Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
1ª Seção

AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº 5010652-97.2022.4.03.0000

RELATOR: Gab. 41 - DES. FED. HERBERT DE BRUYN

AUTOR: IVANEIDE RIBEIRO ROCHA

Advogado do(a) AUTOR: FRANCISCO MAURICIO COSTA DE ALMEIDA - SP125445-A

REU: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

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Tribunal Regional Federal da 3ª Região
1ª Seção
 

AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº 5010652-97.2022.4.03.0000

RELATOR: Gab. 41 - DES. FED. HERBERT DE BRUYN

AUTOR: IVANEIDE RIBEIRO ROCHA

Advogado do(a) AUTOR: FRANCISCO MAURICIO COSTA DE ALMEIDA - SP125445-A

REU: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL

OUTROS PARTICIPANTES:

   

 

R E L A T Ó R I O

 

 

O Senhor Desembargador Federal Herbert de Bruyn (Relator): Trata-se de ação rescisória proposta em 25/04/2022 por Ivaneide Ribeiro Rocha em face da Caixa Econômica Federal, com fundamento no art. 966, incs. V e VIII, do CPC, visando desconstituir o acórdão proferido nos autos do processo nº 0012773-17.2016.4.03.6105, que manteve a improcedência do pedido de revisão do contrato de mútuo celebrado pelo Sistema SAC.

Alega, inicialmente, pressupor que a boa-fé dos contratantes será mantida em todos os atos e disposições contratuais, na forma do art. 422, do CC. Aduz que os princípios de probidade e boa-fé também se aplicam aos contratos de adesão. Invoca os arts. 113 e 187, do CC.

Afirma que, em 17/04/2013, celebrou com a ré contrato de mútuo para financiamento da casa própria, firmando o costumeiro contrato de adesão do Sistema Financeiro de Habitação.

Registra que, “em momento de dificuldade financeira, a Requerente, no final de 2014, para saldar seu débito, propôs um pagamento em parcela única – QUE FOI ACEITO pela Requerida, no valor de R$ 12.000,00.” (ID 256201192, p. 4). Sustenta que “a partir daquele momento, a Requerente passa a sofrer toda sorte de maus tratos, desídia premeditado pela Requerida, que, mesmo anuindo com a proposta da cliente/consumidora, deixa de emitir-lhe o boleto para sua quitação.” (ID 256201192, p. 4). Reitera que “a Requerente, insistentemente cobrou a Requerida para esta cumprir com sua anuência à proposta, expedindo um simples ‘boleto’ bancário, mas, NÃO O FEZ!” (ID 256201192, p. 4). Assevera que a decisão não contém fundamentação quanto ao fato de que a “CAIXA ECONÔMICA LESOU O MUTUÁRIO, IMPEDIU SUA ADIMPLÊNCIA, FORÇOU SUA INADIMPLÊNCIA, MESMO COM SUA ANUÊNCIA/CONCORDÂNCIA DA PROPOSTA DE PAGAMENTO À VISTA, A SER DEPOSITADA POR MEIO DE BOLETO BANCÁRIO (NÃO EMITIDO).” (ID 256201192, p. 4).

Destaca que a decisão rescindenda não observou “a Resolução 2878 do BACEN, o art. 9, Lei 4.595/64, Lei 4.728/65 e Lei 6.099/74 artigos 1º inc. II e IV e 2º” (ID ID 256201192, p. 5), bem como que foram violados “a própria Constituição Federal vigente em seu art. 1º III, art. 3º, art. 5º I, II, XXII, XXIV ‘a’, XXXV, LV, e art. 170, bem como o Código de Defesa do Consumidor em uso no caso em comento, ora regulamentado pela Lei nº 14.181/2021.” (ID ID 256201192, p. 5). Anota ter alegado que o art. 373, §§ 1º e 3º, do CPC, segundo o qual o juiz poderá atribuir o ônus da prova de modo diverso, caso se torne excessivamente difícil o exercício do direito pela parte.

Afirma que não houve o exame do pedido de devolução do valor apurado em leilão. Transcreve os arts. 422 e 424, do CC.

