APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000434-82.2023.4.03.6108
RELATOR: Gab. 46 - DES. FED. RUBENS CALIXTO
APELANTE: CAPPANOG-COMERCIO DE ALIMENTOS LTDA
Advogados do(a) APELANTE: EMELY ALVES PEREZ - SP315560-A, LUIZ COELHO PAMPLONA - SP147549-A
APELADO: DELEGADO DA RECEITA FEDERAL EM BAURU//SP, UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL
PROCURADOR: UNIDADE DE REPRESENTAÇÃO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL, PROCURADORIA-REGIONAL DA FAZENDA NACIONAL DA 3ª REGIÃO
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000434-82.2023.4.03.6108 RELATOR: Gab. 46 - DES. FED. RUBENS CALIXTO APELANTE: CAPPANOG-COMERCIO DE ALIMENTOS LTDA Advogados do(a) APELANTE: EMELY ALVES PEREZ - SP315560-A, LUIZ COELHO PAMPLONA - SP147549-A APELADO: DELEGADO DA RECEITA FEDERAL EM BAURU//SP, UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de recurso de apelação interposto por CAPPANOG-COMÉRCIO DE ALIMENTOS LTDA. em face da sentença que, em autos de mandado de segurança, denegou o pedido de fruição da impetrante aos benefícios fiscais do Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos – PERSE, considerando a ausência de inscrição no CADASTUR ao tempo de publicação da Lei nº 14.148/21 (18/03/2022) e que, após a Lei nº 14.592/2023, sua atividade econômica deixou de constar do rol dos beneficiários do programa. Sustenta a apelante, em síntese, a ilegalidade da exigência de inscrição regular no CADASTUR, veiculada inicialmente pela Portaria ME nº 11.771/2008, por extrapolar o poder regulamentar e violar o princípio da estrita legalidade tributária. Outrossim, argumenta que a exclusão da atividade que exerce – lanchonete – do elenco considerado como setor de eventos, promovida pela Portaria ME nº 11.266/2022, só poderia decorrer de lei stricto sensu, incorrendo a normativa citada, portanto, em violação à legalidade e à isonomia. Pugna, pois, pela reforma integral da sentença para o fim de que seja reconhecido seu direito de usufruir do benefício de redução a zero das alíquotas de PIS, COFINS, IRPJ e CSLL previsto no art. 4º da Lei nº 14.148/2021, a partir da competência 01/01/2023, independentemente da data de sua inscrição no CADASTUR e do fato de seu CNAE ter sido excluído da lista de beneficiários da alíquota zero do PERSE pela Portaria ME nº 11.266/2022, determinando-se ainda à apelada que se abstenha de efetuar a cobrança destes tributos sobre as receitas auferidas no desempenho da sua atividade a partir de 01/01/2023, respeitando-se o prazo de sessenta meses previsto no mencionado dispositivo legal (id 280872942). A União Federal apresentou contrarrazões (id 280872949). É o relatório.
PROCURADOR: UNIDADE DE REPRESENTAÇÃO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL, PROCURADORIA-REGIONAL DA FAZENDA NACIONAL DA 3ª REGIÃO
DECLARAÇÃO DE VOTO O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO: Discute-se a legalidade da exigência prevista no § 2º, do artigo 1º, da Portaria ME n.º 7.163/2021, do Ministério da Economia, que, em relação às pessoas jurídicas prestadoras de serviços qualificadas, dentre outros, como restaurantes, cafeterias, bares e similares, condicionou-as à situação regular no Cadastro de Prestadores de Serviços Turísticos – Cadastur na data publicação do artigo 4º da Lei n.º 14.148/2021, em 18.03.2022, para fins de enquadramento no Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos – PERSE. Discute-se também a legalidade da exclusão de alguns códigos CNAEs do benefício fiscal, promovida pela Portaria do Ministério da Economia, de nº 11.266/22. Acompanho o i. Relator no que tange ao reconhecimento da ilegalidade do quanto disposto no § 2º, do artigo 1º, da Portaria ME n.º 7.163/2021, bem como no tocante à possibilidade de alteração legislativa/reedição de atos infralegais que tenham por consequência a supressão de benefícios, como no caso da exclusão do código CNAE da impetrante. Divirjo, pedindo vênias à Sua Excelência, no que tange ao reconhecimento de direito adquirido ao benefício fiscal. O poder constituinte originário conferiu ao Estado o poder de tributar os contribuintes, para obter recursos para financiar suas atividades. A fim de que o exercício desse poder estatal seja legítimo, contudo, deve-se observar não só os limites da competência atribuída pela Constituição Federal a cada ente da federação, como também as imunidades e as garantias individuais do contribuinte previstas principalmente no artigo 150 da Constituição Federal. Na seara tributária, isso se reflete na vedação do Estado de promover modificações legislativas repentinas, com efeitos concretos imediatos, que elevem a carga tributária. Assegura, ainda, ao contribuinte, um tempo mínimo para conhecer a modificação na legislação tributária e planejar a atividade econômica para suportar seus efeitos. É justamente para impedir tais “surpresas”, que o artigo 150, III, da Constituição Federal confere ao contribuinte a proteção dos princípios da anterioridade genérica e da anterioridade. Em sua modalidade genérica, o princípio da anterioridade veda que a lei que institua ou majore tributo produza efeitos no mesmo exercício financeiro em que ela foi publicada, nos termos do artigo 150, III, alínea ‘b’ da Constituição Federal. Já de acordo com o princípio da anterioridade nonagesimal, a lei que institui ou majora tributos só produz efeitos após 90 (noventa) dias da data de sua publicação. A matéria em questão, inicialmente, foi apenas tratada como limitação ao poder de tributar, consoante decorre explicitamente do texto constitucional. No entanto, passou-se também a questionar a aplicação principiológica para os benefícios fiscais concedidos. O debate faz sentido na medida em que a retirada de benesses fiscais - tal como a criação ou aumento dos tributos –, da mesma forma, é passível de gerar surpresa aos contribuintes, caracterizando, na realidade, espécie de majoração indireta de tributos. Não se questiona a possibilidade de eventual alteração legislativa ou mesmo da reedição de atos infralegais que tenham por consequência a supressão de benefícios, seja pela alteração do entendimento do Parlamento ou mesmo por diversa compreensão da Administração. A bem da verdade, compreende-se com naturalidade que se sucedam modificações normativas, inclusive, em curto espaço tempo, o que decorre de novos cenários e demandas. Todavia, preza-se, apenas, pela aplicação dos mesmos princípios constitucionais para situação equivalente, isto é, de exasperação da carga tributária. Assim, a Lei que estabelece restrição a benefício fiscal, que implique na sua redução ou revogação, está sujeita ao princípio da anterioridade, seja a anterioridade de exercício (artigo 150, III, b, da CF), seja a anterioridade nonagesimal (alínea c), de acordo com o respectivo tributo (§ 1º), conforme entendimento atualmente respaldado tanto no Supremo Tribunal Federal como nesta E. Corte. Confira-se: “DIREITO TRIBUTÁRIO. AGRAVO INTERNO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. INCENTIVO FISCAL. REVOGAÇÃO. MAJORAÇÃO INDIRETA. ANTERIORIDADE. 1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal concebe que não apenas a majoração direta de tributos atrai a eficácia da anterioridade nonagesimal, mas também a majoração indireta decorrente de revogação de benefícios fiscais. Precedentes. 2. Agravo interno a que se nega provimento, com aplicação da multa prevista no art. 1.021, § 4º, do CPC/2015” (RE 1053254 AgR, Rel. Min. Roberto Barroso, 1ª Turma, DJe 13.11.2018).” “REINTEGRA – DECRETO Nº 9.393/2018 – BENEFÍCIO – REDUÇÃO DO PERCENTUAL – ANTERIORIDADE – PRECEDENTES. Alcançado aumento indireto de tributo mediante redução da alíquota de incentivo do Regime Especial de Reintegração de Valores Tributários para as Empresas Exportadoras – Reintegra, cumpre observar o princípio da anterioridade, geral e nonagesimal, versado nas alíneas “b” e “c” do inciso III do artigo 150 da Constituição Federal. Precedente: medida cautelar na ação direta de inconstitucionalidade nº 2.325/DF, Pleno, relator ministro Marco Aurélio, acórdão publicado no Diário da Justiça de 6 de outubro de 2006.” (STF, 1ª Turma, Ag.Reg.RE 1,263,840/RS, Rel.: Min. Marco Aurélio, Data de Julg.: 05.08.2020) MANDADO DE SEGURANÇA. TRIBUTÁRIO. ISENÇÃO DE IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS – PRAZO MÍNIMO – MEDIDA PROVISÓRIA N.