, nas condições de viúvas, separadas judicialmente ou divorciadas, desde que não recebam remuneração;

b) a mãe solteira, a madrasta viúva, a sogra viúva ou solteira, bem como separadas judicialmente ou divorciadas, desde que, em qualquer dessas situações, não recebam remuneração;

c) os avós e os pais, quando inválidos ou interditos, e respectivos cônjuges, estes desde que não recebam remuneração;

d) o pai maior de 60 (sessenta) anos e seu respectivo cônjuge, desde que ambos não recebam remuneração;

e) o irmão, o cunhado e o sobrinho, quando menores ou inválidos ou interditos, sem outro arrimo;

f) a irmã, a cunhada e a sobrinha, solteiras, viúvas, separadas judicialmente ou divorciadas, desde que não recebam remuneração;

g) o neto, órfão, menor inválido ou interdito;

h) a pessoa que viva, no mínimo há 5 (cinco) anos, sob a sua exclusiva dependência econômica, comprovada mediante justificação judicial;

i) a companheira, desde que viva em sua companhia há mais de 5 (cinco) anos, comprovada por justificação judicial; e

j) o menor que esteja sob sua guarda, sustento e responsabilidade, mediante autorização judicial.

§ 4º Para efeito do disposto nos §§ 2º e 3º deste artigo, não serão considerados como remuneração os rendimentos não-provenientes de trabalho assalariado, ainda que recebidos dos cofres públicos, ou a remuneração que, mesmo resultante de relação de trabalho, não enseje ao dependente do militar qualquer direito à assistência previdenciária oficial.” (grifos meus)

 

Editada a Lei n° 13.954/2019, sobrevieram alterações no Estatuto dos Militares, modificando os critérios estabelecidos nos §§2° e 3°, do art. 50, revogando o §4° e incluindo o §5°, nos seguintes termos:

 

“§ 2º São considerados dependentes do militar, desde que assim declarados por ele na organização militar competente:

I - o cônjuge ou o companheiro com quem viva em união estável, na constância do vínculo;

II - o filho ou o enteado:

a) menor de 21 (vinte e um) anos de idade;

b) inválido;

III - (revogado);

IV - (revogado);

V - (revogado);

VI - (revogado);

VII - (revogado);

VIII - (revogado).

§ 3º Podem, ainda, ser considerados dependentes do militar, desde que não recebam rendimentos e sejam declarados por ele na organização militar competente:

a) (revogada);

b) (revogada);

c) (revogada);

d) (revogada);

e) (revogada);

f) (revogada);

g) (revogada);

h) (revogada);

i) (revogada);

j) (revogada);

I - o filho ou o enteado estudante menor de 24 (vinte e quatro) anos de idade;

II - o pai e a mãe;

III - o tutelado ou o curatelado inválido ou menor de 18 (dezoito) anos de idade que viva sob a sua guarda por decisão judicial.

§ 4º (Revogado).

§ 5º Após o falecimento do militar, manterão os direitos previstos nas alíneas “e”, “f” e “s” do inciso IV do caput deste artigo, enquanto conservarem os requisitos de dependência, mediante participação nos custos e no pagamento das contribuições devidas, conforme estabelecidos em regulamento:

I - o viúvo, enquanto não contrair matrimônio ou constituir união estável;

II - o filho ou o enteado menor de 21 (vinte e um) anos de idade ou inválido;

III - o filho ou o enteado estudante menor de 24 (vinte e quatro) anos de idade;

IV - os dependentes a que se refere o § 3º deste artigo, por ocasião do óbito do militar.

 

Ressalte-se, todavia, que a lei aplicável aos casos de pensão é aquela em vigor na data do óbito do instituidor, conforme jurisprudência pacífica do STF, in verbis:

 

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ADMINISTRATIVO. FILHA DE EX COMBATENTE. PENSÃO ESPECIAL. REGÊNCIA. LEGISLAÇÃO VIGENTE À DATA DO ÓBITO DO INSTITUIDOR. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

1. “O direito à pensão de ex-combatente é regido pelas normas legais em vigor à data do evento morte. Tratando-se de reversão do benefício à filha mulher, em razão do falecimento da própria mãe que a vinha recebendo, consideram-se não os preceitos em vigor quando do óbito desta última, mas do primeiro, ou seja, do ex-combatente” (MS 21.707/DF, Redator para o acórdão o Ministro Marco Aurélio, Pleno DJ de 22.09.95). No mesmo sentido: AI 537.651- AgR, Relator o Ministro Eros Grau, Primeira Turma, DJ de 11.11.05; AI 724.458-AgR, Relator o Ministro Joaquim Barbosa, Segunda Turma, DJ de 1º.10.10.