Requer a rescisão do acórdão, autorizando-se a autora a promover a quitação do débito aceito pela ré, retomando-se o bem e os pagamentos mensais. Postula, subsidiariamente, que “seja realizado novo julgamento da apelação em questão, para se incluir os fatos articulados, demonstrados e comprovados, de a Requerida eximir-se de cumprir o acordo para saldar o débito, com simples emissão de boleto.” (ID 256201192, p. 7).

Em 14/05/2022, foi proferida decisão determinando a juntada de declaração de hipossuficiência (ID 256754290), providência atendida pela autora (ID 258291709).

Deferidos os benefícios da justiça gratuita (ID 258342567).

Citada, a ré ofereceu contestação (ID 258642963), impugnando, primeiramente, a gratuidade de justiça. Afirma que a autora é casada e vendedora, sendo sócia de empresa que comercializa produtos na área da saúde. Destaca que, nos termos do art. 99, §2º, do CPC, a gratuidade deve ser indeferida se os elementos informativos evidenciarem a ausência dos pressupostos legais. Por fim, entende que a autora deve comprovar seus rendimentos para que possa obter a gratuidade.

Com relação à rescisória, sustenta a inépcia da inicial, pois não houve indicação da hipótese de rescisão prevista no art. 966, do CPC, de forma que a autora pretende apenas retomar a ação originária. No mérito, afirma que a decisão rescindenda está correta, uma vez que foi reconhecida a legalidade das cláusulas do empréstimo. Destaca que a sentença, em obter dictum, declarou não haver prova de que a autora pagaria o saldo devedor.

Dispensada a produção de provas, por tratar-se de matéria unicamente de direito, ambas as partes apresentaram razões finais (IDs 262208375 e 262914603).

Intimado, o MPF manifestou-se no sentido de que a presente demanda não exige a sua intervenção (ID 271992448).

É o relatório.

 

 

 


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AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº 5010652-97.2022.4.03.0000

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V O T O

 

 

O Senhor Desembargador Federal Herbert de Bruyn (Relator): Inicialmente, rejeito a impugnação ao valor da causa.

Em que pese a alegação de que a autora é “vendedora” e sócia de pessoa jurídica que comercializa produtos de saúde – microempresa com capital social de R$ 10.000,00 (dez mil reais – ID 277767424, p. 23 dos autos originários) -, não há nos presentes autos, nem na ação de origem, nenhum documento capaz de demonstrar concretamente que a demandante aufere rendimentos incompatíveis com a concessão da gratuidade de justiça.

Ao revés, observa-se que a ação originária foi proposta em razão das dificuldades financeiras da autora, que tornaram impossível o pagamento das prestações de financiamento imobiliário, a corroborar a existência do estado de hipossuficiência.

Afasto, igualmente, a alegação de inépcia da inicial, uma vez que, diversamente do alegado pela ré, há na exordial indicação expressa dos incisos do art. 966 com base nos quais se pretende a rescisão do julgado (ID 256201192, p. 6). Além disso, há adequada exposição dos fatos e das razões jurídicas que, no entender da autora, justificam a procedência do pedido formulado.

Quanto ao mérito, alega a parte autora que se encontram caracterizadas as hipóteses do art. 966, incs. V e VIII, do CPC, assim descritas:

 

"Art. 966. A decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando:

..............................................................................................

V - violar manifestamente norma jurídica;

..............................................................................................

VIII - for fundada em erro de fato verificável do exame dos autos.

§ 1º Há erro de fato quando a decisão rescindenda admitir fato inexistente ou quando considerar inexistente fato efetivamente ocorrido, sendo indispensável, em ambos os casos, que o fato não represente ponto controvertido sobre o qual o juiz deveria ter se pronunciado."