º 1.034/21 – ANTERIORIDADE NONAGESIMAL. 1. A Lei Federal n.º 8.989/95 estabelece a isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados com relação aos automóveis de passageiros de fabricação nacional, adquiridos por pessoas com deficiência física, visual, auditiva e mental severa ou profunda e pessoas com transtorno do espectro autista, diretamente ou por intermédio de seu representante legal (artigo 1º, inciso IV). 2. A reutilização do benefício fiscal implica, em regra, a observância do interregno mínimo de dois anos (artigo 2º). Contudo, em 1º de março de 2021, foi editada a Medida Provisória n.º 1.034, que alterou o parágrafo único do artigo 2º da lei, ampliando para quatro anos o prazo mínimo de reutilização do benefício fiscal por pessoas com deficiência. A regra entrou em vigor na data de publicação (artigo 5º, inciso I). Posteriormente, por ocasião da conversão na Lei Federal n.º 14.183/21, o prazo foi reduzido para três anos. 3. É pertinente considerar que, em hipóteses de majoração indireta de tributo decorrente da revogação de benefícios fiscais, o C. Supremo Tribunal Federal tem se posicionado pela necessária observância do princípio da anterioridade nonagesimal, estabelecida no artigo 150, inciso III, alínea “c”, da Constituição Federal. 4. Em decorrência da alteração perpetrada pela Medida Provisória, a autoridade coatora proferiu despacho indeferindo o requerimento de isenção, sob o fundamento de inobservância do interregno mínimo de quatro anos. A negativa fundamentada na aplicação imediata da nova regra configura afronta à anterioridade nonagesimal, constitucionalmente assegurada. 5. Remessa necessária desprovida. (TRF 3ª Região, 6ª Turma, RemNecCiv - REMESSA NECESSÁRIA CÍVEL - 5000372-68.2021.4.03.6122, Rel. Desembargador Federal PAULO SERGIO DOMINGUES, julgado em 25/03/2022, Intimação via sistema DATA: 29/03/2022)” Por seu turno, dispõe o artigo 178 do Código Tributário Nacional que “a isenção, salvo se concedida por prazo certo ou em função de determinadas condições, pode ser revogada ou modificada por lei a qualquer tempo, observado o disposto no inc. III do CTN, art. 104”. Exsurgem, portanto, duas modalidades de isenção: as simples e as onerosas. As isenções simples são passíveis de revogação a qualquer tempo, apenas sendo de rigor a observância dos princípios da anterioridade anual e nonagesimal, entendimento atualmente respaldado tanto no Supremo Tribunal Federal como nesta E. Corte. Já as isenções onerosas, por sua vez, são concedidas por um lapso temporal definido e, necessariamente, para a sua caracterização, devem vir acompanhadas de determinadas ações do seu beneficiário para que possam dela usufruir (“em função de determinadas condições”). Em razão de tais características, isto é, tempo determinado e contrapartida do contribuinte, não é possível se falar em revogação da isenção onerosa, devido à proteção conferida ao direito adquirido de seu beneficiário. Como elemento chave na caracterização das isenções onerosas e com conceito jurídico bem definido no ordenamento pátrio, as condições não são diferentes na esfera tributária e também se caracterizam como eventos futuros e incertos. Na mesma linha argumentativa, são precisas as lições de Leandro Paulsen, no Curso de Direito Tributário Completo, 13ª edição – 2022, editora Saraiva: “Quanto aos requisitos e condições, vale distingui-los, porquanto se prestam para a classificação das isenções em simples ou onerosas. O estabelecimento de requisitos remete à caracterização do objeto ou do sujeito alcançado pela norma em face de uma situação preexistente ou atual, que lhe é inerente, exigida como mero critério de enquadramento na sua hipótese de incidência. Já a fixação de condições induz à conformação da situação ou da conduta futura do sujeito ao que é pretendido pelo legislador e que deve ser cumprido para que os efeitos jurídicos prometidos sejam aplicados” (p. 313). Figura como requisito legal (e não condição) para a fruição das benesses fiscais a inscrição no Cadastur na data de publicação da Lei instituidora do PERSE. A rigor, não foi estabelecido na legislação discutida qualquer ônus às empresas para a fruição dos benefícios previstos, o que implica em reconhecer a ausência de violação do artigo 178 do CTN e de distinção da situação abrangida pela Súmula 544 do STF (“Isenções tributárias concedidas, sob condição onerosa, não podem ser livremente suprimidas”). Importante ressaltar que a fruição dos benefícios fiscais previstos para as pessoas jurídicas que preenchem os requisitos legais independe de qualquer ato formal de adesão ao Programa. Enquadrada na hipótese legal do PERSE, nasce para o contribuinte, de imediato, o direito à redução a zero da alíquota tributária e, para o Fisco, exsurge a impossibilidade de exigir qualquer tributo em descompasso com a Lei. Ausente condição relativa à adesão ao PERSE, incabível a exigência de sua comprovação para fruição dos benefícios do Programa, bastando o cumprimento dos requisitos legais para que, desde a vigência do artigo 4º da Lei n.º 14.148/2021 (em 18.03.2022), as pessoas jurídicas façam jus à redução a zero da alíquota tributária. Porém, com a vigência da Lei n.º 14.592/2023, para fins de fruição dos benefícios do PERSE passou a se exigir a comprovação de situação regular no Cadastur, na data de 18.03.2022, o que implica revogação do benefícios fiscal para os contribuintes que não atendem a este requisito legal, observado o critério da anterioridade de exercício em relação ao IRPJ e à anterioridade nonagesimal quanto às contribuições à seguridade social. Desta sorte, de rigor o reconhecimento da ilegalidade do quanto disposto no § 2º, do artigo 1º, da Portaria ME n.º 7.163/2021 e, por consequência, o direito ao enquadramento no PERSE do contribuinte prestador de serviços qualificados como restaurantes, cafeterias, bares e similares, sem que se lhe exija a comprovação de situação regular no Cadastur na data publicação do artigo 4º da Lei n.º 14.148/2021 (em 18.03.2022), observada a sujeição à anterioridade constitucional da restrição prevista na Lei n.º 14.592/2023. No caso concreto, acrescente-se que as atividades desenvolvidas pela impetrante (lanchonetes, casas de chás, sucos e similares, CNAE 5611-2/03) foram incluídas na Portaria ME nº 7.163/21 e, posteriormente, excluídas da Portaria ME subsequente, de nº 11.266/22. Assim, faz jus à fruição do benefício fiscal até que observado o critério da anterioridade de exercício em relação ao IRPJ e à anterioridade nonagesimal quanto às contribuições à seguridade social. Ante o exposto, pedindo vênias para divergir em parte de Sua Excelência, dou parcial provimento à apelação da parte impetrante, limitando a fruição do benefício fiscal do PERSE, independentemente da comprovação de situação regular no Cadastur em 18.03.2022, ao interregno de sujeição à anterioridade constitucional da restrição prevista na Lei n.º 14.592/2023 e observada a vigência do benefício na forma estabelecida pela Portaria ME nº 11.266/22 . É como voto.
EXMA SENHORA DESEMBARGADORA FEDERAL CONSUELO YOSHIDA:
Com a devida vênia, divirjo do Senhora Relator para negar provimento à apelação.
Instituído pela Lei 14.148/2021 (republicada em 18/03/2022) com o objetivo de criar condições para mitigar as perdas impostas ao setor de eventos em razão do reconhecimento do estado de calamidade pública pelo Decreto Legislativo 6/2020 e das medidas de isolamento adotadas para enfrentamento da pandemia da Covid-19, o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (PERSE) traz ações emergenciais e temporárias, dentre as quais, a redução a zero, pelo prazo de 60 meses, das alíquotas de PIS, COFINS, CSLL e IRPJ incidentes sobre o resultado auferido pelas pessoas jurídicas pertencentes ao setor nas atividades relacionadas em ato do Ministério da Economia.
Por exigência do § 2º, do art. 2º da Lei 14.148/2021, o Ministério da Economia editou a Portaria ME nº 7.163/2021, trazendo os códigos da Classificação Nacional de Atividades Econômicas - CNAE considerados do setor de eventos, definindo no Anexo I as atividades econômicas que estão enquadradas no PERSE, e no Anexo II as atividades cujo enquadramento é permitido, desde que na data da publicação da Lei nº 14.148/2021, estivessem registradas no Cadastro de Prestadores de Serviços Turísticos - CADASTUR.