2. In casu, o acórdão originalmente recorrido assentou que: “PENSÃO DE EX-COMBATENTE. REVERSÃO DO BENEFÍCIO. FILHA MAIOR DE 21 ANOS, EM DECORRÊNCIA DO ÓBITO DA MÃE OCORRIDO ANTES DA LEI Nº 8.059/90. A Lei nº 8.059 de 04 de julho de 1990, que regulamentou o artigo 53 do ADCT, estabelece, em seu artigo 5º, III, as condições para a persecução do benefício. A autora é maior de 21 anos e, por isso, não faz jus à pensão aumentada. No que concerne à assistência médico-hospitalar gratuita, de que trata o art. 53, IV, do ADCT, a sentença que a concedeu é mantida. Sentença reformada. Apelação e remessa necessária providas em parte.”

3. Agravo regimental a que se nega provimento.”

(STF, AgR no RE n. 638.227/RJ, Primeira Turma, Rel. Ministro Luiz Fux, j. 16/10/2012, DJ 9/11/2012)

 

No caso dos autos, depreende-se dos documentos nele acostados que o militar instituidor do benefício da pensão alimentícia faleceu em 2/4/22 (ID 286086569), motivo pelo qual aplica-se, ao presente caso, a Lei n° 13.954/2019, que excluiu do rol de dependentes “a ex-esposa com direito à pensão alimentícia estabelecida por sentença transitada em julgado, enquanto não contrair novo matrimônio”, diante da revogação do art. 50, § 2º, inc. VIII, da Lei nº 6.880/80.

Dessa forma, observa-se que a autora não se enquadra no rol de dependentes do militar instituidor da pensão alimentícia, na data do óbito, devendo ser reformada a sentença que determinou a sua reinclusão ao Fundo de Saúde do Exército – FUSEX, como beneficiária, em razão do não preenchimento dos requisitos legais.

No mesmo sentido, merece destaque o seguinte julgado desta Corte:

 

ADMINISTRATIVO. REMESSA NECESSÁRIA E APELAÇÃO. EX-ESPOSA PENSIONISTA MILITAR. ASSISTÊNCIA MÉDICO-HOSPITALAR DO FUSEX. CONDIÇÃO DE DEPENDENTE. NORMAS VIGENTES AO TEMPO DO ÓBITO DO MILITAR INSTITUIDOR. LEI Nº 13.954/2019. CUSTEIO DO FUNDO.

- São beneficiários da assistência médico-hospitalar os militares da ativa ou na inatividade, bem como seus respectivos dependentes definidos no Estatuto dos Militares. Há distinção, no entanto, em relação aos beneficiários dos Fundos de Saúde: são beneficiários da assistência médico-hospitalar aqueles que contribuem para os Fundos de Saúde, bem como os dependentes dos militares que, a critério de cada Força, sejam enquadrados nos regulamentos dos respectivos Fundos.

- O conceito de “dependente” foi inicialmente delimitado pelo art. 50, §§2º a 4º da Lei nº 6.880/1980. Porém, a Lei nº 13.954 (DOU de 17/12/2019) fez substancial redução na lista de dependentes do art. 50, §§2º e 3º da Lei nº 6.880/1980, além de revogar o §4º e introduzir o §5º nesse mesmo preceito legal. Em reforço às modificações feitas no art. 50 da Lei nº 6.880/1980, a mesma Lei nº 13.954/2019 introduziu o art. 10-A na Lei nº 3.765/1960, cuidando de pensionistas da assistência médico-hospitalar.

- Os critérios jurídicos a serem observados na concessão de benefícios são aqueles vigentes ao tempo do cumprimento de todos os requisitos impostos pelo ordenamento (no caso de pensão, são as regras vigentes ao tempo do óbito, conforme orientação do E.STF, MS 21707/DF, Rel. Min. Carlos Velloso, Pleno, m.v., DJ 22/09/1995). Assim, é a data do falecimento do militar que define a regência normativa para fins de caracterização da dependência para acesso ao FUSEx, e não quando o interessado busca a assistência médico-hospitalar, razão pelo qual as alterações feitas pela Lei nº 13.954/2019 no art. 50 da Lei nº 6.880/1980 e no art. 10-A da Lei nº 3.765/1960 são aplicáveis apenas a óbitos ocorridos após o início de sua eficácia jurídica, em respeito ao primadotempus regit actume às garantias de irretroatividade.