 

A hipótese do art. 966, inc. V, do CPC caracteriza-se pela infração flagrante a preceito válido e vigente do ordenamento, seja por haver clara afronta ao comando da norma, seja por ter o julgador conferido ao texto legal interpretação desarrazoada e sem aceitação na jurisprudência. Destaco que, consoante entendimento jurisprudencial pacífico, “A ação rescisória fundada no art. 966, V, do CPC/2015 pressupõe violação, frontal e direta, da literalidade da norma jurídica, de forma que seja possível extrair a ofensa literal do próprio conteúdo do julgado que se pretende rescindir” (AgInt na AR nº 5.700/PR, Segunda Seção, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, v.u., j. 12/05/2021, DJe 20/05/2021).

No presente caso, verifica-se que o acórdão rescindendo, entre outros fundamentos, pronunciou o quanto segue (ID 256201220, p. 3/6):

 

“ANÁLISE DO CONTRATO DO SFH - ENFOQUE SOCIAL – IMPOSSIBILIDADE

Cumpre consignar que o pacto em análise não se amolda ao conceito de contrato de adesão, não podendo ser analisado sob o enfoque social, considerando que a entidade financeira não atua com manifestação de vontade, já que não tem autonomia para impor as regras na tomada do mútuo que viessem a lhe favorecer, devendo seguir as regras impostas pela legislação do Sistema Financeiro da Habitação.

DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

O C. STJ vem reconhecendo a possibilidade de incidência do Código de Defesa do Consumidor nos contratos vinculados ao Sistema Financeiro da Habitação de forma mitigada, de acordo com o caso concreto.

Desta forma, não pode ser aplicado indiscriminadamente, para socorrer alegações genéricas de que houve violação ao princípio da boa-fé, onerosidade excessiva ou existência de cláusula abusiva no contrato.

(...)

Com efeito, para a admissão da imprevisibilidade dos contratos, necessário o reconhecimento da ocorrência de eventos novos, imprevistos e imprevisíveis, inimputáveis às partes, os quais geram reflexos prejudiciais à sua execução, acarretando a onerosidade excessiva, com a consequente dificuldade de cumprir com as obrigações assumidas.

Verifico que a autora, ora apelante, em momento algum trouxe aos autos qualquer elemento capaz de demonstrar a ocorrência de evento novo, imprevisto e imprevisível, inimputável às partes, que tenha, de fato, contribuído para a piora/comprometimento de sua situação financeira.

As alegações da requerente no sentido de que, em virtude de problemas financeiros, não consegue honrar as prestações do contrato não possui o condão de possibilitar a aplicação da Teoria da Imprevisão ao presente caso, afinal, ao assumir as obrigações contidas no financiamento, o mutuário assumiu os riscos provenientes da efetivação do negócio – ainda mais se considerando o prazo do contrato (420 meses para amortização).

(...)

Assim, a má previsão da autora não pode ser confundida com fator imprevisível, sendo inadmissível a renegociação contratual pretendida com fundamento na teoria da imprevisão.” (grifos nossos)

 

Como se observa, o acórdão rescindendo adotou o entendimento de que, à luz da legislação em vigor, o contrato firmado entre as partes era válido, com força para impor aos contratantes o cumprimento das obrigações nele previstas.

Afirmou, ainda, que alegações genéricas de violação ao princípio da boa-fé eram insuficientes para justificar a quebra do contrato e que não foi apresentado nenhum elemento capaz de amparar a aplicação da teoria da imprevisão.

Portanto, não se observa violação frontal e manifesta aos dispositivos legais invocados pela autora (Resolução nº 2.878, BACEN; art. 9º, Lei 4.595/64; Lei 4.728/65; Lei 6.099/74; arts. 1º, inc. III; 3º; e 5º incs. I, II, XXII, XXIV ‘a’, XXXV, LV, CF; art. 170, CDC; art. 373, §§ 1º e 3º). A petição inicial apenas traz alegação genérica de ofensa às normas mencionadas, sem demonstrar, concretamente, qual seria a transgressão na qual a decisão rescindenda teria incorrido.

Ademais, tampouco se pretende desconstituir o julgado por divergência ao sentido atribuído às normas aplicáveis ao caso, mas sim por discordar do juízo feito pelo magistrado a quo ao analisar as provas e fatos da lide. Ao invés de demonstrar a existência de equívoco na interpretação do direito, a autora pretende questionar a forma como o magistrado, à luz do livre convencimento motivado, valorou o conjunto probatório produzido nos autos originários.