Verifica-se que a exigência de inscrição prévia no CADASTUR para usufruir dos benefícios do PERSE não se mostra desarrazoada, na medida em que as atividades descritas nos incisos do parágrafo único do art. 21 da Lei 11.771/2008 (como restaurantes e bares, por exemplo) não são, necessariamente, qualificadas como pertencentes ao setor turístico. Tanto é que a apelante não está registrada no CADASTUR, embora o cadastro já fosse obrigatório aos prestadores de serviços tipicamente turísticos e efetivamente atuantes (art. 22).
A Portaria ME 7.163/2021 não extrapola as disposições das Leis 14.148/2021 e 11.771/2008, apenas possibilita a adesão ao PERSE de pessoas jurídicas que exercem atividades que não são típicas do setor de eventos, mas podem nele atuar, para o que se exige o registro no CADASTUR.
Logo, a exigência de inscrição prévia no CADASTUR para usufruir dos benefícios do programa não restringe ou limita o escopo do PERSE, na medida em que estende o benefício a empresas que exploram atividades tipicamente estranhas ao setor de turismo e eventos (por exemplo, "manutenção e reparação de embarcações e estruturas flutuantes”, "serviços marítimos de cabotagem”, “restaurantes”, “bares” ou “lanchonetes”). E tal exigência, embora conste expressamente da Portaria ME 7.163/2021, apenas repete o que disciplina a Lei 11.771/2008.
Da mesma forma, a IN RFB 2.144/22 apenas repete e dá aplicação à limitação original da Lei 14.148/2021 quanto ao escopo da redução de alíquota dos tributos. Não desborda, assim, de sua função regulamentar, inexistindo qualquer ilegalidade ou abuso a atrair a interferência do Poder Judiciário.
Ademais, não fere o princípio da isonomia a redução da alíquota dos tributos apenas para os prestadores de serviços de turismo e eventos. Ao contrário, a distinção visa exatamente reequilibrar as condições de competição saudável concedendo compensações àqueles que tiveram suas atividades mais afetadas pelas medidas de isolamento impostas pela pandemia de Covid-19. É também por esse motivo que somente aqueles que já possuíam inscrição no CADASTUR quando da publicação da lei que instituiu o PERSE poderiam dele se beneficiar. Nesse sentido:
TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. APELAÇÃO. PROGRAMA ESPECIAL DE RETOMADA DO SETOR DE EVENTOS - PERSE. LEI 14.148/2021. SETOR TURÍSTICO. LEI 11.771/08. PORTARIA ME 7.163/2021. OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE E ISONOMIA. NÃO CONFIGURAÇÃO. RECURSO DESPROVIDO.
- A Lei nº 14.148/21 instituiu, entre outros benefícios, em seu art. 4º, a redução a zero das alíquotas para os tributos PIS/PASEP, COFINS, CSLL e IRPJ pelo prazo de 60 (sessenta meses) para as pessoas jurídicas que exercem atividades econômicas ligadas ao setor de eventos, nos termos da legislação de regência. Deve-se ressaltar que o artigo 4° foi vetado por ocasião da primeira publicação da lei, ocorrida em 04/05/2021. O veto, todavia, foi revisto e derrubado pelo Congresso Nacional e a lei foi republicada em 18/03/2022, data na qual passou a viger o citado dispositivo. O inciso IV do § 1º do artigo 2º dessa lei, no que tange à definição de prestação de serviços turísticos, remete ao artigo 21 da Lei nº 11.771/2008. De acordo com essa norma, que dispõe sobre a Política Nacional de Turismo, para aqueles cuja atividade se enquadra no parágrafo único, o registro no CADASTUR é uma faculdade e não um dever.
- A fim de dar cumprimento ao § 2º do artigo 2º da Lei nº 14.148/21, foi editada a Portaria ME nº 7163/2021, que definiu os códigos da Classificação Nacional de Atividades Econômicas – CNAE, que se consideram setor de eventos.
-No CNPJ da recorrente (id 274316340), consta que exerce atividade de consultoria em gestão empresarial, exceto consultoria técnica específica desde 22/10/2010, a qual está relacionada no anexo II da portaria.
- Consoante a Lei nº 11.771/2008, a empresa que intenciona fazer jus ao enquadramento como atividade turística deve realizar o cadastro junto ao Ministério do Turismo, conforme versa o artigo 22 da Lei 11.771/2008. Por fim, ao se admitir como empresa do ramo turístico, na forma dessa lei, passa a estar sujeita a direitos, obrigações e sanções (artigos 33, 34, 35 e 36).
- Em suma, conforme as normas citadas da Lei nº 11.771/2008, a empresa que não exerce essencialmente atividade turística, mas que eventualmente a ela possa estar relacionada, não tem obrigação de se cadastrar no CADASTUR, porém se quiser se beneficiar dessa condição precisa ter esse registro, a partir do qual passa a ser sujeito de direitos e obrigações nos termos estabelecidos. Desse modo, está claro que a portaria não inovou no ponto em que exige a regularidade cadastral do candidato aos benefícios fiscais mencionados. Ademais, não se vislumbra ofensa ao princípio da igualdade como quer fazer crer a apelante, ao contrário, a norma visa claramente a sua observância, uma vez que aqueles que não possuem cadastro não estão sujeitos às mesmas imposições legais, ou seja, estão em situação distinta daqueles que o legislador pretendeu beneficiar.
- No que toca à exigência temporal de estar com a situação regular no CADASTUR na data de publicação da Lei nº 14.148, de 2021, também não se constata violação ao princípio da legalidade, eis que a norma regulamentadora somente explicitou o que é do espírito da lei, ou seja, beneficiar aquelas atividades que o legislador considerou que, em razão dos graves danos causados pelas medidas de combate à pandemia da COVID - 19, se impunha uma compensação emergencial. Destarte, o cadastro posterior não cumpre o objetivo da própria lei.
- Na espécie, a impetrante não comprovou o cadastro, razão pela qual a sentença deve ser mantida.
- Apelação desprovida.
(TRF 3ª Região, 4ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5022438-74.2022.4.03.6100, Rel. Desembargador Federal ANDRE NABARRETE NETO, julgado em 05/10/2023, DJEN DATA: 17/10/2023)
No caso vertente, tendo em vista que o contribuinte não atende aos requisitos legais para usufruir dos benefícios do PERSE, deve ser mantida a r. sentença apelada, em razão da ausência de inscrição no CADASTUR ao tempo de publicação da Lei nº 14.148/21 (18/03/2022).
Em face do exposto, nego provimento à apelação.
É como voto.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000434-82.2023.4.03.6108
RELATOR: Gab. 46 - DES. FED. RUBENS CALIXTO
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APELADO: DELEGADO DA RECEITA FEDERAL EM BAURU//SP, UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL
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V O T O
Cinge-se a controvérsia em saber se a apelante possui o direito de usufruir do benefício referente ao Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (PERSE), criado pela Lei nº 14.148/21, independentemente da exigência de inscrição no CADASTUR desde a data de publicação da Lei nº 14.148/21, e se houve ilegalidade na exclusão de sua atividade econômica - lanchonetes, casas de chás, sucos e similares (CNAE 5611-2/03) - do elenco de beneficiários, conforme alteração promovida posteriormente pela Portaria ME 11.266/22 e Lei nº 14.592/2023.
Pois bem.
A Lei nº 14.148/2021 instituiu o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (PERSE), criando benefícios ao setor com o objetivo de “compensar os efeitos decorrentes das medidas de combate à pandemia da Covid-19”, conforme se extrai de sua própria ementa.
Referida lei foi inicialmente publicada em 04/05/2021, sendo que o art. 4º, que previa o benefício de redução à alíquota zero, pelo prazo de 60 meses, do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ), da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), bem como das contribuições ao Programa de Integração Social (PIS) e Financiamento da Seguridade Social (COFINS), havia sido vetado pelo Presidente da República. Posteriormente, com a derrubada do veto pelo Congresso Nacional, a Lei foi republicada em 18/03/2022, sendo esta a data a ser considerada para fins de vigência do benefício de alíquota zero em comento.