- Por outro lado, são aplicáveis ao pensionista-dependente as exigências de custeio introduzidas pela Lei nº 13.954/2019 na Lei nº 3.765/1960 (notadamente o art. 3º-B, II e III, o art. 3º-C e o art. 3º-D), porque as novas disposições legais alcançam eventos de trato sucessivo derivados de ato ou fato jurídico passado, sem ofensa à segurança jurídica e as garantias da irretroatividade. Essa conclusão também é escorada na isonomia e na equidade no custeio do FUSEx (quando comparados pensionistas-dependentes anteriores e posteriores à Lei nº 13.954/2019), bem como na solidariedade que dá estruturação jurídica a fundos com múltiplos titulares, a exemplo do que ocorre com revisões de custeio de sistemas públicos e privados de saúde e de previdência que se prolongam no tempo.

- No caso dos autos, a pensionista militar sustenta que, desde a sua separação judicial (em 20/06/1985), sempre foi dependente de militar 2º Tenente, falecido em 22/03/2019, e descreve ter sido beneficiária da assistência médica do FUSEx por mais de 50 anos, não havendo justificativa plausível para sua exclusão do benefício, neste momento, com 76 anos de idade. Conforme o documento relativo à separação judicial, o militar comprometeu-se ao pagamento em seu favor da pensão alimentícia, assim como ao fornecimento da assistência média do FUSEx. Assevera que, em razão de sentença transitada em julgado, é considerada dependente do militar, enquanto não contrair novo matrimônio, tal como é o seu caso.

- A apelada relata que recebeu ofício da administração militar, datado de 25/03/2020, comunicando a ausência de amparo legal ao seu pedido, protocolado em 16/10/2019, de inclusão no FUSEx na condição de pensionista do militar. Alega que o argumento para a recusa do seu pedido foi a ausência de previsão legal da qualificação de dependente nos termos do § 5º do art. 50 da Lei nº 6.880/1980, incluído pela Lei nº 13.954/2019.

- O ato administrativo que excluiu a apelada está amparado na redação da Lei nº 6.880/1980 dada pela novel Lei nº 13.954/2019. No entanto, o óbito do instituidor da pensão militar ocorreu em 22/03/2019, antes da entrada em vigor da referida lei. Logo, há que se balizar a incidência da Lei nº 13.954/2019, conforme já explicitado.

- Remessa necessária e Apelação parcialmente providas apenas para determinar que o custeio do FUSEx seja regido pelas alterações promovidas pela Lei nº 13.954/2019 na Lei nº 6.880/1980 e na Lei nº 3.765/1960, mantendo-se a sentença quanto ao direito da apelada de usufruir da assistência médica hospitalar do FUSEX.

(AC n. 5016316-16.2020.4.03.6100,

5032531-63.2022.4.03.0000, Segunda Turma, Rel. Des. Federal Carlos Francisco, j. 14/7/2023, DJEN 18/7/2023)

 

Arbitro a verba honorária em 10% sobre o valor da causa, em favor da União, observando-se o art. 98, §3º, do CPC, por ser a parte autora beneficiária da justiça gratuita.

Diante o exposto, dou provimento à apelação da União Federal para julgar improcedente o pedido, revogando a tutela antecipada.

 É o meu voto.

 

Herbert de Bruyn

Desembargador Federal Relator

 

 

 

 

 



E M E N T A

 

ADMINISTRATIVO. MILITAR. EX-ESPOSA. DIREITO À PENSÃO ALIMENTÍCIA. ASSISTÊNCIA MÉDICO-HOSPITALAR DO FUSEX. ÓBITO DO INSTITUIDOR. CONDIÇÃO DE DEPENDENTE NÃO COMPROVADA. REINCLUSÃO INDEVIDA.

I- A lei aplicável aos casos de pensão é aquela em vigor na data do óbito do instituidor, conforme jurisprudência pacífica do STF.

II- O militar instituidor do benefício da pensão alimentícia faleceu quando vigente a Lei n° 13.954/2019, que excluiu do rol de dependentes “a ex-esposa com direito à pensão alimentícia estabelecida por sentença transitada em julgado, enquanto não contrair novo matrimônio”, diante da revogação do art. 50, § 2º, inc. VIII, da Lei nº 6.880/80.

III- A autora não se enquadra no rol de dependentes do militar instituidor da pensão alimentícia, na data do óbito, sendo indevida a sua reinclusão ao Fundo de Saúde do Exército – FUSEX, como beneficiária, em razão do não preenchimento dos requisitos legais.

IV- Apelação da União provida.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Primeira Turma, por unanimidade, deu provimento à apelação da União Federal para julgar improcedente o pedido, revogando a tutela antecipada, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.