É incabível, porém, a propositura de ação rescisória com a finalidade de promover o reexame do acervo probatório, sob pena de conferir-se ao instituto, verdadeira natureza recursal. Neste sentido:

“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO RESCISÓRIA FUNDADA NO ART. 485, V E IX, DO CPC/1973. ACÓRDÃO RESCINDENDO EM QUE CONHECIDO EM PARTE DO RECURSO ESPECIAL PARA, NESSA EXTENSÃO, DAR-LHE PARCIAL PROVIMENTO PARA QUE SEJA INDENIZADO DANO EMERGENTE DECORRENTE DE RESCISÃO UNILATERAL DE CONTRATO. VIOLAÇÃO A LITERAL DISPOSIÇÃO DE LEI E ERRO DE FATO. NÃO CONFIGURAÇÃO. IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO RESCISÓRIA.

1. Trata-se de ação rescisória fundada nos incisos V e IX do art. 485 do CPC/1973 proposta pela União em face de Techint Engenharia S/A, objetivando a rescisão do acórdão proferido pela Primeira Turma desta Corte no julgamento do REsp 1.155.771/DF (relator Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, julgado em 2/9/2010, DJe de 8/10/2010).

(...)

8. Nos termos da jurisprudência desta Corte, ‘a ação rescisória não é instrumento processual apto a corrigir eventual injustiça da decisão rescindenda, má interpretação dos fatos, reexaminar as provas ou complementá-las’ (AR n. 6.052/SP, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Segunda Seção, julgado em 8/2/2023, DJe de 14/2/2023). No mesmo sentido: AgInt na AR n. 6.060/SP, relatora Ministra Assusete Magalhães, Primeira Seção, julgado em 16/11/2022, DJe de 22/11/2022; AgInt na AR n. 6.092/CE, relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Seção, julgado em 9/9/2020, DJe de 16/9/2020.

9. Ação rescisória improcedente.”

(AR nº 5.041/DF, 1ª Seção, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, v.u., j. 09/08/2023, DJe 22/08/2023, grifos nossos)

 

“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO RESCISÓRIA. ALEGAÇÃO DE ERRO DE FATO E VIOLAÇÃO DE NORMA JURÍDICA. NÃO DEMONSTRAÇÃO. REEXAME DE PROVAS. DESCABIMENTO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N.º 7 DO STJ. DECISÃO MANTIDA. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.

(...)

3. Por sua vez, ‘a violação a literal disposição da lei que autoriza o manejo de ação rescisória, a teor do disposto no inciso V do art. 966 do CPC, é a flagrante, teratológica. Sob essa ótica, a rescisão não se presta à verificação da boa ou má valoração jurídica dos fatos, ao reexame da prova produzida ou a sua complementação’ (AgInt no AREsp 1.683.248/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Quarta Turma, j. 7/12/2020, DJe 10/12/2020).

4. Agravo interno não provido.”

(AgInt no AREsp nº 2.185.553/SP, 3ª Turma, Rel. Min. Moura Ribeiro, v.u., j. 12/06/2023, DJe 14/06/2023, grifos nossos)

 

Descabida, ainda, a afirmação de não ter sido examinada a questão relativa à emissão de boleto pela Caixa, uma vez que a alegação foi rejeitada na decisão rescindenda, in verbis: “em momento algum trouxe aos autos qualquer elemento capaz de demonstrar a ocorrência de evento novo, imprevisto e imprevisível, inimputável às partes, que tenha, de fato, contribuído para a piora/comprometimento de sua situação financeira.” (ID 256201220, p. 4). Ou seja, no entender do órgão julgador originário, não houve a demonstração de nenhum fato capaz de impedir que se observasse a obrigatoriedade do contrato.

Além disso, a matéria destacada já fora afastada na sentença, a saber: “o único documento referente à mencionada proposta de renegociação juntado aos autos trata-se de um e-mail (fls. 23), do qual consta que deveria haver o pagamento de uma entrada no valor de R$ 11.082,39, referente a quatro prestações em atraso, e a diferença de R$ 12.907,07 seria incorporada ao saldo devedor” (ID 13117287, p. 12/13), sendo que “Consoante referida mensagem, ademais, a autora teria manifestado, em contato telefônico, não dispor do valor total para a entrada.” (ID 13117287, p. 13).