O art. 2º, § 1º, da Lei nº 14.148/2021, elenca em seus incisos as atividades econômicas que são consideradas como pertencentes ao setor de eventos para os fins da norma, conforme transcrição adiante:
“Art. 2º Fica instituído o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse), com o objetivo de criar condições para que o setor de eventos possa mitigar as perdas oriundas do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020.
§ 1º Para os efeitos desta Lei, consideram-se pertencentes ao setor de eventos as pessoas jurídicas, inclusive entidades sem fins lucrativos, que exercem as seguintes atividades econômicas, direta ou indiretamente:
I - realização ou comercialização de congressos, feiras, eventos esportivos, sociais, promocionais ou culturais, feiras de negócios, shows, festas, festivais, simpósios ou espetáculos em geral, casas de eventos, buffets sociais e infantis, casas noturnas e casas de espetáculos;
II - hotelaria em geral;
III - administração de salas de exibição cinematográfica; e
IV - prestação de serviços turísticos, conforme o art. 21 da Lei nº 11.771, de 17 de setembro de 2008." (grifos meus)
O §2º desse mesmo art. 2º, por sua vez, estabelece que ato do Ministério da Economia publicará os códigos da Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) que se enquadram na definição de setor de eventos.
Nesse sentido, o Ministério da Economia publicou a Portaria ME nº 7.163/21, contemplando em seu Anexo II a atividade da impetrante – “lanchonetes e similares (CNAE 5611-2/03) – como modalidade de “prestação de serviços turísticos, conforme o art. 21 da Lei nº 11.771, de 17 de setembro de 2008”, a que se refere o inciso IV do § 1º do art. 2º da Lei nº 14.148/21, acima reproduzido.
Ou seja, a atividade da impetrante é considerada pela Portaria ME nº 7.163/21 como atividade de serviços turísticos, que, por sua vez, está compreendida dentro do segmento de “eventos”, beneficiado pela Lei do PERSE (Lei nº 14.148/21).
Por seu turno, o art. 21 da Lei nº 11.771/08 – que dispõe sobre a Política Nacional de Turismo-, possui a seguinte redação:
“Art. 21. Consideram-se prestadores de serviços turísticos, para os fins desta Lei, as sociedades empresárias, sociedades simples, os empresários individuais e os serviços sociais autônomos que prestem serviços turísticos remunerados e que exerçam as seguintes atividades econômicas relacionadas à cadeia produtiva do turismo:
I - meios de hospedagem;
II - agências de turismo;
III - transportadoras turísticas;
IV - organizadoras de eventos;
V - parques temáticos; e
VI - acampamentos turísticos.
Parágrafo único. Poderão ser cadastradas no Ministério do Turismo, atendidas as condições próprias, as sociedades empresárias que prestem os seguintes serviços:
I - restaurantes, cafeterias, bares e similares;
II - centros ou locais destinados a convenções e/ou a feiras e a exposições e similares;
III - parques temáticos aquáticos e empreendimentos dotados de equipamentos de entretenimento e lazer;
IV - marinas e empreendimentos de apoio ao turismo náutico ou à pesca desportiva;
V - casas de espetáculos e equipamentos de animação turística;
VI - organizadores, promotores e prestadores de serviços de infra-estrutura, locação de equipamentos e montadoras de feiras de negócios, exposições e eventos;
VII - locadoras de veículos para turistas; e
VIII - prestadores de serviços especializados na realização e promoção das diversas modalidades dos segmentos turísticos, inclusive atrações turísticas e empresas de planejamento, bem como a prática de suas atividades.” (grifos meus)
Como se vê, o art. 21 da Lei nº 11.771/08 estabelece em seu “caput” as atividades econômicas que considera como “serviços turísticos” e, em seu parágrafo único, as atividades que podem ser assim consideradas, mediante cadastro no Ministério do Turismo (CADASTUR).
Já o art. 22 da referida Lei determina que “os prestadores de serviços turísticos estão obrigados ao cadastro no Ministério do Turismo, na forma e nas condições fixadas nesta Lei e na sua regulamentação” – do que se depreende que a inscrição dos estabelecimentos que exercem as atividades descritas no parágrafo único do art. 21 da Lei nº 11.771/08 é facultativa, até mesmo porque o referido dispositivo utiliza-se da expressão “poderão ser cadastradas”.
Assim, embora o cadastro dos estabelecimentos que exercem atividades de “restaurantes, cafeterias, bares e similares” no Ministério do Turismo não seja obrigatório, pode ele servir como baliza para se verificar se suas atividades são de fato consideradas como turísticas.
Dessa forma, nada impede que a lei posteriormente estabeleça - vide a posterior edição da Lei nº 14.592/2023 - como condição para a fruição do benefício do PERSE a inscrição nesse cadastro.
Ocorre que a previsão inicial de prévia inscrição no CADASTUR foi estabelecida pelo § 2º do art. 1º da Portaria ME 7.163/21, como requisito para gozo do benefício do PERSE, assim determinando:
“§ 2º. As pessoas jurídicas que exercem as atividades econômicas relacionadas no Anexo II a esta Portaria poderão se enquadrar no Perse desde que, na data de publicação da Lei nº 14.148, de 2021, sua inscrição já estivesse em situação regular no Cadastur, nos termos do art. 21 e do art. 22 da Lei nº 11.771, de 17 de setembro de 2008.” (grifos meus)
Conforme mencionado, após a derrubada do veto, a data de publicação a ser considerada para fins do benefício é a da republicação da Lei, após a derrubada do veto, isto é, 18/03/2022.
De igual sorte, ao disciplinar a aplicação desse benefício fiscal, a Receita Federal do Brasil (RFB) publicou a Instrução Normativa nº 2.114, de 31/10/2022, prevendo em seu art. 4º, dentre outros, que tal benefício aplica-se às pessoas jurídicas de que trata o Anexo II da Portaria ME nº 7.163/21, desde que, em 18 de março de 2022, estivessem com inscrição em situação regular no CADASTUR (inciso II, alínea “b”).
Posteriormente, a nova Portaria ME nº 12.266/22 (DOU de 02/01/2023), que atualizou a lista de CNAEs abrangidos pelo benefício fiscal do PERSE, também previu a data de 18/03/2022 como base para que as empresas do setor de turismo possuíssem regular inscrição no CADASTUR para usufruir tal benefício.
Desse modo, de acordo com a atual regulamentação infralegal (Portarias ME e Instrução Normativa RFB), o benefício do PERSE pode ser usufruído pelo impetrante somente se, em 18 de março de 2022, estivesse com inscrição em situação regular no CADASTUR.
No entanto, não é possível que normas infralegais, a pretexto de regulamentarem determinado benefício fiscal, estabeleçam condição não prevista em lei, sob pena de violar o princípio da legalidade, previsto no art. 5º, II, e no art. 150, I, ambos da Constituição Federal.
A exigência feita por ato infralegal de prévia inscrição da pessoa jurídica no CADASTUR como condição para que seja considerada empresa atuante no setor turístico e assim usufruir o benefício fiscal, é abusiva, prejudicando os contribuintes que – embora atuassem no segmento de turismo – não tivessem anteriormente realizado tal inscrição, que não era obrigatória.
Verifica-se que tal previsão culminou por estabelecer um tratamento diferenciado, baseado em premissa não essencial ao exercício de atividade econômica, distinguindo empresas que passaram todas pelo mesmo infortúnio econômico (pandemia da COVID-19), em evidente quebra do princípio da isonomia, sem nenhuma previsão legal.
Nesse sentido, o STJ já há muito tem decidido que um ato infralegal não pode estabelecer condições não previstas em lei para fruição de determinado benefício fiscal, por extrapolar o seu poder regulamentar e ferir o princípio da legalidade:
“RECURSO ESPECIAL IRPJ. LUCRO REAL. DEDUÇÃO. PROVISÃO PARA CRÉDITOS DE LIQÜIDAÇÃO DUVIDOSA. LEIS N. 4.506/64 E 9.541/92. INSTRUÇÃO NORMATIVA N. 80/93-SRF. PORTARIA N. 526/93. ILEGALIDADE.
Se a lei tributária estabelece determinada restrição à aplicação de benefício fiscal, o ato administrativo somente poderá fixar os critérios de aplicação dessas restrições, mas nunca ampliá-las.
O artigo 61, § 2º, da Lei n. 4.506/64 determina que a percentagem fixada para o cálculo da provisão poderá ser excedida observada a relação entre "créditos não liquidados até o total dos créditos da empresa". Não poderia, portanto, a IN 80/93 reduzir essa expressão para "perdas efetivamente ocorridas" (artigo 4°, I, da IN n. 80/93 e art. 1º, caput, da Portaria n. 526/93).
Não há, outrossim, previsão legal para a proibição do cômputo dos créditos não liquidados constituídos no próprio exercício (artigo 4º, I, da IN n. 80/93 e art. 1º, § 1º, da Portaria n. 526/93).
Segundo dispõe o artigo 61, § 2º, da Lei n. 4.506/64, somente poderão ser excluídos da dedução os créditos proveniente de vendas com reserva de domínio ou de operações com garantia real. Não fez a lei menção à possibilidade de exclusão dos créditos oriundos das atividades operacionais com alienação fiduciária em garantia (art. 2°, inciso II e parágrafo único, da IN 80/93).
Limita-se a União a invocar genericamente as normas do artigo 96 e 100 do Código Tributário Nacional, que garantem às instruções normativas e portarias status de norma tributária, sem penetrar no exame dos vícios indicados pelo recorrido.
A norma do § 1º do artigo 61 não permite que se crie novas exceções à dedução das parcelas relativas às provisões de liqüidação duvidosa, por outro instrumento que não seja a lei, mas sim que se disponha, levando-se em consideração a diversidade de operações, sobre o percentual a ser aplicado.
Recurso Especial não conhecido.” (REsp 170.234-SP, Rel. Min. Franciulli Netto, j. em 12/03/02) (grifos meus)
“TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. IMPOSTO DE RENDA PESSOA FÍSICA. INCIDÊNCIA SOBRE PROVENTOS DE APOSENTADORIA. CARDIOPATIA GRAVE. ISENÇÃO. TERMO INICIAL: DATA DO DIAGNÓSTICO DA PATOLOGIA. DECRETO REGULAMENTADOR (DECRETO Nº 3.000/99, ART. 39, § 5º) QUE EXTRAPOLA OS LIMITES DA LEI (LEI 9.250/95, ART. 30). INTERPRETAÇÃO.
[...]
3. Do cotejo das normas dispostas, constata-se claramente que o Decreto 3.000/99 acrescentou restrição não prevista na lei, delimitando o campo de incidência da isenção de imposto de renda. Extrapola o Poder Executivo o seu poder regulamentar quando a própria lei, instituidora da isenção, não estabelece exigência, e o decreto posterior o faz, selecionando critério que restringe o direito ao benefício.
4. As relações tributárias são revestidas de estrita legalidade. A isenção por lei concedida somente por ela pode ser revogada. É inadmissível que ato normativo infralegal acrescente ou exclua alguém do campo de incidência de determinado tributo ou de certo benefício legal.
[...]
7. Recurso especial não-provido.”
(RESP 812799, Relator JOSÉ DELGADO, Primeira Turma, DJ DATA:12/06/2006 PG:00450) (grifos meus)
Dessa forma, a condição prevista no §2º do art. 1º da Portaria ME nº 7.163/21, bem como no art. 4º, II, “b”, da IN RFB nº 2.114/22, e §2º do art. 1º da Portaria ME nº 12.266/22, não pode ser exigida do contribuinte como requisito para fruição do benefício previsto no art. 4º da Lei nº 14.148/21.
No mesmo sentido já foram proferidas outras decisões no âmbito desta Turma, de lavra do Eminente Desembargador Federal Nery Júnior, que concedeu a antecipação da tutela recursal no AI 5019713-79.2022.4.03.0000, em 29/07/2022, e no AI 5030454-81.2022.4.03.0000, em 12/11/2022.
Da mesma forma entendeu o Tribunal Regional Federal da 5ª Região:
“TRIBUTÁRIO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROGRAMA EMERGENCIAL DE RECUPERAÇÃO DO SETOR DE EVENTOS - PERSE. LEI Nº 14.148/2021. EXIGÊNCIA REFERENTE À INSCRIÇÃO PRÉVIA NO CADASTUR. PORTARIA ME Nº 7.163/2021. EXIGÊNCIA NÃO PREVISTA EM LEI. EXTRAPOLAMENTO DO PODER REGULAMENTAR.
1 - Agravo de instrumento contra decisão que, em Mandado de Segurança Preventivo, negou liminar por meio da qual a empresa Agravante pretendia ter acesso aos benefícios do Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos - PERSE, sem ter de comprovar o cumprimento da exigência constante do §2.º, do art. 1º, da Portaria ME nº 7.163/2021, in casu, o de estar cadastrada ao tempo da vigência da Lei nº 14.148/2021 no Cadastro de Prestadores de Serviços Turísticos - CADASTUR.
2 - O Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos - PERSE, criado pelo Governo Federal, voltado ao combate dos efeitos da Pandemia do COVID-19 na economia, teve como finalidade estimular o setor de eventos mediante concessão de benefícios fiscais (isenção tributária) e refinanciamento de dívidas tributárias originadas no período de vigência das medidas restritivas.
3 - A Lei n.º 14.148/2021, posteriormente regulada pela Portaria ME n° 7.163/2021, elencou as exigências para ingresso no programa e, entre elas, previu a inscrição da pessoa jurídica interessada no CADASTUR, quando da data de publicação da referida Lei n.º 14.148/2021.
4 - O § 2º, do art. 1º, da Portaria ME nº 7.163/2021 ultrapassou o poder regulamentar conferido à Administração Fazendária uma vez que criou limitação para fins de adesão ao PERSE não prevista em Lei, devendo ser afastada.
5 - Agravo de instrumento provido”. (AI 0811299-90.2022.4.05.0000, 5ª Turma, Rel. Des. Fed. Francisco Alves dos Santos Júnior, j. em 28/02/2023) (grifos meus).
Tal decisão foi mantida pelo STJ em decisão monocrática proferida pela Ministra Regina Helena Costa no REsp 2093582-SE (j. em 31/08/2023), que entendeu que o recurso interposto não preencheu os seus requisitos legais.
No que toca à comprovação de que a apelante atua no ramo de turismo e que sofreu o impacto da pandemia, observo que iniciou suas operações em 21/07/1998 (id 280872453), de modo que exercia suas atividades durante o período da pandemia da COVID-19.
Além disso, a impetrante possui inscrição no CADASTUR em 30/05/2022 (id 280872459), o que gera uma presunção juris tantum de que atua no segmento de turismo, nada impedindo que as autoridades competente efetuam fiscalização e eventualmente comprovem o contrário.
Note-se que, posteriormente, foi publicada a Lei nº 14.592, de 30/05/23, introduzindo modificações na Lei nº 14.148/21. Dentre tais modificações, convém destacar a novel redação do caput do artigo 4º, o qual passou a dispor expressamente as atividades econômicas destinatárias do benefício de alíquota zero, pelo prazo de 60 meses, quanto aos tributos IRPJ, CSLL, PIS e Cofins. Outrossim, introduziu-se o § 5º ao citado dispositivo, o qual elencou as atividades cuja fruição da referida alíquota é condicionada à regularidade, em 18/03/2022, de sua situação perante o Cadastro dos Prestadores de Serviços Turísticos (Cadastur).