Ainda que existisse, por hipótese, eventual nulidade decorrente da não apreciação da alegação mencionada no acórdão rescindendo, competiria à autora alegar, na petição inicial, a existência de violação manifesta aos dispositivos processuais relativos ao efeito devolutivo da apelação e ao princípio da congruência. No entanto, a presente rescisória não foi proposta com fundamento na existência de vício processual.

Não há como acolher, ainda, a alegação da falta de pronunciamento sobre o pedido de devolução de valores pagos em leilão, pois, além de não haver pleito nesse sentido, na petição inicial da ação originária (ID 277767424, p. 13), sequer havia ocorrido a alienação do bem à época do ajuizamento da demanda de origem, a revelar a inexistência de pretensão resistida quanto à questão.

Assim, é improcedente o pedido de rescisão fundado no art. 966, inc. V, do CPC.

No que diz respeito ao art. 966, inc. VIII, do CPC, é rescindível a decisão por erro de fato quando o magistrado deixa de examinar elemento probatório fundamental para o julgamento da lide, pronunciando como verdadeiro fato que nunca se verificou, ou entendendo inexistente situação que efetivamente ocorreu.

Consoante se extrai do art. 966, §1º, CPC, para tanto é necessário que não tenha existido controvérsia nem pronunciamento judicial a respeito do fato invocado como fundamento para a rescisão.

In casu, a autora não expõe com clareza qual seria o elemento de prova presente nos autos subjacentes que seria capaz de reverter o resultado do julgamento, bem como que teria sido ignorado pelo órgão julgador de origem.

Observa-se que a decisão rescindenda examinou o acervo probatório existente nos autos, entendendo, contudo, que não havia nenhuma prova que pudesse justificar a rescisão ou revisão do contrato.

Impossível, portanto, o reconhecimento do erro de fato, diante da existência de pronunciamento judicial acerca das provas existentes na demanda de origem. A respeito:

 

“AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. ERRO DE FATO. ART. 966, VIII e §1º DO CPC. AFASTADA A SÚMULA 7 DO STJ. PREMISSAS FÁTICAS DELINEADAS PELO TRIBUNAL. REVALORAÇÃO JURÍDICA DOS FATOS E PROVAS. DECISÃO RESCINDENDA ADVINDA DE AÇÃO ANULATÓRIA EM QUE ALEGAVA SIMULAÇÃO NO CONTRATO DE PARCERIA PECUÁRIA. SUCEDÂNEO RECURSAL. REVALORAÇÃO DAS PROVAS DOS AUTOS PELO JUÍZO RESCISÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. NÃO CONFIGURADO ERRO DE FATO. MANUTENÇÃO DA DECISÃO SINGULAR. AGRAVO NÃO PROVIDO.
(...)
2. O erro de fato que enseja a propositura da ação rescisória não é aquele que resulta de eventual má apreciação da prova, mas o que decorre da ignorância de determinada prova, diante da desatenção na apreciação dos autos. Precedentes.

3. Ação rescisória deve preencher três requisitos essenciais para que se autorize seu ajuizamento com base em erro de fato: (a) o erro deve ser a causa da conclusão a que chegou a decisão; b) o erro há de ser apurável mediante simples exame das peças do processo, não se admitindo, de modo algum, na rescisória, a produção de quaisquer outras provas tendentes a demonstrar que não existia o fato admitido pelo juiz ou que ocorrera o fato por ele considerado inexistente; c) não pode ter havido controvérsia entre as partes, nem pronunciamento judicial no processo anterior sobre o fato.

4. No caso, não houve o preenchimento de quaisquer desses requisitos.

Assim, na hipótese, o Juízo rescisório efetivamente revalorou as provas dos autos, como se recurso fosse e ainda discutiu ponto que era absolutamente controvertido nos autos.