Transcrevo os dispositivos referidos:
"Art. 4º Ficam reduzidas a 0% (zero por cento) pelo prazo de 60 (sessenta) meses, contado do início da produção de efeitos desta Lei, as alíquotas dos seguintes tributos, incidentes sobre o resultado auferido pelas pessoas jurídicas pertencentes ao setor de eventos abrangendo as seguintes atividades econômicas, com os respectivos códigos da CNAE: hotéis (5510-8/01); apart-hotéis (5510-8/02); albergues, exceto assistenciais (5590-6/01); campings (5590-6/02), pensões (alojamento) (5590-6/03); outros alojamentos não especificados anteriormente (5590-6/99); serviços de alimentação para eventos e recepções - bufê (5620-1/02); produtora de filmes para publicidade (5911-1/02); atividades de exibição cinematográfica (5914-6/00); criação de estandes para feiras e exposições (7319-0/01); atividades de produção de fotografias, exceto aérea e submarina (7420-0/01); filmagem de festas e eventos (7420-0/04); agenciamento de profissionais para atividades esportivas, culturais e artísticas (7490-1/05); aluguel de equipamentos recreativos e esportivos (7721-7/00); aluguel de palcos, coberturas e outras estruturas de uso temporário, exceto andaimes (7739-0/03); serviços de reservas e outros serviços de turismo não especificados anteriormente (7990-2/00); serviços de organização de feiras, congressos, exposições e festas (8230-0/01); casas de festas e eventos (8230-0/02); produção teatral (9001-9/01); produção musical (9001-9/02); produção de espetáculos de dança (9001-9/03); produção de espetáculos circenses, de marionetes e similares (9001-9/04); atividades de sonorização e de iluminação (9001-9/06); artes cênicas, espetáculos e atividades complementares não especificadas anteriormente (9001-9/99); gestão de espaços para artes cênicas, espetáculos e outras atividades artísticas (9003-5/00); produção e promoção de eventos esportivos (9319-1/01); discotecas, danceterias, salões de dança e similares (9329-8/01); serviço de transporte de passageiros - locação de automóveis com motorista (4923-0/02); transporte rodoviário coletivo de passageiros, sob regime de fretamento, municipal (4929-9/01); transporte rodoviário coletivo de passageiros, sob regime de fretamento, intermunicipal, interestadual e internacional (4929-9/02); organização de excursões em veículos rodoviários próprios, municipal (4929-9/03); organização de excursões em veículos rodoviários próprios, intermunicipal, interestadual e internacional (4929-9/04); transporte marítimo de cabotagem - passageiros (5011-4/02); transporte marítimo de longo curso - passageiros (5012-2/02); transporte aquaviário para passeios turísticos (5099-8/01); restaurantes e similares (5611-2/01); bares e outros estabelecimentos especializados em servir bebidas, sem entretenimento (5611-2/04); bares e outros estabelecimentos especializados em servir bebidas, com entretenimento (5611-2/05); agências de viagem (7911-2/00); operadores turísticos (7912-1/00); atividades de museus e de exploração de lugares e prédios históricos e atrações similares (9102-3/01); atividades de jardins botânicos, zoológicos, parques nacionais, reservas ecológicas e áreas de proteção ambiental (9103-1/00); parques de diversão e parques temáticos (9321-2/00); atividades de organizações associativas ligadas à cultura e à arte (9493-6/00):
(...)
§ 5º Terão direito à fruição de que trata este artigo, condicionada à regularidade, em 18 de março de 2022, de sua situação perante o Cadastro dos Prestadores de Serviços Turísticos (Cadastur), nos termos dos arts. 21 e 22 da Lei nº 11.771, de 17 de setembro de 2008 (Política Nacional de Turismo), as pessoas jurídicas que exercem as seguintes atividades econômicas: serviço de transporte de passageiros - locação de automóveis com motorista (4923-0/02); transporte rodoviário coletivo de passageiros, sob regime de fretamento, municipal (4929-9/01); transporte rodoviário coletivo de passageiros, sob regime de fretamento, intermunicipal, interestadual e internacional (4929-9/02); organização de excursões em veículos rodoviários próprios, municipal (4929-9/03); organização de excursões em veículos rodoviários próprios, intermunicipal, interestadual e internacional (4929-9/04); transporte marítimo de cabotagem - passageiros (5011-4/02); transporte marítimo de longo curso - passageiros (5012-2/02); transporte aquaviário para passeios turísticos (5099-8/01); restaurantes e similares (5611-2/01); bares e outros estabelecimentos especializados em servir bebidas, sem entretenimento (5611-2/04); bares e outros estabelecimentos especializados em servir bebidas, com entretenimento (5611-2/05); agências de viagem (7911-2/00); operadores turísticos (7912-1/00); atividades de museus e de exploração de lugares e prédios históricos e atrações similares (9102-3/01); atividades de jardins botânicos, zoológicos, parques nacionais, reservas ecológicas e áreas de proteção ambiental (9103-1/00); parques de diversão e parques temáticos (9321-2/00); atividades de organizações associativas ligadas à cultura e à arte (9493-6/00)."
Observa-se, a partir da modificação legislativa promovida pela Lei nº 14.592, de 30/05/23, a exigência de inscrição regular no CADASTUR passou a ter previsão legal expressa na Lei nº 14.148/21, em seu novel § 5º, para que determinadas atividades possam usufruir do benefício de alíquota zero disposto no art. 4º da norma.
No entanto, é vedado à nova Lei, que estabeleceu novo requisito para fruição de benefício fiscal, retroagir para atingir fatos praticados anteriormente à sua publicação, pois isso implicaria violação ao direito adquirido (CF/88, art. 5º, XXXVI) e ao princípio da irretroatividade da lei tributária (CF/88, art. 150, III, “a”), in verbis:
“Art. 5º (...).
XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;”
“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
III - cobrar tributos:
a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado;”
Portanto, reconheço o direito da impetrante usufruir do benefício fiscal concedido pelo art. 4º da Lei nº 14.148/21, sem a exigência da inscrição no CADASTUR em 18/03/2022.
Observo, ademais, que a Lei nº 14.592, de 30/05/23, ao dispor expressamente na novel redação do caput do art. 4º, acerca das atividades econômicas especificamente beneficiárias da alíquota zero, pelo prazo de 60 meses, para IRPJ, CSLL, PIS e Cofins, não contemplou a atividade econômica da impetrante.
Antes disso, a atividade econômica preponderantemente exercida pela impetrante (CNAE 56.11-2/03 - lanchonetes e similares) - que constava na Portaria ME nº 7.163/21 - já havia sido excluída pela Portaria ME 11.266/22 . Ou seja, a partir da publicação da Portaria ME 11.266 ((DOU de 02/01/2023), a recorrente foi excluída do benefício do PERSE.
As alegações de ilegalidade da referida exclusão e de existência de direito adquirido ao benefício de redução à alíquota zero, todavia, não se sustentam.
O benefício de redução à alíquota zero, pelo prazo de 60 meses, dos tributos de IRPJ, CSLL, PIS e COFINS não impõe qualquer contraprestação a seus beneficiários que represente ônus passível da proteção de que trata o art. 178 do CTN, como alega a apelante.
De fato, nos termos do tratamento dispensado pelo art. 178 do CTN, a isenção (assim como o benefício fiscal de alíquota zero, como o presente caso), para não ser passível de revogação ou alteração a qualquer tempo, deve ter sido instituída com dois requisitos cumulativos, a saber: ser concedida por prazo certo e em função de determinadas contraprestações do beneficiário. Nesse sentido, é o comando legal insculpido no dispositivo referido, in verbis:
“Art. 178. A isenção, salvo se concedida por prazo certo e em função de determinadas condições, pode ser revogada ou modificada por lei, a qualquer tempo, observado o disposto no inciso III do art. 104."
Acerca do tema, Aliomar Baleeiro, in Direito Tributário Brasileiro, leciona que:
“A primitiva redação do art. 178 era alternativa: 'por prazo certo ou em função de determinadas condições'. Uma coisa ou outra. A Lei Complementar nº 24/1975 substituiu ou por e: ambas as circunstâncias simultaneamente. O art. 178 veio, pois, consagrar princípios que a jurisprudência já construíra, passo a passo, nos anos imediatamente anteriores à sua promulgação"(BALEEIRO, Aliomar, Direito Tributário Brasileiro, 11ª Ed. , Rio de Janeiro, Forense, 2001, p. 949) (grifos meus)
O benefício do PERSE de alíquota zero, conforme disposto no art. 4º da Lei nº 14.148/2021, em que pese ser concedido por prazo certo, se dá pelo simples exercício das atividades descritas como beneficiárias da medida, não impondo qualquer ônus aos destinatários. Logo, não se equipara à isenção onerosa, sendo passível de revogação ou modificação a qualquer tempo. Não há direito adquirido do contribuinte ao benefício do PERSE de alíquota zero, porquanto não se tratar de isenção onerosa.
O STJ, a contrario sensu, enfrentou o tema em julgado recente, assentando a ilicitude da cessação prematura de incentivo fiscal em que constatada a onerosidade. Confira-se:
"TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. APLICABILIDADE. DISCIPLINA DO ART. 178 DO CTN À HIPÓTESE DE ALÍQUOTA ZERO. POSSIBILIDADE. NÃO SUJEIÇÃO DOS VAREJISTAS AOS EFEITOS DO ART. 9º DA MP N. 690/2015 (CONVERTIDA NA LEI N. 13.241/2015). PRESENÇA DE ONEROSIDADE (CONTRAPARTIDA) NO CONTEXTO DO INCENTIVO FISCAL DA LEI N. 11.196/2005 (“LEI DO BEM”). PREMATURA CESSAÇÃO DA INCIDÊNCIA DE ALÍQUOTA ZERO. VULNERAÇÃO DA NORMA QUE DÁ CONCRETUDE AO PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA (PROTEÇÃO DA CONFIANÇA) NO ÂMBITO DAS ISENÇÕES CONDICIONADAS E POR PRAZO CERTO. INTELIGÊNCIA DA SÚMULA N. 544/STF.
(...) II – Adequada a aplicação do art. 178 do Código Tributário Nacional à hipótese de fixação, por prazo certo e em função de determinadas condições, de alíquota zero da Contribuição ao PIS e da Cofins, porquanto os contribuintes, tanto no caso de isenção, quanto no de alíquota zero, encontram-se em posição equivalente no que tange ao resultado prático do alívio fiscal.
III – À luz de tal norma, não alcança o varejista a revogação prevista no art. 9º da MP n. 690/2015 (convertida na Lei n. 13.241/2015), dispositivo que antecipa, em três exercícios, o derradeiro dia da redução a zero, por prazo certo, das alíquotas da Contribuição ao PIS e da Cofins incidentes sobre a receita bruta das alienações dos produtos especificados na Lei n. 11.196/2005 (“Lei do Bem”).
IV - A fruição da apontada desoneração sujeitava o varejista: (i) à limitação do preço de venda; e (ii) à restrição de fornecedores, traduzindo inegável restrição à liberdade empresarial, especialmente, no ambiente da economia de livre mercado. Esse cenário, revela a contrapartida da Recorrente diante da ação governamental voltada à democratização do acesso aos meios digitais, pois esteve a contribuinte submetida ao desdobramento próprio daquele ônus – a diminuição do lucro –, impondo-se a imediata readequação da estrutura do negócio, além da manutenção dessa conformação empresarial durante o longo período de vigência do incentivo.
V - A proteção da confiança no âmbito tributário, uma das faces do princípio da segurança jurídica, prestigiado pelo CTN, deve ser homenageada, sob pena de olvidar-se a boa-fé do contribuinte, que aderiu à política fiscal de inclusão social, concebida mediante condições onerosas para o gozo da alíquota zero de tributos. Consistindo a previsibilidade das consequências decorrentes das condutas adotadas pela Administração outro desdobramento da segurança jurídica, configura ato censurável a prematura extinção do regime de alíquota zero, após sua prorrogação para novos exercícios, os quais, somados aos períodos anteriormente concedidos, ultrapassam uma década de ação indutora do comportamento dos agentes econômicos do setor, inclusive dos varejistas, com vista a beneficiar os consumidores de baixa renda.
VI - A açodada cessação da incidência da alíquota zero da Contribuição ao PIS e da Cofins, vulnera o art. 178 do CTN, o qual dá concretude ao princípio da segurança jurídica no âmbito das isenções condicionadas e por prazo certo (Súmula n. 544/STF).
VII - Recurso Especial provido, nos termos expostos.
(REsp 1.725.452/RS, Rel. p/ acórdão Min. Regina Helena Costa, Primeira Turma, DJe 15/06/2021). (grifos meus)
Nestes termos, reconheço a fruição pela impetrante dos benefícios do PERSE, independentemente da prévia inscrição no CADASTUR e observado o período em que sua atividade restou contemplada pela normatização, ou seja, até o advento da Portaria ME 11.266/22 e da Lei nº ME 14.592/2023.
Cumpre observar que não há ilegalidade na Portaria do Ministério da Economia (ME) 11.266/22, que não contemplou mais o CNAE da recorrente no benefício do PERSE, pois a inclusão da sua atividade no PERSE também se deu através de Portaria ME, por força da delegação contida no § 2º do art. 2º da Lei 14.148/21:
"§ 2º. Ato do Ministério da Economia publicará os códigos da Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) que se enquadram na definição de setor de eventos referida no § 1º deste artigo."
Assim, a atividade da recorrente foi incluída no PERSE por meio de Portaria ME e foi igualmente excluída do benefício também por meio de Portaria ME (posteriormente confirmada pela Lei 14.592/23).
Há que se respeitar, todavia, os princípios da anterioridade anual (CF/88, art. 150, III, b), em relação ao IRPJ, e nonagesimal (CF/88, art. 195, § 6º), em relação às contribuições sociais (CSLL, PIS e COFINS), pois a revogação de um benefício fiscal implica majoração indireta da carga tributária do contribuinte. Nesse sentido:
"DIREITO TRIBUTÁRIO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. ICMS. REVOGAÇÃO DE BENEFÍCIO FISCAL. MAJORAÇÃO INDIRETA DE TRIBUTO. PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE. 1. Agravo regimental no recurso extraordinário com agravo interposto em face de decisão que, monocraticamente, conheceu do recurso e deu-lhe provimento. O acórdão do TJSP, reformado pelo relator, havia determinado que decreto estadual que revoga benefício fiscal de ICMS produza efeitos apenas a partir do ano seguinte a sua edição, respeitando a anterioridade anual e a noventena, por configurar aumento de carga tributária, nos termos da jurisprudência desta Corte. 2. O ato normativo questionado pelo contribuinte extinguiu benefício fiscal que possibilitava a geração de créditos de ICMS ainda que a circulação de mercadorias fosse isenta. No entanto, seus efeitos começaram a ser produzidos quando da publicação. A anterioridade tributária visa a assegurar a previsibilidade da carga tributária, protegendo a segurança jurídica, a não surpresa e a confiança legítima. Por isso, também deve ser aplicada à revogação ou alteração de benefício fiscal, conforme já reconhecido por esta Corte. 3. Desse modo, divirjo do relator e dou provimento ao agravo interno para negar provimento ao recurso do Estado de São Paulo, a fim de manter o acórdão recorrido". (STF, ARE 1322395, Redator do Acórdão Min. Roberto Barroso, publicado em 23/03/2022)
Dessa forma, a revogação do benefício do PERSE para a recorrente, ocorrida pela Portaria ME 11.266/21 (DOU de 02/01/2022), não é ilegal, mas deve respeitar os princípios da anterioridade anual, em relação ao IRPJ, e nonagesimal, em relação às contribuições sociais (CSLL, PIS e COFINS).
Ante o exposto, dou parcial provimento à apelação para reconhecer o direito de fruição do benefício previsto no art. 4º da Lei nº 14.148/2021, independentemente da prévia inscrição no CADASTUR, observada, no entanto, a vigência do benefício com as modificações introduzidas pela Portaria ME 11.266/22 e pela Lei nº 14.592/2023, respeitadas a anterioridade anual, em relação ao IRPJ, e nonagesimal, em relação ao PIS, COFINS e à CSLL.
É o voto.
E M E N T A
TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. PERSE. EXIGÊNCIA DE REGULARIDADE NO CADASTUR. RESTAURANTES, CAFETERIAS, BARES E SIMILARES. ILEGALIDADE PORTARIA ME 7.163/2021. NECESSIDADE DE OBSERVÂNICAS DOS PRINCÍPIOS DA IRRETROATIVIDADE E ANTERIORIDADE QUANTO À LEI 14.592/2023. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA.
1. Discute-se a legalidade da exigência prevista no §2º, do artigo 1º, da Portaria ME n.º 7.163/2021, do Ministério da Economia, que, em relação às pessoas jurídicas prestadoras de serviços qualificadas, dentre outros, como restaurantes, cafeterias, bares e similares, condicionou-as à situação regular no Cadastro de Prestadores de Serviços Turísticos – Cadastur na data publicação do artigo 4º da Lei n.º 14.148/2021, em 18.03.2022, para fins de enquadramento no Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos – PERSE.
2 - A Lei nº 14.148/2021 instituiu o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (PERSE), criando benefícios ao setor com o objetivo de “compensar os efeitos decorrentes das medidas de combate à pandemia da Covid-19”, conforme se extrai de sua própria ementa.
3 - Referida lei foi inicialmente publicada em 04/05/2021, sendo que o art. 4º, que previa o benefício de redução à alíquota zero, pelo prazo de 60 meses, do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ), da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), bem como das contribuições ao Programa de Integração Social (PIS) e Financiamento da Seguridade Social (COFINS), havia sido vetado pelo Presidente da República. Posteriormente, com a derrubada do veto pelo Congresso Nacional, a Lei foi republicada em 18/03/2022, sendo esta a data a ser considerada para fins de vigência do benefício de alíquota zero em comento.
4 - O art. 2º, § 1º, da Lei nº 14.148/2021, elenca em seus incisos as atividades econômicas que são consideradas como pertencentes ao setor de eventos para os fins da norma. O §2º desse mesmo art. 2º, por sua vez, estabelece que ato do Ministério da Economia publicará os códigos da Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) que se enquadram na definição de setor de eventos.