5. Assim, se houve discussão e manifestação do eventual erro judicial na análise das provas do Juízo rescindente, descabida será a ação rescisória fundada no inciso VIII do art. 966 do Código de Processo Civil.
6. Agravo interno a que se nega provimento.”

(STJ, AgInt no AREsp nº 1.846.694/MS, 4ª Turma, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, v.u., j. 06/03/2023, DJe 10/03/2023, grifos nossos)

 

“PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO RESCISÓRIA. ART. 966, INCS. V E VIII, DO CPC. VIOLAÇÃO MANIFESTA À NORMA JURÍDICA. INOCORRÊNCIA. OBJETIVO DE REEXAME DE FATOS E PROVAS. ERRO DE FATO. PROVAS VALORADAS NA DECISÃO RESCINDENDA. IMPROCEDÊNCIA DA RESCISÓRIA.

(...)

III – Quanto ao erro de fato, observa-se que a autarquia não pretende a desconstituição do julgado por não ter havido o exame de fatos e provas relevantes para o julgamento da causa, mas sim por discordar da forma como as provas foram valoradas na decisão rescindenda.

IV - A vedação estabelecida no §1º do art. 966, do CPC objetiva impedir que a ação rescisória seja movida com o mero propósito de promover a substituição do entendimento jurídico de um órgão jurisdicional pelo de outro.

V - Matéria preliminar rejeitada. Rescisória improcedente.”

(AR nº 5004885-49.2020.4.03.0000, 3ª Seção, Rel. Des. Fed. Newton De Lucca, v.u., j. 10/12/2021, DJe 16/12/2021, grifos nossos)

 

Logo, deve ser afastada, também, a alegação de erro de fato.

Ante o exposto, rejeito a matéria preliminar e julgo improcedente a rescisória. Tendo em vista a orientação estabelecida pelo STJ quanto ao Tema nº 1.076, fixo os honorários advocatícios em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, cuja exigibilidade ficará suspensa, nos termos do art. 98, §3º, do CPC.

É o meu voto.

 

Herbert de Bruyn

Desembargador Federal Relator



E M E N T A

 

AÇÃO RESCISÓRIA. IMPUGNAÇÃO À GRATUIDADE DE JUSTIÇA. REJEIÇÃO. PRELIMINAR DE INÉPCIA DA INICIAL AFASTADA. ARTS. 966, INC. V E VIII, DO CPC. VIOLAÇÃO MANIFESTA À NORMA. PRETENSÃO DE REEXAME DO CONJUNTO PROBATÓRIO. ERRO DE FATO. EXISTÊNCIA DE PRONUNCIAMENTO JUDICIAL ACERCA DAS PROVAS. IMPROCEDÊNCIA.

1. Não havendo nos autos nenhum documento capaz de demonstrar concretamente que a demandante aufere rendimentos incompatíveis com a concessão da gratuidade de justiça, é de rigor a rejeição da impugnação oferecida pela ré.

2. Afastada a preliminar de inépcia da inicial, tendo em vista que há na exordial adequada exposição dos fatos e razões jurídicas que justificam o o pedido de rescisão.

3. A hipótese do art. 966, inc. V, CPC é caracterizada pela infração flagrante a preceito válido e vigente do ordenamento.

4. Incabível a propositura de ação rescisória com a finalidade de promover o reexame do acervo probatório, sob pena de conferir-se ao instituto verdadeira natureza recursal.

5. Com fundamento no art. 966, inc. VIII, do CPC, é rescindível a decisão que, sem examinar elemento probatório fundamental para o julgamento da lide, pronuncia como verdadeiro fato que nunca se verificou, ou entende ser inexistente situação que efetivamente ocorreu.

6. Não exposto qual seria o elemento de prova presente nos autos originários que seria capaz de reverter o resultado do julgamento. Além disso, houve expresso pronunciamento judicial sobre todas as provas existentes na demanda subjacente.

7. Matéria preliminar rejeitada. Rescisória improcedente.

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Primeira Seção, por unanimidade, decidiu rejeitar a matéria preliminar e julgar improcedente a rescisória, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.