5 - De acordo com a atual regulamentação infralegal (Portarias ME e Instrução Normativa RFB), o benefício do PERSE pode ser usufruído pelo impetrante somente se, em 18 de março de 2022, estivesse com inscrição em situação regular no CADASTUR.
6 - No entanto, não é possível que normas infralegais, a pretexto de regulamentarem determinado benefício fiscal, estabeleçam condição não prevista em lei, sob pena de violar o princípio da legalidade, previsto no art. 5º, II, e no art. 150, I, ambos da Constituição Federal.
7 - A exigência feita por ato infralegal de prévia inscrição da pessoa jurídica no CADASTUR como condição para que seja considerada empresa atuante no setor turístico e assim usufruir o benefício fiscal, é abusiva, prejudicando os contribuintes que – embora atuassem no segmento de turismo – não tivessem anteriormente realizado tal inscrição, que não era obrigatória.
8 - Verifica-se que tal previsão culminou por estabelecer um tratamento diferenciado, baseado em premissa não essencial ao exercício de atividade econômica, distinguindo empresas que passaram todas pelo mesmo infortúnio econômico (pandemia da COVID-19), em evidente quebra do princípio da isonomia, sem nenhuma previsão legal.
9 - Dessa forma, a condição prevista no §2º do art. 1º da Portaria ME nº 7.163/21, bem como no art. 4º, II, “b”, da IN RFB nº 2.114/22, e §2º do art. 1º da Portaria ME nº 12.266/22, não pode ser exigida do contribuinte como requisito para fruição do benefício previsto no art. 4º da Lei nº 14.148/21
10 - O poder constituinte originário conferiu ao Estado o poder de tributar os contribuintes, para obter recursos para financiar suas atividades. A fim de que o exercício desse poder estatal seja legítimo, contudo, deve-se observar não só os limites da competência atribuída pela Constituição Federal a cada ente da federação, como também as imunidades e as garantias individuais do contribuinte previstas principalmente no artigo 150 da Constituição Federal.
11 - Na seara tributária, isso se reflete na vedação do Estado de promover modificações legislativas repentinas, com efeitos concretos imediatos, que elevem a carga tributária. Assegura, ainda, ao contribuinte, um tempo mínimo para conhecer a modificação na legislação tributária e planejar a atividade econômica para suportar seus efeitos. É justamente para impedir tais “surpresas”, que o artigo 150, III, da Constituição Federal confere ao contribuinte a proteção dos princípios da anterioridade genérica e da anterioridade. Em sua modalidade genérica, o princípio da anterioridade veda que a lei que institua ou majore tributo produza efeitos no mesmo exercício financeiro em que ela foi publicada, nos termos do artigo 150, III, alínea ‘b’ da Constituição Federal. Já de acordo com o princípio da anterioridade nonagesimal, a lei que institui ou majora tributos só produz efeitos após 90 (noventa) dias da data de sua publicação.
12 - A matéria em questão, inicialmente, foi apenas tratada como limitação ao poder de tributar, consoante decorre explicitamente do texto constitucional. No entanto, passou-se também a questionar a aplicação principiológica para os benefícios fiscais concedidos. O debate faz sentido na medida em que a retirada de benesses fiscais - tal como a criação ou aumento dos tributos –, da mesma forma, é passível de gerar surpresa aos contribuintes, caracterizando, na realidade, espécie de majoração indireta de tributos.
13 - Não se questiona a possibilidade de eventual alteração legislativa ou mesmo da reedição de atos infralegais que tenham por consequência a supressão de benefícios, seja pela alteração do entendimento do Parlamento ou mesmo por diversa compreensão da Administração. A bem da verdade, compreende-se com naturalidade que se sucedam modificações normativas, inclusive, em curto espaço tempo, o que decorre de novos cenários e demandas. Todavia, preza-se, apenas, pela aplicação dos mesmos princípios constitucionais para situação equivalente, isto é, de exasperação da carga tributária.
14 - A Lei que estabelece restrição a benefício fiscal, que implique na sua redução ou revogação, está sujeita ao princípio da anterioridade, seja a anterioridade de exercício (artigo 150, III, b, da CF), seja a anterioridade nonagesimal (alínea c), de acordo com o respectivo tributo (§ 1º), entendimento atualmente respaldado tanto no Supremo Tribunal Federal como nesta E. Corte. Precedentes.
15 - Por seu turno, dispõe o artigo 178 do Código Tributário Nacional que “a isenção, salvo se concedida por prazo certo ou em função de determinadas condições, pode ser revogada ou modificada por lei a qualquer tempo, observado o disposto no inc. III do CTN, art. 104”. Exsurgem, portanto, duas modalidades de isenção: as simples e as onerosas. As isenções simples são passíveis de revogação a qualquer tempo, apenas sendo de rigor a observância dos princípios da anterioridade anual e nonagesimal, entendimento atualmente respaldado tanto no Supremo Tribunal Federal como nesta E. Corte. Já as isenções onerosas, por sua vez, são concedidas por um lapso temporal definido e, necessariamente, para a sua caracterização, devem vir acompanhadas de determinadas ações do seu beneficiário para que possam dela usufruir (“em função de determinadas condições”). Em razão de tais características, isto é, tempo determinado e contrapartida do contribuinte, não é possível se falar em revogação da isenção onerosa, devido à proteção conferida ao direito adquirido de seu beneficiário. Como elemento chave na caracterização das isenções onerosas e com conceito jurídico bem definido no ordenamento pátrio, as condições não são diferentes na esfera tributária e também se caracterizam como eventos futuros e incertos.
16 - Figura como requisito legal (e não condição) para a fruição das benesses fiscais a inscrição no Cadastur na data de publicação da Lei instituidora do PERSE. A rigor, não foi estabelecido na legislação discutida qualquer ônus às empresas para a fruição dos benefícios previstos, o que implica em reconhecer a ausência de violação do artigo 178 do CTN e de distinção da situação abrangida pela Súmula 544 do STF (“Isenções tributárias concedidas, sob condição onerosa, não podem ser livremente suprimidas”).
17 - Importante ressaltar que a fruição dos benefícios fiscais previstos para as pessoas jurídicas que preenchem os requisitos legais independe de qualquer ato formal de adesão ao Programa. Enquadrada na hipótese legal do PERSE, nasce para o contribuinte, de imediato, o direito à redução a zero da alíquota tributária e, para o Fisco, exsurge a impossibilidade de exigir qualquer tributo em descompasso com a Lei.
18 - Ausente condição relativa à adesão ao PERSE, incabível a exigência de sua comprovação para fruição dos benefícios do Programa, bastando o cumprimento dos requisitos legais para que, desde a vigência do artigo 4º da Lei n.º 14.148/2021 (em 18.03.2022), as pessoas jurídicas façam jus à redução a zero da alíquota tributária.
19 – Porém, com a vigência da Lei n.º 14.592/2023, para fins de fruição dos benefícios do PERSE passou a se exigir a comprovação de situação regular no Cadastur, na data de 18.03.2022, o que implica revogação do benefícios fiscal para os contribuintes que não atendem a este requisito legal, observado o critério da anterioridade de exercício em relação ao IRPJ e à anterioridade nonagesimal quanto às contribuições à seguridade social.
20 - Desta sorte, de rigor o reconhecimento da ilegalidade do quanto disposto no § 2º, do artigo 1º, da Portaria ME n.º 7.163/2021 e, por consequência, o direito ao enquadramento no PERSE do contribuinte prestador de serviços qualificados como restaurantes, cafeterias, bares e similares, sem que se lhe exija a comprovação de situação regular no Cadastur na data publicação do artigo 4º da Lei n.º 14.148/2021 (em 18.03.2022), observada a sujeição à anterioridade constitucional da restrição prevista na Lei n.º 14.592/2023.
21 – No caso concreto, acrescente-se que as atividades desenvolvidas pela impetrante (lanchonetes, casas de chás, sucos e similares, CNAE 5611-2/03) foram incluídas na Portaria ME nº 7.163/21 e, posteriormente, excluídas da Portaria ME subsequente, de nº 11.266/22.Assim, faz jus à fruição do benefício fiscal até que observado o critério da anterioridade de exercício em relação ao IRPJ e à anterioridade nonagesimal quanto às contribuições à seguridade social.
22 - Apelação do impetrante parcialmente provida.